13 de set. de 2019

Venerável Henriette DeLille


Henriette nasceu em Nova Orleans, no estado da Louisiana, em 11 de Março de 1813. Sua mãe, Marie-Josephe era uma negra* livre, isto é, não era escrava, assim Henriette nasceu já como uma mulher livre, mas é certo que sua bisavó foi trazida da África para ser escravizada. Seu pai era Jean-Baptiste Lille, um francês que emigrara para a Louisiana. O casamento entre eles seguia o costume da época, chamado plaçage, envolvendo um homem branco e uma mulher negra. Eles não casavam na Igreja, mas assinavam um documento dando certos direitos à esposa, incluindo 1/3 da herança e a previsão que se a esposa fosse escrava, passaria a ser uma mulher livre. O homem branco poderia ter uma esposa branca também, o que era comum entre fazendeiros, que mantinham a esposa branca na fazenda e a negra na cidade, mas se o homem branco fosse um militar transferido temporariamente para a região, sua esposa branca estaria na França e ele moraria entre o quartel e a casa com a esposa negra. 

Embora houvesse preconceito contra os negros, este arranjo permitia que as mulheres tivessem uma vida mais confortável. Henriette aprendeu a ler, estudou Literatura francesa, música e dança, tudo para prepará-la para também se tornar esposa de um homem branco. Quando chegou a adolescência, frequentava os bailes chamados quadroon, onde homens brancos conheciam as jovens negras. Segundo registros, Henriette chegou a ter dois filhos, que morreram com menos de três anos, provavelmente filhos de um homem branco.  

Durante um destes bailes, DeLille foi apresentada a Irmã Marthe Fontier, que era membro de uma comunidade religiosa dedicada à caridade. Impressionada com a vida das irmãs, Henriette procurou receber o Sacramento do Crisma e começou a lecionar em uma escola mantida pelas irmãs. Sua progressiva conversão resultou em conflitos com a mãe, que já havia planejado seu futuro, mas Henriette percebeu que a vida como segunda esposa era contrária aos ensinamentos da Igreja.  Finalmente em 1834, quando tinha 21 anos, Henriette recebeu o sacramento do Crisma. 

Em 1835, ela assumiu o controle dos bens de sua mãe que sofrera um problema psicológico e fora declarada incompetente. Henriette colocou a mãe um asilo onde poderia ser cuidada, vendeu todos os bens, reservou uma parte para o cuidado da mãe e usou o restante para comprar uma casa onde passou a viver com outras sete mulheres negras e uma francesa. Elas cuidavam dos doentes, ajudavam os pobres e davam aulas para negros livres e escravos, muito disso era feito às escondidas, pois não era permitido que negros frequentassem escolas, especialmente os escravos. Este foi o início de uma nova ordem, as Irmãs da Presentação. Nesta época seu irmão rompeu relações com Henriette por que ele tinha uma vida na sociedade e percebia o envolvimento dela com negros e pobres como algo prejudicial à boa fama dele. 

Em 1837, Padre Etienne Rousellon conseguiu a aprovação formal da nova congregação junto ao Vaticano, e elas passaram a se chamar Irmãs da Sagrada Família. DeLille assumiu o título de madre superiora. As irmãs foram especialmente reconhecidas por seu trabalho quando uma epidemia de febre amarela atingiu a cidade em 1853 quando não recusaram assistência a ninguém. 

Não há muitos escritos de Henriette, mas uma prece é especial, pois ela sempre a repetia: "Eu acredito em Deus, eu espero em Deus. Eu amo. Eu quero morrer e viver por Cristo".   

Após muitos anos de pobreza, trabalhando com doentes por longas horas, ela faleceu em 1862 com fama de santidade, tanto que a cidade dedicou uma rua ao seu nome. Na época  a ordem tinha 12 irmãs, número que ao longo dos anos foi crescendo, até alcançar 400 irmãs, hoje instaladas em vários estados americanos e Belize. A causa de canonização foi aberta em 1988 e, em 22 de Junho de 2010 a Congregação para as Causas dos Santos deu sua aprovação formal, atribuindo o título de Venerável. Atualmente alguns milagres estão sendo investigados e podem conduzir a sua beatificação. 

