26 de abr. de 2022

O sacramento da unidade e da caridade

A edificação espiritual do corpo de Cristo realiza-se na caridade, segundo as palavras de São Pedro: Como pedras vivas, formai um edifício espiritual, um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo (1Pd 2,5). Esta edificação espiritual atinge sua maior eficácia no momento em que o próprio Corpo do Senhor, que é a Igreja, no sacramento do pão e do cálice, oferece o corpo e o sangue de Cristo: o cálice que bebemos é a comunhão com o sangue de Cristo; e o pão que partimos, é a comunhão com o corpo de Cristo. Porque há um só pão, nós todos participamos desse único pão (cf. 1Cor 10,16-17).

Por isso pedimos que a mesma graça que faz da Igreja o Corpo de Cristo, faça com que todos os membros, unidos pelos laços da caridade, perseverem firmemente na unidade do corpo.

E com razão suplicamos que isto se realize em nós pelo dom daquele Espírito que é ao mesmo tempo o Espírito do Pai e do Filho; porque sendo a Santíssima Trindade, na unidade de natureza, igualdade e amor, o único e verdadeiro Deus, é unânime a ação das três Pessoas divinas na obra santificadora daqueles que adota como filhos.

Eis por que está escrito: O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado (Rm 5,5).

O Espírito Santo, que é unidade do Pai e do Filho, realiza agora naqueles a quem concedeu a graça da adoção divina, transformação idêntica à que realizou naqueles que receberam o mesmo Espírito, conforme lemos no livro dos Atos dos Apóstolos: A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma (At 4,32). Quem fez dessa multidão dos que creram em Deus um só coração e uma só alma, foi aquele Espírito que é unidade do Pai e do Filho e com o Pai e o Filho é um só Deus.

Por isso, o Apóstolo exorta a conservarmos com toda a solicitude esta unidade do espírito no vínculo da paz, quando diz aos efésios: Eu, prisioneiro no Senhor, vos exorto a caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: com toda a humildade e mansidão, suportando-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos a guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito (Ef 3,1-4).

Deus, com efeito, enquanto conserva na Igreja o amor que ela recebeu pelo Espírito Santo, transforma-a num sacrifício agradável a seus olhos. De modo, que, recebendo continuamente esse dom da caridade espiritual, a Igreja possa sempre se apresentar como sacrifício vivo, santo e agradável a Deus.

 -- Dos “Livros a Monimo”, de São Fulgêncio, bispo de Ruspe (século VI)

23 de abr. de 2022

Homilia da Canonização de Irmã Faustina Kowalska

 


 1. "Confitemini Domino quoniam bonus, quoniam in aeternum misericordia eius".

"Louvai o Senhor, porque Ele é bom, porque é eterno o Seu amor" (Sl 118, 1). Assim canta a Igreja na Oitava de Páscoa, como que recolhendo dos lábios de Cristo estas palavras do Salmo, dos lábios de Cristo ressuscitado, que no Cenáculo traz o grande anúncio da misericórdia divina e confia aos apóstolos o seu ministério: "A paz seja convosco! Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós... Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jo 20, 21-23).

Antes de pronunciar estas palavras, Jesus mostra as mãos e o lado. Isto é, indica as feridas da Paixão, sobretudo a chaga do coração, fonte onde nasce a grande onda de misericórdia que inunda a humanidade. Daquele Coração a Irmã Faustina Kowalska, a Beata a quem de agora em diante chamaremos Santa, verá partir dois fachos de luz que iluminam o mundo: "Os dois raios, explicou-lhe certa vez o próprio Jesus representam o sangue e a água" (Diário, Libreria Editrice Vaticana, pág. 132).

2. Sangue e água! O pensamento corre rumo ao testemunho do evangelista João que, quando um soldado no Calvário atingiu com a lança o lado de Cristo, vê jorrar dali "sangue e água" (cf. Jo 19, 34). E se o sangue evoca o sacrifício da cruz e o dom eucarístico, a água, na simbologia joanina, recorda não só o baptismo, mas também o dom do Espírito Santo (cf. Jo 3, 5; 4, 14; 7, 37-39).

A misericórdia divina atinge os homens através do Coração de Cristo crucificado: "Minha filha, dize que sou o Amor e a Misericórdia em pessoa", pedirá Jesus à Irmã Faustina (Diário, pág. 374). Cristo derrama esta misericórdia sobre a humanidade mediante o envio do Espírito que, na Trindade, é a Pessoa-Amor. E porventura não é a misericórdia o "segundo nome" do amor (cf. Dives in misericordia, 7), cultuado no seu aspecto mais profundo e terno, na sua atitude de cuidar de toda a necessidade, sobretudo na sua imensa capacidade de perdão?

