26 de dez. de 2020

O ícone da Sagrada Família



O ícone da Sagrada Família foi encomendado ao pintor e fundador do Caminho Neocatecumenal Kiko Argüello pelo Pontifício Conselho para a Família por ocasião do II Encontro Mundial das Famílias realizado no Rio de Janeiro em 1997. Foi doado pelo autor ao Papa João Paulo II e desde então foi utilizado em vários Encontros Mundiais da Família. 

O ícone original foi pintado a óleo sobre uma placa de carvalho, medindo 1 metro por 1,20. O fundo, como é tradição na pintura sacra de raízes orientais, foi laminado com folhas finas de ouro, alusivo à luz celestial que transfigura o mundo. A cor ocre avermelhada predomina, o que na iconografia simboliza a divindade. 

Significado teológico

Este ícone é rico em conteúdo bíblico e teológico, propondo uma meditação sobre a Sagrada Família, a missão salvífica de Cristo e a família cristã. O momento histórico-salvífico que representa é o regresso da Sagrada Família de Jerusalém a Nazaré, depois que a criança foi encontrada no Templo.

Jesus quando adolescente carrega a cruz em forma de um cetro real, símbolo duplo da Paixão que ele vai sofrer e seu status como rei. São José, com o rosto do Servo de Javé (Is 53) inspirado no Rosto do Mortalha, tem a responsabilidade de pai e protetor do "Filho amado" (Mc 1, 11).  

Embora esta representação de São José carregando Jesus em seu ombros seja rara, um precedente pode ser citado no mosaico do século 12 do Retorno do Sagrada Família do Egito no mosteiro de Cora (Turquia). O tema foi retomado por autores modernos, como William Dobson (1817-1878), em uma de suas pinturas São José carrega o adolescente Jesus no retorno a Nazaré depois de se encontrar com o Doutores da Lei no Templo de Jerusalém. Na composição devemos destacar também a figura de São José representada de acordo com a iconografia de Cristo carregando a ovelha nos ombros, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1: 25-37), e que é preservado em outras imagens canônicas, como o Bom Pastor, São Cristóvão ou, mais recentemente, o Divino Pastor.

A Virgem Maria é representada como Theotokos, ou Mãe de Deus, como indicam as letras vermelhas acima de sua cabeça. Ela caminha ao lado deles recebendo da mão de Cristo um rolo em que as palavras do profeta Isaías aparecem em letras gregas: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para proclamar aos pobres a Boa Nova" (cf. Is 61,1), palavras que Jesus vai ler na Sinagoga de Nazaré no início do seu ministério público e que aplicará a si mesmo, identificando-se como Messias e Salvador (Lc 4, 18,21). As duas estrelas na cabeça e ombro da Virgem fazem referência às outras pessoas da Santíssima Trindade, Deus Pai e Espírito Santo.

A família é essencial ao plano de Deus

Quando Jesus tinha doze anos, ele estava com São José, a Virgem e seus parentes para celebrar a Páscoa no Templo em Jerusalém. Lá eles perderam-no de vista e descobriram-no depois de três dias sentados com os professores da Lei conversando com eles, "e todos os que o ouviram ficaram espantados com sua inteligência e suas respostas" (Lc 2, 47). Diante da preocupação dos pais, Jesus revela sua filiação divina: “Você não sabia que eu devo me ocupar das coisas de meu Pai?” (Lc 2,49), e embora eles não o façam naquele momento, sabem que é necessário formá-lo na fé de seu povo e prepará-lo para sua missão redentora. Da apresentação da criança, o Evangelho diz que Maria e José "cumpriram todas as coisas de acordo com a Lei do Senhor [e] a criança cresceu e se tornou forte, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2,40).

A Palavra de Deus, feita Homem, só pode realizar sua missão quando adulto e Deus revela que o lugar histórico onde o Filho de Deus se torna adulto é na Família de  Nazaré. Até o próprio Deus, feito carne em Jesus Cristo, não dispensa uma família para "crescer em sabedoria, idade e graça." A família é, portanto, fundamental no desígnio de Deus: “a família constitui o lugar natural e o instrumento mais efetivo de humanização e personalização da sociedade: colabora de forma original e profunda na construção do mundo, possibilitando uma vida humana adequada, em particular salvaguardando e transmitindo virtudes e valores”. (Familiaris Consortio, 43)

