25 de fev. de 2013

Sobre a Interpretação dos Salmos - parte III


* terceira parte (e final) da carta de Santo Atanásio de Antioquia a marcelino sobre os salmos

Capítulo XVII

Esta é a característica que possui o livro dos Salmos, para utilidade dos homens: uma parte dos salmos foram escritos para a purificação dos movimentos da alma; outra parte, para anunciarmos profeticamente a vinda na carne de nosso Senhor Jesus Cristo, como acima dissemos.

Porém, de modo algum devemos passar por alto a razão pela qual os salmos se modulam harmoniosamente e com canto. Alguns simplórios entre nós, se bem crêem na inspiração divina das palavras, sustentam que os salmos se cantam pelo agradável dos sons e para o prazer do ouvido. Isto não é exato. A Escritura para nada buscou o encanto ou a sedução, e sim a utilidade da alma; esta forma foi eleita sobre tudo por duas razões:

Em primeiro lugar, convinha que a Escritura não louvasse a Deus unicamente numa seqüência de palavras rápidas e contínuas, mas sim também com voz lenta e pausada. Em seqüência ininterrupta se lêem a Lei, os Profetas, os livros históricos e o Novo Testamento; a voz pausada é empregada para os Salmos, odes e cânticos. Assim se obtém que os homens expressem seu amor a Deus com todas as suas forças e com todas as suas possibilidades.

A segunda razão apóia em que, como uma boa flauta unifica e harmoniza perfeitamente todos os sons, do mesmo modo requer a razão que os diversos movimentos da alma, como pensamento, desejo, cólera, sejam a origem das distintas atividades do corpo, de modo que o trabalho do homem não seja desarmônico, conflitando consigo mesmo, pensando muito bem e trabalhando muito mal; por exemplo, Pilatos que disse: "Nenhum delito encontro nele para condená-lo à morte" (Jo 18,38), porém trabalhou segundo o querer dos judeus... Ou, que desejando trabalhar mal, estejam impossibilitados de realizá-lo, como os anciãos com Susana... Ou que ainda abstendo-se de adulterar, seja ladrão, ou, sem ser ladrão seja homicida, ou, sem ser assassino seja blasfemador.

Capítulo XVIII

Para impedir que surja essa desarmonia interior, a razão requer que a alma, que possui o pensamento de Cristo (cf. 1Cor 2,16), como disse o Apóstolo, faça que este lhe sirva de diretor, que domine nele suas paixões, ordenando os membros do corpo para que obedeçam a razão. Como pleito para a harmonia, nesse saltério que é o homem, o Espírito deve ser fielmente obedecido, os membros e seus movimentos devem ser dóceis obedecendo a vontade de Deus. Esta tranqüilidade perfeita, esta calma interior, tem sua imagem e modelo na leitura modulada dos Salmos. Nos damos a conhecer os movimentos da alma através das nossas palavras; por isso o Senhor, desejando que a melodia das palavras fosse o símbolo da harmonia espiritual na alma, fez cantar os Salmos melodiosa, modulada e musicalmente. Precisamente este é o desejo da alma, vibrar em harmonia, como está escrito: "Algum de vós é feliz, que cante!" (Sal 5,13). Assim, salmodiando, se aplaca o que nele haja de confuso, áspero ou desordenado e o canto cura até a tristeza: "Por que estás triste, alma minha, por que me perturbas?" (Sal 41,6.12 e 42,5); reconhecer seu erro confessando: "Quase resvalaram minhas pisadas" (Sal 72,2); e no temor fortalecer a esperança: "O Senhor está comigo: não temo; que poderá fazer-me aquele homem?" (Sal 117,6).

Capítulo XIX

Os que não lêem desta maneira os cânticos divinos, não salmodiam sabiamente, mas buscam seu deleite, e merecem reprovação, já que o louvor não é formoso na boca do pecador (cf. Eclo. 15,9). Porém, quando se cantam da maneira que acima mencionamos, de modo que as palavras se vão proferindo ao ritmo da alma e em harmonia com o Espírito, então cantam em uníssono a boca e a mente; ao cantar assim, são úteis a si mesmos e aos ouvintes bem dispostos. O bem-aventurado Davi, por exemplo, cantando para Saul, alegrava a Deus e alijava de Saul a perturbação e a loucura, devolvendo-lhe a tranqüilidade à sua alma. De idêntica maneira os sacerdotes ao salmodiar, aportavam a calma à alma das multidões, induzindo-as a cantar unânimes com os coros celestiais. O fato de que os Salmos se recitem melodiosamente, não é em absoluto indício de buscar sons prazenteiros, e sim reflexo da harmoniosa composição da alma. A leitura mensurada é símbolo da índole ordenada e tranqüila do espírito. Louvar a Deus com pratinhos sonoros, com a cítara e o saltério de dez cordas, é, a sua vez, símbolo e indicação de que os membros do corpo estão harmoniosamente unidos do modo que estão as cordas; de que os pensamentos da alma atuam qual címbalos, recebendo todo o conjunto, movimento e vida a impulsos do espírito, já que viveram, como está escrito, e com o Espírito fazem morrer as obras do corpo (cf. Rom. 8,13). Quem salmodia desta maneira harmoniza sua alma levando-a do desacordo ao acorde, de modo que, falando-se em natural acordo nada a perturbe, ao contrário da imaginação pacificada que deseja ardentemente os bens futuros. Bem disposta pela harmonia das palavras, olvida suas paixões, para centrada, gostosa e harmoniosamente em Cristo conceber os melhores pensamentos.

Capítulo XX

É portanto necessário, filho meu, que todo o que lê este livro o faça com pureza de coração, aceitando que se deve à divina inspiração, e, beneficiando-se dele por isso mesmo, como dos frutos do jardim do paraíso, empregando-os segundo as circunstâncias e a utilidade de cada um deles.

Estimo, com efeito, que nas palavras deste livro se contem e descrevam todas as disposições, todos os afetos e todos os pensamentos da vida humana e que fora destes não há outros.

Há necessidade de arrependimento ou confissão; se lhes surpreenderam a aflição ou a tentação; se és perseguido ou se escapou a emboscadas; se estás triste, em dificuldades ou tens algum dos sentimentos acima mencionados; ou se vives prosperamente, havendo triunfado sobre teus inimigos, desejando louvar, dar graças ou bendizer ao Senhor... Para qualquer destas circunstâncias, deve-se falar o ensinamento adequado nos Salmos divinos. Que eleja aqueles relacionados com cada um desses argumentos, recitando-os como se ele os proferira, e adequando os próprios sentimentos aos neles expressados.

Capítulo XXI

De modo algum se busque adorná-los com palavras sedutoras, modificar suas expressões ou trocá-las totalmente; leia e cante-se o que está escrito, sem artifícios, para que os santos varões que nos legaram esses salmos, reconheçam o tesouro de sua propriedade, conosco há pouco tempo, ou melhor, o faça o Espírito Santo, que falou através deles, e, ao constatar que nossos discursos são eco perfeitos dos seus, venham em nossa ajuda. Pois sendo a vida dos santos melhor que a do resto, portanto melhores e mais poderosas se tenham, com toda verdade, suas palavras que nós agregamos. Pois com essas palavras agradaram a Deus e, ao proferi-las, eles lograram - como o disse o Apóstolo - conquistar reinos, fizeram justiça, alcançaram as promessas, cerraram a boca aos leões; apagaram a violência do fogo, escaparam do fio da espada, curaram suas enfermidades, foram valentes na guerra, rechaçaram exércitos estrangeiros e as mulheres recobraram ressuscitados a seus mortos (cf. Hb 11, 33-35).

Capítulo XXII

Todo o que agora lê essas mesmas palavras [dos Salmos], tenha confiança que por elas Deus virá instantaneamente em nossa ajuda. Se está afligido, sua leitura procurará um grande consolo; se é tentado ou perseguido, ao cantá-las saldará fortalecido e como mais protegido pelo Senhor, que já havia protegido antes ao autor, e fará que ouçam (os inimigos) o diabo e seus demônios. Se há pecado, voltará a si e deixará de fazê-lo; se não há pecado, se estimará ditoso ao saber que corre em procura dos verdadeiros bens; na luta, os Salmos darão as forças para não apartar-se jamais da verdade; ao contrário, convencerá aos impostores que tratavam de induzi-lo ao erro. A garantia de tudo isso não é um mero homem mas sim a mesma Escritura divina. Deus ordenou a Moisés escrever o grande Cântico, ensinando-o ao povo; ao que ele constituíra como chefe, lhe ordenou transcrever o Deuteronômio, guardando-o entre suas mãos e meditando continuamente suas palavras, pois seus discursos são suficientes para trazer à memória a recordação da virtude e aportar ajuda aos que os meditam sinceramente. Quando Josué, filho de Nuná penetrou na terra prometida, vendo os acampamentos inimigos e os reis amorreus reunidos, todos em som de guerra, em lugar de armas ou espadas, empunhou o livro do Deuteronomio; o leu diante de todo o povo, recordando as palavras da Lei, e havendo armado o povo, saiu vencedor sobre os inimigos. O rei Josías, depois do descobrimento do livro e sua leitura pública, não albergava já temor algum de seus inimigos. Quando o povo saía à guerra, a Arca contendo as tábuas da Lei ia adiante do exército, sendo proteção mais que suficiente, sempre que não houvera entre os portadores ou no seio do povo prevalência de pecado ou hipocrisia. Pois se necessita que a fé vá acompanhada pela sinceridade para que a Lei dê resposta à oração.