É deveras grande a minha alegria, ao propor hoje à Igreja inteira, como dom de Deus para o nosso tempo, a vida e o testemunho da Irmã Faustina Kowalska. Pela divina Providência a vida desta humilde filha da Polónia esteve completamente ligada à história do século XX, que há pouco deixámos atrás. De facto, foi entre a primeira e a segunda guerra mundial que Cristo lhe confiou a sua mensagem de misericórdia. Aqueles que recordam, que foram testemunhas e participantes nos eventos daqueles anos e nos horríveis sofrimentos que daí derivaram para milhões de homens, bem sabem que a mensagem da misericórdia é necessária.

Jesus disse à Irmã Faustina: "A humanidade não encontrará paz, enquanto não se voltar com confiança para a misericórdia divina" (Diário, pág. 132). Através da obra da religiosa polaca, esta mensagem esteve sempre unida ao século XX, último do segundo milénio e ponte para o terceiro. Não é uma mensagem nova, mas pode-se considerar um dom de especial iluminação, que nos ajuda a reviver de maneira mais intensa o Evangelho da Páscoa, para o oferecer como um raio de luz aos homens e às mulheres do nosso tempo.

3. O que nos trarão os anos que estão diante de nós? Como será o futuro do homem sobre a terra? A nós não é dado sabê-lo. Contudo, é certo que ao lado de novos progressos não faltarão, infelizmente, experiências dolorosas. Mas a luz da misericórdia divina, que o Senhor quis como que entregar de novo ao mundo através do carisma da Irmã Faustina, iluminará o caminho dos homens do terceiro milénio.

Assim como os Apóstolos outrora, é necessário porém que também a humanidade de hoje acolha no cenáculo da história Cristo ressuscitado, que mostra as feridas da sua crucifixão e repete: A paz seja convosco! É preciso que a humanidade se deixe atingir e penetrar pelo Espírito que Cristo ressuscitado lhe dá. É o Espírito que cura as feridas do coração, abate as barreiras que nos separam de Deus e nos dividem entre nós, restitui ao mesmo tempo a alegria do amor do Pai e a da unidade fraterna.

4. É importante, então, que acolhamos inteiramente a mensagem que nos vem da palavra de Deus neste segundo Domingo de Páscoa, que de agora em diante na Igreja inteira tomará o nome de "Domingo da Divina Misericórdia". Nas diversas leituras, a liturgia parece traçar o caminho da misericórdia que, enquanto reconstrói a relação de cada um com Deus, suscita também entre os homens novas relações de solidariedade fraterna. Cristo ensinou-nos que "o homem não só recebe e experimenta a misericórdia de Deus, mas é também chamado a "ter misericórdia" para com os demais. "Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia" (Mt 5, 7)" (Dives in misericordia, 14). Depois, Ele indicou-nos as múltiplas vias da misericórdia, que não só perdoa os pecados, mas vai também ao encontro de todas as necessidades dos homens. Jesus inclinou-se sobre toda a miséria humana, material e espiritual.

A sua mensagem de misericórdia continua a alcançar-nos através do gesto das suas mãos estendidas rumo ao homem que sofre. Foi assim que O viu e testemunhou aos homens de todos os continentes a Irmã Faustina que, escondida no convento de Lagiewniki em Cracóvia, fez da sua existência um cântico à misericórdia: Misericordias Domini in aeternum cantabo.

5. A canonização da Irmã Faustina tem uma eloquência particular: mediante este acto quero hoje transmitir esta mensagem ao novo milénio. Transmito-a a todos os homens para que aprendam a conhecer sempre melhor o verdadeiro rosto de Deus e o genuíno rosto dos irmãos.

Amor a Deus e amor aos irmãos são de facto inseparáveis, como nos recordou a primeira Carta de João: "Nisto conhecemos que amamos os filhos de Deus: quando amamos a Deus e guardamos os Seus mandamentos" (5, 2). O Apóstolo recorda-nos nisto a verdade do amor, indicando-nos na observância dos mandamentos a medida e o critério.

Com efeito, não é fácil amar com um amor profundo, feito de autêntico dom de si. Aprende-se este amor na escola de Deus, no calor da sua caridade. Ao fixarmos o olhar n'Ele, ao sintonizarmo-nos com o seu coração de Pai, tornamo-nos capazes de olhar os irmãos com olhos novos, em atitude de gratuidade e partilha, de generosidade e perdão. Tudo isto é misericórdia!

Na medida em que a humanidade souber aprender o segredo deste olhar misericordioso, manifesta-se como perspectiva realizável o quadro ideal, proposto na primeira leitura: "A multidão dos que haviam abraçado a fé tinha um só coração e uma só alma. Ninguém chamava seu ao que lhe pertencia mas, entre eles, tudo era comum" (Act 4, 32). Aqui a misericórdia do coração tornou-se também estilo de relações, projecto de comunidade, partilha de bens. Aqui floresceram as "obras da misericórdia", espirituais e corporais. Aqui a misericórdia tornou-se um concreto fazer-se "próximo" dos irmãos mais indigentes.