O fato de Jesus adolescente ser carregado nos ombros indica a importância que o pai tem na família, que deve preparar o jovem para a vida adulta. O papel do pai na e para a família é de importância única e insubstituível. "Como a experiência ensina, a ausência do pai causa desequilíbrios psicológicos e morais, além de notáveis ​​dificuldades nas relações familiares. Estes problemas também ocorrem nas circunstâncias opostas, quando a presença opressora do pai, a superioridade abusiva de prerrogativas que humilham as mulheres e inibem o desenvolvimento de relacionamentos saudáveis. " (Familiaris Consortio, 25)

O sacramento do Matrimônio: um jugo que nos faz livres

Outra interpretação da posição corporal que Jesus adota no ícone entende Jesus como símbolo do jugo matrimonial na Sagrada Família e, portanto, de todas famílias cristãs. Cristo é o vínculo de união do sacramento matrimonial. “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve”. (Mt 11, 28-30).

Como é bem sabido, o jugo é um instrumento de madeira ao qual pares de mulas ou bois são amarrados, para fazer os animais trabalharem juntos. O termo vem do latim iugum, o que, por sua vez, deriva de uma raiz indo-européia que aparece em sânscrito como yug, signficando "união". Dois bois que trabalham juntos, unidos pela mesma canga, são chamados jugo.  A expressão deriva desta última palavra e também se aplica, por extensão, a outros animais trabalhando juntos, ou algumas pessoas cooperando para fazer o que mesmo.


A presença de Cristo permite ao homem deixar seu egoísmo e passar para o outro, amar na dimensão da Cruz, segundo o mesmo Espírito de Jesus Cristo, onde a mulher se submete ao marido e o homem ama sua esposa como Cristo amou sua Igreja (Ef 5, 25-29). Desta forma, os esposos podem entrar na comunhão perfeita de amor um pelo outro. Eles podem viver em comunhão, unidos pela graça de um vínculo eterno, que eleva à santidade os laços naturais da afetividade. Os cônjuges são, portanto, cônjuges em significado pleno: com jugo, unidos pelo mesmo jugo, mas por livre escolha, por amor um ao outro.

A presença de Cristo torna o milagre do casamento possível hoje no mundo, mesmo que desprezado por muitos, porque acreditam que o amor tem uma data de validade. Aqui está um novo desafio para a família cristã: mostrar que unidos a Cristo ressuscitado, o casamento recebe um vinho novo no meio dos trabalhos e lutas da vida e o casal por continuar junto no caminho da alegria, das provas e da santidade.

-- Tradução própria de uma carta escrita pela família Castillo de Luna, em 2016.


25 de dez. de 2020

Homília de Natal do Papa Francisco: Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado


Nesta noite, cumpre-se a grande profecia de Isaías: "Um menino nasceu para nós, um filho nos foi dado" (Is 9, 5).

Um filho nos foi dado. Com frequência se ouve dizer que a maior alegria da vida é o nascimento duma criança. É algo de extraordinário, que muda tudo, desencadeia energias inesperadas e faz ultrapassar fadigas, incómodos e noites sem dormir, porque traz uma grande felicidade na posse da qual nada parece pesar. Assim é o Natal: o nascimento de Jesus é a novidade que nos permite renascer dentro, cada ano, encontrando n’Ele força para enfrentar todas as provações. Sim, porque Jesus nasce para nós: para mim, para ti, para todos e cada um de nós. A preposição "para" reaparece várias vezes nesta noite santa: "um menino nasceu para nós", profetizou Isaías; "hoje nasceu para nós o Salvador", repetimos no Salmo Responsorial; Jesus "entregou-Se por nós" (Tit 2, 14), proclamou São Paulo; e, no Evangelho, o anjo anunciou "hoje nasceu para vós um Salvador" (Lc 2, 11). Para mim, para vós…