Capítulo XXIII
Ao menos eu, o ancião, escutei da boca de homens sábios, que antigamente, em tempos de Israel, bastava a leitura da Escritura para por em fuga os demônios e destruir as armadilhas estendidas por eles aos homens. Por isso, me dizia [meu interlocutor], são de todo condenáveis aqueles que, abandonando estes livros, compõem outros com expressões elegantes, fazendo-se chamar exorcistas, como ocorreu aos filhos do judeu Esceva, quando tentaram exorcizar dessa maneira! Os demônios se divertem e burlam quando os escutam; pelo contrário tremem diante das palavras dos santos e nem ouvi-las podem. Pois nas palavras da Escritura está o Senhor e ao não poder suportás-las gritam: "Te rogo que não me atormentes antes do tempo!" (Lc 8,28). Com somente a presença do Senhor se consumiam. Do mesmo modo, Paulo dava ordens aos espíritos impuros e os demônios se submetiam aos discípulos. E a mão do Senhor caiu sobre Eliseu, o profeta, de modo que profetizou aos três reis acerca da água quando, por ordem sua, o salmista cantava ao som do saltério. Inclusive agora, se um está preocupado pelos que sofrem, leia os Salmos e lhes ajudará muitíssimo, demostrando igualmente que o que sofre é firme e verdadeiro; ao vê-lo, Deus concede a completa saúde aos necessitados. Sabendo-o, o santo disse no salmo 118: "Meditarei sobre teus decretos, não olvidarei tuas palavras", e também: "Teus decretos eram meus cantos, no lugar de minha peregrinação. Nelas encontrarão salvação ao dizer: 'se tua lei não fosse minha meditação, já haveria perecido em minha humilhação'".

Também Paulo buscava confirmar a seu discípulo, ao dizer: "Medita estas coisas; vive entregue a elas para que teu aproveitamento seja manifestado a todos" (1 Tim 4,15). Pratica-o igualmente tu, lê com sabedoria os Salmos e poderás, sob a direção do Espírito, compreender o significado de cada um. Imitarás a vida que levaram os varões santos, que entusiasmados pelo Espírito de Deus isto tudo disseram.


24 de fev. de 2013

Basílica da Imaculada Conceição, Washington/DC

A Basílica do Santuário Nacional da Imaculada Conceição em Washington, capital dos EUA, é a maior igreja Católica Romana na América do Norte e uma das dez maiores do mundo. é dedicada a padroeira dos Estados Unidos, a Virgem Maria sob o título de Imaculada Conceição.

Em 1847, atendendo a um pedido dos bispos americanos, o Papa Pio IX nomeou a Virgem como padroeira do país. Em 1910, o então reitor da Universidade Católica, sugeriu a construção de um santuário em honra a Maria que fosse comparável aos grandes santuários europeus, plano aprovado pelo Papa Pio X em 1913. 

A pedra fundamental foi colocada em 23 de Setembro de 1920. O nível da cripta foi completado em 1931. Coma Grande Deressão e a II guerra Mundial, a construção foi paralisada por longo tempo. No ano mariano de 1954, reiniciou-se os esforços para retomar a obra, realizando arrecadações de fundos por todo país. Em 20 de Novembro de 1960, O Arcebispo de Nova Iorque Francis Spellman celebrou a primeira missa no altar principal, quado solenemente recitou o ato de dedicação à consagração do país à Bendita Ave Maria. 

A basílica não é uma catedral, pois o Bispo de Washington assenta-se em outra igreja, nem uma paróquia. Por definição, um santuário é uma igreja onde os fiéis são convidados a peregrinarem em razão de uma devoção especial. Deve promover a celebração da Eucaristia e Penitência, além de cultivar outras formas de piedade popular. Sacramentos comunitários, como batismos e casamentos, não são administrados, pois não há exatamente um comunidade para testenunhá-los. 
Mosaico da Imaculada Conceição utiliza a coloração natural
de 35.00 pedras,  obra do Estudio de Mosaicos no Vaticano,
reproduz uma pintura de Esteban Murillo que está no
Museu do Prado (Madri).

Em 12 de Outubro de 1990, o Papa João Paulo II elevou o Santuário Nacional ao status de Basílica, devido a sua importância, diginidade e significado para a igreja. Entre os privilégios de uma Basílica estão a indulgência plenária para quem assitir uma Eucaristia e rezar nas intenções do Papa em dias específicos. No caso da Basílica em Washington, os dias são: 20 de Novembro, aniversário da dedicação da Basílica; 8 de Dezembro, solenidade da Imaculada Conceição; 29 de Junho, solenidade de São Paulo e São Pedro; e 12 de Outubro, aniversário da atribuição do título de Basílica. Como a Basílica tem altares menores dedicados a vários santos, também é possível obter um indulgência menor rezando em frente ao altar no dia dedicado ao respectivo santo. 

Agora duas observações pessoais: 

(1) já havia ido à Washington outras vezes e toda divulgação turística é centrada nos museus, monumentos históricos, Capitólio e Casa Branca. Eventualmente há referências à Catedral Nacional (sem referências, em geral trata-se da Episcopal, onde o Pres. Obama já compareceu algumas vezes), mas nada é dito sobre a Basílica do Santuário. Ela está localizada em um bairro um pouco afastado das atrações principais, mas é lindíssima, comparável às mais bonitas igrejas européias, inclusive às vaticanas. 

(2) já havia perguntado para padres, seminaristas e católicos por um local para uma peregrinação aqui nos EUA e, até agora, ninguém havia citado esta Basílica. É necessário divulgar melhor. Para quem estiver vindo para o Encontro com as Famílias em 2015, que será realizado na Filadélfia, Washington é apenas 2 horas da Filadélfia. Por favor, incluam nos roteiros como um local mariano privilegiado para peregrinações - o equivalente a Aparecida no Brasil.









23 de fev. de 2013

Sermão sobre a Transfiguração do Senhor


O Senhor manifesta a sua glória na presença de testemunhas escolhidas, e de tal modo fez resplandecer o seu corpo, semelhante ao de todos os homens, que seu rosto se tornou brilhante como o sol e suas vestes brancas como a neve.

A principal finalidade dessa transfiguração era afastar dos discípulos o escândalo da cruz, para que a humilhação da paixão, voluntariamente suportada, não abalasse a fé daqueles a quem tinha sido revelada a excelência da dignidade oculta de Cristo. Mas, segundo um desígnio não menos previdente, dava-se um fundamento sólido à esperança da santa Igreja, de modo que todo o Corpo de Cristo pudesse conhecer a transfiguração com que ele também seria enriquecido, e os seus membros pudessem contar com a promessa da participação daquela glória que primeiro resplandecera na Cabeça.

A esse respeito, o próprio Senhor dissera, referindo-se à majestade de sua vinda: Então os justos brilharão como o sol no Reino de seu Pai (Mt 13,43). E o apóstolo Paulo declara o mesmo, dizendo: Eu entendo que os sofrimentos do tempo presente nem merecem ser comparados com a glória que deve ser revelada em nós (Rm 8,18). E ainda: Vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo, em Deus. Quando Cristo, vossa vida, aparecer, então vós aparecereis também com ele, revestidos de glória (Cl 3,3-4).

Entretanto, aos apóstolos que deviam ser confirmados na fé e introduzidos no conhecimento de todos os mistérios do Reino, esse prodígio ofereceu ainda outro ensinamento.

Moisés e Elias, isto é, a Lei e os Profetas, apareceram conversando como Senhor, a fim de cumprir-se plenamente, na presença daqueles cinco homens, o que fora dito: Será digna de fé toda palavra proferida na presença de duas ou três testemunhas (cf. Mt18,16).

Que pode haver de mais estável e mais firme que esta palavra? Para proclamá-la, ressoa em uníssono a dupla trombeta do Antigo e do Novo Testamento, e os testemunhos dos tempos passados concordam com o ensinamento do Evangelho.

Na verdade, as páginas de ambas as alianças confirmam-se mutuamente; e o esplendor da glória presente mostra, com total evidência, Aquele que as antigas figuras tinham prometido sob o véu dos mistérios. Porque, como diz João, por meio de Moisés foi dada a Lei, mas a graça e a verdade nos chegaram através de Jesus Cristo (Jo 1,17). Nele cumpriram-se integralmente não só a promessa das figuras proféticas, mas também o sentido dos preceitos da lei; pois pela sua presença mostra a verdade das profecias e, pela sua graça, torna possível cumprir os mandamentos.

Sirva, portanto, a proclamação do santo Evangelho para confirmar a fé de todos, e ninguém se envergonhe da cruz de Cristo, pela qual o mundo foi redimido.

Ninguém tenha medo de sofrer por causa da justiça ou duvide da recompensa prometida, porque é pelo trabalho que se chega ao repouso, e pela morte, à vida. O Senhor assumiu toda a fraqueza de nossa pobre condição e, se permanecermos no seu amor e na proclamação do seu nome, venceremos o que ele venceu e receberemos o que prometeu.

Assim, quer cumprindo os mandamentos ou suportando a adversidade, deve sempre ressoar aos nossos ouvidos a voz do Pai, que se fez ouvir, dizendo: Este é o meu filho amado, no qual pus todo o meu agrado. Escutai-o (Mt 17,5).

-- Dos Sermões de São Leão Magno, papa (século V)

20 de fev. de 2013

Salmo 118: Promessa de observar a lei de Deus

Queridos irmãos e irmãs

O que a liturgia de Laudes nos propõe no sábado da primeira semana é uma única estrofe tirada do Salmo 118, uma monumental oração de vinte e duas estrofes, tantas quantas são as letras do alfabeto hebraico. Cada estrofe se caracteriza por uma letra do alfabeto, com que começa cada um dos versículos; a ordem das estrofes segue a do alfabeto. A que proclamamos agora é a estrofe número dezenove, correspondente à letra qof.

