25 de abr. de 2020

O amor de Deus

"Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus e Deus nele" (1 Jo 4, 16). Estas palavras da I Carta de João exprimem, com singular clareza, o centro da fé cristã: a imagem cristã de Deus e também a consequente imagem do homem e do seu caminho. Além disso, no mesmo versículo, João oferece-nos, por assim dizer, uma fórmula sintética da existência cristã: "Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem".
 
Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: 

"Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n'Ele crer (...) tenha a vida eterna" (3, 16). 

Com a centralidade do amor, a fé cristã acolheu o núcleo da fé de Israel e, ao mesmo tempo, deu a este núcleo uma nova profundidade e amplitude. O crente israelita, de fato, reza todos os dias com as palavras do Livro do Deuteronómio, nas quais sabe que está contido o centro da sua existência: " Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor! Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças" (6, 4-5). 

Jesus uniu — fazendo deles um único preceito — o mandamento do amor a Deus com o do amor ao próximo, contido no Livro do Levítico: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo " (19, 18; cf. Mc 12, 29-31). Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora o amor já não é apenas um  mandamento, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro.

-- Papa Bento XVI, introdução da Encíclica Deus Caritas Est publicada em 25 de Dezembro de 2005.

18 de abr. de 2020

Imolação premeditada, Santa Gianna Molla

Gianna Beretta nasceu na cidade de Magenta, perto de Milão, em 4 de Outubro de 1922, a décima filha dos seus pais Alberto e Maria Beretta, que viriam a ter outros três filhos. A família morava próxima a Basílica de São Martinho, em Magenta, e nela Gianna foi batizada. Três dos seus irmãos se tornaram religiosos: Enrico, um missionário capuchinho que veio ao Brasil; Giuseppe, padre na diocese de Bérgamo; e Virginia, médica e religiosa canosiana.

Na sua infância, a família foi morar em Bérgamo (1925) e, depois, em Genova (1937). Foi nesta cidade que Gianna estudou na Escola Santa Dorotéia e participava dna paróquia de São Pedro, onde Dom Mario Righetti era o pároco. Em 1941, durante a II Guerra, a família decidiu sair de Bérgamo, que estava sendo bombardeada, para ir morar com o avô materno. No ano seguinte, Gianna começou a estudar medicina, primeiro em Milão, depois Pavia, onde formou-se em 30 de Novembro de 1949. Durante a sua adolescência e depois na faculdade, sempre participou ativamente da Ação Católica e do grupo das Damas de São Vicente, ia diariamente às missas, visitava o Santíssimo Sacramento e recitava o Rosário.

Gianna, médica

Gianna abriu seu consultório em Mesero e começou a atender pacientes enquanto especializava-se em Pediatria. Seu plano era vir para o Brasil onde estava seu irmão como missionário, onde poderia atender às mulheres pobres, porém devido a sua saúde frágil, foi aconselhada a permanecer na Itália.  Sobre sua profissão, Gianna escreveu:

"Todos trabalham para o benefício das pessoas, mas nós, doutores, trabalhamos diretamente nas pessoas. O grande mistério é que um homem é como Jesus: 'Aquele que visitar um doente, é a mim que ajuda'. Assim como o presbítero pode tocar Jesus, nós também tocamos Jesus no corpo de nossos pacientes, nós temos a oportunidade de fazer o bem de uma forma que os padres não podem. Nossa missão não termina quando os remédios já não tem efeito, devemos conduzir as almas a Deus; nossa palavra tem alguma autoridade. Médicos católicos são necessários!"

Gianna, esposa e mãe

Em Dezembro de 1954 conheceu Pietro Molla, um engenheiro, e casaram-se menos de uma ano depois, em 24 de Setembro de 1955, na mesma igreja onde fora batizada, a Basílica de São Martinho em Magenta. Permanecendo aberta à vida, logo tiveram três filhos: Pierluigi (1956), Mariolina (1957) e Laura (1959).