* no texto estou usando o padrão americano, onde bastaria um bisavô ou bisavó negro para sujeitar a pessoa a escravidão. Assim, Henriette mesmo sendo filha de um homem branco, mulata como diríamos no Brasil, era tratada como negra.

-- autoria própria.

5 de set. de 2019

A Eucaristia e as Famílias

Um sacerdote - seja ele o Papa, um bispo ou um pároco do interior - ao celebrar a Eucaristia, um cristão ao participar da Missa e receber o Corpo e o Sangue de Cristo não podem deixar de abismar-se nas maravilhas deste Sacramento. São tantas as dimensões que nele se podem considerar: é o sacrifício de Cristo, que misteriosamente se renova; são o pão e o vinho transformados, transubstanciados no Corpo e Sangue do Senhor; é a Graça que se comunica por este alimento espiritual à alma do cristão... Quero, nesta ocasião, fixar-me em um aspecto não menos significativo: a Eucaristia é uma reunião de família, da grande família dos cristãos.

O Senhor Jesus quis instituir este grande sacramento por ocasião de um importante encontro familiar: a Ceia pascal e naquela ocasião sua família foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Por muito tempo, nos inícios da Igreja, era em casas de família que outras famílias se reuniam para a “fração do pão”. Cada altar será sempre uma mesa, em torno da qual se congrega mais ou menos numerosa uma família de irmãos. A Eucaristia ao mesmo tempo reúne esta família, manifesta-a aos olhos de todos, estreita os laços que unem aos outros os seus membros. Santo Agostinho pensava em tudo isto quando chamava a Eucaristia: “sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis" (Santo Agostinho, In Ioannis Evang., Tract XXVI, cap. 6, n. 13: PL 35, 1613).

[...]

Isto posto, como fechar os olhos para as graves situações em que concretamente se encontram numerosíssimas famílias entre vós e para as sérias ameaças que pesam sobre a família em geral?

Algumas dessas ameaças são de ordem social e prendem-se às condições sub-humanas de habitação, higiene, saúde, educação em que se encontram milhões de famílias, no interior do País e em periferias das grandes cidades, por força do desemprego ou dos salários insuficientes. Outras são de ordem moral e referem-se á generalizada desagregação da Família, por desconhecimento, desestima ou desrespeito das normas humanas e cristãs relativas à família, nos vários estratos do população. Outras ainda são de ordem civil, ligadas à legislação referente à família. No mundo inteiro essa legislação é cada vez mais permissiva, portanto menos encorajante para os que se esforçam por seguir os princípios de uma ética mais elevada em matéria de família. Queira Deus que assim não seja em vosso País e que, coerentes com os princípios cristãos que inspiram a vossa cultura, aqueles que têm a responsabilidade de elaborar e promulgar as leis o façam no respeito aos valores insubstituíveis de uma ética cristã, entre os quais avulsa o valor da vida inumana e o direito indeclinável dos pais a transmitir a vida. Outras ameaças, enfim, são de ordem religiosa e derivam de um escasso conhecimento das dimensões sacramentais do Matrimônio no plano de Deus.

As considerações que venho fazendo parecem-me evidenciar bastante a importância e a necessidade de uma inteligente, corajosa, perseverante Pastoral Familiar. Falando ao povo da cidade de Puebla, na homilia da inolvidável Missa que ali celebrei, recordei que nume numerosos Bispos latino-americanos não hesitam em reconhecer que a Igreja tem ainda multo a fazer neste campo. Por isso mesmo, abrindo a Conferência de Puebla, eu quis recomendar a Pastoral Familiar como importante prioridade em todos os vossos Países. O Documento de Puebla consagrou um importante capítulo à Família: Deus queira que a atenção a outros temas e afirmações, sem dúvida importantes mas não exclusivos, desse documento não signifique, por um erro do qual teríamos motivo de arrepender-nos no futuro, uma atenção menor à Pastoral da Família.