Esta premissa, um pouco superficial, permite-nos compreender melhor o significado deste cântico em honra da Lei divina. Ele é semelhante a uma música oriental, cujas modulações sonoras parecem nunca mais ter fim e elevam-se ao céu numa repetição que envolve a mente e os sentidos, o espírito e o corpo daquele que reza.

Numa sequência que se desenvolve do 'alef ao tau, isto é, da primeira à última letra do alfabeto do A ao Z, diremos nós com o alfabeto italiano aquele que reza expande-se no louvor da Lei de Deus, que adopta como lâmpada para os seus passos no caminho, tantas vezes obscuro, da vida (cf. v 105).

Diz-se que o grande filósofo e cientista Blaise Pascal recitava diariamente este Salmo, que é o maior de todos, enquanto o teólogo Dietrich Bonhoeffer, assassinado pelos nazistas em 1945, o transformava numa oração viva e atual, escrevendo:  "Indubitavelmente, o Salmo 118 é pesado pela sua extensão e monotonia, mas nós devemos avançar palavra por palavra, frase por frase, muito lenta e pacientemente. Descobriremos então que as aparentes repetições são, na relidade, aspectos novos de uma só e mesma realidade:  o amor pela palavra de Deus. Como este amor não pode ter fim, também não o terão as palavras que o confessam. Elas podem acompanhar-nos ao longo de toda a nossa vida, e na sua simplicidade tornam-se oração da  criança,  do  adulto  e  do  idoso" (Rezar os Salmos com Cristo, Brescia, 1978³, p. 48).

O fato de repetir, além de ajudar a memória no canto coral, é ainda um modo de estimular a adesão interior e o abandono confiante nos braços de Deus, invocado e amado. Entre as repetições do Salmo 118, queremos assinalar uma muito significativa. Cada um dos 176 versículos de que é composto este louvor à Torah, isto é, à Lei e à Palavra divina, contém, pelo menos, uma das oito palavras com que se define a própria Torah:  lei, palavra, testemunho, juízo, prescrição, decreto, preceito, ordem. Celebra-se assim a Revelação divina, que é manifestação do mistério de Deus, mas também guia moral para a existência do fiel.

Deus e o homem estão, deste modo, unidos por um diálogo composto de palavras e de obras, de ensino e escuta, de verdade e de vida.

Voltemos, agora, à nossa estrofe (cf. vv. 145-152), que se adapta bem à atmosfera das Laudes matutinas. De fato, a cena, que é posta no centro deste conjunto de oito versículos, é noturna, mas aberta ao novo dia. Depois de uma longa noite de espera e de vigília de oração no templo, quando a aurora aparece no horizonte e se começa a liturgia, o fiel está certo de que o Senhor ouvirá aquele que passou a noite a rezar, esperar e a meditar a Palavra divina. Confortado por esta consciência, perante a jornada que se abre diante dele, não temerá mais os perigos. Sabe que não será arrastado pelos seus perseguidores que, traiçoeiramente, o atacam, (cf. v. 150), porque o Senhor está a seu lado.

A estrofe exprime uma intensa oração:  "Invoco-Vos com todo o coração:  ouvi-me, Senhor... Pela manhã apresso-me a invocar-Vos; nas Vossas palavras eu espero..." (vv 145.147). No Livro das Lamentações lê-se este convite:  "Levanta-te, grita durante a noite ao começo das vigílias; derrama o teu coração como água ante a face do Senhor; ergue para Ele as mãos" (Lam 2, 19). Santo Ambrósio repetia:  "Não sabes, ó homem, que em cada dia deves oferecer a Deus as primícias do teu coração e da tua voz? Apressa-te, ao alvorecer, para levar à igreja as primícias da tua piedade" (Exp. in ps. CXVIII:  PL 15, 1476A).

Ao mesmo tempo, a nossa estrofe é ainda, a exaltação de uma certeza:  nós não estamos sós, porque Deus escuta e intervém. Di-lo aquele que reza:  "Vós, Senhor, estais perto" (v. 151). Também o dizem outros Salmos:  "Aproximai-Vos de mim e salvai-me, respondei aos meus inimigos, resgatando-me" (Sl. 68, 19); "O Senhor está perto dos aflitos do coração e salva os de espírito torturado" (Ps 33, 19). 

-- Papa João Paulo II na audiência de 14 de Novembro de 2001

16 de fev. de 2013

No Cristo fomos tentados e nele vencemos o demônio


Ouvi, ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração (Sl 60,2). Quem é que fala assim? Parece ser um só: Dos confins da terra a vós eu clamo, e em mim o coração já desfalece (Sl 60,3). Então já não é um só, e contudo é somente um, porque o Cristo, de quem todos somos membros, é um só. Como pode um único homem clamar dos confins da terra? Quem clama dos confins da terra é aquela herança a respeito da qual foi dito ao próprio Filho: Pede-me e te darei as nações como herança e os confins da terra por domínio (Sl 2,8).

Portanto, é esse domínio de Cristo, essa herança de Cristo, esse corpo de Cristo, essa Igreja de Cristo, essa unidade que somos nós, que clama dos confins da terra. E o que clama? O que eu disse acima: Ouvi, ó Deus, a minha súplica, atendei a minha oração; dos confins da terra a vós eu clamo. Sim, clamei a vós dos confins da terra, isto é, de toda parte. 

Mas por que clamei? Porque em mim o coração já desfalece. Revela com estas palavras que ele está presente a todos os povos no mundo inteiro, não rodeado de grande glória mas no meio de grandes tentações.

Com efeito, nossa vida,enquanto somos peregrinos neste mundo, não pode estar livre de tentações, pois é através delas que se realiza nosso progresso e ninguém pode conhecer-se a si mesmo sem ter sido tentado. Ninguém pode vencer sem ter combatido, nem pode combater se não tiver inimigo e tentações.

Aquele que clama dos confins da terra está angustiado, mas não está abandonado. Porque foi a nós mesmos, que somos o seu corpo, que o Senhor quis prefigurar em seu próprio corpo, no qual já morreu, ressuscitou e subiu ao céu, para que os membros tenham a certeza de chegar também aonde a cabeça os precedeu.

Portanto, o Senhor nos representou em sua pessoa quando quis ser tentado por Satanás. Líamos há pouco no Evangelho que nosso Senhor Jesus Cristo foi tentado pelo demônio no deserto. De fato, Cristo foi tentado pelo demônio. Mas em Cristo também tu eras tentado, porque ele assumiu a tua condição humana, para te dar a sua salvação; assumiu a tua morte, para te dar a sua vida; assumiu os teus ultrajes, para te dar a sua glória; por conseguinte, assumiu as tuas tentações, para te dar a sua vitória.

Se nele fomos tentados, nele também vencemos o demônio. Consideras que o Cristo foi tentado e não consideras que ele venceu? Reconhece-te nele em sua tentação, reconhece-te nele em sua vitória. O Senhor poderia impedir o demônio de aproximar-se dele; mas, se não fosse tentado, não te daria o exemplo de como vencer na tentação.

-- Dos Comentários sobre os Salmos, de Santo Agostinho, bispo (século V)

15 de fev. de 2013

A amizade de Deus

Nosso Senhor, o Verbo de Deus, que primeiro atraiu os homens para serem servos de Deus, libertou em seguida os que lhe estavam submissos, como ele próprio disse a seus discípulos: Já não vos chamo servos, pois o servo não sabe o que faz o seu senhor. Eu vos chamo amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de meu Pai (Jo 15,15). A amizade de Deus concede a imortalidade aos que a obtém.

No princípio, Deus formou Adão, não porque tivesse necessidade do homem, mas para ter alguém que pudesse receber os seus benefícios. De fato, não só antes de Adão, mas antes da criação, o Verbo glorificava seu Pai, permanecendo nele, e era também glorificado pelo Pai, como ele mesmo declara: Pai, glorifica-me com a glória que eu tinha junto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5).

Não foi também por necessitar do nosso serviço que Deus nos mandou segui-lo, mas para dar-nos a salvação. Pois seguir o Salvador é participar da salvação, e seguir a luz é receber a luz.

Quando os homens estão na luz, não são eles que a iluminam, mas são iluminados e tornam-se resplandecentes por ela. Nada lhe proporcionam, mas dela recebem o benefício e a iluminação.

Do mesmo modo, o serviço que prestamos a Deus nada acrescenta a Deus, porque ele não precisa do serviço dos homens. Mas aos que o seguem e servem, Deus concede a vida, a incorruptibilidade e a glória eterna. Ele dá seus benefícios aos que o servem precisamente porque o servem e aos que o seguem precisamente porque o seguem; mas não recebe deles nenhum benefício, porque é rico, perfeito e de nada precisa.

Se Deus requer o serviço dos homens é porque, sendo bom e misericordioso, deseja conceder os seus dons aos que perseveram no seu serviço. Com efeito, Deus de nada precisa, pias o homem é que precisa da comunhão com Deus.

É esta, pois, a glória do homem: perseverar e permanecer no serviço de Deus. Por esse motivo dizia o Senhor a seus discípulos: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15,16), dando assim a entender que não eram eles que o glorificavam seguindo-o, mas, por terem seguido o Filho de Deus, eram por ele glorificados. E disse ainda: Quero que estejam comigo onde eu estiver, para que eles contemplem a minha glória (Jo 17,24).

-- Do Tratado contra as heresias, de Santo Irineu, bispo (século II)

12 de fev. de 2013

Crer na caridade suscita caridade

MENSAGEM DE SUA SANTIDADE BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2013

Queridos irmãos e irmãs!

