25 de dez. de 2019

O pranto do homem em Deus, e no homem a alegria

Quando foi chegado o tempo
Em que de nascer havia,
Assim como o desposado,
Do seu tálamo saía
Abraçado à sua esposa,
Que em seus braços a trazia;
Ao qual a bendita Mãe
Em um presépio poria
Entre pobres animais
Que então por ali havia.

Os homens davam cantares,
Os anjos a melodia,
Festejando o desposório
Que entre aqueles dois havia.

Deus, porém, no presépio
Ali chorava e gemia;
Eram jóias que a esposa
Ao desposório trazia;
E a Mãe se assombrava
Da troca que ali se via:
O pranto do homem em Deus,
E no homem a alegria;
Coisas que num e no outro
Tão diferente ser soía.

-- São João da Cruz, Romance Cristológico e Trinitário, 9o. romance (século XVI)

7 de dez. de 2019

São John Newman, de teólogo anglicano a santo católico

John Newman nasceu em 21 de Fevereiro de 1801 em Londres, era o filho mais velho de uma família anglicana que teve outros dois meninos e três meninas. Moravam no centro de Londres onde o pai era banqueiro, e também possuíam uma casa nos arredores da cidade, para descanso aos fins de semana. 

Aos 15 anos leu alguns livros de escritores calvinistas que defendiam a idéia que o Papa era o anticristo e, em uma carta, escreveu que esta era verdadeira fé que não havia sido distorcida por homens. Muito mais tarde na vida, explicaria que a ênfase protestante na justificação pela fé (e não por obras) é a porta de entrada para um individualismo religioso que ignora o papel da Igreja na transmissão da fé e atualização dos seus ensinamentos, resultando um inevitável subjetivismo e relativismo, onde cada um determina o que lhe é adequado.

Vida na Igreja Anglicana

Ele estudou no Trinity College em Oxford, onde foi um estudante comum, mas o suficiente para se tornar professor no Oriel College, também em Oxford. Em 13 de Junho de 1824 recebeu o diaconato na Igreja Anglicana e, em 29 de Maio de 1825, padre. Mantendo a posição de professor, trabalhava na paróquia de São Clemente, além de começar a escrever artigos teológicos. Em 1928 foi apontado vigário da igreja da Universidade de Santa Maria e professor de emérito de hebraico. Começou a defender a idéia que a Igreja deveria ser independente do Estado, tendo prerrogativas e poderes de uma natureza diferente". Como isto contraria a posição da Rainha como chefe da Igreja Anglicana, resultou em sua saída da universidade ao final de 1832.
Retrato de John Newmann, por
William Charles Ross

Aproveitando a ocasião, viajou pelo Mediterrâneo, passando por Roma. Segundo ele, uma cidade fantástica mas referiu-se a Igreja Católica como politeísta e idólatra (adoradora de santos). Em Abril de 1833 estava na Sicília quando adoeceu gravemente e teve que ficar ali por três meses até recuperar-se. 

Ao retornar para Inglaterra, proferiu uma homília em que defendia que o governo de uma nação cristã deveria deixar-se guiar pelos princípios da fé e, se caso tome decisões contrárias a Deus, acaba por se tornar uma nação de apóstatas, sobre a qual vai recair a correção de Deus.

Em 1839, enquanto estudava sobre a natureza de Cristo[1], leu Santo Agostinho que firmou não haver posição intermediária, ou a pessoa está em comunhão com a Igreja ou não. Dali em diante ele começou a questionar a teologia da Igreja Anglicana. Em 1841 publicou um texto em que demonstrou que o documento fundamental na criação da Igreja Anglicana, chamado 39 Artigos da Fé, era baseado em erros populares, não em posições teológicas da Igreja Católica e seus artigos da fé.

John Newman decidiu sair de Oxford, parar de publicar em revistas da Igreja Anglicana e foi morar junto com outros homens em uma casa em Littlemore levando uma vida semi-monástica. Em Fevereiro de 1843 publicou um artigo se retratando de todas as críticas que havia feito à Igreja Católica e em 25 de Setembro proferiu o seu último sermão em uma Igreja Anglicana.

Vida na Igreja Católica

Em 9 de Outubro de 1845 foi recebido na Igreja Católica pelo padre Dominic Barbieri. A vida de John Newman mudou radicalmente pois não apenas perdera todos seus postos na Universidade, como também foi considerado como um traidor pela família e amigos. Em Fevereiro de 1846 foi ordenado padre, em Roma, e nomeado Doutor em Teologia pelo Papa Pio IX. Dali retornou para a Inglaterra, onde trabalhou na Faculdade de Teologia do Maryvale Institute. 

Em 1850, o Papa Pio IX publicou o documento Universalis Ecclesiae que reorganizou a Igreja Católica na Inglaterra, restabelecendo a hierarquia e o controle papal. O primeiro ministro denunciou o documento como uma manobra do Papa para controlar a Inglaterra e sobrepor ao governo de sua majestade. Isto resultou em violência contra padres e vandalismo contra igrejas. No ano seguinte, John Newman escreveu uma série de artigos em tom mais popular em que não apenas defendeu a Igreja como explicou as causas no anti-catolicismo no país. Por óbvio, John Newman foi atacado e até mesmo processado por partes do seu livro. 
Cardeal Newmann, em Maio de 1890,
já com 90 anos e três meses antes de sua morte.

Em 1854 transferiu-se para Dublin como Reitor da recém criada Universidade Católica da Irlanda, onde permaneceu por quatro anos. Seu objetivo foi criar uma universidade onde o livre pensamento científico fosse central mas os ensinamentos cristãos permenecessem no centro do currículo influenciando a juventude. Esta posição intermediária não foi bem recebida por todos, novamente causando alguns problemas e resultando em inimigos., 

Em 1864 publicou o livro Apologia Pro Vita Sua (Uma Defesa da Própria Vida [2]), uma espécie de autobiografia espiritual onde explica suas idéias teológicas e como elas evoluíram aos longos dos anos, incluindo a sua conversão ao catolicismo e aceitação dos dogmas católicos. Entre outros, o Papa Bento XVI diz ter sido seriamente influenciado por este livro. 

Após 32 anos de sua partida, John Newman foi eleito professor honorário em Oxford, casualmente no mesmo dia em que o Papa Pio IX morreu. Por recomendação de vários bispos, o sucessor Papa Leão XIII nomeou Newman como Cardeal, o que ocorreu no consistório de 12 de Maio de 1879. Por seu pedido, John Newman não foi ordenado bispo e teve permissão para continuar morando na Inglaterra. 

Sua saúde começou a falhar em 1886, sua última missa pública foi no Dia de Natal em 1889. Morreu de pneumonia em 11 de Agosto de 1890 e foi enterrado em Birmingham. Desde sua morte, e principalmente quando começou o processo de canonização, John Newmann foi atacado por vários motivos, inclusive espalhando boatos mentirosos quanto ao celibato e homossexualidade. 

O Papa João Paulo II proclamou-o Venerável em 1991 e o Papa Bento XVI declarou-o Bento após a cura milagrosa de um diácono americano que havia pedido sua intercessão. Outro milagre, a cura de uma mulher grávida de Chicago a quem os médicos deram a gravidez como perdida [3], conduziu a sua canonização em 13 de Outubro de 2019.

-- autoria própria

[1] Trata-se da questão do Monofisismo, isto é, pode Cristo ser homem e Deus ao mesmo tempo? Segundo a Igreja Católica e também a Anglicana, Cristo combinou as duas naturezas, mas Santo Agostinho teve que combater seitas heréticas que defendiam que Cristo jamais tornou-se realmente homem pois a natureza divina sempre foi superior, mesmo enquanto estava na Terra. 

[2] Aparentemente não há uma edição em português, o que é lastimável. Foi publicado em espanhol, italiano e inglês.  

[3] Neste vídeo, Melissa Villalobos conta que estava grávida, mas sangrava muito já por vários dias. Os médicos deram a gravidez como perdida e avisaram que a própria vida dela estava em risco. Pela intercessão de São John Newmann, o sangramento cessou imediatamente, a menina nasceu saudável e Melissa ainda teve outros filhos. O vídeo está em inglês, mas vale a pena o esforço.