Em 1961 engravidou pela quarta vez, mas no segundo mês de gravidez desenvolveu um fibroma (tumor, em geral benigno) no útero. Os médicos deram três opções de tratamento:

- abortar a criança e fazer um tratamento, mas mantendo a possibilidade de outra gravidez;
- retirar o útero, o que também resultaria na morte da criança e esterilidade;
- retirar apenas o fibroma, preservando a vida da criança, mas arriscando a vida da mãe.

Gianna, que era médica e entendia perfeitamente os riscos de cada opção, foi clara na sua decisão, salvem a criança. Para os médicos e o marido, sua ordem foi clara: "Se houver necessidade de escolher entre eu e o bebê, não hesitem; escolhem, eu exijo, o bebê. Salvem minha filha!"

Na manhã de 21 de Abril de 1962, Sábado Santo, Molla foi conduzida ao hospital para uma cesariana, nasceu sua filha Gianna Emanuela. Santa Gianna continuou sofrendo com dores severas e uma septicemia, falecendo uma semana depois, em 28 de Abril. Sua filha, Gianna Emanuela sobreviveu e tornou-se médica geriátrica.

Comentando sobre a escolha de Santa Gianna, o Papa Paulo VI descreveu-a como sendo "uma jovem mãe da Diocese de Milão que, para dar a vida à sua filha sacrificava, com imolação premeditada, a própria". Desta maneira, com total conhecimento científico e suas dores, Santa Gianna seguiu o exemplo de Jesus Cristo e muitos outros santos, dando sua vida em favor da vida.

Milagres e canonização

Mesmo que seu plano de vir ao Brasil ajudar mulheres não tenha se concretizado, os dois milagres que conduziram a sua canonização foram exatamente ajudando mulheres doentes no Brasil. O primeiro salvou Lucia Sylvia Cirilo, que após o nascimento do quarto filho, teve uma infecção na área vaginal. Como morava em Grajaú, uma pequena cidade do Maranhão e a mesma cidade onde o irmão de Gianna havia sido missionário, a solução seria transferi-la para São Luís, mas quase certamente não haveria tempo para tanto. Uma irmã no hospital ao saber da situação,  começou a orar pedindo que Santa Gianna intercedesse. A ferida inflamada curou-se e cicatrizou quase imediatamente, salvando Lucia. O segundo milagre salvou o quarto bebê de Elisabete Comparini, de Franca/SP: a mãe, cujo útero rompeu-se no terceiro mês de gravidez, perdeu todo líquido amniótico Como a mãe recusava-se a abortar, os médicos mantiveram a gravidez e a criança nasceu saudável meses depois, um fato sem explicação científica. 

Santa Gianna Beretta Molla foi beatificada em 1994 e canonizada em 2004, ambas cerimônias presididas pelo Santo Papa João Paulo II, que também lhe concedeu o título de "Mãe de Família".

Por fim, duas frases de Santa Gianna:

"Nosso corpo é um cenáculo, um ostensório: deve resplandecer como um cristal para que o mundo possa ver a Deus".

"Amor e sacrifício estão intimamente ligados, como a o Sol e a luz. Não há amor sem sofrimento, não há sofrimento sem amor".


-- autoria própria


17 de abr. de 2020

A unção do Espírito Santo

Batizados em Cristo e revestidos de Cristo, vós vos tomastes semelhantes ao Filho de Deus. Com efeito, Deus que nos predestinou para a adoção de filhos tornou-nos semelhantes ao corpo glorioso de Cristo. Feitos, portanto, participantes do corpo de Cristo, com toda razão sois chamados "cristãos", isto é, ungidos; pois foi de vós que Deus disse: Não toqueis nos meus ungidos (Sl 104,15).

        Tomastes-vos "cristãos" no momento em que recebestes o selo do Espírito Santo; e tudo isto foi realizado sobre vós em imagem, uma vez que sois imagem de Cristo. Na verdade, quando ele foi batizado no rio Jordão e saiu das águas, nas quais deixara a fragrância de sua divindade, realizou-se então a descida do Espírito Santo em pessoa, repousando sobre ele como o igual sobre o igual.