A celebração da Quaresma, no contexto do Ano da fé, proporciona-nos uma preciosa ocasião para meditar sobre a relação entre fé e caridade: entre o crer em Deus, no Deus de Jesus Cristo, e o amor, que é fruto da ação do Espírito Santo e nos guia por um caminho de dedicação a Deus e aos outros.

1. A fé como resposta ao amor de Deus

Na minha primeira Encíclica, deixei já alguns elementos que permitem individuar a estreita ligação entre estas duas virtudes teologais: a fé e a caridade. Partindo duma afirmação fundamental do apóstolo João: Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele (1 Jo 4, 16), recordava que, no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo. (...) Dado que Deus foi o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora o amor já não é apenas um “mandamento”, mas é a resposta ao dom do amor com que Deus vem ao nosso encontro (Deus caritas est1). A fé constitui aquela adesão pessoal - que engloba todas as nossas faculdades - à revelação do amor gratuito e apaixonado que Deus tem por nós e que se manifesta plenamente em Jesus Cristo. O encontro com Deus Amor envolve não só o coração, mas também o intelecto: O reconhecimento do Deus vivo é um caminho para o amor, e o sim da nossa vontade à d’Ele une intelecto, vontade e sentimento no acto globalizante do amor. Mas isto é um processo que permanece continuamente a caminho: o amor nunca está concluído e completado. Daqui deriva, para todos os cristãos e em particular para os agentes da caridade, a necessidade da fé, daquele encontro com Deus em Cristo que suscite neles o amor e abra o seu íntimo ao outro, de tal modo que, para eles, o amor do próximo já não seja um mandamento por assim dizer imposto de fora, mas uma consequência resultante da sua fé que se torna operativa pelo amor. O cristão é uma pessoa conquistada pelo amor de Cristo e, movido por este amor - caritas Christi urget nos (2 Cor 5, 14) - , está aberto de modo profundo e concreto ao amor do próximo. Esta atitude nasce, antes de tudo, da consciência de ser amados, perdoados e mesmo servidos pelo Senhor, que Se inclina para lavar os pés dos Apóstolos e Se oferece a Si mesmo na cruz para atrair a humanidade ao amor de Deus.

A fé mostra-nos o Deus que entregou o seu Filho por nós e assim gera em nós a certeza vitoriosa de que isto é mesmo verdade: Deus é amor! A fé, que toma consciência do amor de Deus revelado no coração trespassado de Jesus na cruz, suscita por sua vez o amor. Aquele amor divino é a luz – fundamentalmente, a única - que ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir. Tudo isto nos faz compreender como o procedimento principal que distingue os cristãos é precisamente o amor fundado sobre a fé e por ela plasmado.

2. A caridade como vida na fé

Toda a vida cristã consiste em responder ao amor de Deus. A primeira resposta é precisamente a fé como acolhimento, cheio de admiração e gratidão, de uma iniciativa divina inaudita que nos precede e solicita; e o «sim» da fé assinala o início de uma luminosa história de amizade com o Senhor, que enche e dá sentido pleno a toda a nossa vida. Mas Deus não se contenta com o nosso acolhimento do seu amor gratuito; não Se limita a amar-nos, mas quer atrair-nos a Si, transformar-nos de modo tão profundo que nos leve a dizer, como São Paulo: Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (cf. Gl 2, 20).

Quando damos espaço ao amor de Deus, tornamo-nos semelhantes a Ele, participantes da sua própria caridade. Abrirmo-nos ao seu amor significa deixar que Ele viva em nós e nos leve a amar com Ele, n'Ele e como Ele; só então a nossa fé se torna verdadeiramente uma fé que atua pelo amor (Gl 5, 6) e Ele vem habitar em nós (cf. 1 Jo 4, 12).

A fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1 Tm 2, 4); a caridade é caminhar na verdade (cf.Ef 4, 15). Pela fé, entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15, 14-15). A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13, 13-17). Na fé, somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade fá-los frutificar (cf. Mt 25, 14-30).

3. O entrelaçamento indissolúvel de fé e caridade

À luz de quanto foi dito, torna-se claro que nunca podemos separar e menos ainda contrapor fé e caridade. Estas duas virtudes teologais estão intimamente unidas, e seria errado ver entre elas um contraste ou uma dialética. Na realidade, se, por um lado, é redutiva a posição de quem acentua de tal maneira o carácter prioritário e decisivo da fé que acaba por subestimar ou quase desprezar as obras concretas da caridade reduzindo-a a um genérico humanitarismo, por outro é igualmente redutivo defender uma exagerada supremacia da caridade e sua operatividade, pensando que as obras substituem a fé. Para uma vida espiritual sã, é necessário evitar tanto o fideísmo como o activismo moralista.

A existência cristã consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus. Na Sagrada Escritura, vemos como o zelo dos Apóstolos pelo anúncio do Evangelho, que suscita a fé, está estreitamente ligado com a amorosa solicitude pelo serviço dos pobres (cf. At 6, 1-4). Na Igreja, devem coexistir e integrar-se contemplação e acção, de certa forma simbolizadas nas figuras evangélicas das irmãs Maria e Marta (cf. Lc 10, 38-42). A prioridade cabe sempre à relação com Deus, e a verdadeira partilha evangélica deve radicar-se na fé. De fato, por vezes tende-se a circunscrever a palavra caridade à solidariedade ou à mera ajuda humanitária; é importante recordar, ao invés, que a maior obra de caridade é precisamente a evangelização, ou seja, o serviço da Palavra. Não há ação mais benéfica e, por conseguinte, caritativa com o próximo do que repartir-lhe o pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana. Como escreveu o Servo de Deus Papa Paulo VI, na Encíclica Populorum progressioo anúncio de Cristo é o primeiro e principal fator de desenvolvimento. A verdade primordial do amor de Deus por nós, vivida e anunciada, é que abre a nossa existência ao acolhimento deste amor e torna possível o desenvolvimento integral da humanidade e de cada homem.

Essencialmente, tudo parte do Amor e tende para o Amor. O amor gratuito de Deus é-nos dado a conhecer por meio do anúncio do Evangelho. Se o acolhermos com fé, recebemos aquele primeiro e indispensável contato com o divino que é capaz de nos fazer enamorar do Amor, para depois habitar e crescer neste Amor e comunicá-lo com alegria aos outros.

A propósito da relação entre fé e obras de caridade, há um texto na Carta de São Paulo aos Efésios que a resume talvez do melhor modo: É pela graça que estais salvos, por meio da fé. E isto não vem de vós; é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie. Porque nós fomos feitos por Ele, criados em Cristo Jesus, para vivermos na prática das boas ações que Deus de antemão preparou para nelas caminharmos (2, 8-10). Daqui se deduz que toda a iniciativa salvífica vem de Deus, da sua graça, do seu perdão acolhido na fé; mas tal iniciativa, longe de limitar a nossa liberdade e responsabilidade, torna-as mais autênticas e orienta-as para as obras da caridade. Estas não são fruto principalmente do esforço humano, de que vangloriar-se, mas nascem da própria fé, brotam da graça que Deus oferece em abundância. Uma fé sem obras é como uma árvore sem frutos: estas duas virtudes implicam-se mutuamente. A Quaresma, com as indicações que dá tradicionalmente para a vida cristã, convida-nos precisamente a alimentar a fé com uma escuta mais atenta e prolongada da Palavra de Deus e a participação nos Sacramentos e, ao mesmo tempo, a crescer na caridade, no amor a Deus e ao próximo, nomeadamente através do jejum, da penitência e da esmola.

4. Prioridade da fé, primazia da caridade

Como todo o dom de Deus, a fé e a caridade remetem para a ação do mesmo e único Espírito Santo (cf. 1 Cor 13), aquele Espírito que em nós clama: Abbá! – Pai! (Gl 4, 6), e que nos faz dizer: Jesus é Senhor! (1 Cor 12, 3) e Maranatha! – Vem, Senhor! (1 Cor 16, 22; Ap 22, 20).

Enquanto dom e resposta, a fé faz-nos conhecer a verdade de Cristo como Amor encarnado e crucificado, adesão plena e perfeita à vontade do Pai e infinita misericórdia divina para com o próximo; a fé radica no coração e na mente a firme convicção de que precisamente este Amor é a única realidade vitoriosa sobre o mal e a morte. A fé convida-nos a olhar o futuro com a virtude da esperança, na expectativa confiante de que a vitória do amor de Cristo chegue à sua plenitude. Por sua vez, a caridade faz-nos entrar no amor de Deus manifestado em Cristo, faz-nos aderir de modo pessoal e existencial à doação total e sem reservas de Jesus ao Pai e aos irmãos. Infundindo em nós a caridade, o Espírito Santo torna-nos participantes da dedicação própria de Jesus: filial em relação a Deus e fraterna em relação a cada ser humano (cf. Rm 5, 5).

A relação entre estas duas virtudes é análoga à que existe entre dois sacramentos fundamentais da Igreja: o Batismo e a Eucaristia. O Batismo (sacramentum fidei) precede a Eucaristia (sacramentum caritatis), mas está orientado para ela, que constitui a plenitude do caminho cristão. De maneira análoga, a fé precede a caridade, mas só se revela genuína se for coroada por ela. Tudo inicia do acolhimento humilde da fé (saber-se amado por Deus), mas deve chegar à verdade da caridade (saber amar a Deus e ao próximo), que permanece para sempre, como coroamento de todas as virtudes (cf. 1 Cor 13, 13).