6. A Irmã Faustina Kowalska deixou escrito no seu Diário: "Sinto uma tristeza profunda, quando observo os sofrimentos do próximo. Todas as dores do próximo se repercutem no meu coração; trago no meu coração as suas angústias, de tal modo que me abatem também fisicamente.

Desejaria que todos os sofrimentos caíssem sobre mim, para dar alívio ao próximo" (pág. 365). Eis a que ponto de partilha conduz o amor, quando é medido segundo o amor de Deus!

É neste amor que a humanidade de hoje se deve inspirar, para enfrentar a crise de sentido, os desafios das mais diversas necessidades, sobretudo a exigência de salvaguardar a dignidade de cada pessoa humana. A mensagem de misericórdia divina é assim, implicitamente, também uma mensagem sobre o valor de todo o homem. Toda a pessoa é preciosa aos olhos de Deus; Cristo deu a vida por cada um; o Pai dá o seu Espírito a todos, oferecendo-lhes o acesso à Sua intimidade.

7. Esta mensagem consoladora dirige-se sobretudo a quem, afligido por uma provação particularmente dura ou esmagado pelo peso dos pecados cometidos, perdeu toda a confiança na vida e se sente tentado a ceder ao desespero. Apresenta-se-lhe o rosto suave de Cristo, chegando-lhe aqueles raios que partem do seu Coração e iluminam, aquecem e indicam o caminho, e infundem esperança. Quantas almas já foram consoladas pela invocação "Jesus, confio em Ti", que a Providência sugeriu através da Irmã Faustina! Este simples acto de abandono a Jesus dissipa as nuvens mais densas e faz chegar um raio de luz à vida de cada um.

"Jezu ufam tobie!"

8. Misericordias Domini in aeternum cantabo (Sl 88 [89], 2). À voz de Maria Santíssima, "Mãe da misericórdia", à voz desta nova Santa, que na Jerusalém celeste canta a misericórdia juntamente com todos os amigos de Deus, unamos também nós, Igreja peregrinante, a nossa voz.

E tu, Faustina, dom de Deus ao nosso tempo, dádiva da terra da Polónia à Igreja inteira, obtém-nos a graça de perceber a profundidade da misericórdia divina, ajuda-nos a torná-la experiência viva e a testemunhá-la aos irmãos! A tua mensagem de luz e de esperança se difunda no mundo inteiro, leve à conversão os pecadores, amenize as rivalidades e os ódios, abra os homens e as nações à prática da fraternidade. Hoje, ao fixarmos contigo o olhar no rosto de Cristo ressuscitado, fazemos nossa a tua súplica de confiante abandono e dizemos com firme esperança:

Jesus Cristo, confio em Ti!

"Jezu, ufam tobie!". 

 -- Papa João Paulo II, 30 de Abril de 2000

19 de abr. de 2022

Eucaristia e a Oração Judaica


O objeto desta catequese mistagógica é a parte central da Missa, a Oração Eucarística, a parte  que inclui a consagração do corpo e sangue de Cristo. Farei dois tipos de observações, uma litúrgica e ritual, outra teológica e existencial.

Do ponto de vista ritual e litúrgico, temos hoje uma fonte que os Padres da Igreja e os doutores medievais não tiveram. A nova fonte é a reaproximação entre cristãos e judeus. Nos primeiros dias da igreja vários fatores históricos acentuaram as diferenças entre Cristianismo e Judaísmo, ao ponto de contrastar um com outro, como fez Santo Inácio de Antioquia. Distinguir-se dos judeus em vários pontos, como a data da Páscoa, dias de jejuns e muitas outras coisas, se tornou um tipo de “moda”. A acusação contra muitos adversários e heréticos naqueles tempos era chamá-los de “judaizantes”.

A tragédia do povo judaico, o Holocausto, e um novo clima de diálogo com o Judaísmo iniciado no Concílio Vaticano II, tornou possível uma melhor compreensão da matriz judaica na Eucaristia. Assim como a Páscoa Cristã não pode ser plenamente compreendida se não for considerada como o cumprimento das profecias da Páscoa Judaica, a Eucaristia também não pode ser compreendida se não for como o cumprimento de tudo o que os judeus fazem e dizem durante a refeição ritual. Um primeiro resultado importante desta mudança é que, hoje em diante, nenhum estudioso sério pode explicar a Eucaristia Cristã como sendo baseada em algum culto misterioso do Helenismo, como foi tentado por algum tempo.

Os Padres da Igreja mantiveram as Escrituras do povo judeu, mas não sua liturgia, já que não mais tinham acesso à ela após a separação entre a Igreja  e a Sinagoga. Eles, então, utilizaram as figuras contidas nas Escrituras, o cordeiro pascal, o sacrifício de Isaac, o de Melquisedec, o maná, mas perderam o contexto litúrgico na qual o povo judaico celebrava estes fatos, em especial, na Páscoa (o Seder) e nas celebrações semanais nas sinagogas. O primeiro nome que designa a Eucaristia no Novo Testamento, como escrito por Paulo, é “refeição do Senhor” (1 Cor 11,20), o que é uma evidente referência à ceia judaica, que agora é diferente pela fé em Jesus. A Eucaristia é um sacramento de continuidade, não de oposição, entre o Velho e Novo Testamento, entre o Judaísmo e o Cristianismo.