2 de nov. de 2019

Santa Margarida Bays

Margarida Bays nasceu em Friburgo, Suiça em 8 de Setembro de 1815 e morreu em 27 de Junho de 1879, na mesma cidade em que havia nascido. Apesar de ter vivido toda sua vida ali, trabalhando como costureira e cuidando da família, teve uma vida bastante movimentada. Em especial, muitos acontecimentos tristes, em sequência, quando tinha cerca de 17 anos: a irmã Marie-Margueritte desfez o casamento; seu irmão Joseph meteu-se em brigas e acabou condenado à prisão; e o seu pai Claude teve um filho fora do casamento com uma mulher chamada Josette, e ainda foi morar com ela. 

Infância e juventude

Até ali a sua vida tinha sido estável. Havia nascido em uma família de fazendeiros, católicos devotos, tinha três irmãos e três irmãs, na escola era considerada boa aluna e demonstrava sua inteligência. Era um pouco quieta, dizia que preferia rezar a ficar de brincadeiras com outras crianças, mas nada muito diferente. No seu quarto montou um pequeno santuário a Nossa Senhora, com uma estátua, onde constantemente trazia novas flores em sua honra. Em 1823 recebeu o Crisma e em 1826 a Primeira Comunhão [sim, ao contrário dos dias atuais, o Crisma foi recebido antes]. 

Seus pais perguntaram, e até insistiram um pouco, para que procurasse um convento e entrasse na vida religiosa, mas a menina preferiu continuar em casa. Em 1830 iniciou o aprendizado para ser costureira. Nas horas vagas, ela começou a ajudar os pobres, nesta época muitos trabalhadores estavam sendo substituídos por máquinas, ela levava alimentos e costurava as roupas gratuitamente. 

Foi nessa época que os problemas na casa começaram, e as marcas de uma vida verdadeiramente santa surgiram. Em uma lição que vale para todos nós, certamente ela ouviu a pergunta: por que mesmo levando uma vida correta, indo às Missas, rezando terços em casa e ajudando os pobres, Deus permite destruir a casa, desgraçando a fama da irmã, um irmão preso, e o pai sair de casa para morar com a amante? No fundo, é a mesma pergunta que Satanás faz para Cristo no deserto: não seria melhor buscar fama, riqueza e poder agindo como todo mundo age? E se há algo para aprendermos com Santa Margarida Bays, é confiar em Deus em todas as horas e procurá-lo nos momentos de angústia, que ele irá nos escutar.

Vida adulta

Margarida tinha que caminhar 20 minutos para ir à Missa em Siviriez, e também para participar de momentos de Adoração Eucarística. Também foi onze vezes em peregrinação ao Santuário Mariano de Einsiedeln, que ficava a 170km de sua casa. A peregrinação era ir a pé, rezando o Rosário por todo caminho, dormindo em celeiros ou onde fosse possível, resistindo às feridas nos pés e ao cansaço.

Foi por esta época que descobriu a Terceira Ordem Franciscana, que consiste de leigos que se dedicam seriamente à caridade e evangelização, enquanto levam sua vida normal. 

Isto apenas reforçou sua decisão de continuar em casa, onde viria a cuidar de sua família, incluindo o meio-irmão que o pai havia tido com a amante, e até mesmo da amante, quando esta ficou doente. Além disso, tornou-se catequista de crianças, preparando-as para receber os sacramentos. Como havia decidido manter-se virgem, não aceitou propostas de casamento.

Cura do câncer, êxtases e estigmas

Quando tinha 38 anos foi diagnosticada com câncer no colo, que lhe resultava em tonturas, dor aguda no estômago e vômitos. Quando procurou um médico, este disse que não havia possibilidade de operação nem remédios para curar a doença, ou seja, estava condenada a morrer. Frente à morte, Margarida fez dois pedidos à Deus: que lhe curasse e fosse associada aos sofrimentos de Cristo. 

Em 8 de Dezembro de 1854, quando o Papa Pio IX proclamou a Virgem Maria como a Imaculada Conceição, isto é, que havia sido concebida sem pecado, Margarida foi curada. A partir daí, nas sextas-feiras, começou a entrar em êxtase, quando sentia as dores de Jesus Cristo e permanecia imóvel em sua cama. Um vizinho, François Memnetrey, deu este testemunho sobre os êxtases:

"Toda sexta-feira, as 3:00 da tarde, ela era transportada para fora do corpo, em um êxtase que durava por uma hora. Lembro claramente de vê-la durante estes êxtases, Margarida claramente caiu um estado que parecia como morta, toda vida havia se esvaído. Seu corpo parecia com um cadáver. Ficava lá por uma hora, após as 4:00 lentamente começava a recobrar os sentidos, como se estivesse acordando de um sono muito, muito profundo. Uma alegria intensa e divina iluminava sua face, ela respirava fundo e falava palavras de fé, amor e gratidão a Deus e sue Filho Jesus Cristo." 

Também recebeu os estigmas, e desta maneira Deus cumpria totalmente seus pedidos. É difícil saber exatamente quando os estigmas surgiram, por que ela não contou a ninguém, tentava o máximo possível esconder de todos, apenas pediu que o Bispo confirmasse sua autenticidade. Mas foi em vão e logo todos souberam do milagre. Margarida fez um novo pedido a Deus: que apenas sentisse as dores de Cristo, mas os estigmas deveriam ficar invisíveis a todos. E Deus assim fez.

Últimos anos e morte

Seus últimos anos foram de grande sofrimento físico, mas ela não falava sobre suas dores para os médicos, apenas dizia que era como um fogo queimando por dentro. Nos últimos meses, vivia apenas da Eucaristia e um chá de ervas que seu irmão lhe preparava. Segundo ele, carregá-la era como carregar um saco de ossos, mas um saco muito leve. Certo dia, ansiava por receber a Comunhão, mas como o padre estava atendendo outra família, um anjo veio dar-lhe o sagrado alimento. Uma sobrinha-neta estava presente e testemunhou o acontecimento. 

Um dia, no início da Quaresma de 1879, pegou seu crucifixo, beijou-o e disse: "Eu estou disposta a dar meu último suspiro em honra ao Sagrado Coração". Apesar de seu estado muito fraco, resistiu até as 3:00 da tarde, 27 de Junho de 1879, uma sexta-feira, e dia da Festa do Sagrado Coração. Esta foi a última graça que Deus lhe concedeu em vida.

Margarida considerava-se uma grande pecadora, que muito confiava em Deus. Várias vezes disse que "Somente a alma que reconhece sua própria miséria pode ter uma grande confiança em Deus, e se não tiver este conhecimento, é impossível confiar plenamente nEle". Também "Rezem uns pelos outros, rezem especialmente por mim por que sua realmente necessitada. Eu preciso do amor de Deus, este amor pelo qual não tenho méritos para recebê-lo"

Foi canonizada em 29 de Outubro de 1995 pelo Papa João Paulo II e canonizada em 13 de Outubro de 2019 na mesma cerimônia que Irmã Dulce também foi canonizada.

-- autoria própria



24 de out. de 2019

A tua fé te salvou

"A tua fé te salvou" (Lc 17, 19). É o ponto de chegada do Evangelho de hoje, que nos mostra o caminho da fé. Neste percurso de fé, vemos três etapas, vincadas pelos leprosos curados, que invocam, caminham e agradecem.

Cinco santos foram canonizados em 13 de Outubro 2019: Irmã Dulce, Cardeal
Newman, Irmã Josefina Vaninni, Irmã Maria Teresa e Margarida Bays.
Primeiro, invocar. Os leprosos encontravam-se numa condição terrível não só pela doença em si, ainda hoje difusa e devendo ser combatida com todos os esforços possíveis, mas pela exclusão social. No tempo de Jesus, eram considerados impuros e, como tais, deviam estar isolados, separados (cf. Lv 13, 46). De fato, quando vão encontrar Jesus, vemos que "se mantêm à distância" (Lc 17, 12). Embora a sua condição os coloque de lado, todavia diz o Evangelho que invocam Jesus "gritando" (17, 13) em voz alta. Não se deixam paralisar pelas exclusões dos homens e gritam a Deus, que não exclui ninguém. Assim se reduzem as distâncias, e a pessoa sai da solidão: não se fechando em auto lamentações, nem olhando aos juízos dos outros, mas invocando o Senhor, porque o Senhor ouve o grito de quem está abandonado.