Caríssimos irmãos e irmãs, neste tempo de Quaresma, em que nos preparamos para celebrar o evento da Cruz e da Ressurreição, no qual o Amor de Deus redimiu o mundo e iluminou a história, desejo a todos vós que vivais este tempo precioso reavivando a fé em Jesus Cristo, para entrar no seu próprio circuito de amor ao Pai e a cada irmão e irmã que encontramos na nossa vida. Por isto elevo a minha oração a Deus, enquanto invoco sobre cada um e sobre cada comunidade a Bênção do Senhor!

11 de fev. de 2013

Estamos perto de ti, Santo Padre, e lhe pedimos que nos bendiga.



Entre as muitas notícias a cerca da renuncia do Papa Bento XVI, chamou-me atenção este pronunciamento do Cardeal Ângelo Sodano, Decano do Colégio dos Cardeais, imediatamente após o anúncio do Papa, em frente ao Colégio Cardinalício. A agência de notícias do Vaticano ainda não traduziu para o português, então me arrisco a partir do texto em inglês. 
Papa Bento XVI cumprimentando o Cardeal Sodano.

"Acabamos de lhe escutar - tudo que disse - com uma sensação de extravio e quase de incrudulidade. Em suas palavras temos notado o grande afeto que teve pela Santa Igreja de Deus, por esta Igreja que tanto amas. Agora, permita-me dizer-lhe, em nome deste cenáculo apostólico - o Colégio Cardinalício - em nome destes queridos colaboradores seus, que estamos mais próximos que nunca de sua pessoa, como temos estado durante estes quase oito anos luminosos de seu pontificado. Em 19 de Abril de de 2005, recordo-me bem, ao final do conclave, perguntei-lhe "Aceitas tua eleição canônica como Sumo Pontífice?" e emocionado, em responder dizendo que aceitava, confiando na graça do Senhor e na intercessão maternal de Maria, Mãe da Igreja. Como Maria, naquele dia, pronunciaste teu "Sim"e iniciou seu luminoso pontificado no caminho da continuidade, esta continuidade com seus duzentos e sessenta e cinco predecessores na Cátedra de Pedro, ao longo de dois mil anos de história, desde do apóstolo Pedro, o humilde pescador da Galiléia, até os grandes Papas do século passado, de São Pio X ao beato João Paulo II"

Santo Padre, antes de 28 de Fevereiro, como tens dito, dia em que desejas por a palavra final a seu serviço pontificial, levado ao cabo com tanto amor, com tanta humildade; antes de 28 de Fevereiro poderemos expressar melhor nossos sentimentos; assim farão também os pastores e fiéis espalhados pelo mundo e tantos homens de boa vontade junto às autoridades de muitos países. Também, neste mês, teremos a alegria de escutar a sua voz de pastor já nesta Quarta-Feira de Cinzas, na quinta-feira com o clero de Roma, nas orações do Angelus aos domingos, nas audiências das quartas-feiras, haverão ainda muitas ocasiões de escutar sua voz paternal. Sua missão, no entanto, continuará: disseste que estarás sempre conosco com teu testemunho e oração. Sim, as estrelas seguem sempre brilhando no céu e assim brilharás em meio a nós, brilhará a estrela de seu pontificado. Estamos perto de ti, Santo padre, e lhe pedimos que nos bendiga."

9 de fev. de 2013

Quinto Domingo do Tempo Comum - Ano C

A Pesca Milagrosa, de Peter Rubens

Após falar à multidão, Jesus ordenou a Pedro: "Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca". E Pedro objetou que já haviam pescado a noite toda, sem nada conseguirem, mas em obediência ao Mestre retornariam ao trabalho. Pois em nossas vidas, em especial na evangelização, muitas vezes somos tentados a responder como Pedro, com desânimo frente aos nossos fracassos. Mas, como Pedro, também somos chamados a retornar ao mundo, insistirmos mais um pouco, pois nossa recompensa não é necessariamente muitos peixes, mas abandonar tudo e seguir a Cristo. Como na primeira leitura, dizermos "Aqui estou! Envia-me!".

Jesus conhecia muitos sacerdotes, e havia muitos conhecedores da palavra, experientes e sábios. No entanto, Ele escolhe São Pedro e os apóstolos entre pessoas do povo. Fez deles seus assistentes e sucessores no trabalho. Cristo não se deixou inflenciar por julgamentos externos ou qualificações terrenas. Julgou o coração. Deu, assim, mais uma prova de sua divina origem, pois s Igreja não é empreendimento humano, mas celeste. 

8 de fev. de 2013

Salmo 99: A alegria dos que entram no templo

A tradição de Israel impôs ao hino de louvor agora proclamado o título de "Salmo para a todáh", isto é, para a ação de graças no cântico litúrgico, e por isso adapta-se bem à entoação das Laudes matutinas. Nos poucos versículos deste alegre hino podem identificar-se três elementos significativos, de forma que tornam espiritualmente frutuoso o seu uso por parte da comunidade orante cristã.

Antes de tudo, encontra-se o apelo premente à oração, claramente descrita na sua dimensão litúrgica. É suficiente enumerar os verbos usados no imperativo que marcam o Salmo e são acompanhados por indicações de ordem cultual:  "Aclamai..., servi ao Senhor com alegria, vinde à sua presença com cânticos de júbilo! Sabei que o Senhor é Deus... Entrai nos seus pórticos com ação de graças, entrai nos seus átrios com louvores, glorificai e bendizei o seu nome" (vv. 2-4). Uma série de convites não só para entrar na área sagrada do templo através dos seus pórticos e átrios (cf. Sl 14, 1; 23, 3.7-10), mas também a cantar hinos jubilosos a Deus.

É uma espécie de fio constante de louvor que nunca se interrompe, exprimindo-se numa contínua profissão de fé e de amor. Um louvor que se eleva da terra para Deus, e que ao mesmo tempo alimenta a alma do crente.

Desejaria reservar outra pequena observação ao início do cântico, onde o Salmista chama toda a terra a aclamar o Senhor (cf. v. 1). Sem dúvida, o Salmo dedicará depois toda a sua atenção ao povo eleito, mas o horizonte envolvido no louvor é universal, como acontece muitas vezes no Saltério, sobretudo nos chamados "hinos ao Senhor e Rei" (cf. Sl 95-98). O mundo e a história não estão nas mãos do destino, da confusão, de uma necessidade cega. Pelo contrário, são governados por um Deus que é ao mesmo tempo misterioso, mas que também deseja que a humanidade viva, de modo estável, relações justas e autênticas. Ele "fixou o orbe, não vacilará, governa os povos com equidade... governará a terra com justiça, e os povos na Sua fidelidade" (Sl 95, 10.13).

Por conseguinte, estamos todos nas mãos de Deus, Senhor e Rei, e todos o celebramos, confiantes de que Ele não nos deixará cair das Sua mãos de Criador e de Pai. A esta luz, pode apreciar-se melhor o terceiro elemento significativo do Salmo. No centro do louvor que o Salmista coloca nos nossos lábios, encontra-se de facto uma espécie de profissão de fé, expressa mediante uma série de atributos que definem a realidade íntima de Deus. Este credo fundamental contém as seguintes afirmações:  o Senhor é Deus, o Senhor é o nosso criador, nós somos o seu povo, o Senhor é bom, o seu amor é eterno, a sua fidelidade não tem fim (cf. vv. 3-5).

Tem-se, em primeiro lugar, uma renovada confissão de fé no único Deus, como nos é pedido pelo primeiro mandamento do Decálogo; "Eu sou o Senhor, teu Deus... não terás outro Deus além de Mim" (Êx 20, 2.3). E como se repete muitas vezes na Bíblia:  "Reconhece, agora, e grava no teu coração, que só o Senhor é Deus e que não há outro" (Dt 4, 39). Depois, é proclamada a fé em Deus criador, fonte do ser e da vida. Segue-se a afirmação, expressa através da chamada "fórmula da aliança", da certeza que Israel tem da eleição divina:  "pertencemos-Lhe, somos o Seu povo e as ovelhas do Seu rebanho" (v. 3). É uma certeza que os fiéis do novo Povo de Deus fazem sua, na consciência de constituírem a grei que o Pastor supremo das almas conduz aos prados eternos do céu (cf. 1 Pd 2, 25).

Depois da proclamação do Deus uno, criador e fonte da aliança, o retrato do Senhor cantado pelo nosso Salmo continua com uma meditação de três qualidades divinas, muitas vezes exaltadas no Saltério:  a bondade, o amor misericordioso (hésed), e a fidelidade. São as três virtudes que caracterizam a aliança de Deus com o seu povo; elas exprimem  um  vínculo  que  jamais  será  violado,  dentro  do  fluxo  das  gerações e apesar do rio lamacento dos pecados, das rebeliões e das infidelidades humanas. Com confiança serena no amor divino que nunca virá a faltar, o povo de Deus encaminha-se na história com as suas tentações e debilidades quotidianas.

E esta confiança far-se-á cântico, ao qual por vezes as palavras já não bastam, como observa Santo Agostinho:  "Quanto mais aumentar a caridade, tanto mais te darás conta do que dizias e não dizias. Com efeito, antes de saborear determinadas coisas, pensavas que podias utilizar palavras para indicar Deus; ao contrário, quando começaste a saboreá-lo, apercebeste-te de que não és capaz de explicar adequadamente aquilo que sentes. Mas se te aperceberes de que não sabes exprimir com as palavras o que sentes, deverás, por isso, permanecer calado e não louvar?... Não, certamente. Não serás tão ingrato. A Ele devemos a honra, o respeito, o maior louvor... Ouve o Salmo:  "Terra inteira, louva o Senhor!". Compreenderás a alegria de toda a terra, se tu mesmo te alegras no Senhor" (Exposições sobre os Salmos III/1).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 7 de Novembro de 2001

5 de fev. de 2013

Dom que nos foi concedido por Deus, verdadeira fonte da bondade

Santa Águeda, virgem e mártir (5 de fevereiro)

A comemoração do aniversário de Santa Águeda nos reúne a todos neste lugar, como se fôssemos um só. Bem conheceis, meus ouvintes, o combate glorioso desta mártir, uma das mais antigas e ao mesmo tempo tão recente que parece estar agora mesmo lutando e vencendo, através dos divinos milagres com os quais diariamente é coroada e ornada.