A Eucaristia e a Berakah Judaica

Esta é a perspectiva que o Papa Bento XVI apresenta no capítulo sobre a instituição da Eucaristia no seu segundo livro sobre Jesus de Nazaré. Seguindo a opinião prevalente entre os estudiosos, ele aceita a cronologia joanina segundo a qual a Última Ceia não era uma ceia pascal mas uma solenidade de despedida. Citando Louis Bouyer, ele acrescenta que é possível traçar o desenvolvimento da liturgia eucarística cristã, isto é, do cânon, a partir da Berakah (bendição) judaica. 

Por várias razões culturais e históricas, a partir dos tempos medievais, a teologia tem tentado explicar a Eucaristia com base na filosofia, em particular, utilizando as noções aristotélicas de substância e acidente. Isto também era uma maneira de colocar os novos conhecimentos da época a serviço da fé e imitar a mesma metodologia dos Padres da Igreja. Hoje em dia, temos que fazer o mesmo com nosso conhecimento, no nosso caso, com o conhecimento histórico e litúrgico, mais que princípios filosóficos. No contexto de alguns estudos já iniciados por Louis Bouyer, eu gostaria de mostrar como esta luz tem iluminado nossa compreensão da Eucaristia Cristã quando consideramos como os Evangelhos narram a instituição da Eucaristia e o que sabemos sobre rituais judeus. Desta maneira, as inovações de Jesus não são diminuídas, mas ressaltadas.

A ligação entre o velho e o novo rito é dada pela Didaqué, um texto da era apostólica, onde encontramos o primeiro rascunho da anáfora eucarística. O rito da sinagoga era composto de uma série de preces, a Berakah, que, em grego, pode ser traduzido como Eucaristia. No início da refeição, cada um toma o cálice em suas mãos e repete, quase a mesma frase utilizada no ofertório: “Bendito és tu Senhor, nosso Deus, Rei eterno, que nos deu o fruto da vinha”.

Mas a refeição oficialmente iniciava apenas quando o pai da família, ou o líder da comunidade, partia o pão e distribuía entre os presentes. E, de fato, Jesus tomou o pão, recitou a bênção, partiu-o e distribuiu aos apóstolos dizendo: “Este é o meu corpo que eu dou para vós.” E aqui o rito que era apenas preparação, torna-se realidade. A figura torna-se o evento.

Após a benção do pão, os pratos usuais eram servidos. Quando a refeição está próxima do final, todos estão prontos para o grande ritual final que conclui a celebração e lhe dá um sentido mais profundo. Todos lavam suas mãos novamente, pois já haviam feito no início da refeição, então Jesus, tendo um cálice de vinho misturado com água, entoa três orações de agradecimento: a primeira a Deus Criador, a segunda pela libertação do Egito, a terceira porque Deus continua agindo no tempo presente. Após as preces, o cálice passa de mão e mão, e todos bebem. Este rito antigo foi realizado por Jesus muitas vezes, Ele certamente o conhecia muito bem.

Lucas diz que Jesus, após a refeição, toma o cálice e diz: “Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós” (Lc 22,20). Algo decisivo ocorre neste momento quando Jesus acrescenta suas palavras à tradicional oração de agradecimento, à Berakah judaica. Aquele ritual era uma ceia sagrada na qual o povo celebrava e agradecia a Deus, o seu Salvador, por tê-los salvo e feito uma aliança de amor que fora selada com o sangue de um cordeiro. Agora, naquele exato momento, Jesus anunciou que decidira dar sua vida em nosso favor e declarava que a Velha Aliança que celebravam estava concluída. Naquele momento, com estas simples palavras, Jesus fazia uma nova e eterna Aliança com seu Sangue.

-- Padre Raniero Cantalamessa, Primeira Homília de Quaresma, 18 de Março de 2022 

* esta é a terceira parte de uma série de catequeses dadas pelo Padre Raniero na Quaresma de 2022.  Nos próximos dias publicarei a sequência.

* tradução própria 

* a imagem é o quadro A Ültima Ceia, pintado por Simon Benning, cc 1525. Está exposto no J. Paul Getty Museum, Los Angeles.

11 de abr. de 2022

Eucaristia e a Liturgia da Palavra

Nos primeiros anos da Igreja, a Liturgia da Palavra e a Liturgia da Eucaristia não eram celebradas em conjunto. Os discípulos participavam dos serviços no Templo, ouviam as leituras da Bíblia, recitavam salmos e rezavam juntos com os judeus, depois iam para suas casas onde se reuniam para compartilhar o pão, isto é, celebrar a Eucaristia (Atos 2,46).


