26 de dez. de 2020

O ícone da Sagrada Família



O ícone da Sagrada Família foi encomendado ao pintor e fundador do Caminho Neocatecumenal Kiko Argüello pelo Pontifício Conselho para a Família por ocasião do II Encontro Mundial das Famílias realizado no Rio de Janeiro em 1997. Foi doado pelo autor ao Papa João Paulo II e desde então foi utilizado em vários Encontros Mundiais da Família. 

O ícone original foi pintado a óleo sobre uma placa de carvalho, medindo 1 metro por 1,20. O fundo, como é tradição na pintura sacra de raízes orientais, foi laminado com folhas finas de ouro, alusivo à luz celestial que transfigura o mundo. A cor ocre avermelhada predomina, o que na iconografia simboliza a divindade. 

Significado teológico

Este ícone é rico em conteúdo bíblico e teológico, propondo uma meditação sobre a Sagrada Família, a missão salvífica de Cristo e a família cristã. O momento histórico-salvífico que representa é o regresso da Sagrada Família de Jerusalém a Nazaré, depois que a criança foi encontrada no Templo.

Jesus quando adolescente carrega a cruz em forma de um cetro real, símbolo duplo da Paixão que ele vai sofrer e seu status como rei. São José, com o rosto do Servo de Javé (Is 53) inspirado no Rosto do Mortalha, tem a responsabilidade de pai e protetor do "Filho amado" (Mc 1, 11).  

Embora esta representação de São José carregando Jesus em seu ombros seja rara, um precedente pode ser citado no mosaico do século 12 do Retorno do Sagrada Família do Egito no mosteiro de Cora (Turquia). O tema foi retomado por autores modernos, como William Dobson (1817-1878), em uma de suas pinturas São José carrega o adolescente Jesus no retorno a Nazaré depois de se encontrar com o Doutores da Lei no Templo de Jerusalém. Na composição devemos destacar também a figura de São José representada de acordo com a iconografia de Cristo carregando a ovelha nos ombros, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo (Jo 1: 25-37), e que é preservado em outras imagens canônicas, como o Bom Pastor, São Cristóvão ou, mais recentemente, o Divino Pastor.

A Virgem Maria é representada como Theotokos, ou Mãe de Deus, como indicam as letras vermelhas acima de sua cabeça. Ela caminha ao lado deles recebendo da mão de Cristo um rolo em que as palavras do profeta Isaías aparecem em letras gregas: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para proclamar aos pobres a Boa Nova" (cf. Is 61,1), palavras que Jesus vai ler na Sinagoga de Nazaré no início do seu ministério público e que aplicará a si mesmo, identificando-se como Messias e Salvador (Lc 4, 18,21). As duas estrelas na cabeça e ombro da Virgem fazem referência às outras pessoas da Santíssima Trindade, Deus Pai e Espírito Santo.

A família é essencial ao plano de Deus

Quando Jesus tinha doze anos, ele estava com São José, a Virgem e seus parentes para celebrar a Páscoa no Templo em Jerusalém. Lá eles perderam-no de vista e descobriram-no depois de três dias sentados com os professores da Lei conversando com eles, "e todos os que o ouviram ficaram espantados com sua inteligência e suas respostas" (Lc 2, 47). Diante da preocupação dos pais, Jesus revela sua filiação divina: “Você não sabia que eu devo me ocupar das coisas de meu Pai?” (Lc 2,49), e embora eles não o façam naquele momento, sabem que é necessário formá-lo na fé de seu povo e prepará-lo para sua missão redentora. Da apresentação da criança, o Evangelho diz que Maria e José "cumpriram todas as coisas de acordo com a Lei do Senhor [e] a criança cresceu e se tornou forte, enchendo-se de sabedoria; e a graça de Deus estava sobre ele” (Lc 2,40).

A Palavra de Deus, feita Homem, só pode realizar sua missão quando adulto e Deus revela que o lugar histórico onde o Filho de Deus se torna adulto é na Família de  Nazaré. Até o próprio Deus, feito carne em Jesus Cristo, não dispensa uma família para "crescer em sabedoria, idade e graça." A família é, portanto, fundamental no desígnio de Deus: “a família constitui o lugar natural e o instrumento mais efetivo de humanização e personalização da sociedade: colabora de forma original e profunda na construção do mundo, possibilitando uma vida humana adequada, em particular salvaguardando e transmitindo virtudes e valores”. (Familiaris Consortio, 43)

O fato de Jesus adolescente ser carregado nos ombros indica a importância que o pai tem na família, que deve preparar o jovem para a vida adulta. O papel do pai na e para a família é de importância única e insubstituível. "Como a experiência ensina, a ausência do pai causa desequilíbrios psicológicos e morais, além de notáveis ​​dificuldades nas relações familiares. Estes problemas também ocorrem nas circunstâncias opostas, quando a presença opressora do pai, a superioridade abusiva de prerrogativas que humilham as mulheres e inibem o desenvolvimento de relacionamentos saudáveis. " (Familiaris Consortio, 25)

O sacramento do Matrimônio: um jugo que nos faz livres

Outra interpretação da posição corporal que Jesus adota no ícone entende Jesus como símbolo do jugo matrimonial na Sagrada Família e, portanto, de todas famílias cristãs. Cristo é o vínculo de união do sacramento matrimonial. “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve”. (Mt 11, 28-30).

Como é bem sabido, o jugo é um instrumento de madeira ao qual pares de mulas ou bois são amarrados, para fazer os animais trabalharem juntos. O termo vem do latim iugum, o que, por sua vez, deriva de uma raiz indo-européia que aparece em sânscrito como yug, signficando "união". Dois bois que trabalham juntos, unidos pela mesma canga, são chamados jugo.  A expressão deriva desta última palavra e também se aplica, por extensão, a outros animais trabalhando juntos, ou algumas pessoas cooperando para fazer o que mesmo.


A presença de Cristo permite ao homem deixar seu egoísmo e passar para o outro, amar na dimensão da Cruz, segundo o mesmo Espírito de Jesus Cristo, onde a mulher se submete ao marido e o homem ama sua esposa como Cristo amou sua Igreja (Ef 5, 25-29). Desta forma, os esposos podem entrar na comunhão perfeita de amor um pelo outro. Eles podem viver em comunhão, unidos pela graça de um vínculo eterno, que eleva à santidade os laços naturais da afetividade. Os cônjuges são, portanto, cônjuges em significado pleno: com jugo, unidos pelo mesmo jugo, mas por livre escolha, por amor um ao outro.

A presença de Cristo torna o milagre do casamento possível hoje no mundo, mesmo que desprezado por muitos, porque acreditam que o amor tem uma data de validade. Aqui está um novo desafio para a família cristã: mostrar que unidos a Cristo ressuscitado, o casamento recebe um vinho novo no meio dos trabalhos e lutas da vida e o casal por continuar junto no caminho da alegria, das provas e da santidade.

-- Tradução própria de uma carta escrita pela família Castillo de Luna, em 2016.


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