23 de jun. de 2019

Voz do que clama no deserto

A Igreja celebra o nascimento de João como um acontecimento sagrado. Dentre os nossos antepassados, não há nenhum cujo nascimento seja celebrado solenemente. Celebramos o de João, celebramos também o de Cristo: tal fato tem, sem dúvida, uma explicação. E se não a soubermos dar tão bem, como exige a importância desta solenidade, pelo menos meditemos nela mais frutuosa e profundamente. João nasce de uma anciã estéril; Cristo nasce de uma jovem virgem.

O pai de João não acredita que ele possa nascer e fica mudo; Maria acredita, e Cristo é concebido pela fé. Eis o assunto que quisemos meditar e prometemos tratar. E se não formos capazes de perscrutar toda a profundeza de tão grande mistério, por falta de aptidão ou de tempo, aquele que fala dentro de vós, mesmo em nossa ausência, vos ensinará melhor. Nele pensais com amor filial,a ele recebestes no coração, dele vos tornastes templos.

João apareceu, pois, como ponto de encontro entre os dois Testamentos, o antigo e o novo. O próprio Senhor o chama de limite quando diz: A lei e os profetas até João Batista (Lc 16,16). Ele representa o antigo e anuncia o novo. Porque representa o Antigo Testamento, nasce de pais idosos; porque anuncia o Novo Testamento, é declarado profeta ainda estando nas entranhas da mãe. Na verdade, antes mesmo de nascer, exultou de alegria no ventre materno, à chegada de Maria. Antes de nascer, já é designado; revela-se de quem seria o precursor, antes de ser visto por ele. Tudo isto são coisas divinas, que ultrapassam a limitação humana. Por fim, nasce. Recebe o nome e solta-se a língua do pai. Relacionemos o acontecido com o simbolismo de todos estes fatos.

Zacarias emudece e perde a voz até o nascimento de João, o precursor do Senhor; só então recupera a voz. Que significa o silêncio de Zacarias? Não seria o sentido da profecia que, antes da pregação de Cristo, estava, de certo modo, velado, oculto, fechado? Mas com a vinda daquele a quem elas se referiam, tudo se abre e torna-se claro. O fato de Zacarias recuperar a voz no nascimento de João tem o mesmo significado que o rasgar-se o véu do templo, quando Cristo morreu na cruz. Se João se anunciasse a si mesmo, Zacarias não abriria a boca. Solta-se a língua, porque nasce aquele que é a voz. Com efeito, quando João já anunciava o Senhor, perguntaram-lhe: Quem és tu? (Jo 1,19). E ele respondeu: Eu sou a voz do que clama no deserto (Jo 1,23). João é a voz; o Senhor, porém,no princípio era a Palavra (Jo 1,1). João é a voz no tempo; Cristo é, desde o princípio, a Palavra eterna.

-- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (século V)

18 de jun. de 2019

A vida não é apenas uma festa


Em 1653, o espanhol Ignacio de Ries pintou quatro quadros para a capela da Concepção na catedral de Sevilla (Espanha). Um deles chama-se Alegoria da Árvore da Vida. No centro da imagem está a árvore da vida, no seu topo acontece uma grande festa, muita comida, bebida e música. É justo pensar que estão embriagados, aproveitando o que de melhor a vida pode oferecer. Mas a árvore da vida está para ser derrubada pelo esqueleto, figura da morte, auxiliada pelo Diabo, que está puxando todos para baixo. No lado oposto temos Jesus Cristo batendo um sino para avisar aos festeiros que a morte está próxima, seu tempo está acabando. No alto está escrito um verso:

Lembres que irás morrer,
lembres que não sabes quando.

Lembres que Deus está  te cuidando,
Lembres quem está te cuidando.

Significado bíblico

Contra aqueles que passam a vida em banquetes, sem reservar um pouco do seu tempo para Deus, o profeta Amós assim falou:

"Pretendeis retardar o dia do infortúnio, e, no entanto, apressais a chegada do reino da violência. Deitados em leitos de marfim, estendidos em sofás, comem os cordeiros do rebanho e os novilhos do estábulo. Deliram ao som da harpa, e, como Davi, inventam para si instrumentos de música; bebem o vinho em grandes copos, perfumam-se com óleos preciosos, sem se compadecerem da ruína de José. Por isso, serão deportados à frente dos cativos, e terão fim os banquetes dos voluptuosos." (Am 6, 3-7).