No entanto, esta prática logo tornou-se impossível devido à hostilidade da comunidade judaica e porque as Escrituras tinham um novo significado, alinhado aos ensinamentos de Cristo. Então eles pararam de ir ao Templo ou sinagogas para ler e ouvir as Escrituras, tiveram que criar o próprio lugar de oração, ou seja, foi a Liturgia da Palavra que conduziu até a Oração Eucarística. 


No segundo século, São Justino descreveu a Liturgia da Eucaristia já contendo os elementos essenciais da Missa atual. Não apenas a Liturgia da Palavra era parte integral, mas em adição às leituras do Velho Testamento, outras, que São Justino chamou de “Memórias dos Apóstolos”, isto é, as cartas e Evangelhos do Novo Testamento, também eram lidas. 


Quando ouvimos as leituras bíblicas na liturgia, elas tem um significado novo e mais forte que teriam em outro contexto. Quando lemos as Escrituras em casa ou as estudamos em um curso, elas nos servem para conhecer melhor a Bíblia, mas quando lemos na Liturgia, elas nos servem para conhecer melhor à Deus que se faz presente na partilha do pão e trazem à luz um novo aspecto do mistério que estamos prestes a receber. 


Isto já é visível na primeira Liturgia da Palavra, aquela entre Cristo Ressuscitado e os discípulos de Emaús. Enquanto ouviam a explicação da Palavra, seus corações foram tocados de uma maneira em reconheceram a Jesus quando partiu o pão. 


As palavras da Bíblia não são apenas lidas e ouvidas durante uma Missa, elas são revividas de uma maneira que seu significado se torna real e presente. Seja lá o que aconteceu naquele tempo, está também acontecendo neste momento, como os liturgistas adoram falar. Não somos apenas ouvintes, recipientes passivos, mas somos também aqueles que falam as palavras, que também vivem o momento. Nós somos colocados no lugar do povo da história. 


Alguns exemplos podem nos ajudar a entender esta idéia: Quando a primeira leitura na Missa é a história de como Deus falou com Moisés na sarça ardente (Ex 3), compreendemos que somos realmente nós que estamos em frente à sarça ardente. Quando lemos sobre os lábios de Isaías sendo tocados por uma brasa viva (Is 6), lembramos que nossos lábios receberam em breve o pão vivo, Cristo, aquele que lançou fogo sobre a Terra. (Lc 12, 49). Quando lemos como foi dito à Ezequiel  para comer os rolos da Lei e se alimentar deles (Ez 2,8-3,3), é como uma luz nos iluminando, somos nós que temos que nos alimentar da Palavra que se fez carne, Jesus. 


Passando ao Novo Testamento, da primeira leitura para o Evangelho, a idéia torna-se ainda mais clara. Se a mulher que sofria de hemorragia estava certa que poderia ser curada se pudesse tocar pelo menos a ponta do manto de Jesus, o que mais pode acontecer conosco que logo receberemos a Jesus, algo muito mais que apenas tocar seu manto?


Lembro certa vez que ouvi a história de Zaqueu e, de repente, ela se tornou real para mim, eu era Zaqueu, era para mim que Jesus estava dizendo: “Hoje irei à tua casa”! E quando recebi a comunhão, eu pude dizer com toda fé, “Ele veio para ficar na casa de um pecador”, e Jesus me respondeu “Hoje a Salvação entrou nesta casa” (Lc 19, 5-9).


O mesmo também é verdadeiro toda vez que o Evangelho é proclamado na Missa. Como podemos não nos identificar com o paralítico para quem Jesus diz “Teus pecados foram perdoados”, “Levantai … e vá para casa” (Mc 2,5.11). Ou com Simeão ao segurar Jesus bebê em seus braços (Lc 2,27-28)? Ou com Tomé que, tremendo, toca nas feridas de Jesus (Jo 20, 27-28)? 


No segundo Domingo do Tempo Comum, neste ano litúrgico, lemos um Evangelho em que Jesus diz a um homem com a mão paralisada: “ ‘Estende tua mão!’. Ele estendeu-a e a mão foi curada” (Mc 3,5). Nós não temos uma mão paralisada, mas todos nós temos,de certa maneira, uma alma paralisada, corações quebrados. Não achas que é para quem está ouvindo o que Jesus diz neste momento: “Estende tua mão, abre teu coração, com a fé e prontidão daquele homem”


Quando proclamada durante a liturgia, a Escritura age de uma maneira que está acima e além de qualquer explicação humana e é assim que os sacramentos agem. Estes são textos divinamente inspirados que possuem um poder de cura. Após ler o Evangelho, a Igreja convida o ministro a beijar o livro e dizer “Per evangelica dicta deleantur nostra delicta” - “Através das palavras do Evangelho sejam nossos pecados perdoados”.