A virgem Águeda nasceu do Verbo de Deus imortal e seu único Filho, que também padeceu a morte por nós. Com efeito, João, o teólogo, assim se exprime: A todos aqueles que o receberam, deu-lhes a capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,12).

É uma virgem esta mulher que nos convidou para o sagrado banquete; é a mulher desposada com um único esposo, Cristo, para usar as mesmas expressões do apóstolo Paulo, ao falar da união conjugal.
É uma virgem que pintava e enfeitava os olhos e os lábios com a luz da consciência e a cor do sangue do verdadeiro e divino Cordeiro; e que, pela meditação contínua, trazia sempre em seu íntimo a morte daquele que tanto amava. Deste modo, a mística veste de seu testemunho fala por si mesma a todas as gerações futuras, porque traz em si a marca indelével do sangue de Cristo e o tesouro inesgotável da sua eloqüência virginal.

Ela é uma imagem autêntica da bondade, porque, sendo de Deus, vem da parte de seu Esposo nos tornar participantes daqueles bens, dos quais seu nome traz o valor e o significado: Águeda (que quer dizer “boa”) é um dom que nos foi concedido por Deus, verdadeira fonte de bondade.

Qual a causa suprema de toda a bondade, senão aquela que é o Sumo Bem? Por isso, quem encontrará algo mais que mereça, como Águeda, os nossos elogios e louvores?

Águeda, cuja bondade corresponde tão bem ao nome e à realidade! Águeda, que pelos feitos notáveis traz consigo um nome glorioso, e no próprio nome demonstra as ilustres ações que realizou! Águeda, que nos atrai com o nome, para que todos venham ao seu encontro, e com o exemplo nos ensina a corrermos sem demora para o verdadeiro bem, que é Deus somente!

Do Sermão na festa de Santa Águeda, de São Metódio da Sicília, bispo (Séc. IX)

4 de fev. de 2013

Sobre a Interpretação dos Salmos - parte II


Capítulo I

Todavia, isto de assombroso e maravilhoso tem os Salmos: ao ler os demais livros, aqueles que dizem os santos e o objeto de seus discursos, os leitores o relacionam com o argumento do livro, os ouvintes se sentem estranhos ao relato, de modo que as ações recordadas suscitam mera admiração ou o simples desejo de rivalizá-las. Aqueles que, por outro lado, abrem o livro dos Salmos recorrem, com a admiração e o assombro costumeiros, às profecias sobre o Salvador contidas já nos restantes livros, porém lêem os salmos como se fossem pessoais. O ouvinte, igual ao autor, entra em clima de compulsão, apropriando-se as palavras dos cânticos como se fossem suas. Para ser mais claro, não vacilaria, igual que o benaventurado Apóstolo, em retomar o dito: "Os discursos pronunciados em nome dos patriarcas, são numerosos; Moisés falava e Deus respondia; Elias e Eliseu, estabelecidos sobre a montanha do Carmelo, invocavam sem cessar ao Senhor, dizendo: 'Vive o Senhor, em cuja presença estou hoje!'" (1Rs 17,1; 2Rs 3,4). As palavras dos demais santos profetas têm por objeto o Salvador, e um certo número se referem aos pagãos e a Israel. Contudo, nenhuma pessoa pronunciaria as palavras dos patriarcas como se fossem suas, nem ousaria imitar e pronunciar as mesmas palavras que Moisés, nem as de Abraão acerca de sua escrava e Ismael ou as referentes ao grande Isaac; por necessário ou útil que fosse, nada se animaria a dizê-las como próprias. Ainda que um se compadecesse dos que sofrem e desejasse o melhor, jamais diria como Moisés: "Mostra-te a mim!" (Ex 33,13), ou tampouco: "Se perdoas seu pecado, perdoado serás; se não o perdoas, apaga-me do livro que tu escreveste" (Ex 33,12). Ainda no caso dos profetas, nada empregaria pessoalmente seus oráculos para elogiar ou repreender aqueles que se assemelham por suas ações aos que eles repreendiam ou elogiavam; ninguém diria: "Vive o Senhor, em cuja presença estou hoje!" Quem toma em suas mãos esses livros, vê claramente que as ditas palavras devem ler-se não como pessoais, mas sim como pertencentes aos santos e aos objetos dos quais falam. Os Salmos - coisa estranha! - salvo o que concerne ao Salvador e às profecias sobre os pagãos, são para o leitor palavras pessoais: cada um as canta como escritas para ele e não as toma nem as recorre como escritas por outro, nem tampouco referentes a outro. Suas disposições (de ânimo) são as de alguém que fala de si mesmo. O que diz, o orador o eleva até Deus como se fora ele quem falara e atuara. Não experimenta temor algum diante destas palavras, como diante às dos patriarcas, de Moisés ou dos outros profetas, senão por bem, considerando-as como pessoais e escritas referidas a ele, encontra a coragem para proferi-las e cantá-las. Seja que um cumpra ou quebre os mandamentos, os Salmos se aplicam a ambos. É necessário, em qualquer caso, seja como transgressor, seja como cumpridor, ver-se como obrigado a pronunciar as palavras escritas sobre cada qual.
Davi tocando harpa, Jan de Bray

Capítulo II

[As palavras dos Salmos] me parecem que são para quem as canta, como um espelho no qual se refletem as emoções da sua alma para que assim, sob seu efeito, possa recitá-las. Até quem somente os escuta, percebe o canto como referido a ele: ou convencido por sua consciência e, afligido, se arrepende; ou ouvindo falar da esperança em Deus e do auxilio concedido aos crentes, se alegra de que lhe haja sido outorgado e prorrompe em ações de graças a Deus. Assim, por exemplo, canta alguém o salmo terceiro? Refletindo sobre suas próprias atribulações, se apropriaria das palavras do salmo. Assim mesmo, lerá ao 11 e ss. e ao 16 e ss. de acordo com a sua confiança e oração; o recitado do 50 e ss. será expressão de sua própria penitência; o 53 e ss., 55 e ss., 100 e ss. e o 41ss. expressam seus sentimentos sobre a perseguição de que ele é objeto; são suas palavras as que canta ao Senhor. Assim pois, cada salmo, sem entrar em maiores detalhes, pode-se dizer que está composto e é proferido pelo Espírito, de modo que nessas mesmas palavras, como já o disse antes, podemos captar os movimentos da nossa alma e nos faz dizer como provenientes de nós mesmos, como palavras nossas, para que, trazendo à memória nossas emoções passadas, reformemos a nossa vida espiritual. O que os salmos dizem pode servir-nos de exemplo e de padrão de medida.

Capítulo III

Isto também é dom do Salvador: feito homem por nós, ofereceu por nós seu corpo à morte, para livrar-nos a todos da morte. Querendo mostrar-nos sua maneira celestial e perfeita de viver, a criou em si mesmo para que não sejamos já facilmente enganados pelo inimigo, já que temos uma prenda segura na vitoria que em favor nosso obteve sobre o diabo. É por esta razão que não só ensinou, mas também praticou seu ensinamento, de modo que cada um o escute quando fala e, olhando-o, como se observa a um modelo, aceite dele o exemplo, como quando diz: "Aprendam comigo, que sou manso e humilde de coração" (Mt 11,29). Não poderá existir ensinamento mais perfeito da virtude que a realizada pelo Salvador em sua própria pessoa: paciência, amor à humanidade, bondade, fortaleza, misericórdia, justiça, tudo o encontramos nele e nada temos que esperar, quanto a virtudes, ao observar detidamente sua vida. Paulo o dizia claramente: "Sejam imitadores meus, como eu o sou de Cristo" (1Cor 11,1). Os legisladores, entre os gregos, tem graça unicamente para legislar; o Senhor, qual verdadeiro Senhor do universo, preocupado por sua obra, não somente legisla, mas também se dá como modelo para que aqueles que o desejam, saibam como atuar. Ainda antes de sua vinda entre nós, o colocou manifesto nos Salmos, de maneira que igual que nos proveu da imagem acabada do homem terreno e celestial em sua própria pessoa; também nos Salmos, aquele que o deseja, pode aprender e conhecer as disposições da alma, encontrando como curá-las e retificá-las.

Capítulo IV

Falando com maior precisão, pontualizemos então que se toda a Escritura divina é mestra de virtude e de fé autêntica, o livro dos Salmos oferece, ademais, um perfeito modelo de vida espiritual. Igual a quem se apresenta diante de um rei e assume as corretas atitudes corporais e verbais, não seja que apenas abra a boca, seja arrojado fora por sua falta de compostura, também a aquele que corre até a meta das virtudes e deseja conhecer a conduta do Salvador durante sua vida mortal; o sagrado Livro o conduz primeiro, através da leitura, à consideração dos movimentos da alma e, a partir daí, vai representando sucessivamente o resto, ensinando aos leitores graças a ditas expressões. Neste livro, chama a atenção que alguns salmos contenham narrações históricas, outros admoestações morais, outros profecias, outros súplicas e outros, todavia, confissão.