        O mesmo aconteceu convosco: depois que subistes da fonte sagrada, o óleo do crisma vos foi administrado, imagem real daquele com o qual Cristo foi ungido, e que é, sem dúvida, o Espírito Santo. Isaías, contemplando profeticamente este Espírito, disse em nome do Senhor: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu; enviou-me para dar a boa-nova aos humildes (Is 61,1).


        Cristo jamais foi ungido por homem, seja com óleo ou com outro unguento material. Mas o Pai, ao predestiná-lo como Salvador do mundo inteiro, o ungiu com o Espírito Santo. É o que nos diz Pedro: Jesus de Nazaré foi ungido por Deus com o Espírito Santo (At 10,38). E o profeta Davi cantava: Vosso trono, ó Deus, é eterno, sem fim; vosso cetro real é sinal de justiça: vós amais a justiça e odiais a maldade. É por isso que Deus vos ungiu com seu óleo, deu-vos mais alegria que aos vossos amigos (Sl 44,7-8).


        Cristo foi ungido com o óleo espiritual da alegria, isto é, com o Espírito Santo, chamado óleo de alegria, precisamente por ser o autor da alegria espiritual. Vós, porém, fostes ungidos com o óleo do crisma, tornando-vos participantes da natureza de Cristo e chamados a conviver com ele.


        Quanto ao mais, não julgueis que este crisma é um óleo simples e comum. Depois da invocação já não é um óleo simples e comum, mas um dom de Cristo e do Espírito Santo, tornando-se eficaz pela presença da divindade. Simbolicamente unge-se com ele a fronte e os outros membros. E enquanto o corpo é ungido com óleo visível, o homem é santificado pelo espírito que dá a vida.

-- Das Catequeses de Jerusálem, século IV

12 de abr. de 2020

Homília da Vigília Pascal, Papa Francisco

"Terminado o sábado" (Mt 28, 1), as mulheres foram ao sepulcro. O Evangelho desta santa Vigília começa assim: com o sábado. Este é o dia do Tríduo Pascal que mais descuramos, ansiosos de passar da cruz de sexta-feira à aleluia de domingo. Este ano, porém, damo-nos conta, mais do que nunca, do sábado santo, o dia do grande silêncio; podemos rever-nos nos sentimentos que tinham as mulheres naquele dia. Como nós, tinham nos olhos o drama do sofrimento, duma tragédia inesperada, que se verificou demasiado rapidamente. Viram a morte e tinham a morte no coração. À amargura, juntou-se o medo: acabariam, também elas, como o Mestre? E depois os receios pelo futuro, carecido todo ele de ser reconstruído. A memória ferida, a esperança sufocada. Para elas, era a hora mais escura, como o é hoje para nós.

Contudo, nesta situação, as mulheres não se deixam paralisar. Não cedem às forças obscuras da lamentação e da lamúria, não se fecham no pessimismo, nem fogem da realidade. Realizam algo simples e extraordinário: nas suas casas, preparam os perfumes para o corpo de Jesus. Não renunciam ao amor: na escuridão do coração, acendem a misericórdia. Nossa Senhora, no sábado – dia que Lhe será dedicado –, reza e espera. No desafio da tristeza, confia no Senhor. Sem o saber, estas mulheres preparavam na escuridão daquele sábado "o romper do primeiro dia da semana" (Mt 28, 1), o dia que havia de mudar a história. Jesus, como semente na terra, estava para fazer germinar no mundo uma vida nova; e as mulheres, com a oração e o amor, ajudavam a esperança a desabrochar. Quantas pessoas, nos dias tristes que vivemos, fizeram e fazem como aquelas mulheres, disseminando rebentos de esperança com pequenos gestos de solicitude, de carinho, de oração!