Ao longo da história da Igreja, alguns eventos importantes ocorreram como resultado direto da audição das leituras da Missa. Por exemplo, certo dia um jovem ouviu o Evangelho em que Jesus diz a um jovem rico “Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens e dá aos pobres, e terás um tesouro nos céus. Então vem e segue-me” (Mt 19, 21).  Aquele jovem percebeu que a palavra estava sendo dita diretamente para ele, foi para casa e vendeu tudo o que tinha, dali se dirigiu ao deserto para permanecer em oração. O nome daquele jovem era Antão, e foi assim que o movimento monástico iniciou-se na Igreja. 


Muitos séculos depois, em Assis, um jovem recém convertido foi à Igreja com seu amigo. O Evangelho daquele dia era Jesus dizendo a seus discípulos: “Não leveis coisa alguma para o caminho, nem bordão, nem mochila, nem pão, nem dinheiro, nem tenhais duas túnicas” (Lc 9,3). Imediatamente ele virou-se para seu amigo e disse: “Ouviste isto? É isto que o Senhor quer de nós.” e assim iniciou-se o movimento franciscano. 


A Liturgia da Palavra é um dos melhores recursos para fazer a Missa algo novo e envolvente, evitando o perigo de uma repetição monótona que, em especial os jovens, acham algo chato e repetitivo. Mas para que isto ocorra, é importante investir mais tempo e oração na preparação da homilia. Os fiéis devem ser capazes de ver como a palavra de Deus está dirigida a eles, ilumina suas situações de vida e provê respostas para suas demandas existenciais.


Há duas maneiras de preparar a homilia. Você pode se sentar e, confiando no seu próprio conhecimento e preferências pessoais, escolher os temas a serem abordados. E, quando sua fala estiver preparada, ajoelhar-se diante do Senhor e pedir que Ele dê poder às suas palavras, que acrescente o Espírito à mensagem. Este é um bom método, mas não é profético. Para ser profético, deve-se fazer o contrário: primeiro ajoelhar-se perante o Senhor e perguntar o que Ele quer que seja dito. Deus tem em seu coração uma palavra especial para cada ocasião, e Ele nunca falha em revelar sua palavra ao padre que for insistente e humilde. Inicialmente não há nada além de uma mudança imperceptível de coração: uma pequena luz que ilumina o pensamento, uma palavra da Bíblia que lhe chama a atenção, que ajuda em uma situação. Pode parecer uma pequena semente, mas já contém tudo que é necessário.
Depois de rezar, você senta-se numa mesa, abre seus livros, consulta sua notas, organiza os pensamentos, estuda os padres da Igreja, os teólogos, os poetas, mas já não é mais a Palavra de Deus a serviço das tuas idéias, mas teus conhecimentos a serviço da palavra de Deus. Então a Palavra de Deus alcança todo seu poder.

Através de Espírito Santo

Mas uma coisa ainda deve ser acrescentada: toda atenção dada à Palavra de Deus não é suficiente. “O poder vem de Deus, deve descender sobre a celebração. Na Eucaristia a ação do Espírito Santo não é limitada ao momento da consagração, na oração que o padre recita. A presença de Deus é indispensável também na liturgia da palavra, assim como na comunhão.


O Espírito Santo continua, na Igreja, a ação do Ressuscitado que após a Páscoa “abriu a mente dos discípulos para o entendimento das Escrituras” (cf. Lc 24,25). A Bíblia, de acordo com a Constituição Dei Verbum do Concílio Vaticano II, deve ser lida e interpretada com a ajuda do mesmo Espírito que a inspirou” (DV, 12). A ação do Espírito Santo na liturgia da palavra é exercida através do espírito presente nos leitores e ouvintes. 


O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu; e enviou-me para anunciar a Boa-Nova aos pobres. (Lc 4,18)


Assim o Senhor indicou de onde vêm a força da sua palavra. Seria um erro acreditar que somente a unção sacramental recebida na ordenação é suficiente. Isto permite a nós [padres] realizar certos atos sagrados, governar, pregar e administrar os sacramentos. A unção nos dá, por assim dizer, não necessariamente a autoridade para realizá-los, mas a autorização através da sucessão apostólica, mas isto não o mesmo sucesso apostólico!


Mas se a onça é dada pela presença do Espírito e é um dos seus dons, o que podemos fazer para sermos como os discípulos? Em primeiro lugar, devemos começar com uma certeza: “Vós, porém, tendes a unção do Santo e sabeis todas as coisas” (1Jo 2,20). Isto é, graças ao Batismo e Crisma, e, para alguns, a ordenação sacerdotal e episcopal, nós já recebemos a unção. De acordo com a doutrina católica, foi impresso em nossa alma uma qualidade permanente, como uma marca ou selo: “Ora, quem nos confirma a nós e a vós em Cristo, e nos consagrou, é Deus. Ele nos marcou com o seu selo e deu aos nossos corações o penhor do Espírito.” (2Cor 1,21,22).