Mas, esta locução "para nós" que nos quer dizer? Que o Filho de Deus, o Bendito por natureza, vem fazer-nos filhos benditos por graça. Sim, Deus vem ao mundo como filho para nos tornar filhos de Deus. Que dom maravilhoso! Hoje Deus deixa-nos maravilhados, ao dizer a cada um de nós: "Tu és uma maravilha". Irmã, irmão, não desanimes! Estás tentado a sentir-te como um erro? Deus diz-te: "Não é verdade! És meu filho". Tens a sensação de não estar à altura, temor de ser inapto, medo de não sair do túnel da provação? Deus diz-te: "Coragem! Estou contigo". Não to diz com palavras, mas fazendo-Se filho como tu e por ti, para te lembrar o ponto de partida de cada renascimento teu: reconhecer-te filho de Deus, filha de Deus. Este é o ponto de partida de qualquer renascimento. Este é o coração indestrutível da nossa esperança, o núcleo incandescente que sustenta a existência: por baixo das nossas qualidades e defeitos, mais forte do que as feridas e fracassos do passado, os temores e ansiedades face ao futuro, está esta verdade: somos filhos amados. E o amor de Deus por nós não depende nem dependerá jamais de nós: é amor gratuito. Esta noite não encontra outra explicação, senão na graça. Tudo é graça. O dom é gratuito, sem mérito algum da nossa parte, pura graça. Esta noite "manifestou-se – disse-nos São Paulo – a graça de Deus" (Tit 2, 11). Nada é mais precioso!

Um filho nos foi dado. O Pai não nos deu uma coisa qualquer, mas o próprio Filho unigénito, que é toda a sua alegria. Todavia, ao considerarmos a ingratidão do homem para com Deus e a injustiça feita a tantos dos nossos irmãos, surge uma dúvida: o Senhor terá feito bem em dar-nos tanto? E fará bem em confiar ainda em nós? Não estará Ele a sobrestimar-nos? Sim, sobrestima-nos; e fá-lo porque nos ama a preço da sua vida. Não consegue deixar de nos amar. É feito assim, tão diferente de nós. Sempre nos ama, e com uma amizade maior de quanta possamos ter a nós mesmos. É o seu segredo para entrar no nosso coração. Deus sabe que a única maneira de nos salvar, de nos curar por dentro, é amar-nos. Não há outra maneira! Sabe que só melhoramos acolhendo o seu amor incansável, que não muda, mas muda-nos a nós. Só o amor de Jesus transforma a vida, cura as feridas mais profundas, livra do círculo vicioso insatisfação, irritação e lamento.

Um filho nos foi dado. Na pobre manjedoura dum lúgubre estábulo, está precisamente o Filho de Deus. E aqui levanta-se outra questão: porque veio Ele à luz durante a noite, sem um alojamento digno, na pobreza e enjeitado, quando merecia nascer como o maior rei no mais lindo dos palácios? Porquê? Para nos fazer compreender até onde chega o seu amor pela nossa condição humana: até tocar com o seu amor concreto a nossa pior miséria. O Filho de Deus nasceu descartado para nos dizer que todo o descartado é filho de Deus. Veio ao mundo como vem ao mundo uma criança débil e frágil, para podermos acolher com ternura as nossas fraquezas. E para nos fazer descobrir uma coisa importante: como em Belém, também connosco Deus gosta de fazer grandes coisas através das nossas pobrezas. Colocou toda a nossa salvação na manjedoura dum estábulo, sem temer as nossas pobrezas. Deixemos que a sua misericórdia transforme as nossas misérias!

Eis o que quer dizer um filho nasceu para nós. Mas há ainda um "para" que o anjo disse aos pastores: "Isto servirá de sinal para vós: encontrareis um menino (…) deitado numa manjedoura" (Lc 2, 12). Este sinal – o Menino na manjedoura – é também para nós, para nos orientar na vida. Em Belém, que significa "casa do pão", Deus está numa manjedoura, como se nos quisesse lembrar que, para viver, precisamos d’Ele como de pão para a boca. Precisamos de nos deixar permear pelo seu amor gratuito, incansável, concreto. Mas quantas vezes, famintos de divertimento, sucesso e mundanidade, nutrimos a vida com alimentos que não saciam e deixam o vazio dentro! Disto mesmo Se lamentava o Senhor, pela boca do profeta Isaías: enquanto o boi e o jumento conhecem a sua manjedoura, nós, seu povo, não O conhecemos a Ele, fonte da nossa vida (cf. Is 1, 2-3). É verdade: insaciáveis de ter, atiramo-nos para muitas manjedouras vãs, esquecendo-nos da manjedoura de Belém. Esta manjedoura, pobre de tudo mas rica de amor, ensina que o alimento da vida é deixar-se amar por Deus e amar os outros. Dá-nos o exemplo Jesus: Ele, o Verbo de Deus, é infante; não fala, mas oferece a vida. Nós, ao contrário, falamos muito, mas frequentemente somos analfabetos em bondade.