  • Na forma de narração, temos os seguintes salmos: 18; 43; 48; 49; 72; 76; 88; 89; 106; 113; 126; e 136.
  • Em forma de oração, temos os salmos: 16; 67; 89; 101; 131; e 141.
  • Os proferidos como súplica, petição instante, são os salmos: 5; 6; 7; 11; 12; 15; 24; 27; 30; 34; 37; 42; 53; 54; 55; 56; 58; 59; 60; 63; 82; 85; 87; 137; 139; e 142.
  • Em forma de súplica junto com ação de graças, temos o salmo 138.
  • Entre os que só suplicam, temos os salmos: 3; 25; 68; 69; 70; 73; 78; 79; 108; 122; 129; e 130.
  • Em forma de confissão, temos os salmos: 9; 74; 91; 104; 105; 106; 107; 110; 117; 135; e 137.
  • Aqueles que entrelaçam narração com confissão, são os salmos: 9; 74; 105; 106; 117; 135; e 137.
  • Um salmo que combina confissão com narração e ação de graças é o 110.
  • Tem forma de admoestação o salmo 36.
  • Os salmos que contém profecia são: 20; 21; 44; 46; e 75.
  • No 109 temos anunciação junto com profecia.
  • Os salmos que exortam e prescrevem, e como que ordenam, são: 28; 32; 80; 94; 95; 96; 97; 102; 103; e 113.
  • O salmo 149 combina exortação com louvor.
  • Descrevem a vida ornada pela virtude os salmos: 104; 111; 118; 124; e 132.
  • Aqueles que expressam louvor são: 90; 112; 116; 134; 144; 145; 146; 148; e 150.
  • São salmos de ação de graças: 8; 9; 17; 33; 45; 62; 76; 84; 114; 115; 120; 121; 123; 125; 128; e 143.
  • Aqueles que anunciam uma promessa de bem-aventurança são: 1; 31; 40; 118; e 127.
  • Demonstrativo de alegre prontidão com (acréscimo) de cântico: o 107.
  • Outro há que exorta à fortaleza: o 80.
  • Temos os que reprovam aos ímpios e iníquos, como os: 12; 13; 35; 51; e 52.
  • O salmo 4 é uma invocação.
  • Aqueles salmos que falam [do cumprimento] de votos, são: o 19 e o 63.
  • Tem palavras de glorificação ao Senhor: 22; 26; 38; 39; 41; 61; 75; 83; 96; 98 e 151.
  • Acusações escritas para provocar vergonha são: o 57 e o 81.
  • Se encontram acentos hímnicos nos: 47 e 64.
  • O salmo 65 é um canto de júbilo e se refere à ressurreição.
  • Outro, o 99, é unicamente canto de júbilo.
Capítulo V

Estando, então, os salmos dispostos acima ordenados desta maneira, é possível aos leitores - como já o disse antes - descobrir em cada um deles os movimentos e a constituição de sua alma, do mesmo modo que descobrem o gênero e o ensinamento que cada um lhes transmitem.

Igualmente se pode aprender deles as palavras a dizer para agradar o Senhor, ou com quais palavras expressar o desejo de corrigir-se e arrepender-se ou de dar-lhe graças. Tudo isto impede, ao que recita literalmente estas expressões, cair na impiedade. Já que não somente tenhamos de dar a razão das nossas obras ao Juiz (Supremo), como também de toda palavra inútil (Mt 12,36):

  • Se queres bendizer a alguém, aprendes como fazê-lo e em nome de quem, nos salmos 1; 31; 40; 11; 118 e 127.
  • Se desejas censurar as conjurações dos judeus contra o Salvador, aí tens o segundo (salmo 2) de nossos poemas.
  • Se os teus te perseguem e muitos se levantam contra ti, recita o terceiro (salmo 3).
  • Se estando aflito, invocaste ao Senhor e porque te escutou queres dar-lhe graças, entoa o 4, ou o 74, ou o 114.
  • Se a ti basta que os malfeitores te preparam armadilhas e queres que bem de manhã tua oração chegue a seus ouvidos, recita o 5.
  • Se a ameaça de castigo do Senhor te intranquiliza, podes recitar o 6 ou o 37.
  • Profeta Davi, Fra Angelico
  • Se alguns se reúnem para tramar algo contra ti, como o fez Ajitófel contra Davi, e chega a teus ouvidos, canta o salmo 7 e confia no Senhor em te defender.
Capítulo VI

  • Se, observando a extensão universal da graça do Salvador e a salvação do gênero humano, queres conversar com Deus, canta o salmo 8.
  • Queres entoar o cântico da vindima, para dar graças ao Senhor? Tens novamente a tua disposição o 8 e também o 83.
  • Em honra à vitoria sobre os inimigos e a liberação da criatura, sem vangloriar-se, e sim reconhecendo que estes feitos magníficos são obra do Filho de Deus, recita o já mencionado salmo 9.
  • Se alguém quer confundir-te ou assustar-te, tem confiança no Senhor e repete o salmo 10.
  • Ao observar a soberba de tantos e como o mal cresce, ao ponto que já não há ações santas entre os homens, busca refúgio no Senhor e diga o salmo 11.
  • Prolongam os inimigos seus ataques? Não desesperes como se Deus te esquecera, e sim invoca-o cantando o salmo 12.
  • Não te associes de modo algum com os que blasfemam impiamente contra a Providência, mas bem suplica ao Senhor recitando os salmos 13 e 52.
  • Aquele que queira aprender quem é o cidadão do reino dos céus deve dizer o salmo 14.
Capítulo VII

  • Necessitas orar porque teus adversários assediam tua alma? Canta os salmos 16; 85; 87 e 140.
  • Se quiseres saber como rezava Moisés, aí tens o salmo 89.
  • Foste libertado de teus inimigos e perseguidores? Canta o salmo 17.
  • Te maravilham a ordem da criação e a providente graça que nela resplandece, como também os preceitos santos da Lei? Canta então o 18 e o 23.
  • Vendo sofrer os atribulados, consola-os orando e recitando-lhes as palavras do salmo 19.
  • Vês que o Senhor te conduz e pastoreia, guiando-te pelo caminho reto, alegra-te dele e salmodia o 22!
  • Te submergem os inimigos? Eleva tua alma até Deus salmodiando o 24 e vejas que os iníquos caem malogrados.
  • Te cercam os inimigos, tendo suas mãos totalmente manchadas de sangue, e não buscam mais que perder-te e confundir-te? Então, não confies tua justiça a um homem - toda justiça humana é suspeita! - mas peça ao Senhor que te faça justiça, já que ele é o único Juiz, recitando o 25; 34 ou 42.
  • Quando te assaltam violentamente os inimigos e se congregam como um exército e te depreciam como se ainda não estivesses ungido, e por isso te façam a guerra, não temas, canta muito o salmo 26.
  • A natureza humana é débil, e se [apesar dela] os perseguidores se fazem tão desavergonhados e insistem, não lhes faças caso, suplica em troca ao Senhor com o salmo 27.
  • Se queres aprender como oferecer sacrifícios ao Senhor com ação de graças, recita então com inteligência espiritual o salmo 28.
  • Se dedicas e consagras tua casa, isto é, tua alma que hospeda ao Senhor, como também a casa corpórea na que moras fisicamente, recita com ação de graças o 29 e, entre os salmos graduais, o 126.
Capítulo VIII

  • Se vês que és depreciado e perseguido por amigos e conhecidos à causa da verdade, não perdas o ânimo por isso, nem temas aos que se te opõem, e sim, aparta-te deles e, contemplando o futuro, salmodia o 30.
  • Se ao ver aos batizados e resgatados de sua vida corruptível, ponderas e admiras a misericórdia de Deus, canta em te favor tuas louvações com o salmo 31.
  • Se desejas salmodiar em companhia de muitos, reúne os homens justos e probos, e recita o 32.
  • Se caíste vítima de teus inimigos e sagazmente pudeste evitar seus assédios, reúne os homens mansos e recita em sua presença o salmo 33.
  • Se vês o céu para cometer o mal que impera entre os transgressores da Lei, não penses que a maldade é algo natural neles, como o afirmam os hereges, e sim recita o 35 e te convenças de que a eles lhes correspondem a responsabilidade pelo pecado.
  • Se vês os malvados cometerem muitas iniquidades e avalentarem-se contra os humildes, e queres exortar a alguém que nem se junte com os iníquos, nem lhes tenha inveja, pois seu porvir será a queda, então dê para ti mesmo e para os outros o 36.
Capítulo IX