Também nós – todos nós – necessitamos de cura, como aqueles leprosos. Precisamos ser curados da pouca confiança em nós mesmos, na vida, no futuro; curados de muitos medos; dos vícios de que somos escravos; de tantos fechamentos, dependências e apegos: ao jogo, ao dinheiro, à televisão, aos celulares, à opinião dos outros. O Senhor liberta e cura o coração, se O invocarmos, se lhe dissermos: "Senhor, eu creio que me podeis curar; curai-me dos meus fechamentos, livrai-me do mal e do medo, Jesus"

No Evangelho de Lucas, os primeiros a invocar o nome de Jesus são os leprosos. Depois fá-lo-ão também um cego e um dos ladrões na cruz: pessoas carentes invocam o nome de Jesus, que significa Deus salva. De modo direto e espontâneo chamam Deus pelo seu nome. Chamar pelo nome é sinal de confiança, e o Senhor gosta disso. A fé cresce assim, com a invocação confiante, levando a Jesus aquilo que somos, com franqueza, sem esconder as nossas misérias. Invoquemos  diariamente, com confiança, o nome de Jesus: Deus salva. Repitamo-lo: é oração. Dizer "Jesus" é rezar. A oração é a porta da fé, a oração é o remédio do coração.

A segunda palavra é caminhar. É a segunda etapa. Neste breve Evangelho de hoje, aparece uma dezena de verbos de movimento. Mas o mais impressionante é sobretudo o fato de os leprosos serem curados, não quando estão diante de Jesus, mas depois enquanto caminham, como diz o Evangelho: "Enquanto iam a caminho, ficaram purificados" (17, 14). São curados enquanto vão para Jerusalém, isto é, camihando por uma estrada que sobe. 

É no caminho da vida que a pessoa é purificada, um caminho frequentemente a subir, porque leva para o alto. A fé requer um caminho, uma saída; faz milagres, se sairmos das nossas cómodas certezas, se deixarmos os nossos portos serenos, os nossos ninhos confortáveis. A fé aumenta com o dom, e cresce com o risco. A fé atua, quando avançamos equipados com a confiança em Deus. A fé abre caminho através de passos humildes e concretos, como humildes e concretos foram o caminho dos leprosos e o banho de Naaman no rio Jordão (cf. 2 Re 5, 14-17). O mesmo se passa conosco: avançamos na fé com o amor humilde e concreto, com a paciência diária, invocando Jesus e prosseguindo para diante.

Outro aspecto interessante no caminho dos leprosos é que se movem juntos. Refere o Evangelho, sempre no plural, que "iam a caminho" e "ficaram purificados" (Lc 17, 14): a fé é também caminhar juntos, jamais sozinhos. Mas, uma vez curados, nove continuam pela sua estrada e apenas um regressa para agradecer. E Jesus desabafa a sua mágoa assim: "Onde estão os outros?" (17, 17). Quase parece perguntar pelos outros nove, ao único que voltou. É verdade! Constitui tarefa nossa – de nós que estamos aqui a fazer Eucaristia, isto é, a agradecer –, constitui nossa tarefa ocuparmo-nos de quem deixou de caminhar, de quem se extraviou: todos nós somos guardiões dos irmãos distantes. Somos intercessores por eles, somos responsáveis por eles, isto é, chamados a responder por eles, a tê-los no coração. Queres crescer na fé? Tu que estás aqui hoje, queres crescer na fé? Ocupa-te de um irmão distante, de uma irmã distante.

Invocar, caminhar e… agradecer: esta é a última etapa. Só àquele que agradece é que Jesus diz: "A tua fé te salvou" (17, 19). Não se encontra apenas curado; também está salvo. Isto diz-nos que o ponto de chegada não é a saúde, não é o estar bem, mas o encontro com Jesus. A salvação não é beber um copo de água para estar em forma; mas é ir à fonte, que é Jesus. Só Ele livra do mal e cura o coração; só o encontro com Ele é que salva, torna plena e bela a vida. Quando se encontra Jesus, brota espontaneamente o agradecimento, porque se descobre a coisa mais importante da vida: não o receber uma graça nem o resolver um problema, mas abraçar o Senhor da vida. E isto é a coisa mais importante da vida: abraçar o Senhor da vida.

É encantador ver como aquele homem curado, que era um samaritano, manifesta a alegria com todo o seu ser: louva a Deus em voz alta, prostra-se, agradece (cf. 17, 15-16). O ponto culminante do caminho de fé é viver dando graças. Podemos perguntar-nos: Nós, que temos fé, vivemos os dias como um peso a suportar ou como um louvor a oferecer? Ficamos centrados em nós mesmos à espera de pedir a próxima graça, ou encontramos a nossa alegria em dar graças? Quando agradecemos, o Pai deixa-Se comover e derrama sobre nós o Espírito Santo. Agradecer não é questão de cortesia, de etiqueta, mas questão de fé. Um coração que agradece, permanece jovem. Dizer "obrigado, Senhor", ao acordar, durante o dia, antes de deitar, é antídoto ao envelhecimento do coração, porque o coração envelhece e cria maus hábitos. E o mesmo se diga em família, entre os esposos: lembrem-se de dizer obrigado. Obrigado é a palavra mais simples e benfazeja.

Invocar, caminhar, agradecer. Hoje, agradecemos ao Senhor pelos novos Santos, que caminharam na fé e agora invocamos como intercessores. Três deles são freiras e mostram-nos que a vida religiosa é um caminho de amor nas periferias existenciais do mundo. Ao passo que Santa Margarida Bays era uma costureira e revela-nos quão poderosa é a oração simples, suportar com paciência, a doação silenciosa: através destas coisas, o Senhor fez reviver nela, na sua humildade, o esplendor da Páscoa. Da santidade do dia a dia, fala o Santo Cardeal Newman quando diz: "O cristão possui uma paz profunda, silenciosa, oculta, que o mundo não vê. (...) O cristão é alegre, calmo, bom, amável, educado, simples, modesto; não tem pretensões, (...) o seu comportamento está tão longe da ostentação e do requinte que facilmente se pode, à primeira vista, tomá-lo por uma pessoa comum" (Parochial and Plain Sermons, V, 5). Peçamos para ser, assim, luzes gentis no meio das trevas do mundo. Jesus, "ficai conosco e começaremos a brilhar como brilhais Vós, a brilhar de tal modo que sejamos uma luz para os outros» (Meditations on Christian Doctrine, VII, 3). 

Amém.

-- Homília do Papa Francisco, em 13 de Outubro de 2019, canonização de cinco santos, incluindo Santa Irmã Dulce.

13 de set. de 2019

Venerável Henriette DeLille


Henriette nasceu em Nova Orleans, no estado da Louisiana, em 11 de Março de 1813. Sua mãe, Marie-Josephe era uma negra* livre, isto é, não era escrava, assim Henriette nasceu já como uma mulher livre, mas é certo que sua bisavó foi trazida da África para ser escravizada. Seu pai era Jean-Baptiste Lille, um francês que emigrara para a Louisiana. O casamento entre eles seguia o costume da época, chamado plaçage, envolvendo um homem branco e uma mulher negra. Eles não casavam na Igreja, mas assinavam um documento dando certos direitos à esposa, incluindo 1/3 da herança e a previsão que se a esposa fosse escrava, passaria a ser uma mulher livre. O homem branco poderia ter uma esposa branca também, o que era comum entre fazendeiros, que mantinham a esposa branca na fazenda e a negra na cidade, mas se o homem branco fosse um militar transferido temporariamente para a região, sua esposa branca estaria na França e ele moraria entre o quartel e a casa com a esposa negra. 

