4 de jun. de 2018

A Teologia da Libertação, seus erros e o ensinamento da Igreja

A expressão "Teologia da Libertação" designa primeiramente uma preocupação privilegiada, geradora de compromisso pela justiça, voltada para os pobres e para as vítimas da opressão. A aspiração pela libertação, como o próprio termo indica, refere-se a um tema fundamental do Antigo e do Novo Testamento. Por isso, tomada em si mesma, a expressão "Teologia da Libertação" é uma expressão perfeitamente válida: designa, neste caso, uma reflexão teológica centrada no tema bíblico da libertação e da liberdade e na urgência de suas incidências práticas.
Na época, Papa João Paulo e Cardeal Joseph Ratzinger

A experiência radical da liberdade cristã constitui aqui o principal ponto de referência. Cristo, nosso Libertador, libertou-nos do pecado e da escravidão da lei e da carne, que constitui a marca da condição do homem pecador. Ê pois a vida nova da graça, fruto da justificação, que nos torna livres. Isto significa que a mais radical das escravidões é a escravidão do pecado. As demais formas de escravidão encontram pois, na escravidão do pecado, a sua raiz mais profunda. É por isso que a liberdade, no pleno sentido cristão, caracterizada pela vida no Espírito, não pode ser confundida com a licença de ceder aos desejos da carne.

A libertação é antes de tudo e principalmente libertação da escravidão radical do pecado. Seu objetivo e seu termo é a liberdade dos filhos de Deus, que é dom da graça. Ela exige, por uma consequência lógica, a libertação de muitas outras escravidões, de ordem cultural, econômica, social e política, que, em última análise, derivam todas do pecado e constituem outros tantos obstáculos que impedem os homens de viver segundo a própria dignidade. Discernir com clareza o que é fundamental e o que faz parte das consequências, é condição indispensável para uma reflexão teológica sobre a libertação.

Na verdade, diante da urgência dos problemas, alguns são levados a acentuar unilateralmente a libertação das escravidões de ordem terrena e temporal, dando a impressão de relegar ao segundo plano a libertação do pecado e portanto de não atribuir-lhe praticamente a importância primordial que lhe compete. A apresentação dos problemas por eles proposta torna-se por isso confusa e ambígua.

Não se pode tampouco situar o mal unicamente ou principalmente nas estruturas econômicas, sociais ou políticas, como se todos os outros males derivassem destas estruturas como de sua causa: neste caso a criação de um "homem novo" dependeria da instauração de estruturas econômicas e socio-políticas diferentes. Há, certamente, estruturas iníquas e geradoras de iniquidades, e é preciso ter a coragem de mudá-las. Fruto da ação do homem, as estruturas boas ou más são consequências antes de serem causas. A raiz do mal se encontra pois nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas pela graça de Jesus Cristo, para viverem e agirem como criaturas novas, no amor ao próximo, na busca eficaz da justiça, do auto-domínio e do exercício das virtudes.

O sentimento angustiante da urgência dos problemas não pode levar a perder de vista o essencial, nem fazer esquecer a resposta de Jesus ao Tentador (Mt 4, 4):  "Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Dt 8, 3). Assim, sucede que alguns, diante da urgência de repartir o pão, são tentados a colocar entre parênteses e a adiar para amanhã a evangelização: primeiro o pão, a Palavra mais tarde. É um erro fatal separar as duas coisas, até chegar a opô-las. O senso cristão, aliás, espontaneamente sugere a muitos que façam uma e outra. A alguns parece até que a luta necessária para obter justiça e liberdade humanas, entendidas no sentido econômico e político, constitua o essencial e a totalidade da salvação. Para estes, o Evangelho se reduz a um evangelho puramente terrestre.

Aplicados à realidade econômica, social e política de hoje, certos esquemas de interpretação tomados de correntes do pensamento marxista podem apresentar, à primeira vista, alguma verosimilhança na medida em que a situação de alguns países oferece analogias com aquilo que Marx descreveu e interpretou, em meados do século passado. No entanto, lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos, encontram-se no centro da concepção marxista. Esta contém de fato erros que ameaçam diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno das pessoas. O desconhecimento da natureza espiritual da pessoa, aliás, leva a subordiná-la totalmente à coletividade e deste modo a negar os princípios de uma vida social e política em conformidade com a dignidade humana.

As Teologias da Libertação fazem um amálgama pernicioso entre o pobre da Escritura e o proletariado de Marx. Perverte-se deste modo o sentido cristão do pobre e o combate pelos direitos dos pobres transforma-se em combate de classes na perspectiva ideológica da luta de classes. A Igreja dos pobres significa então Igreja classista, que tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para a libertação e que celebra esta libertação na sua liturgia. A partir de semelhante concepção da Igreja, elabora-se uma crítica das próprias estruturas da Igreja. Não se trata apenas de uma correção fraterna dirigida aos pastores da Igreja, trata-se, sim, de pôr em xeque a estrutura sacramental e hierárquica da Igreja, tal como a quis o próprio Senhor. Teologicamente, esta posição equivale a afirmar que o povo é a fonte dos ministérios e portanto pode dotar-se de ministros à sua escolha, de acordo com as necessidades de sua missão revolucionária histórica. A doutrina social da Igreja é rejeitada com desdém. Esta procede, afirma-se, da ilusão de um possível compromisso, próprio das classes médias, destituídas de sentido histórico.

Para a Igreja, uma defesa eficaz da justiça deve apoiar-se na verdade do homem, criado à imagem de Deus e chamado à graça da filiação divina. O reconhecimento da verdadeira relação do homem com Deus constitui o fundamento da justiça, enquanto regula as relações entre os homens. Esta é a razão pela qual o combate pelos direitos do homem, que a Igreja não cessa de promover, constitui o autêntico combate pela justiça.

A verdade do homem exige que este combate seja conduzido por meios que estejam de acordo com a dignidade humana. Por isso o recurso sistemático e deliberado à violência cega, venha essa de um lado ou de outro, deve ser condenado. Pôr a confiança em meios violentos na esperança de instaurar uma maior justiça é ser vítima de uma ilusão fatal. Violência gera violência e degrada o homem. Rebaixa a dignidade do homem na pessoa das vítimas e avilta esta mesma dignidade naqueles que a praticam. É pois igualmente ilusão fatal crer que novas estruturas construídas de maneira violenta darão origem por si mesmas a um "homem novo". O cristão não pode desconhecer que o Espírito Santo que nos foi dado é a fonte de toda verdadeira novidade e que Deus é o senhor da história.

* partes do documento Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, publicado pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em 6 de Agosto de 1984, na Festa da Transfiguração do Senhor, assinado pelo então Cardeal Joseph Ratzinger e sebscrito por São João Paulo II, papa. 

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