Esta unção é como um perfume fechado, ele se mantém inerte e não podemos percebê-lo até que abre o frasco. Isto é o que ocorreu com o jarro de alabastro que a mulher do Evangelho utilizou (Mc 14,3). Esta é a parte da unção que nos toca. Não depende de nós criar o perfume, mas depende de nós remover os obstáculos que impedem sua propagação. Não é difícil entender o que significa para nós quebrar o vaso de alabastro. O vaso é nossa humanidade, nós mesmos, muitas vezes nosso árido intelectualismo. Abrir o frasco de perfume é não resistir a Deus, mas resistir ao mundo. 


Afortunadamente para nós, nem tudo depende de um esforço ascético. Neste caso, fé, oração e humildade são importantes. Assim, pede-se aos ungidos que antes de ler ou pregar, que o faça a serviço de Deus. Quando nos prepararmos para ler o Evangelho ou uma leitura, a liturgia pede que purifiquemos nossos corações e nossos lábios para que possamos proclamar o Evangelho dignamente. Porque não dizer algumas vezes, ou ao menos pensar: “Senhor, unge meu espírito e minha mente, para que possa proclamar tua palavra com a suavidade e poder do Espírito”


A unção não é necessária apenas para os proclamadores ler efetivamente a palavra, mas também é necessário para os ouvintes recebê-la. O evangelista João escreve para sua comunidade: “Vós, porém, tendes a unção do Santo e sabeis todas as coisas. ... a sua unção vos ensina todas as coisas, assim é ela verdadeira e não mentira. Permanecei nele, como ela vos ensinou” (1 Jo 2,20-27).


Não que uma preparação humana seja inútil, mas ela não é suficiente. É o espírito que realmente instrui, isto é, Cristo e a inspiração do Espírito que instruem. Quando esta inspiração não ocorre, as palavras podem ser apenas barulho inútil. Tenhamos esperança que hoje o Senhor nos instruiu, nos deu essa inspiração interior, e não sejamos apenas barulho inútil.


-- Padre Raniero Cantalamessa, Primeira Homília de Quaresma, 11 de Março de 2022

* esta é a segunda parte de uma série de catequeses dadas pelo Padre Raniero na Quaresma de 2022.  Nos próximos dias publicarei a sequência.

9 de abr. de 2022

A Eucaristia - Introdução e história da salvação

 * Esta é a parte introdutória de uma série de catequeses dadas pleo Padre Raniero Cantalamessa para o Papa e cardeais no Vaticano durante a Quaresma de 2022. Nos próximos dias publicarei a continuação das catequeses.
 
Entre os muitos problemas que a pandemia tem causado à humanidade, há pelo menos um efeito positivo do ponto de vista da fé. Ela nos conscientes da necessidade da Eucaristia e do vazio que sua ausência cria, ela nos ajudou a compreender que não devemos ter a Eucaristia como algo corriqueiro. No período mais agudo da crise, em 2020, estava muito impressionado, e acho muitos outros também, em como era importante assistir a Santa Missa celebrada pelo Papa todas manhãs.

Muitas igrejas locais e nacionais decidiram dedicar este ano a catequeses especiais sobre a Eucaristia, pois há como um renascimento do desejo de receber a Comunhão na Igreja Católica. Acho uma decisão oportuna e um exemplo a ser seguido, e daqui que dar minha pequena contribuição, dedicando minhas reflexões pascais ao mistério da Eucaristia.

A Eucaristia está no centro de todos os tempos litúrgicos, na Quaresma não mais que em outros tempos pois ela é celebrada todos dias. Qualquer progresso que fazemos para compreendê-la é um progresso na nossa vida espiritual e da comunidade eclesial. Porém, também é, infelizmente, algo considerado comum, devido à repetição, resulta em um ato  considerado simples e comum na rotina diária. São João Paulo II, na carta Ecclesia de Eucharistia, escrita em 2003, diz que os cristãos devem redescobrir e sempre manter vivo um certo deslumbramento Eucarístico. Este é o propósito destas catequeses: redescobrir a maravilha da Eucaristia.

Falar de Eucaristia nestes tempos de pandemia e agora com os horrores de uma guerra não significa deixar de lado a dramática realidade que vivemos, mas é uma ajuda para  entendermos essa realidade de um ponto de vista mais elevado. A Eucaristia está presente na história como um evento que mudou para sempre os papéis do vencedor e das vítimas. Na cruz, Cristo fez da vítima o real vencedor, “Victor quia victima”, como definiu Santo Agostinho: vencedor porque é a vítima. A Eucaristia nos oferece a chave verdadeira para compreender a história. Ela nos assegura que Jesus está conosco, não apenas como uma intenção ou ideia, mas realmente neste mundo que parece ter saído de controle. Ele repete para nós: “Coragem! Eu venci o mundo.” (Jo 16,33).