Ao amanhecer, as mulheres vão ao sepulcro. Lá diz-lhes o anjo: "Não tenhais medo. Não está aqui; ressuscitou" (cf. Mt 28, 5-6). Diante dum túmulo, ouvem palavras de vida... E depois encontram Jesus, o autor da esperança, que confirma o anúncio dizendo-lhes: "Não temais" (28, 10). Não tenhais medo, não temais: eis o anúncio de esperança para nós, hoje. Tais são as palavras que Deus nos repete hoje, na noite que estamos a atravessar.

Nesta noite, conquistamos um direito fundamental, que não nos será tirado: o direito à esperança. É uma esperança nova, viva, que vem de Deus. Não é mero otimismo, não é uma palmadinha nas costas nem um encorajamento de circunstância, com o aflorar dum sorriso. Não. É um dom do Céu, que não podíamos obter por nós mesmos. Tudo correrá bem: repetimos com tenacidade nestas semanas, agarrando-nos à beleza da nossa humanidade e fazendo subir do coração palavras de encorajamento. Mas, à medida que os dias passam e os medos crescem, até a esperança mais audaz pode desvanecer. A esperança de Jesus é diferente. Coloca no coração a certeza de que Deus sabe transformar tudo em bem, pois até do túmulo faz sair a vida.

O túmulo é o lugar donde, quem entra, não sai. Mas Jesus saiu para nós, ressuscitou para nós, para trazer vida onde havia morte, para começar uma história nova no ponto onde fora colocada uma pedra em cima. Ele, que derrubou a pedra da entrada do túmulo, pode remover as rochas que fecham o coração. Por isso, não cedamos à resignação, não coloquemos uma pedra sobre a esperança. Podemos e devemos esperar, porque Deus é fiel. Não nos deixou sozinhos, visitou-nos: veio a cada uma das nossas situações, no sofrimento, na angústia, na morte. A sua luz iluminou a obscuridade do sepulcro: hoje quer alcançar os cantos mais escuros da vida. Minha irmã, meu irmão, ainda que no coração tenhas sepultado a esperança, não desistas! Deus é maior. A escuridão e a morte não têm a última palavra. Coragem! Com Deus, nada está perdido.

Coragem: é uma palavra que, nos Evangelhos, sai sempre da boca de Jesus. Só uma vez é pronunciada por outros, quando dizem a um mendigo: "Coragem, levanta-te que [Jesus] chama-te" (Mc 10, 49). É Ele, o Ressuscitado, que nos levanta a nós, mendigos. Se te sentes fraco e frágil no caminho, se cais, não tenhas medo; Deus estende-te a mão dizendo: "Coragem!" Entretanto poderias exclamar como padre Abbondio: "A coragem, não no-la podemos dar" (I promessi sposi, XXV). Não a podes dar a ti mesmo, mas podes recebê-la, como um presente. Basta abrir o coração na oração, basta levantar um pouco aquela pedra colocada à boca do coração, para deixar entrar a luz de Jesus. Basta convidá-Lo: "Vinde, Jesus, aos meus medos e dizei também a mim: “coragem!”"Convosco, Senhor, seremos provados; mas não turvados. E, seja qual for a tristeza que habite em nós, sentiremos o dever de esperar, porque convosco a cruz desagua na ressurreição, porque Vós estais conosco na escuridão das nossas noites: sois certeza nas nossas incertezas, Palavra nos nossos silêncios e nada poderá jamais roubar-nos o amor que nutris por nós".

Eis o anúncio pascal, anúncio de esperança. Este contém uma segunda parte, o envio. "Ide anunciar aos meus irmãos que partam para a Galileia" (Mt 28,10): diz Jesus. Ele "vai à vossa frente para a Galileia" (28, 7): diz o anjo. O Senhor precede-nos, precede-nos sempre. É bom saber que caminha diante de nós, que visitou a nossa vida e a nossa morte para nos preceder na Galileia, isto é, no lugar que, para Ele e para os seus discípulos, lembrava a vida diária, a família, o trabalho. Jesus deseja que levemos a esperança lá, à vida de cada dia. Mas, para os discípulos, a Galileia era também o lugar das recordações, sobretudo da primeira chamada. Voltar à Galileia é lembrar-se de ter sido amado e chamado por Deus. Cada um de nós tem a sua própria Galileia. Precisamos de retomar o caminho, lembrando-nos de que nascemos e renascemos a partir duma chamada gratuita de amor, lá, na minha Galileia. Este é o ponto donde recomeçar sempre, sobretudo nas crises, nos tempos de provação: na recordação da minha Galileia.

