5 de set. de 2019

A Eucaristia e as Famílias

Um sacerdote - seja ele o Papa, um bispo ou um pároco do interior - ao celebrar a Eucaristia, um cristão ao participar da Missa e receber o Corpo e o Sangue de Cristo não podem deixar de abismar-se nas maravilhas deste Sacramento. São tantas as dimensões que nele se podem considerar: é o sacrifício de Cristo, que misteriosamente se renova; são o pão e o vinho transformados, transubstanciados no Corpo e Sangue do Senhor; é a Graça que se comunica por este alimento espiritual à alma do cristão... Quero, nesta ocasião, fixar-me em um aspecto não menos significativo: a Eucaristia é uma reunião de família, da grande família dos cristãos.

O Senhor Jesus quis instituir este grande sacramento por ocasião de um importante encontro familiar: a Ceia pascal e naquela ocasião sua família foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Por muito tempo, nos inícios da Igreja, era em casas de família que outras famílias se reuniam para a “fração do pão”. Cada altar será sempre uma mesa, em torno da qual se congrega mais ou menos numerosa uma família de irmãos. A Eucaristia ao mesmo tempo reúne esta família, manifesta-a aos olhos de todos, estreita os laços que unem aos outros os seus membros. Santo Agostinho pensava em tudo isto quando chamava a Eucaristia: “sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis" (Santo Agostinho, In Ioannis Evang., Tract XXVI, cap. 6, n. 13: PL 35, 1613).

[...]

Isto posto, como fechar os olhos para as graves situações em que concretamente se encontram numerosíssimas famílias entre vós e para as sérias ameaças que pesam sobre a família em geral?

Algumas dessas ameaças são de ordem social e prendem-se às condições sub-humanas de habitação, higiene, saúde, educação em que se encontram milhões de famílias, no interior do País e em periferias das grandes cidades, por força do desemprego ou dos salários insuficientes. Outras são de ordem moral e referem-se á generalizada desagregação da Família, por desconhecimento, desestima ou desrespeito das normas humanas e cristãs relativas à família, nos vários estratos do população. Outras ainda são de ordem civil, ligadas à legislação referente à família. No mundo inteiro essa legislação é cada vez mais permissiva, portanto menos encorajante para os que se esforçam por seguir os princípios de uma ética mais elevada em matéria de família. Queira Deus que assim não seja em vosso País e que, coerentes com os princípios cristãos que inspiram a vossa cultura, aqueles que têm a responsabilidade de elaborar e promulgar as leis o façam no respeito aos valores insubstituíveis de uma ética cristã, entre os quais avulsa o valor da vida inumana e o direito indeclinável dos pais a transmitir a vida. Outras ameaças, enfim, são de ordem religiosa e derivam de um escasso conhecimento das dimensões sacramentais do Matrimônio no plano de Deus.

As considerações que venho fazendo parecem-me evidenciar bastante a importância e a necessidade de uma inteligente, corajosa, perseverante Pastoral Familiar. Falando ao povo da cidade de Puebla, na homilia da inolvidável Missa que ali celebrei, recordei que nume numerosos Bispos latino-americanos não hesitam em reconhecer que a Igreja tem ainda multo a fazer neste campo. Por isso mesmo, abrindo a Conferência de Puebla, eu quis recomendar a Pastoral Familiar como importante prioridade em todos os vossos Países. O Documento de Puebla consagrou um importante capítulo à Família: Deus queira que a atenção a outros temas e afirmações, sem dúvida importantes mas não exclusivos, desse documento não signifique, por um erro do qual teríamos motivo de arrepender-nos no futuro, uma atenção menor à Pastoral da Família.

São muitos os campos e complexas as exigências desta Pastoral Familiar. Vossos Pastores estão conscientes disso. Muitos leigos empenhados em diversos, valiosos e meritórios movimentos familiares, se mostram atentos a esses campos e exigências. Não esperais certamente que o Papa os aborde aqui: não é o momento para fazê-lo. Como porém não recordar ao menos para citá-los, alguns pontos entre os mais importantes dessa Pastoral?

Penso em tudo o que há a fazer no campo da preparação ao casamento, certamente no período que antecede a sua celebração mas porque não desde os anos de adolescência - na família, na Igreja, na escola - sob a forma de uma séria, ampla, profunda educação para o verdadeiro amor, algo muito mais exigente do que uma propalada educação sexual. Penso no esforço generoso e corajoso a fazer para criar na sociedade um ambiente propício à realização de um ideai familiar cristão, baseado nos valores de unidade, fidelidade, indissolubilidade, fecundidade responsável. Penso no atendimento a dar a casais que, por variadas razões e circunstâncias, passam por momentos de crise, que poderão superar se forem ajudados, mas talvez naufragarão se faltar essa ajuda. Penso na contribuição que os cristãos, especialmente os leigos, podem oferecer para suscitar uma política social sensível aos reclamos e aos valores familiares e para evitar uma legislação nociva à estabilidade e ao equilíbrio da família. Penso enfim no incomensurável valor de uma espiritualidade familiar, a aperfeiçoar constantemente, a promover, a difundir e não posso silenciar, aqui de novo, uma palavra de estímulo e encorajamento aos movimentos familiares que se dedicam a essa obra particularmente importante.

[...]

Irmãos e filhos caríssimos, ao termo desta reflexão, voltemos a atenção para os textos do Novo Testamento, que tivemos a alegria de escutar nesta Liturgia.

Um deles, o do Evangelho de São João, retoma o ensinamento de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum sobre o Pão da Vida: este pão, segundo assegura o Senhor, é sua própria carne que, feita alimento dos seus discípulos, lhes dá uma vida que começa aqui na terra e desabrocha na eternidade. A promessa feita em Cafarnaum se realiza plenamente na última Ceia e no mistério da Eucaristia. Este é o pão que se fez Corpo de Cristo para der a vida aos homens.

O desejo mais íntimo e mais vivo do Papa nesta hora seria o de poder por algum milagre, penetrar em cada lar do Brasil, ser hóspede de cada família brasileira. Partilhar a felicidade das famílias felizes e com elas render graças ao Senhor. Estar junto das famílias que choram, por algum sofrimento escondido ou visível, para der, se possível, algum conforto. Falar às famílias onde nada falsa, para convidá-las a distribuir o que lhes sobra e que pertence a quem não tem. Sentar-se à mesa das famílias pobres, onde o pão é escasso, para ajudá-las, não a tornar-se ricas no sentido em que o Evangelho condena a riqueza, mas a conquistar aquilo que é necessário para uma vida digna.

Se este é um desejo impossível, quero ao menos, tomando em minhas mãos daqui a pouco o Corpo de Jesus e Seu Sangue precioso, fazer um voto e uma oração: que esta Eucaristia celebrada neste templo sem fronteiras sob a cúpula deste céu do Rio de Janeiro, bem mais vasta e grandiosa do que a de Miguel Ângelo, se torne fonte de verdadeira vida para o povo brasileiro para que ele seja uma verdadeira família e para cada família brasileira para que seja célula formadora deste povo. 

-- Homília do Papa João Paulo II na Santa Missa para as Famílias celebrada durante a visita ao Brasil em 1o. de Julho de 1980.

-- Texto completo da homília

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