Embora houvesse preconceito contra os negros, este arranjo permitia que as mulheres tivessem uma vida mais confortável. Henriette aprendeu a ler, estudou Literatura francesa, música e dança, tudo para prepará-la para também se tornar esposa de um homem branco. Quando chegou a adolescência, frequentava os bailes chamados quadroon, onde homens brancos conheciam as jovens negras. Segundo registros, Henriette chegou a ter dois filhos, que morreram com menos de três anos, provavelmente filhos de um homem branco.  

Durante um destes bailes, DeLille foi apresentada a Irmã Marthe Fontier, que era membro de uma comunidade religiosa dedicada à caridade. Impressionada com a vida das irmãs, Henriette procurou receber o Sacramento do Crisma e começou a lecionar em uma escola mantida pelas irmãs. Sua progressiva conversão resultou em conflitos com a mãe, que já havia planejado seu futuro, mas Henriette percebeu que a vida como segunda esposa era contrária aos ensinamentos da Igreja.  Finalmente em 1834, quando tinha 21 anos, Henriette recebeu o sacramento do Crisma. 

Em 1835, ela assumiu o controle dos bens de sua mãe que sofrera um problema psicológico e fora declarada incompetente. Henriette colocou a mãe um asilo onde poderia ser cuidada, vendeu todos os bens, reservou uma parte para o cuidado da mãe e usou o restante para comprar uma casa onde passou a viver com outras sete mulheres negras e uma francesa. Elas cuidavam dos doentes, ajudavam os pobres e davam aulas para negros livres e escravos, muito disso era feito às escondidas, pois não era permitido que negros frequentassem escolas, especialmente os escravos. Este foi o início de uma nova ordem, as Irmãs da Presentação. Nesta época seu irmão rompeu relações com Henriette por que ele tinha uma vida na sociedade e percebia o envolvimento dela com negros e pobres como algo prejudicial à boa fama dele. 

Em 1837, Padre Etienne Rousellon conseguiu a aprovação formal da nova congregação junto ao Vaticano, e elas passaram a se chamar Irmãs da Sagrada Família. DeLille assumiu o título de madre superiora. As irmãs foram especialmente reconhecidas por seu trabalho quando uma epidemia de febre amarela atingiu a cidade em 1853 quando não recusaram assistência a ninguém. 

Não há muitos escritos de Henriette, mas uma prece é especial, pois ela sempre a repetia: "Eu acredito em Deus, eu espero em Deus. Eu amo. Eu quero morrer e viver por Cristo".   

Após muitos anos de pobreza, trabalhando com doentes por longas horas, ela faleceu em 1862 com fama de santidade, tanto que a cidade dedicou uma rua ao seu nome. Na época  a ordem tinha 12 irmãs, número que ao longo dos anos foi crescendo, até alcançar 400 irmãs, hoje instaladas em vários estados americanos e Belize. A causa de canonização foi aberta em 1988 e, em 22 de Junho de 2010 a Congregação para as Causas dos Santos deu sua aprovação formal, atribuindo o título de Venerável. Atualmente alguns milagres estão sendo investigados e podem conduzir a sua beatificação. 

* no texto estou usando o padrão americano, onde bastaria um bisavô ou bisavó negro para sujeitar a pessoa a escravidão. Assim, Henriette mesmo sendo filha de um homem branco, mulata como diríamos no Brasil, era tratada como negra.

-- autoria própria.

5 de set. de 2019

A Eucaristia e as Famílias

Um sacerdote - seja ele o Papa, um bispo ou um pároco do interior - ao celebrar a Eucaristia, um cristão ao participar da Missa e receber o Corpo e o Sangue de Cristo não podem deixar de abismar-se nas maravilhas deste Sacramento. São tantas as dimensões que nele se podem considerar: é o sacrifício de Cristo, que misteriosamente se renova; são o pão e o vinho transformados, transubstanciados no Corpo e Sangue do Senhor; é a Graça que se comunica por este alimento espiritual à alma do cristão... Quero, nesta ocasião, fixar-me em um aspecto não menos significativo: a Eucaristia é uma reunião de família, da grande família dos cristãos.

O Senhor Jesus quis instituir este grande sacramento por ocasião de um importante encontro familiar: a Ceia pascal e naquela ocasião sua família foram os Doze, que com Ele viviam há três anos. Por muito tempo, nos inícios da Igreja, era em casas de família que outras famílias se reuniam para a “fração do pão”. Cada altar será sempre uma mesa, em torno da qual se congrega mais ou menos numerosa uma família de irmãos. A Eucaristia ao mesmo tempo reúne esta família, manifesta-a aos olhos de todos, estreita os laços que unem aos outros os seus membros. Santo Agostinho pensava em tudo isto quando chamava a Eucaristia: “sacramentum pietatis, signum unitatis, vinculum caritatis" (Santo Agostinho, In Ioannis Evang., Tract XXVI, cap. 6, n. 13: PL 35, 1613).

[...]

Isto posto, como fechar os olhos para as graves situações em que concretamente se encontram numerosíssimas famílias entre vós e para as sérias ameaças que pesam sobre a família em geral?

Algumas dessas ameaças são de ordem social e prendem-se às condições sub-humanas de habitação, higiene, saúde, educação em que se encontram milhões de famílias, no interior do País e em periferias das grandes cidades, por força do desemprego ou dos salários insuficientes. Outras são de ordem moral e referem-se á generalizada desagregação da Família, por desconhecimento, desestima ou desrespeito das normas humanas e cristãs relativas à família, nos vários estratos do população. Outras ainda são de ordem civil, ligadas à legislação referente à família. No mundo inteiro essa legislação é cada vez mais permissiva, portanto menos encorajante para os que se esforçam por seguir os princípios de uma ética mais elevada em matéria de família. Queira Deus que assim não seja em vosso País e que, coerentes com os princípios cristãos que inspiram a vossa cultura, aqueles que têm a responsabilidade de elaborar e promulgar as leis o façam no respeito aos valores insubstituíveis de uma ética cristã, entre os quais avulsa o valor da vida inumana e o direito indeclinável dos pais a transmitir a vida. Outras ameaças, enfim, são de ordem religiosa e derivam de um escasso conhecimento das dimensões sacramentais do Matrimônio no plano de Deus.

As considerações que venho fazendo parecem-me evidenciar bastante a importância e a necessidade de uma inteligente, corajosa, perseverante Pastoral Familiar. Falando ao povo da cidade de Puebla, na homilia da inolvidável Missa que ali celebrei, recordei que nume numerosos Bispos latino-americanos não hesitam em reconhecer que a Igreja tem ainda multo a fazer neste campo. Por isso mesmo, abrindo a Conferência de Puebla, eu quis recomendar a Pastoral Familiar como importante prioridade em todos os vossos Países. O Documento de Puebla consagrou um importante capítulo à Família: Deus queira que a atenção a outros temas e afirmações, sem dúvida importantes mas não exclusivos, desse documento não signifique, por um erro do qual teríamos motivo de arrepender-nos no futuro, uma atenção menor à Pastoral da Família.

São muitos os campos e complexas as exigências desta Pastoral Familiar. Vossos Pastores estão conscientes disso. Muitos leigos empenhados em diversos, valiosos e meritórios movimentos familiares, se mostram atentos a esses campos e exigências. Não esperais certamente que o Papa os aborde aqui: não é o momento para fazê-lo. Como porém não recordar ao menos para citá-los, alguns pontos entre os mais importantes dessa Pastoral?

Penso em tudo o que há a fazer no campo da preparação ao casamento, certamente no período que antecede a sua celebração mas porque não desde os anos de adolescência - na família, na Igreja, na escola - sob a forma de uma séria, ampla, profunda educação para o verdadeiro amor, algo muito mais exigente do que uma propalada educação sexual. Penso no esforço generoso e corajoso a fazer para criar na sociedade um ambiente propício à realização de um ideai familiar cristão, baseado nos valores de unidade, fidelidade, indissolubilidade, fecundidade responsável. Penso no atendimento a dar a casais que, por variadas razões e circunstâncias, passam por momentos de crise, que poderão superar se forem ajudados, mas talvez naufragarão se faltar essa ajuda. Penso na contribuição que os cristãos, especialmente os leigos, podem oferecer para suscitar uma política social sensível aos reclamos e aos valores familiares e para evitar uma legislação nociva à estabilidade e ao equilíbrio da família. Penso enfim no incomensurável valor de uma espiritualidade familiar, a aperfeiçoar constantemente, a promover, a difundir e não posso silenciar, aqui de novo, uma palavra de estímulo e encorajamento aos movimentos familiares que se dedicam a essa obra particularmente importante.