Mais ainda. A Galileia era a região mais distante de Jerusalém, onde estavam. E não só geograficamente: a Galileia era o lugar mais distante do caráter sacro da Cidade Santa. Era uma região habitada por povos diferentes, que praticavam vários cultos: era a Galileia dos gentios (Mt 4, 15). Jesus envia para lá, pede para recomeçar de lá. Que nos diz isto? Que o anúncio da esperança não deve ficar confinado nos nossos recintos sagrados, mas ser levado a todos. Porque todos têm necessidade de ser encorajados e, se não o fizermos nós que tocamos com a mão o Verbo da vida (1 Jo 1, 1), quem o fará? Como é belo ser cristãos que consolam, que carregam os fardos dos outros, que encorajam: anunciadores de vida em tempo de morte! A cada Galileia, a cada região desta humanidade a que pertencemos e que nos pertence, porque todos somos irmãos e irmãs, levemos o cântico da vida! Façamos calar os gritos de morte: de guerras, basta! Pare a produção e o comércio das armas, porque é de pão que precisamos, não de metralhadoras. Cessem os abortos, que matam a vida inocente. Abram-se os corações daqueles que têm, para encher as mãos vazias de quem não dispõe do necessário.

No fim, as mulheres estreitaram os pés de Jesus (Mt 28, 9), aqueles pés que, para nos encontrar, haviam percorrido um longo caminho até entrar e sair do túmulo. Abraçaram os pés que espezinharam a morte e abriram o caminho da esperança. Hoje nós, peregrinos em busca de esperança, estreitamo-nos a Vós, Jesus ressuscitado. Voltamos as costas à morte e abrimos os corações para Vós, que sois a Vida.

-- Papa Francisco, homília da Vigília Pascal, 11 de Abril de 2020

11 de abr. de 2020

As duas noites da Páscoa


Hoje gostaria de falar sobre duas noites na qual Deus se faz presente.

A primeira noite, a noite do medo, é esta Quaresma, marcada pelo coronavírus. As ruas estão vazias, o comércio está fechado, as igrejas estão fechadas, não há confissões, não há missas, todos estão trancados em casa, com medo. A vida normal, como conhecemos, não está acontecendo.

O número mais comentado é o total de mortes. Já pensaste por quê? O mundo tem medo da morte, o mundo que tirou Cristo de suas vidas, tem medo de morrer, caiu na mentira do demônio que faz com que não acreditemos na palavra de Deus.

Por que o mundo está quase parado, não é possível sair para beber, para procurar drogas, para ficar rico, para assistir ao futebol. O mundo está afastado dos seus vícios habituais, os vícios que utiliza para fugir da realidade que a cada dia estamos mais perto da morte. Agora é visível que a morte nos ronda, nos amedronta, por que é algo incerto, incerto se não acreditarmos na palavra de Deus.

Pense nos judeus saindo do Egito, sendo perseguidos pelo exército do faraó, as margens do Mar Vermelho. De um lado, a morte por afogamento, de outro lado a morte pela espada chegando. Estavam encurralados. Mas Deus agiu, abriu o mar, deu um caminho de salvação para aquele povo, que é o mesmo caminho de salvação para nós, é acreditar na palavra de Deus.

Os judeus salvaram-se, viram os soldados afogados, seus corpos foram dar às praias. Ainda hoje, na noite de Páscoa, lembram que saíram do Egito, que Deus matou os primogênitos, que abriu o mar. Este é o poder de Deus Salvador que pode transformar tudo, pode transformar uma noite de morte, uma noite de medo, em uma noite de salvação, simplesmente pelo poder de sua palavra.

