"Este é o meu corpo que é entregue por vós"
A Ceia Pascal é uma espécie de preparação da Missa que enfoca nossa atenção no coração do mistério pascal, o Cordeiro que foi sacrificado e nos redimiu da escravidão com seu sangue.
A Última Ceia foi a celebração da Páscoa judaica, um "seder", uma solene refeição sacrificial realizada de acordo com os antigos ritos judaicos por nosso Senhor e seus apóstolos. Aqui queremos reconstruir os acontecimentos dessa solene refeição, segundo se narra no Evangelho e do que os eruditos nos dizem da Páscoa no tempo de Cristo. Realmente, a Última Ceia foi a última, porque foi a celebração final dos ritos pascais da nova lei, a Páscoa Cristã.
A Última Ceia é o momento decisivo quando os símbolos e profecias de outrora do Antigo Testamento são substituídos para sempre pelos fatos e cumprimento do Novo Testamento. Os evangelistas omitiram, ao narrar essa Ceia, muitos detalhes que davam como conhecidos por seus leitores judeus. Por exemplo, nosso Senhor toma o cálice duas vezes na narração de São Lucas na Última Ceia (Lc. 22: 17-20), São Paulo fala da "Taça da bênção" (1Cor 10,16) e São Mateus menciona um salmo antes que os Apóstolos deixassem o Cenáculo? (Mt. 26: 30). Tudo isto faz parte de um Seder judaico, e os judeus, ainda hoje, compreendem muito bem o que está sendo narrado.
A história do Êxodo do Egito que a Igreja lê em preparação aos mistérios pascais é a maior parábola de nossa Redenção no Antigo Testamento. Cada detalhe é significativo. E, dentro de todos os acontecimentos da Antiga Lei, o mais significativo de todos é o sangue do cordeiro sacrificado aspergido nas portas dos filhos de Israel para que o anjo vingador, que veio matar o primogênito em toda casa do Egito, "passasse por cima" das casas dos hebreus. O sangue do cordeiro profetiza o verdadeiro cordeiro cujo sangue libertou o mundo da escravidão do pecado.
Deus ordenou que esta primeira Páscoa fosse comemorada solenemente em uma festividade anual; o povo devia sacrificar um cordeiro e participar de sua refeição com pão ázimo e ervas amargas, uma lembrança da fuga apressada do Egito, quando não houve tempo de levar consigo pão com fermento, em agradecimento pela liberdade que foi um presente de Deus.
A festa da Páscoa anual ainda é uma celebração fundamental na religião judaica. Com o passar dos séculos, o ritual tornou-se mais elaborado; gradualmente também a Páscoa tornou-se não unicamente uma memória do agradecimento a Deus pela bondade a Israel no passado, mas como uma profecia do futuro; justamente como Deus uma vez conduziu o povo escolhido, longe da escravidão, para que um dia os guiasse ao novo êxodo, à era futura do Messias.
No tempo de nosso Senhor, a ceia pascal já não era comida de pé e apressadamente, mas sentados ao redor da mesa de festa. Em grande contraste com aquela noite de fuga, 1.500 anos antes, a atmosfera era de amor e alegria espiritual. O coração verdadeiro da celebração permanecia o mesmo através dos séculos: sacrifício e banquete sacrificial, celebrado em ação de graças.
A Vigília Pascal
Agora podemos começar a ver por que Cristo escolheu este momento para seu sacrifício. Esta festa familiar do povo escolhido, celebrada pelo povo como um todo e com um só coração, existia para que pudesse ser transformada na grande festa da comunidade cristã, demonstrando caridade, unindo mais intimamente em um só corpo aqueles alimentados pelo único Pão divino. A primeira Páscoa foi comemorada em uma Ceia Pascal; a segunda Páscoa, o sacrifício de Cristo, nossa Páscoa, foi realizada na Santa Missa, a Ceia Pascal do Novo Testamento.
No contexto da Páscoa, o significado do sacrifício se esclarece: "Este é o meu corpo que é entregue por vós" (Lc 22,19) para que vós possais vencer a morte no pecado para a vida de Deus. Nesse contexto, esclarece-se também que o novo sacrifício terá também seu banquete sacrificial: "Em verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós." (Jo 6,54).
Na Última Ceia, Cristo com toda humildade e reverência guardou a Páscoa com seus discípulos, observando cada detalhe do seu ritual. Mas quando a Ceia ia concluir, Ele substituiu o antigo rito pelo novo. Ele tomou o pão, o abençoou e partiu, e o que deu aos seus discípulos já não era simplesmente o pão sem fermento da Páscoa. Ele tomou o cálice, o abençoou e o que lhes deu já não era unicamente a oferenda da Páscoa, mas o mistério da Nova Aliança que acabava de ser estabelecida. O momento supremo, antecipado na comemoração da Páscoa através dos séculos, havia chegado. A redenção do homem ia realizar-se.
Geralmente se sustenta que nosso Senhor celebrou a Páscoa com seus discípulos na quinta-feira à noite, antecipando em um dia a Páscoa legal dos discípulos. Na Sexta-feira Santa, na hora precisa em que os cordeiros pascais eram sacrificados no Templo, símbolo claro do cumprimento das profecias, o Cordeiro de Deus consumava seu sacrifício na Cruz.
A Velha Aliança entre Deus e o povo escolhido havia sido selada pelo sangue de muitas vítimas. A Nova Aliança estava agora selada pelo sangue da única vítima perfeita. O cordeiro figurado era substituído pelo Cordeiro verdadeiro. O sacrifício agora havia sido feito perfeito. Este mesmo sacrifício profetizado na Páscoa judaica, cumprido no Calvário, é renovado em cada Missa. Tão frequentemente quanto nós, cristãos, o povo escolhido do Novo Testamento, comemos o pão e bebemos o vinho, celebramos o mistério pascal.
Como diz São João Crisóstomo, em cada Missa "é Cristo quem aqui e agora celebra a Páscoa com seus discípulos. E a mesa do altar é nada menos que a mesa da Última Ceia". Esta representação da Ceia Pascal é, então, uma preparação para o mistério pascal, como é renovado em cada Missa, e mais especialmente como é celebrado na Quinta-feira Santa e durante toda a Semana Santa... agora que as cerimônias litúrgicas da Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Sábado Santo foram restauradas para as horas da noite, a dramatização pode ser feita apropriadamente a qualquer hora antes da Missa de Quinta-feira, e talvez melhor na noite de Quarta-feira Santa.
Retirado de "Celebración de la Cena Pascual", de Mons. Mario De Gasperín
Tradução própria
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