[...]

Irmãos e filhos caríssimos, ao termo desta reflexão, voltemos a atenção para os textos do Novo Testamento, que tivemos a alegria de escutar nesta Liturgia.

Um deles, o do Evangelho de São João, retoma o ensinamento de Jesus na Sinagoga de Cafarnaum sobre o Pão da Vida: este pão, segundo assegura o Senhor, é sua própria carne que, feita alimento dos seus discípulos, lhes dá uma vida que começa aqui na terra e desabrocha na eternidade. A promessa feita em Cafarnaum se realiza plenamente na última Ceia e no mistério da Eucaristia. Este é o pão que se fez Corpo de Cristo para der a vida aos homens.

O desejo mais íntimo e mais vivo do Papa nesta hora seria o de poder por algum milagre, penetrar em cada lar do Brasil, ser hóspede de cada família brasileira. Partilhar a felicidade das famílias felizes e com elas render graças ao Senhor. Estar junto das famílias que choram, por algum sofrimento escondido ou visível, para der, se possível, algum conforto. Falar às famílias onde nada falsa, para convidá-las a distribuir o que lhes sobra e que pertence a quem não tem. Sentar-se à mesa das famílias pobres, onde o pão é escasso, para ajudá-las, não a tornar-se ricas no sentido em que o Evangelho condena a riqueza, mas a conquistar aquilo que é necessário para uma vida digna.

Se este é um desejo impossível, quero ao menos, tomando em minhas mãos daqui a pouco o Corpo de Jesus e Seu Sangue precioso, fazer um voto e uma oração: que esta Eucaristia celebrada neste templo sem fronteiras sob a cúpula deste céu do Rio de Janeiro, bem mais vasta e grandiosa do que a de Miguel Ângelo, se torne fonte de verdadeira vida para o povo brasileiro para que ele seja uma verdadeira família e para cada família brasileira para que seja célula formadora deste povo. 

-- Homília do Papa João Paulo II na Santa Missa para as Famílias celebrada durante a visita ao Brasil em 1o. de Julho de 1980.

-- Texto completo da homília

24 de ago. de 2019

A vida de São José de Anchieta, por São João Paulo II

[....]
Desejo refletir convosco sobre a fascinante figura do Bem-aventurado Anchieta, tão ligado à história 
religiosa e civil deste querido Brasil.

O Bem-aventurado Anchieta chegou aqui, a esta parte de vossa grande Nação, o Brasil, em 1554. A cidade ainda não existia; havia apenas alguns aglomerados de aborígenes. Chegou aos 24 de janeiro, vigília da festa da Conversão de São Paulo. A primeira Missa aqui celebrada foi exatamente em honra do Apóstolo dos Gentios, e a ele foi dedicada a vila que devia surgir ao redor da pequena choupana - a “Igrejinha” - que seria o seu coração. Daí o nome desta vossa cidade de São Paulo, hoje sem dúvida a maior cidade do Brasil.

Natural das Ilhas Canárias, educado em Portugal, José de Anchieta provinha daquelas nações que, naquela época, tanto contribuíram para a descoberta do mundo: da Espanha e de Portugal partiam navegadores e pioneiros, sulcando os mares, chegando a terras até então desconhecidas. Na sua trilha seguiam conquistadores, colonos, comerciantes, exploradores.

Terá vinco o Padre Anchieta como um soldado em busca de glória, um conquistador em busca de terras, ou um comerciante em busca de bons negócios e dinheiro? Não! Veio como missionário, para anunciar Jesus Cristo, para difundir o Evangelho. Veio com o único objetivo de conduzir os homens a Cristo, transmitindo-lhes a vida de filhos de Deus, destinados à vida eterna. Veio sem exigir nada para si; pelo contrário, disposto a der a sua vida por eles.

Jovem, cheio de vida, inteligente, alegre por natureza, de coração aberto e amado por todos, brilhante nos estudos da Universidade de Coimbra, José de Anchieta soube granjear a simpatia de seus colegas, que gostavam de ouvi-lo recitar. Por causa do seu timbre de voz, chamavam-no “canarinho”, lembrado assim o canto dos pássaros de sua ilha natal, Tenerife, nas Canárias.

Diante dele abriam-se tantas estradas ao sucesso. Mas, jovem de fé, estava atento às inspirações e moções de Deus que o atraía por outros caminhos, chamava-o e orientava-o por uma vereda bem diferente daquela que outros, talvez, haviam imaginado para ele. Num estado de alma de escuridão espiritual, o jovem buscava o silêncio, a solidão, para orar. Muitas vezes, deixando de lado os livros, passeava sozinho, às margens do rio Mondego.

Foi em uma destas caminhadas que José entrou na catedral de Coimbra e, diante do altar da Virgem Maria, sentiu inesperadamente a paz e a serenidade tão desejadas. Resolveu, então, dedicar sua vida ao serviço de Deus e dos homens. E, para viver este ideal, fez ali, na mesma hora, o voto de castidade, consagrando-se à Virgem: tinha então 17 anos.

A partir de então, intensificou sua oração, prosseguiu seus estudos com ardor. Embora jovem, demonstrava um grande senso de maturidade diante do valor da vida. O dom de si, feito à Mãe de Deus, começou a concretizar-se como um chamado à vida religiosa.

Por aquela época, liam-se na Universidade de Coimbra as cartas que São Francisco Xavier - o grande missionário - escrevia do Oriente, e que traziam também insistentes apelos aos jovens estudantes das Universidades européias. Profundamente impressionado com o que São Francisco Xavier dizia, acerca das carências de tantos povos e países e desejando seguir um exemplo tão eloquente de dedicação à glória de Deus e ao bem dos homens, José de Anchieta resolveu entrar para a Companhia de Jesus: queria ser missionário!

E assim, poucos anos depois, veio ao Brasil.

Neste instante, quero dirigir-me a vós, jovens de São Paulo, jovens de todo o Brasil, da grande Nação que pode ser chamada “jovem”, já que sua população conta com tão elevado índice de moços: olhai para o vosso Anchieta!

Era jovem como vós, mas aberto a Deus e aos seus apelos. Era cheio de vida como vós, mas na oração buscava a resposta à vida. E neste contacto com o Deus vivo encontrou o caminho que conduz à vida verdadeira, a uma vida de amor a Deus e aos homens.

O Senhor, que viveu sobre a terra, passando de aldeia em aldeia, fazendo o bem (cf. Mt 9, 35), ainda hoje passa, à procura de corações abertos ao seu convite: “Vem e segue-me!” (Mt 19, 21 , Lc 10,2).

Lembrai-vos: José de Anchieta respondeu com generosidade e o Senhor fez dele o “apóstolo do Brasil”, aquele que, de maneira insigne, contribuiu para o bem do vosso povo.

Uma vez missionário, José de Anchieta viveu o espírito do Apóstolo dos Gentios, que em suas epístolas falava das peripécias, dificuldades e perigos enfrentados, por carregar no coração como “preocupação de todos os dias a solicitude por todas as Igrejas” (2Cor 11, 26-28).

Numa carta de 1° de junho de 1560, revelando a sua ânsia de conduzir ao Senhor os povos deste país, Padre Anchieta escrevia textualmente: “Por este motivo, sem nos deixar intimidar pelas calmarias, tempestades, chuvas, correntezas espumantes e impetuosas dos rios, procuramos sem descanso visitar todas as aldeias e vilas, quer dos índios, quer dos portugueses; e mesmo de noite acorremos aos doentes, atravessando florestas tenebrosas, a custo de grandes fadigas, tanto pela aspereza dos caminhos como pelo mau tempo” (J. de Anchieta, Carta ao P. Tiago Laynez, Prepósito-General da Companhia de Jesus, 1° de junho de 1560). E descrevendo ainda mais abertamente as condições daqueles que, com ele e como ele, dedicavam-se aos “brasís” - como os costumava chamar -, revela ainda mais profundamente a grandeza do Seu amor e do seu espírito de sacrifício e, sobretudo, a finalidade de sua existência: “Mas nada é difícil para aqueles que acalentam no coração e têm como fim único a glória de Deus e a salvação das almas, pelas quais não hesitam em der a sua vida” (Ibidem). 