Um filho nos foi dado. Quem tem uma criança pequena, sabe quanto amor e paciência são necessários. É preciso alimentá-la, cuidar dela, limpá-la, ocupar-se da sua fragilidade e das suas necessidades, muitas vezes difíceis de compreender. Um filho faz-nos sentir amados, mas ensina também a amar. Deus nasceu menino para nos impelir a cuidar dos outros. Os seus ternos gemidos fazem-nos compreender como tantos dos nossos caprichos são inúteis. E temos tantos! O seu amor desarmado e desarmante lembra-nos que o tempo de que dispomos não serve para nos lamentarmos, mas para consolar as lágrimas de quem sofre. Deus vem habitar perto de nós, pobre e necessitado, para nos dizer que, servindo aos pobres, amá-Lo-emos a Ele. Desde aquela noite, como escreveu uma poetisa, "a residência de Deus é próxima da minha. O mobiliário é o amor" (E. Dickinson, Poems, XVII).

Um filho nos foi dado. Sois Vós, Jesus, o Filho que me torna filho. Amais-me como sou, não como eu me sonho ser. Bem o sei! Abraçando-Vos, Menino da manjedoura, reabraço a minha vida. Acolhendo-Vos, Pão de vida, também eu quero dar a minha vida. Vós que me salvais, ensinai-me a servir. Vós que não me deixais sozinho, ajudai-me a consolar os vossos irmãos, porque, a partir desta noite – como Vós sabeis – são todos meus irmãos.

 -- Papa Francisco, Homília da Noite de Natal, 2020

 

 

23 de dez. de 2020

Nota sobre a moralidade do uso de algumas vacinas contra a Covid-19

Comentário: 

Em 21 de Dezembro a Congregação para a Fé publicou um documento sobre vacinas produzidas com células provenientes de abortos. Alguns pontos são importantes destacar:

- os abortos ocorreram há muitos, muitos anos atrás e as células são utilizadas em várias vacinas como sarampo, hepatite A, varicela, raiva e poliomielite. 

- a responsabilidade dos médicos que realizam o aborto, dos cientistas que produzem a vacina, dos diretores das empresas farmacêuticas e do público em geral é diferente

- se a única vacina disponível for uma baseada em células de abortos, é moralmente aceitável utilizar esta vacina por que (1) a distância entre os abortos realizados e a pessoa recebendo a vacina é grande, (2) não há apoio material direto para a realização do aborto,  e (3) deve-se considerar o bem comum.

- se houver outra vacina disponível, esta seria preferível

Mais importante que meu resumo, é ler o documento completo:

A questão do uso de vacinas, em geral, está muitas vezes no centro de insistentes debates na opinião pública. Nestes últimos meses, chegaram a esta Congregação vários pedidos de um parecer sobre uso de algumas vacinas contra o vírus SARS-CoV-2 que causa a Covid-19, que, durante o processo de pesquisa e produção, recorreram a linhas celulares provenientes de tecidos obtidos de dois abortos que tiveram lugar no século passado. Ao mesmo tempo, houve pronunciamentos nos meios de comunicação social por parte de Bispos, Associações católicas e Especialistas, diversos e por vezes contraditórios entre si, que também levantaram dúvidas acerca da moralidade do uso destas vacinas.

Sobre este assunto, já existe um importante pronunciamento da Academia Pontifícia para a Vida, sob o título “Reflexões morais sobre as vacinas preparadas a partir de células provenientes de fetos humanos abortados” (5 de junho de 2005). Depois, esta Congregação pronunciou-se a este respeito com a Instrução Dignitas Personae (8 de setembro de 2008) (cf. nn. 34 e 35). Em 2017, a Academia Pontifícia para a Vida voltou ao tema com uma Nota. Estes documentos oferecem já alguns critérios dirimentes.

Uma vez que, em vários países, as primeiras vacinas contra a Covid-19 já estão à disposição para distribuição e administração, esta Congregação deseja oferecer algumas indicações para um esclarecimento a este respeito. Não é nossa intenção emitir juízos sobre a segurança e eficácia destas vacinas, muito embora eles sejam eticamente relevantes e necessários, uma vez que essa avaliação é da competência dos investigadores biomédicos e das agências do medicamento; a nossa intenção é refletir sobre o aspeto moral do uso dessas vacinas contra a Covid-19 que foram desenvolvidas com linhas celulares provenientes de tecidos obtidos a partir de dois fetos abortados não espontaneamente.