  • Se, por outro lado, querendo prestar atenção à tua própria pessoa, e vendo que o inimigo se dispõe a atacar-te - pois lhe agrada provocar a este tipo de pessoas - querendo fortalecer-te contra ele, canta o salmo 38.
  • Se tendo que suportar ataques dos perseguidores, queres aprender as vantagens da paciência, recita então o 39.
  • Quando vendo multidão de pobres e mendigos, queres mostrar-te misericordioso com eles, serás capaz de sê-lo graças à recitação do salmo 40, já que com ele elogias aos que já atuaram compassivamente, e exortas aos demais a que ajam de igual maneira.
  • Se ansiando buscar a Deus, escutas as burlas dos adversários, não te perturbes, mas considerando a recompensa eterna de tal nostalgia, consola tua alma com a esperança em Deus, e, superados os pesares que te afligem nesta vida, entoa o salmo 41.
  • Se não queres deixar de recordar os inumeráveis benefícios que o Senhor outorgou a teus pais, como o êxodo do Egito e a estadia no deserto, e que bom é Deus e quão ingratos os homens, tens os salmos 43; 77; 88; 104; 105; 106 e 113.
  • Se havendo-te refugiado em Deus, poderoso defensor no perigo, queres dar-lhe graças e narrar suas misericórdias para contigo, tens o 45.
Capítulo X
  • Pecaste, sentes vergonha, buscas fazer penitência e alcançar misericórdia? Encontrarás palavras de arrependimento e confissão no salmo 50.
  • Ainda assim deves suportar calunias por parte de um rei iníquo, e vês como se encoraja o caluniador, alija-te dali e usa as expressões que encontras no 51.
  • Se te atacam, te acossam e querem trair-te, entregando-te à justiça, como o fizeram zifeos e filisteus com Davi, não perdas o valor: tem ânimo, confia no Senhor e louvai-o com as palavras dos salmos 53 e 55.
  • A perseguição te sobrevem, cai sobre ti e, sem sabê-lo, penetra inesperadamente na cova que te escondias, nem assim temas, pois ainda nesse aperto encontraras palavras de consolo e de memorial indelével nos salmos 56 e 141.
  • Se quem te persegue dá a ordem de vigiar tua casa, e tu, apesar de tudo, logras escapar, dá graças a Deus, e inscreve o agradecimento em teu coração, como sobre uma estrela indelével, em memória de que não pereceste e entoa o salmo 58.
  • Se os inimigos que te afligem proferem insultos, e os que aparentavam ser amigos lançam acusações contra ti, e isto perturba tua oração por um breve tempo, reconforta-te louvando a Deus e recitando as palavras do 54.
  • Contra os hipócritas e os que se vangloriam descaradamente, recita - para vergonha sua - o salmo 57.
  • Contra os que arremetem selvagemente contra ti e querem arrebatar-te a alma, contraponha tua confiança e adesão ao Senhor; quanto mais se encorajem eles, tanto mais descansa nele, recitando o 61.
  • Se perseguido, retira-te para o deserto e nada temas por estar ali só, pois tens a Deus junto de ti, a quem, muito de madrugada, podes cantar-lhe o 62.
  • Se te aterrorizam os inimigos e não cessam em conjurarem contra ti, buscando-te sem descanso, ainda que sejam muitos, não te aflijas, já que seus ataques serão como feridas causadas por flechas atiradas por crianças; entoa, então (confiante), os salmos 63; 64; 69 e 70.
Davi tocando cítara, Andrea Celesti
Capítulo XI

  • Se desejas louvar a Deus recita o 64.
  • E quando queiras catequizar alguém acerca da ressurreição, entoa o 65.
  • Imploras a misericórdia do Senhor? Louva-o salmodiando o 66.
  • Se vês que os malvados prosperam gozando de paz e os justos, em troca, vivem em aflição, para não tropeçar nem escandalizar-te, recita também tu o 72.
  • Quando a ira de Deus se inflama contra o povo, tenhas palavras sábias para seu consolo no 73.
  • Se andas necessitado de confissão, salmodia o 9; 74; 91; 104; 105; 106; 107; 110; 117; 125 e 137.
  • Queres confundir e envergonhar os pagãos e hereges, demostrando que nem um só deles possui o conhecimento de Deus, e sim unicamente a Igreja Católica? Podes, se assim o pensas, cantar e recitar inteligentemente as palavras do 75.
  • Se teus inimigos te perseguem e te cortam toda possibilidade de fuga, ainda que estejas muito afligido e grandemente confundido, não desesperes, e sim clama; e se teu grito é escutado, dá graças a Deus recitando o 76.
  • Porém, se os inimigos persistem e invadem e profanam o templo de Deus, matando os santos e arremessando seus cadáveres às aves do céu, não te deixes intimidar nem temas sua crueldade, e sim compadece com os que padecem e ora a Deus com o salmo 78.
Capítulo XII

  • Se desejas louvar ao Senhor em dia de festa, convoca os servos de Deus e recita os salmos 80 e 94.
  • E se novamente os inimigos todos, se reúnem, assaltando-te por todas as partes, proferindo ameaças até à casa de Deus e aliando-se contra a piedade, não te amedrontes por sua multidão ou seu poder, já que tens uma âncora de esperança nas palavras do salmo 82.
  • Se vendo a casa do Senhor e seus tabernáculos eternos, sentes nostalgia por eles, como tinha o Apóstolo, recita o salmo 83.
  • Quando havendo cessado a ira e terminado o cativeiro, quiseras dar graças a Deus, tens o 84 e o 125.
  • Se quiseres saber a diferença que medeia entre a Igreja católica e os cismáticos, e envergonhar estes últimos, podes pronunciar as palavras do 86.
  • Se quiseres exortar-te a ti e a outros, a render culto verdadeiro a Deus, demostrando que a esperança em Deus não fica confundida, e sim que, ao contrário, a alma fica fortalecida, louva a Deus recitando o 90.
  • Desejas salmodiar o Sábado? Tens o 91.
Capítulo XIII

  • Queres dar graças no dia do Senhor? Tens o 23; ou, desejas fazê-lo no segundo dia da semana? Recita o 47.
  • Queres glorificar a Deus no dia de preparação? Tens o louvor do 92.
  • Porque então, quando ocorreu a crucifixão, foi edificada a casa ainda que os inimigos trataram de rodeá-la, é conveniente cantar como cântico triunfal o que se enuncia no 92.
  • Se te sobrevindo o cativeiro, e a casa, sendo derrubada, volta a ser edificada, canta o que se contém no 95.
  • A terra se livrou dos guerreiros e apareceu a paz: reina o Senhor e tu queres fazê-lo objeto de teus louvores, aí tens o 96.
  • Queres salmodiar o quarto dia da semana? Faça-o com o 93; pois num dia como esse foi o Senhor entregue e começou a assumir e executar o juízo contrário à morte, triunfando confiadamente sobre ela. Se lês o Evangelho, verás que no quarto dia da semana os judeus se reuniram em Conselho contra o Senhor, e também verás que com todo valor começou a procurar-nos justiça contra o diabo: salmodia, com respeito a tudo isto, com as palavras do 93.
  • Se, ademais, observas a providência e o poder universal do Senhor, e queres instruir a alguns na obediência e na fé, exorta-os diante de tudo a confessar decididamente, salmodiando o 99.
  • Se tens reconhecido o poder de seu juízo, quer dizer que Deus julga temperando a justiça com sua misericórdia, e queres acercar-te dele, tens para este propósito as palavras do 100 entre os salmos.
Capítulo XIV

  • Nossa natureza é débil... se as angústias da vida te fizeram similar a um mendigo, e sentindo-te exausto buscas consolo, entoa o 101.
  • É conveniente que sempre e em todo lugar demos graças a Deus... se desejas bendizê-lo, estimula tua alma recitando o 102 e o 103.
  • Queres louvar a Deus e saber, como, por que motivos e com quais palavras fazê-lo? Tens o 104; 106; 134; 145; 146; 147; 148 e 150.
  • Prestas fé ao que disse o Senhor e tens fé nas palavras que tu mesmo dizes quando rezas? Profere o 115.
  • Sentes que vais progredindo gradualmente em tuas obras, de modo que podes fazer tuas as palavras: "esquecendo o que fica atrás de mim, me lanço até o que está adiante" (Fil 3,13)? Podes então entoar para cada um dos degraus de teu adiantar um dos quinze salmos graduais.
Capítulo XV

  • Tens sido conduzido ao cativeiro por pensamentos estranhos e te achas nostalgicamente puxado por eles? Te embarga o arrependimento, desejas não cair no futuro e, ainda assim, segues cativo deles? Senta-te, chora, e como o fez Anato ao povo, pronuncia as palavras do 136!
  • És tentado e, assim, sondado e provado? Se quando superada a tentação quiseres dar graças, utiliza o salmo 138.
  • Te achas novamente acossado pelos inimigos e queres ser libertado? Pronuncia as palavras do 139.
  • Desejas suplicar e orar? Salmodia o 5 e o 142.
  • Se alçado o tirânico inimigo contra o povo e contra ti, ao modo de Golias contra Davi, não temas: tenha fé, e como Davi, salmodia o 143.
  • Se maravilhado pelos benefícios que Deus outorgou a todos e também a ti, queres bendizê-lo, repete as palavras que Davi disse no 144.
  • Queres cantar e louvar ao Senhor? O que deves entoar está nos salmos 92 e 97.
  • Ainda sendo pequeno, tens sido preferido a teus irmãos e colocado sobre eles? Não te vanglories nem te encoraje-se contra eles, e sim atribuindo a glória a Deus, que te elegeu, salmodia o 151, que é um poema genuinamente davídico.
  • Suponhamos que desejas entoar os salmos que resumem o louvor a Deus, e que vão encabeçados pela Aleluia, podes usar: o 104; 105; 106; 111; 112; 113; 114; 115; 116; 117; 118; 134; 135; 145; 146; 147; 148; 149 e o 150.
Capítulo XVI

Se ao salmodiar queres destacar o que se refere ao Salvador, encontrarás referências praticamente em cada salmo; assim, por exemplo:

  • Tens o 44 e o 100, que proclamam tanto sua geração eterna do Pai como sua vinda na carne;
  • O 21 e o 68 que preanunciam a cruz divina, como também todos os padecimentos e perseguições que suportou por nós;
  • O 2 e o 108 que apregoam a maldade e as perseguições dos judeus e a traição de Judas Iscariotes;
  • O 20, 49 e 71 proclamam seu reinado e sua potestade de julgar, como também sua manifestação a nós na carne e a vocação dos pagãos.
  • O 15 anuncia sua ressurreição dentre os mortos;
  • O 23 e 46 anunciam sua ascensão aos céus.
  • Ao ler o 92, 95, 97 ou 98, cais na conta e contemplas os benefícios que o Salvador nos outorgou graças a seus padecimentos.

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