Salvar as almas para a glória de Deus: este era o objetivo de sua vida. Isto explica a prodigiosa atividade de Anchieta, ao buscar novas formas de atuação apostólica, que o levavam finalmente a fazer-se tudo para todos, pelo Evangelho; a fazer-se servo de todos a fim de ganhar o maior número possível para Cristo (cf. 1Cor 9, 19-22).

Não recusou nenhum esforço, para compreender os seus “brasís” e compartilhar-lhes a vida. Se aprendeu a difícil língua deles - e tão bem, a ponto de ser o primeiro a compor uma gramática dessa língua - isto se deve a seu amor, que o impelia a incarnar-se entre eles, mas para falar-lhes de Jesus, transmitir-lhes a Boa-Nova. Desta forma, tornou-se exímio catequista que - seguindo o exemplo de Cristo Senhor, Deus feito homem para revelar o Pai -, vivendo entre os homens, falava-lhes de maneira simples, acomodando-se a suas categorias mentais e aos seus costumes.

Com esta mesma finalidade, levando em consideração os dotes e qualidades naturais dos índios, a sua sede de saber a sua generosidade, hospitalidade e o seu senso comunitário, promoveu e desenvolveu as “aldeias”, centros onde a vida cada um se fundia com a dos outros, de maneira adequada. no trabalho, na solidariedade, na cooperação. Coração de cada um desses centros era sempre a Casa de Deus, onde o Sacrifício Eucarístico era celebrado regularmente e onde o Senhor Sacramentado permanecia presente. Sim, porque um grupo social que não é animado pela caridade que só Deus sabe infundir nos corações (cf. Rm 5,5), não pode durar, nem pode oferecer aquilo que o coração de homem e a humanidade inteira buscam com ansiedade.

[...]
O Padre Anchieta conseguia compreender a mentalidade e os costumes da vossa gente. Com a sua ação social prudente, inspirada pelo Evangelho e nele enraizada, soube estimular um crescimento e um desenvolvimento capazes de integrar essa mesma mentalidade e costumes - naquilo que eles tinham de autenticamente inumano, e, portento, querido por Deus - na vida das pessoas e da comunidade civil e cristã.

Apreciando a sede de saber dos “brasis”, o seu acentuado talento para a música, a sua habilidade e outros dotes, criou para eles centros de formação cultural e artesanal que, pouco a pouco, contribuíram para elevar o nível geral das gerações futuras: São Paulo, Olinda, Bahia, Porto Seguro, Rio de Janeiro, Reritiba - onde morreu e que hoje se chama Anchieta - são lugares que, junto com outros não mencionados, nos falam da incansável atividade apostólica do Bem-aventurado.

Mas, em todo este ingente esforço dispendido por ele, com a ajuda de tantos co-irmãos, desconhecidos por muitos, mas igualmente admiráveis, havia uma visão e um espírito: a visão integral do homem resgatado pelo sangue de Cristo; o espírito do missionário que tudo fez para que os seres humanos dos quais se aproxima para ajudar, apoiar e educar, atinjam a plenitude da vida cristã.

Permiti que eu me dirija agora de modo especial a vós, Bispos, Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, que doastes vossa vida para servir a causa de Deus, na Igreja. A finalidade de vossa ação pastoral, individual ou coletivamente, jamais se desvie daquilo que - como disse em minha Encíclica “Redemptor Hominis” - é o verdadeiro escopo pelo qual o Filho de Deus se fez homem e agiu entre nós. Que a Sua missão de amor, de paz e de redenção seja verdadeiramente a vossa.

Lembrai-vos de que Cristo mesmo nos indicou em que consiste a Sua missão: “Veni ut vitam habeant et ut abundantius habeant” (Vim para que tenham a Vida e a tenham em abundância) ( Jo 10,10).

Se quiserdes ser continuadores da vida e da missão de Cristo, sede fiéis à vossa vocação. Padre Anchieta multiplicou-se incansavelmente, através de tantas atividades, até mesmo o estudo da fauna e da flora, da medicina, da música e da literatura, mas tudo isso ele orientava para o bem verdadeiro do homem, destinado e chamado a ser e viver como filho de Deus.

De onde Padre Anchieta hauriu a força para realizar tantas obras em uma vida toda consumida em prol dos outros, até morrer, extenuado, quando ainda em plena atividade?

Certamente não de uma saúde de ferro. Pelo contrário: sempre teve uma saúde precária. Durante suas viagens apostólicas, feitas a pé e sem conforto, continuamente sofreu em seu corpo as consequências de um acidente sofrido quando jovem.

Talvez hauriu sua força dos seus talentos e dotes humanos? Em parte, sim; mas isto não explica tudo. Somente com esta afirmação não se chega à verdadeira raiz.

O segredo deste homem era a sua fé: José de Anchieta era um homem de Deus. Como São Paulo, podia dizer: “Scio cui credici” (Sei em Quem acreditei... e estou seguro de que Ele tem o poder de guardar o meu depósito até aquele dia) (2Tm 1,12). .

Desde o momento em que, na catedral de Coimbra, falara com Deus e com a Virgem Maria, Mãe de Cristo e nossa, desde aquele momento até ao último suspiro, a vida de José de Anchieta foi de uma linear clareza: servir o Senhor, estar à disposição da Igreja, prodigalizar-se por aqueles que eram e deviam ser filhos do Pai que está nos céus.

Por certo não lhe faltaram dores e penas, decepções e insucessos; também ele teve sua parte no pão de cada dia de todo apóstolo de Cristo, de todo sacerdote do Senhor. Mas em meio à sua incansável atividade e contínuo sofrimento, jamais faltou a calma, serena e viril certeza alicerçada no Senhor Jesus Cristo, com quem se encontrava e a quem se unia no mistério eucarístico; a quem se entregava constantemente para deixar-se plasmar pelo seu Espírito.

José de Anchieta havia compreendido qual era a vontade de Deus a seu respeito no dia em que se ajoelhara humildemente diante de uma imagem de Nossa Senhora: a Mãe do Salvador começou a tomar conta dele e ele a nutrir um terníssimo amor para com ela. Ensinou a seus “brasís” a conhecê-la e a lhe querer bem. Dedicou a ela um poema que é um verdadeiro canto da alma, escrito em circunstâncias dificílimas quando, tomado como refém, corria permanente perigo de vida. Não tendo nem papel nem tinta à disposição, na areia da praia escreveu com amor o seu poema - que aprendeu de cor - : “De Beata Virgine Matre Dei Maria”.

A união com Deus, profunda e ardente; o apego vivo e afetuoso a Cristo crucificado e ressuscitado, presente na Eucaristia; o terno amor a Maria: aí está a fonte de onde jorra a riqueza da vida e da atividade de Anchieta, autêntico missionário, verdadeiro sacerdote.

Queira Deus, por intercessão do Beato José de Anchieta, dar-vos a graça de viver como ele ensinou, como nos convida com o exemplo de sua existência.

-- Homília do Santo Papa João Paulo II, em 3 de Julho de 1980, proferida em São Paulo durante a sua visita ao Brasil

* O texto completo está no site do Vaticano. Incluiu saudações às autoridades e alguns comentários específicos sobre a viagem que eu cortei ao publicar aqui.