Podemos aproveitar as coisas boas da vida, mas a vida é mais que isto. Há pessoas necessitadas que precisam do nosso auxílio, o amor ao próximo naturalmente vai se expressar na caridade, na ajuda àqueles que não possuem alimento ou saúde. Consumir todo dinheiro nos prazeres da vida ou guardar em excesso, ser sovina, não compartilhar ou ajudar o próximo é um pecado. 

Nos Evangelhos, Jesus conta a história do homem rico, que dava festas todos os dias, mas negava-se a alimentar o pobre Lázaro (Lc 19, 16-31). O homem rico acaba no inferno, onde sofrerá, não por participado de festas, mas por ter se negado a ajudar o necessitado; Lázaro, após todos seus sofrimentos, é recebido nos céus. O homem rico, vendo o destino que lhe havia sido reservado, pede então que Lázaro seja enviado para avisar seus irmãos que devem mudar seus comportamento. A este pedido, Abraão responde: "Se não ouvirem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite algum dos mortos." .  Profetas do Velho Testamento, como Amós, e um clara referência a Jesus Cristo que ressuscitou dos mortos. 

-- autoria própria

8 de jun. de 2019

A unidade da Igreja fala todas as línguas

Ícone de Pentecotes, da Igreja Católica Cóptica
Os apóstolos começaram a falar em todas as línguas. Aprouve a Deus, naquele momento, significar a presença do Espírito Santo, fazendo com que todo aquele que o tivesse recebido, falasse em todas as línguas. Devemos compreender, irmãos caríssimos, que se trata do mesmo Espírito Santo pelo qual o amor de Deus foi derramado em nossos corações.

        O amor haveria de reunir na Igreja de Deus todos os povos da terra. E como naquela ocasião um só homem, recebendo o Espírito Santo, podia falar em todas as línguas, também agora, uma só Igreja, reunida pelo Espírito Santo, se exprime em todas as línguas. Se por acaso alguém nos disser: "Recebeste o Espírito Santo; por que não falas em todas as línguas?" devemos responder: "Eu falo em todas as línguas. Porque sou membro do Corpo de Cristo, isto é, da sua Igreja, que se exprime em todas as línguas. Que outra coisa quis Deus significar pela presença do Espírito Santo, a não ser que sua Igreja haveria de falar em todas as lín­guas?"
        Deste modo, cumpriu-se o que o Senhor tinha prometi­do: Ninguém coloca vinho novo em odres velhos. Vinho novo deve ser colocado em odres novos. E assim ambos são preservados (cf. Lc 5,37-38).
        Por isso, quando ouviram os apóstolos falar em todas as línguas, diziam alguns com certa razão: Estão cheios de vinho (At 2,13). Na verdade, já se haviam transformado em odres novos, renovados pela graça da santidade, a fim de que, repletos do vinho novo, isto é, do Espírito Santo, parecessem ferver ao falar em todas as línguas. E com este milagre tão evidente prefiguravam a universalidade da futura Igreja, que haveria de abranger as línguas de todos os povos.
        Celebrai, pois, este dia como membros do único Corpo de Cristo. E não o celebrareis em vão, se realmente sois aquilo que celebrais, isto é, se estais perfeitamente incorpo­rados naquela Igreja que o Senhor enche do Espírito Santo e faz crescer progressivamente através do mundo inteiro. Esta Igreja ele reconhece como sua e é por ela reconhecida como seu Senhor. O esposo não abandonou sua esposa; por isso ninguém pode substituí-la por outra.
        É a vós, homens de todas as nações, que sois a Igreja de Cristo, os membros de Cristo, o corpo de Cristo, a esposa de Cristo, é a vós que o Apóstolo dirige estas palavras: Suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos em guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz (Ef 4,2-3). Reparai como, ao lembrar o preceito de nos supor­tarmos uns aos outros, falou-nos do amor, e quando se referiu à esperança da unidade, pôs em evidência o vínculo da paz.
        Esta é a casa de Deus, edificada com pedras vivas. Nela o Eterno Pai gosta de morar; nela seus olhos jamais devem ser ofendidos pelo triste espetáculo da divisão entre seus filhos.
-- Dos Sermões de um Autor africano anônimo, do século VI

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