São muitos os campos e complexas as exigências desta Pastoral Familiar. Vossos Pastores estão conscientes disso. Muitos leigos empenhados em diversos, valiosos e meritórios movimentos familiares, se mostram atentos a esses campos e exigências. Não esperais certamente que o Papa os aborde aqui: não é o momento para fazê-lo. Como porém não recordar ao menos para citá-los, alguns pontos entre os mais importantes dessa Pastoral?

Penso em tudo o que há a fazer no campo da preparação ao casamento, certamente no período que antecede a sua celebração mas porque não desde os anos de adolescência - na família, na Igreja, na escola - sob a forma de uma séria, ampla, profunda educação para o verdadeiro amor, algo muito mais exigente do que uma propalada educação sexual. Penso no esforço generoso e corajoso a fazer para criar na sociedade um ambiente propício à realização de um ideai familiar cristão, baseado nos valores de unidade, fidelidade, indissolubilidade, fecundidade responsável. Penso no atendimento a dar a casais que, por variadas razões e circunstâncias, passam por momentos de crise, que poderão superar se forem ajudados, mas talvez naufragarão se faltar essa ajuda. Penso na contribuição que os cristãos, especialmente os leigos, podem oferecer para suscitar uma política social sensível aos reclamos e aos valores familiares e para evitar uma legislação nociva à estabilidade e ao equilíbrio da família. Penso enfim no incomensurável valor de uma espiritualidade familiar, a aperfeiçoar constantemente, a promover, a difundir e não posso silenciar, aqui de novo, uma palavra de estímulo e encorajamento aos movimentos familiares que se dedicam a essa obra particularmente importante.

[...]

Irmãos e filhos caríssimos, ao termo desta reflexão, voltemos a atenção para os textos do Novo Testamento, que tivemos a alegria de escutar nesta Liturgia.

Um deles, o do Evangelho de São João, retoma o ensinamento de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum sobre o Pão da Vida: este pão, segundo assegura o Senhor, é sua própria carne que, feita alimento dos seus discípulos, lhes dá uma vida que começa aqui na terra e desabrocha na eternidade. A promessa feita em Cafarnaum se realiza plenamente na última Ceia e no mistério da Eucaristia. Este é o pão que se fez Corpo de Cristo para der a vida aos homens.

O desejo mais íntimo e mais vivo do Papa nesta hora seria o de poder por algum milagre, penetrar em cada lar do Brasil, ser hóspede de cada família brasileira. Partilhar a felicidade das famílias felizes e com elas render graças ao Senhor. Estar junto das famílias que choram, por algum sofrimento escondido ou visível, para der, se possível, algum conforto. Falar às famílias onde nada falsa, para convidá-las a distribuir o que lhes sobra e que pertence a quem não tem. Sentar-se à mesa das famílias pobres, onde o pão é escasso, para ajudá-las, não a tornar-se ricas no sentido em que o Evangelho condena a riqueza, mas a conquistar aquilo que é necessário para uma vida digna.

Se este é um desejo impossível, quero ao menos, tomando em minhas mãos daqui a pouco o Corpo de Jesus e Seu Sangue precioso, fazer um voto e uma oração: que esta Eucaristia celebrada neste templo sem fronteiras sob a cúpula deste céu do Rio de Janeiro, bem mais vasta e grandiosa do que a de Miguel Ângelo, se torne fonte de verdadeira vida para o povo brasileiro para que ele seja uma verdadeira família e para cada família brasileira para que seja célula formadora deste povo. 

-- Homília do Papa João Paulo II na Santa Missa para as Famílias celebrada durante a visita ao Brasil em 1o. de Julho de 1980.

-- Texto completo da homília

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