1. Como afirma a Instrução Dignitas Personae, nos casos em que se utiliza células provenientes de fetos abortados para criar linhas celulares para serem usadas na pesquisa científica, “existem responsabilidades diferenciadas”[1] de cooperação com o mal. Por exemplo, “nas empresas que utilizam linhas celulares de origem ilícita, não é a mesma a responsabilidade dos que decidem a orientação da produção e a dos que não têm nenhum poder de decisão”.[2]

2. Neste sentido, quando não estiverem disponíveis vacinas contra a Covid-19 que sejam eticamente irrepreensíveis (por exemplo, em países onde não são colocadas à disposição dos médicos e dos pacientes vacinas sem problemas éticos ou em que a sua distribuição é mais difícil devido à particularidade das condições de conservação e transporte, ou quando se distribuem vários tipos de vacinas no mesmo país mas as autoridades sanitárias não permitem que os cidadãos escolham a vacina a inocular) é moralmente aceitável utilizar as vacinas contra a Covid-19 que utilizaram linhas celulares provenientes de fetos abortados no seu processo de pesquisa e produção.

3. A razão fundamental para considerar moralmente lícito o uso destas vacinas é que o tipo de cooperação com o mal (cooperação material passiva) do aborto provocado do qual provêm as mesmas linhas celulares, por parte de quem utiliza as vacinas que daí derivam, é remota. O dever moral de evitar tal cooperação material passiva não é vinculativa se houver um perigo grave, como a propagação, de outra forma impossível de conter, de um agente patogénico grave:[3] neste caso, a difusão pandémica do vírus SARS-CoV-2 que causa a Covid-19. Por isso, deve-se considerar que, neste caso, se possam utilizar todas as vacinações reconhecidas como clinicamente securas e eficazes com consciência certa de que o recurso a essas vacinas não significa uma cooperação formal com o aborto do qual derivam as células com as quais as vacinas foram produzidas. No entanto, é preciso sublinhar a utilização moralmente lícita destes tipos de vacinas, pelas particulares condições que a tornam moralmente lícita, não pode constituir em si uma legitimação, ainda que indireta, da prática do aborto e pressupõe a contrariedade a esta prática por parte de quem recorre a estas vacinas.

4. Com efeito, o uso lícito destas vacinas não comporta, nem deve de algum modo comportar uma aprovação moral da utilização de linhas celulares provenientes de fetos abortados.[4] Portanto, pede-se tanto às empresas farmacêuticas como às agências sanitárias governamentais que produzam, aprovem, distribuam e coloquem à disposição vacinas eticamente aceitáveis que não criem problemas de consciência, nem aos profissionais de saúde, nem às próprias pessoas que se apresentam para ser vacinadas.

5. Ao mesmo tempo, afigura-se como algo evidente para a razão prática que a vacinação não constitui, por norma, uma obrigação moral que, por isso, deve ser voluntária. Em todo o caso, do ponto de vista ético, a moralidade da vacinação depende não apenas do dever de tutelar a saúde individual, mas também do dever de procurar o bem comum: bem que, à falta de outros meios para deter ou mesmo para prevenir a epidemia, pode recomendar a vacinação, especialmente para proteger os mais fracos e mais expostos ao contágio. No entanto, aqueles que, por motivos de consciência, rejeitam as vacinas produzidas com linhas celulares provenientes de fetos abortados, devem tomar medidas, com outros meios profiláticos e comportamentos adequados, para evitar tornar-se veículos de transmissão do agente de infeção. Em particular, devem evitar todo e qualquer risco para a saúde de quem não pode ser vacinado por motivos clínicos ou de outra natureza e que são as pessoas mais vulneráveis.

6. Por fim, há também um imperativo moral, para a indústria farmacêutica, para os governantes e para as organizações internacionais, de garantir que as vacinas, eficazes e seguras do ponto de vista sanitário, bem como eticamente aceitáveis, sejam acessíveis também aos países mais pobres e de forma não onerosa para eles. De outro modo, a falta de acesso às vacinas tornar-se-ia mais um motivo de discriminação e de injustiça que condena os países pobres a continuar a viver na indigência sanitária, económica e social.[5]

O Sumo Pontífice Francisco, na Audiência concedida a 17 de dezembro de 2020 ao abaixo-assinado Cardeal Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, examinou a presente Nota e aprovou a sua publicação.