12 de ago. de 2019

Curarei os seus tormentos

Com liberdade, vai Jesus ao encontro dos sofrimentos preditos a seu respeito. Por várias vezes os prenunciou aos discípulos, tendo mesmo repreendido a Pedro que repelia o anúncio da paixão, e declarou que por eles se daria a salvação do mundo. Por isso apresentou-se aos que vinham buscá-lo, dizendo: Sou eu a quem procurais (cf. Jo 18,5). Acusado, não respondeu. Podendo esconder-se, não o quis, embora por mais de uma vez se tenha furtado às ciladas dos perseguidores. Chora sobre Jerusalém que pela incredulidade atraía para si a ruína e prediz a suprema destruição do templo outrora famoso. Com toda a paciência suporta ser batido na cabeça por homem duplamente escravo. Esbofeteado, cuspido, injuriado, atormentado, flagelado e por fim crucificado e dado por companheiro de suplícios a dois ladrões, contado entre os homicidas e celerados. Bebe o vinagre e o fel produzidos pela má videira, coroado de espinhos em lugar de louros e cachos de uva. Escarnecido com a púrpura, batido com a cana, ferido o lado pela lança e enfim levado ao sepulcro.  

Tudo isto sofreu enquanto operava nossa salvação. Pois àqueles que se haviam escravizado ao pecado eram devidos os castigos do pecado. Ele, isento de todo pecado, tendo cumprido toda a justiça, suportou a pena dos pecadores, destruindo por sua cruz o antigo decreto de maldição. Cristo, assim diz Paulo, nos remiu da maldição da lei, feito maldição por nós; por que está escrito: Maldito todo aquele que pende do lenho (Gl 3,13; cf. Dt 21,23). Com a coroa de espinhos põe fim ao castigo de Adão. Pois, após o pecado, este ouvira: Maldita a terra em teus trabalhos; germinarão para ti espinhos e abrolhos (cf. Gn 3,17-18).  

Com o fel bebeu a amargura e a dor da vida humana passível e mortal. Pelo vinagre assumiu em si a mudança do ser humano para o pior e concedeu a volta ao melhor. A púrpura significava o reino; a cana, o frágil poder do diabo. A bofetada publicava nossa liberdade, tolerando as injúrias, flagelos e chagas a nós devidas.  

O lado aberto, à semelhança de Adão, deixa sair não a mulher que, por seu erro, gerou a morte, mas a fonte de vida que com dupla torrente vivifica o  mundo. Uma, no batistério, nos renova e cobre com a veste imortal; outra, à mesa divina, alimenta os renascidos como leite aos pequeninos.

-- Do Tratado sobre a Encarnação do Senhor, de Teodoreto de Ciro, bispo (século V) 

24 de jul. de 2019

O reino de Deus é paz e alegria no Espírito

Volta ao Senhor de todo o teu coração, deixa este mundo miserável e tua alma encontrará repouso. Pois o reino de Deus é paz e alegria no Espírito Santo. Cristo virá a ti, trazendo-te sua consolação, se no íntimo lhe preparares digna morada.

Toda a sua glória e beleza está no interior e aí ele se compraz. Sua visita é assídua ao homem interior. Palavras mansas, agradável consolo, grande paz, maravilhosa intimidade.

Coragem, alma fiel, prepara teu coração para este Esposo, para que se digne vir a ti e em ti habitar. Ele assim declarou: Se alguém me ama, guarda minha palavra e a ele viremos e faremos nele nossa morada. Dá, portanto, lugar a Cristo. Se possuíres Cristo, serás rico e isto te bastará. Ele cuidará de ti e será teu fiel procurador em todas as coisas e não precisarás depender dos homens.

Põe toda a tua confiança em Deus. Seja ele teu temor e teu amor. Ele responderá por ti e fará o que for melhor do melhor modo possível.

Não tens aqui cidade permanente e onde quer que estejas serás estrangeiro e peregrino, não encontrando descanso a não ser quando fores intimamente unido a Cristo.

Teus pensamentos se fixem no Altíssimo e tua súplica sem cessar se dirija a Cristo. Se não sabes meditar sobre as coisas profundas e celestes, repousa na paixão de Cristo e demora-te com gosto em suas chagas. Suporta-te a ti mesmo com Cristo e por Cristo, se queres reinar com Cristo.

Se te acontecesse entrar uma vez perfeitamente no íntimo de Jesus e experimentar um pouquinho seu ardente amor, então já não mais te preocuparias com o que te é cômodo ou incômodo, porém, mais te alegrarias com o opróbrio infligido, porque o amor de Jesus faz o homem ter-se em conta de nada.

-- Do Livro A imitação de Cristo (século XV)

20 de jul. de 2019

Santo Apolinário, Bispo de Ravena

Santo Apolinário foi um sírio que foi bispo da cidade de Ravena (Itália), "que enquanto espalhava entre as nações as riquezas da palavra de Cristo, liderou seu rebanho como um bom pastor e honrou a Igreja com um martírio glorioso"(1). Ele foi o primeiro bispo de Ravena e teria ouvido pregações pessoalmente de São Pedro. Durante seu bispado em Ravena a Igreja nascente foi constatemente perseguida pelo Imperador Vespasiano ou Nero, dependendo da fonte. Não há como precisar quando seu martírio ocorreu, século II ou III, por que toda documentação disponível só foi escrita a partir do século VII pelo Arcebispo Mauro (642-671), mas é certo que se trata do primeiro bispo de Ravena e pregava em toda região da Emilia Romana, onde hoje estão as cidades de Bolonha, Parma e Ravena. 

A Enciclopédia Católica assim descreve a versão tradicional de sua história:

Ele foi Bispo de Ravena, Itália, nomeado por São Pedro. Seus milagres e pregação logo atraíram a atenção dos governantes, pois através deles muitos estavam sendo convertidos à fé cristã, a fúria dos idólatras logo se abateu sobre ele, que lhe surraram cruelmente e o largaram fora da cidade. Foi encontrado semi-morto na praia e escondido pelos cristãos, mas foi capturado novamente, obrigado a andar sobre carvão ardente e expulso da cidade. Então continuou seu trabalho de evangelização nas imediações de Ravena. 

Pela terceira vez foi capturado, esfaqueado e jogaram água fervente em sua feridas, foi apedrejado e quebraram a sua mandíbula para que não mais pregasse. Jogado em uma masmorra, amarrado por correntes, foi deixado para morrer de fome.  Dias depois, vendo que ainda estava vivo, decidiram colocá-lo em um navio e enviá-lo a Grécia. Lá também realizou milagres e conversões, um deixou os gregos especialmente furiosos: ele emudeceu os adivinhos pagãos. Novamente foi espancado e enviado de volta à Ravena, de onde estava afastado por três anos.

Nos tempos do Imperador Vespasiano começou uma grande perseguição e Santo Apolinário foi escondido pelos cristãos, até ser descoberto no subúrbio da cidade de Classe. Foi surrado, mas sobreviveu por sete dias. Neste período previu que as perseguições seriam ainda mais intensas e ao final a Igreja triunfaria.

Seu lugar de nascimento não é certo, mas é provável que seja Antioquia (Síria), nem é certo que tenha sido um dos setenta e dois discípulos de Cristo, nem a data de sua consagração é conhecida, mas é certo que foi bispo de Ravena por 26 anos. 

Do ponto de visto histórico, não há registros confiáveis sobre Santo Apolinário, exceto que a comunidade é muito antiga e data dos primeiros tempos da Igreja, o que torna plausível ele ter sido martirizado. Sua veneração iniciou em torno do século V e diz-se que é especialmente efetivo para curar gota, doenças venéreas e epilepsia. Suas relíquias estão na Basílica Beneditina de Santo Apolinário em Classe, próxima a Ravena. Sua memória é celebrada em 20 de Julho.

-- autoria própria

(1) Martyrologium Romanum (Libreria Editrice Vaticana 2001)

6 de jul. de 2019

Beata Maria Romero, missioneira salesiana da caridade

Maria Romero Meneses nasceu em Granada (Nicarágua) no dia 13 de Janeiro de 1902, em uma família de muitos recursos que pode pagar por sua educação. Vendo que tinha vocação artística, teve professores de desenho, pintura, piano e violino. Além disso frequentava a escola das irmãs salesianas, onde teve oportunidade de conheceu a Dom Bosco e seus ensinamentos.