A Eucaristia na História da Salvação

 O Sacrifício de Isaac, Laurent de la Hyre
Qual é o lugar da Eucaristia na história da salvação? A resposta é que ela não está em um momento específico, ela é a história completa. A Eucaristia coexiste com a história da Salvação. Assim como num belo dia sol o céu inteiro pode ser refletido em uma gota de água, a Eucaristia reflete toda história da salvação.


A Eucaristia, no entanto, está presente na história da salvação de três maneiras diferentes  ou três estágios: no Velho Testamento está presente como figura, no Novo Testamento como um acontecimento, no nosso tempo, o tempo da Igreja, como um sacramento. A figura antecipa e prepara o acontecimento, o sacramento prolonga e atualiza Jesus Cristo.

No Velho Testamento, como disse, a Eucaristia está presente como “figura”. Uma destas figuras foi o maná no deserto, outra foi o sacrifício de Melquisedec, outro ainda a imolação de Isaac. No hino Lauda Sion, composto por São Tomás de Aquino para a festa de Corpus Christi, cantamos:

Foi já predito em figuras

Na imolação de Isaac,

e o Cordeiro pascal;

e no maná do deserto…


É devido a esta função de prefiguração da Eucaristia que São Tomás chamou os rituais do Velho Testamento como sacramentos da Velha Lei.

Com a vinda de Cristo, sua morte e ressurreição, a Eucaristia não é mais uma figura, mas um acontecimento, uma realidade. Chamamos um acontecimento porque é algo que historicamente aconteceu, foi um evento único no tempo e espaço, que ocorreu uma única vez e é irrepetível: “É certo que Cristo apareceu uma só vez ao final dos tempos para destruição do pecado pelo sacrifício de si mesmo”. (Hb 9,26).

Finalmente, neste tempo da Igreja, a Eucaristia está presente como um sacramento, através do sinal do pão e vinho, instituído por Cristo. É importante que entendamos bem a diferença entre acontecimento e sacramento, na prática é a diferença entre história e liturgia. Deixemos Santo Agostinho nos ajudar:

Sabemos e acreditamos com fé inabalável que Cristo morreu uma única vez por nós, o justo pelos pecadores, o Senhor pelos servos. Sabemos perfeitamente que isto ocorreu apenas uma vez e que o sacramento periodicamente renova o sacrifício, como se a história que aconteceu uma única vez fosse repetida muitas e muitas vezes. O acontecimento e o sacramento não estão em conflito, como se o sacrifício fosse uma farsa e somente o acontecimento fosse verdadeiro. De fato, o que a história proclama ter ocorrido uma única vez, o sacramento renova no coração dos fiéis. A história conta o que aconteceu, e como aconteceu, a liturgia nos assegura que o passado não seja esquecido, não no sentido de que repete o mesmo acontecimento, mas no sentido de que celebramos o fato.

Falar sobre a relação entre o sacrifício da cruz e a Missa é algo muito importante e tem sido um ponto de grande divisão entre católicos e protestantes. Santo Agostinho utiliza, como vimos, dois verbos: renovar e celebrar, que são perfeitamente corretos, em especial se entendermos um em relação ao outro: a Missa renova o evento da cruz ao celebrá-lo, mas não o refaz, e renova-o, não é mera lembrança. A palavra que alcança um maior consenso ecumênico hoje em dia e, talvez, o verbo representar, como utilizado por Paulo VI na encíclica Misterium Fidei,  com o sentido de re-apresentar, isto é, tornar presente novamente. Neste sentido, podemos dizer que a Eucaristia representa a crucificação.

De acordo com a história, houve uma única Eucaristia, aquela realizada por Jesus através de sua vida e morte; de acordo com a liturgia, graças ao sacramento, muitas Eucaristias foram e serão celebradas até o final dos tempos. O evento aconteceu uma única vez,o sacramento é realizado toda vez. Graças ao sacramento da Eucaristia nós participamos, misteriosamente, do acontecimento passado, ele  se torna presente para nós e podemos também testemunhá-lo.

Nestas reflexões de Quaresma falaremos sobre a Eucaristia, isto é, sobre o sacramento. Na Igreja antiga havia uma catequese especial, chamada mistagógica, que era reservada aos bispos e dada somente após o Batismo. O propósito era resvalar aos neófitos o significado dos ritos celebrados e a profundeza dos mistérios da fé: batismo, crisma e unção, mas, em especial, da Eucaristia. O que pretendemos fazer aqui é como uma catequese mistagógica. Mas estarmos firmemente ancorados no sacramento e sua natureza ritual, vamos seguir o desenvolvimento da Missa em suas três partes: liturgia da palavra, liturgia eucarística (a anáfora) e a Comunhão, e incluir, ao final, uma reflexão sobre a adoração eucarística fora da Missa.

-- Padre Raniero Cantalamessa, Primeira Homília de Quaresma, 11 de Março de 2022.

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