Oh! noite que me guiaste,
Oh! noite mais amável que a alvorada
Oh! noite que juntaste
Amado com amada,
Amada já no Amado transformada!


– Verso do poema A Noite Escura de São João da Cruz

A segunda noite é a noite de Páscoa, a noite sobre todas as noites, a noite em que Cristo Ressuscitado vence a morte. Ó noite maravilhosa, noite que ilumina nossa vida, a noite em que Palavra de Deus pode se realizar na nossa vida, a noite em que a Palavra de Deus pode te trazer a salvação.

Deus nos guiou até este momento, não morremos até hoje por que Deus quer que vivamos esta Páscoa em casa, para nossa conversão, para aprendermos a celebrar nas casas. Deus realizou maravilhas na tua vida, primeiro de tudo, Ele te deu a vida, pense de quantos acidentes ou quase-acidentes Ele te livrou, de algumas doenças Ele já te livrou, e, acima de tudo, de todos os teus pecados Ele te perdoou.

Nesta noite Jesus Cristo, o Amado de Deus, ressuscita dos mortos, vence a morte para o benefício de todos nós. A Igreja, Amada de Deus, celebra que o demônio está vencido, que a morte está vencida, que não precisamos temer a morte. A morte está derrotada, nossa vida não termina na morte, acreditamos em Cristo Jesus Ressuscitado, acreditamos que também nós ressuscitaremos quando for nosso tempo.

A Igreja, nesta noite de Páscoa, é transformada. Se estívessemos celebrando nas igrejas, veríamos as trevas transformando-se em luz, pois a Vigília Pascal inicia no escuro, mas vai se iluminando na medida em que Cristo entra na Igreja, com o presbítero carregando o Círio Pascal. Com as luzes acesas cantamos o Glória, Glória a Deus nos altos dos céus, Glória a Jesus Cristo Ressuscitado!

Nesta noite Deus mostra todo amor que tem por nós, por cada um nós. Cristo nos ama, e ama muitíssimo. Um anjo anunciou às mulheres que Cristo havia Ressuscitado, hoje vamos receber este mesmo anúncio assistindo à missas em casa, apenas com nossa família, não na igreja, com a comunidade, mas isto não tira seu poder. Que este anúncio de Deus possa transformar a tua vida, que possas acreditar, em teu coração, nesta Palavra de Deus.

Cristo Ressuscitou, Cristo venceu a morte, Aleluia, Aleluia!


-- autoria própria

6 de abr. de 2020

A avareza espiritual

Muitos principiantes têm às vezes também grande avareza espiritual. Mal se contentam com o espírito que Deus lhes dá,; andam muito desconsolados e queixosos por não acharem, nas coisas espirituais, o consolo desejado. 

Muitos nunca se fartam de ouvir conselhos e aprender regras da visa espiritual; querem ter sempre grande cópia de livros sobre este assunto. Se ocupam mais em ler do que em se exercitarem na mortificação e perfeição da pobreza interior do espírito, como deveriam. 

Além disto, carregam-se de imagens e rosários, ora deixam uns, ora tomam outros; vivem a trocá-los e destrocá-los; querem-nos, já desta maneira, já dequela outra, afeiçoando-se mais a esta cruz do que àquela, por lhes parecer mais interessante. Também vereis a outros bem munidos de Agnus Dei, relíquias e santinhos, como as crianças com brinquedos. 

 Condeno, em tudo isto, a propriedade do coração e o apego ao  e curiosidades destas coisas; pois esta maneira de agir é muito contrária à pobreza de espírito, que só põe os olhos na substância da devoção, e se aproveita somente do que lhe serve para tal fim, cansando-se de tudo mais. 

A verdadeira piedade há de brotar do coração, firmando-se na verdade e solidez, significadas nestas coisas espirituais; o resto é apego e propriedade de imperfeição, que é necessário cortar, a fim de atingir algo da perfeição.

-- São João da Cruz, no livro A Noite Escura da Alma.  (século XVI)

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