Dado em Roma, na Sede da Congregação para a Doutrina da Fé, a 21 de dezembro de 2020, na Memória litúrgica de São Pedro Canísio.

Luis F. Card. Ladaria, SI, Prefeito
† Giacomo Morandi, Arcebispo titular de Cerveteri, Secretário

13 de dez. de 2020

Orgulho, o oitavo pensamento pecaminoso

 

1   O orgulho não é aceito por Deus

O Orgulho é um tumor na alma cheio de pus que um dia ir;a explodir emanando um cheiro horrível. O resplendor do relâmpago anuncia o trovão e a presença do orgulho anuncia a soberba.
 
A alma do soberbo alcança grandes alturas e desde lá cai no abismo.Aquele que comete apostasia está enfermo de orgulho colocando a sua própria capacidade acima de Deus. Como aquele que tenta andar em uma teia de aranha cairá, assim também cairá aquele que tenta se apoiar em suas qualidades.

Uma abundância de frutos dobra os ramos de uma árvore e uma abundância de virtudes humilha a mente do homem. O fruto estragado é inútil para o plantador e o orgulho não é aceito por Deus. Um suporte simples pode sustentar os galhos carregados de frutos, assim como o temor de Deus mantém uma alma virtuosa. Como o peso dos frutos pode partir o ramo, o orgulho abaterá uma alma virtuosa.

Não entregues tua alma ao orgulho e terás fantasias grandiosas. A alma do orgulhoso é abandonada por Deus e se converte em objeto de alegria para os demônios. Na noite imagina estar sendo assaltado por manadas de bestas e, durante o dia,é afetado por idéias malvadas. Quando dorme, facilmente se sobressalta, e quando está acordado, se assusta com a sombra de um pássaro. O sussurrar das árvores aterroriza o soberbo e som da água destroça sua alma. Aquele que efetivamente tem se oposto a Deus recusando sua ajuda, se vê depois assustado por fantasmas.

8.2 Não desprezes o criador

O orgulho precipitou o arcanjo dos céus e, como um raio, foi lançado sobre a Terra. A humildade, ao contrário, conduz o homem aos céus e o prepara para formar o coro dos anjos. 

De que te orgulhas, ó homem, quando por natureza eras barro e pó? Por que te consideras acima das nuvens? Contempla a tua natureza por que és terra e pó, e dentre pouco, voltarás a ser pó. Agora és orgulhoso, e mais um pouco, serás alimento para os vermes. Por que elevas a cabeça se desapareças?

Grande é o homem socorrido por Deus por que uma vez necessitado reconheceu a debilidade da sua natureza. Não possuis nada que não tenhas recebido de Deus, não desprezes, portanto, o Criador.

Deus te socorre, não afaste teu benfeitor. Podes ter chegado ao topo de tua condição, porém foi Deus quem te guiou; se agido retamente segundo a virtude, é E;e que tem te conduzido. Glorifica a que te elevou para permanecer seguro nas alturas, reconhece aquele que também foi homem por que a substância é a mesma, nem rechaces por orgulho esta filiação.

8.3 O orgulhoso corre risco de morte

Humilde e moderado é aquele que reconhece a Deus Pai, porém o criador criou tanto ao humilde quanto ao soberbo. Não desprezes ao humilde, de fato ele está mais seguro que tu, caminha sobre a terra e não cairá, porém aquele que se considerada acima dos outros, este se destruirá.

Um monge orgulhoso é como uma árvore sem raízes, não suporta o ímpeto do vento. Uma mente simples é como uma cidadela bem fortificada, que não será capturada pelos inimigos.
Um sopro balança o algodão e um insulto leva o soberbo à loucura. Uma bolha desaparece assim como o orgulho perece. A palavra do humilde adocica a alma, enquanto a palavra do orgulhoso está cheia de presunção. A humildade é a coroa da casa e mantém seguro que nela permanece. Deus escuta a oração do humilde e se exaspera com os pedidos do orgulhoso.

Quando te elevas a grandes alturas, tens necessidade de muita segurança. Aquele que tropeça e cai no chão, logo se recupera, mas aquele que cai de um precipício corre risco de morte.

A pedra preciosa brilha em um bracelete de ouro, assim como a humildade resplandece em meio a outras virtudes.

-- Evágrio, monge (século IV), tradução própria

-- A imagem é uma gravura de James Todd, chamada Vanity, parte de uma série sobre os sete pecados capitais. Pode ser adquirida na Annex Galleries.


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