Em 1914, quando tinha 12 anos, ficou gravemente doente com uma forma de febre reumática que a deixou paralisada por seis meses, uma fonte real de sofrimento, em especial por que não podia ir à sua amada escola. Nesta época foi quando começou a mostrar sinais de grande maturidade espiritual, chamando suas dores de "graças de Deus". Certo dia uma colega de escola foi visitá-la, Maria disse que não se preocupasse por que em breve Nossa Senhora Auxiliadora lhe curaria e ela poderia retornar à escola. De fato, alguns dias após estava na escola, caminhando como se nada houvesse ocorrido.

Em 8 de Dezembro de 1915 começou o noviciado com as Irmãs Salesianas, sob a orientação espiritual de Dom Emilio Bottari. Em 1923 escolheu o nome de Irmã Maria Auxiliadora, uma homenagem à sua mãe e rainha. Neste tempo já era bem conhecida por sua atividade apostólica e envolvimento nas obras sociais da ordem. Em 6 de Janeiro de 1929 professou seus votos, finalmente tornando-se uma irmã.  

Foi enviada para Costa Rica em 1931, onde passou a ensinar música, desenho e datilografia, além de auxiliar as obras assistenciais nos bairros pobres. Seu carisma e exemplo começou a atrair suas alunas, que se envolveram nos trabalhos de evangelização e auxílio aos necessitados. Irmã Maria Auxiliadora havia encontrado sua vocação: levar a caridade àqueles que nada possuíam.  Através das meninas da escola, conheceu empresários e profissionais bem sucedidos que começaram a financiar suas obras ou auxiliar diretamente trabalhando para os pobres.

Em 1945 começou a criar Centros Recreacionais; em 1953, os centros de distribuição de comida; em 1961, escolas nos bairros pobres; em 1966, uma clínica em um dos bairrios (vilas) que atendia. Neste período recebeu um grande terreno como doação, onde viu a possibilidade de construir várias casas para que os pobres tivessem uma habitação digna. Em 1973 as primeiras casas do Centro São José estavam prontas, bem como um mercado, um centro para catequização, uma escola professionalizante e, mais importante, a Igreja de Nossa Senhora Auxiliadora. 

Em 7 de Julho de 1977, Maria Romero morreu de um ataque cardíaco, ao 75 anos; seus restos mortais encontram-se na Capela Salesiana, na Costa Rica. Em 8 de Dezembro de 2000 foi considerada venerável por ter levado uma vida de virtudes heróicas e beatificada em 14 de Abril de 2002 pelo Papa João Paulo II. A causa de sua santidade continua sendo postulada e aguarda o reconhecimento de uma cura milagrosa. 

* Biografia no site do Vaticano: inglês espanhol
* Homília durante a beattificação: inglês e português

-- autoria própria


23 de jun. de 2019

Voz do que clama no deserto

A Igreja celebra o nascimento de João como um acontecimento sagrado. Dentre os nossos antepassados, não há nenhum cujo nascimento seja celebrado solenemente. Celebramos o de João, celebramos também o de Cristo: tal fato tem, sem dúvida, uma explicação. E se não a soubermos dar tão bem, como exige a importância desta solenidade, pelo menos meditemos nela mais frutuosa e profundamente. João nasce de uma anciã estéril; Cristo nasce de uma jovem virgem.

O pai de João não acredita que ele possa nascer e fica mudo; Maria acredita, e Cristo é concebido pela fé. Eis o assunto que quisemos meditar e prometemos tratar. E se não formos capazes de perscrutar toda a profundeza de tão grande mistério, por falta de aptidão ou de tempo, aquele que fala dentro de vós, mesmo em nossa ausência, vos ensinará melhor. Nele pensais com amor filial,a ele recebestes no coração, dele vos tornastes templos.

João apareceu, pois, como ponto de encontro entre os dois Testamentos, o antigo e o novo. O próprio Senhor o chama de limite quando diz: A lei e os profetas até João Batista (Lc 16,16). Ele representa o antigo e anuncia o novo. Porque representa o Antigo Testamento, nasce de pais idosos; porque anuncia o Novo Testamento, é declarado profeta ainda estando nas entranhas da mãe. Na verdade, antes mesmo de nascer, exultou de alegria no ventre materno, à chegada de Maria. Antes de nascer, já é designado; revela-se de quem seria o precursor, antes de ser visto por ele. Tudo isto são coisas divinas, que ultrapassam a limitação humana. Por fim, nasce. Recebe o nome e solta-se a língua do pai. Relacionemos o acontecido com o simbolismo de todos estes fatos.

Zacarias emudece e perde a voz até o nascimento de João, o precursor do Senhor; só então recupera a voz. Que significa o silêncio de Zacarias? Não seria o sentido da profecia que, antes da pregação de Cristo, estava, de certo modo, velado, oculto, fechado? Mas com a vinda daquele a quem elas se referiam, tudo se abre e torna-se claro. O fato de Zacarias recuperar a voz no nascimento de João tem o mesmo significado que o rasgar-se o véu do templo, quando Cristo morreu na cruz. Se João se anunciasse a si mesmo, Zacarias não abriria a boca. Solta-se a língua, porque nasce aquele que é a voz. Com efeito, quando João já anunciava o Senhor, perguntaram-lhe: Quem és tu? (Jo 1,19). E ele respondeu: Eu sou a voz do que clama no deserto (Jo 1,23). João é a voz; o Senhor, porém,no princípio era a Palavra (Jo 1,1). João é a voz no tempo; Cristo é, desde o princípio, a Palavra eterna.

-- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (século V)

18 de jun. de 2019

A vida não é apenas uma festa


Em 1653, o espanhol Ignacio de Ries pintou quatro quadros para a capela da Concepção na catedral de Sevilla (Espanha). Um deles chama-se Alegoria da Árvore da Vida. No centro da imagem está a árvore da vida, no seu topo acontece uma grande festa, muita comida, bebida e música. É justo pensar que estão embriagados, aproveitando o que de melhor a vida pode oferecer. Mas a árvore da vida está para ser derrubada pelo esqueleto, figura da morte, auxiliada pelo Diabo, que está puxando todos para baixo. No lado oposto temos Jesus Cristo batendo um sino para avisar aos festeiros que a morte está próxima, seu tempo está acabando. No alto está escrito um verso:

Lembres que irás morrer,
lembres que não sabes quando.

Lembres que Deus está  te cuidando,
Lembres quem está te cuidando.

Significado bíblico

Contra aqueles que passam a vida em banquetes, sem reservar um pouco do seu tempo para Deus, o profeta Amós assim falou:

"Pretendeis retardar o dia do infortúnio, e, no entanto, apressais a chegada do reino da violência. Deitados em leitos de marfim, estendidos em sofás, comem os cordeiros do rebanho e os novilhos do estábulo. Deliram ao som da harpa, e, como Davi, inventam para si instrumentos de música; bebem o vinho em grandes copos, perfumam-se com óleos preciosos, sem se compadecerem da ruína de José. Por isso, serão deportados à frente dos cativos, e terão fim os banquetes dos voluptuosos." (Am 6, 3-7).

Podemos aproveitar as coisas boas da vida, mas a vida é mais que isto. Há pessoas necessitadas que precisam do nosso auxílio, o amor ao próximo naturalmente vai se expressar na caridade, na ajuda àqueles que não possuem alimento ou saúde. Consumir todo dinheiro nos prazeres da vida ou guardar em excesso, ser sovina, não compartilhar ou ajudar o próximo é um pecado. 

Nos Evangelhos, Jesus conta a história do homem rico, que dava festas todos os dias, mas negava-se a alimentar o pobre Lázaro (Lc 19, 16-31). O homem rico acaba no inferno, onde sofrerá, não por participado de festas, mas por ter se negado a ajudar o necessitado; Lázaro, após todos seus sofrimentos, é recebido nos céus. O homem rico, vendo o destino que lhe havia sido reservado, pede então que Lázaro seja enviado para avisar seus irmãos que devem mudar seus comportamento. A este pedido, Abraão responde: "Se não ouvirem a Moisés e aos profetas, tampouco se deixarão convencer, ainda que ressuscite algum dos mortos." .  Profetas do Velho Testamento, como Amós, e um clara referência a Jesus Cristo que ressuscitou dos mortos. 

-- autoria própria

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