Na nossa catequese mistagógica sobre a Eucaristia, após a Liturgia da Palavra e a Consagração, alcançamos o terceiro momento, a comunhão.
Este é o momento da Missa que mais claramente expressa a unidade e igualdade de todos batizados, acima de qualquer distinção de ministério ou posição na Igreja. Até este momento a distinção de ministério está presente, na Liturgia da Palavra há uma diferença entre o que ensina e os ouvintes, na consagração há o padre consagrando e o povo participando, mas na Comunhão não há nenhuma diferença. A comunhão recebida por um simples batizado é a mesma recebida pelo padre ou bispo. A comunhão Eucarística é uma proclamação sacramental de que a koinonia* está em primeiro lugar na Igreja e é mais importante que a hierarquia.
Vamos refletir sobre a Comunhão Eucarística a partir de um texto de São Paulo (1Cor 10:16-17):
O cálice de bênção, que benzemos, não é a comunhão do sangue de Cristo? E o pão, que partimos, não é a comunhão do corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos nós comungamos do mesmo pão.
A palavra “corpo” ocorre duas vezes, mas com significados diferentes. Na primeira vez, “o corpo de Cristo”, indica o corpo real de Cristo, nascido de Maria, morto e ressuscitado; na segunda vez, “formamos um só corpo”, indica o corpo místico da Igreja. Não é possível falar de forma mais clara e direta que a Eucaristia é sempre uma comunhão com Deus e com os irmãos e irmãs, que há uma dimensão vertical e outra horizontal. Vamos falar, agora, da primeira:
Comunhão com Cristo
Que tipo de comunhão é criada entre nós e Cristo na Eucaristia? Em João 6,57 Jesus diz: “Assim como o Pai que me enviou vive, e eu vivo pelo Pai, assim também aquele que comer a minha carne viverá por mim.” A preposição “por” indica uma causa e um objetivo. Significa que aquele que recebe o corpo de Cristo vive dEle, isto é, por causa dEle, pela graça da vida que recebe dEle; também significa que vive para servir à sua glória e reino. Assim como Cristo vive em união com o Pai, pelo mistério da sagrada Eucaristia, seu corpo e sangue, vivemos por Jesus e para Jesus.
De fato, é um princípio fundamental da vida que os mais fortes se alimentam dos mais fracos, por exemplo uma planta assimila os minerais do solo, enquanto os animais se alimentam de vegetais, não ao contrário. Em todos os casos da natureza, aquele que come assimila os nutrientes dos mais fracos. No nível espiritual, também é o divino que assimila o humano, não ao contrário, mas, ao contrário da natureza, na Comunhão aquele que é comido que incorpora que o recebe. Para aqueles que se aproximam para recebê-lo, Jesus repete o que disse para São Agostinho: “Não és tu que me receberás, mas Eu que te receberei”.
Um filósofo ateísta diz: “O homem é aquilo que ele come” (F. Feuerbach), indicando que no homem não há qualquer diferença qualitativa entre matéria e espírito, que tudo se resume a compostos orgânicos e matéria. Um ateísta, mesmo sem saber, dá uma excelente formulação do mistério cristão: Graças a Eucaristia, o cristão é realmente aquilo que come! São Leão Magno escreveu a muitos séculos: “Nossa participação no corpo e sangue de Cristo nos transforma naquilo que recebemos”.
Na Eucaristia, portanto, não há somente uma comunhão entre Cristo e nós, mas também assimilação; comunhão não é apenas a união de dois corpos, duas mentes, duas vontades, também é o recebimento de um corpo, de uma mente e da vontade de Cristo: “quem se une ao Senhor torna-se com ele um só espírito.” (1 Cor 6,17).
Mas a nutrição, o comer e beber, não é a única analogia que podemos fazer sobre a Eucaristia, mesmo que seja indispensável. Há algo que ela não pode expressar pois é uma comunhão entre objetos materiais, não entre pessoas. Gostaria de insistir em outra analogia que pode nos ajudar a compreender a natureza da comunhão Eucarísitica como uma comunhão entre pessoas que procuram esta comunhão.
A Carta aos Efésios diz que o casamento é um símbolo da união entre Cristo e a Igreja: “Por isso, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois constituirão uma só carne (Gn 2,24). Esse mistério é grande, quero dizer, com referência a Cristo e à Igreja. Em resumo, o que importa é que cada um de vós ame a sua mulher como a si mesmo, e a mulher respeite o seu marido.” (Ef 5, 31-33). A Eucaristia, para usar uma imagem forte mas verdadeira, é a consumação do casamento entre Cristo e a Igreja. Uma vida cristã sem Eucaristia é como um casamento que não é consumado. No momento da Comunhão, o celebrante diz: “Benditos são aqueles chamados para Ceia do Senhor”, no livro do Apocalipse, do qual esta expressão foi retirada, diz ainda mais explicitamente: “Ele me diz, então: ‘Escreve: Felizes os convidados para a ceia das núpcias do Cordeiro’. Disse-me ainda: ‘Estas são palavras autênticas de Deus.’“ (Ap 19, 9).
Como explica São Paulo, a consequência imediata do casamento é que o corpo, isto é, toda pessoa, do marido pertence à esposa e, vive versa, a esposa pertence ao marido (cf. 1Cor 7,4). Isto significa que a Palavra encarnada, incorruptível, que dá a vida, passa a ser “minha”, mas também que minha carne, minha humanidade, se transforma em Cristo. Na Eucaristia recebemos o corpo e sangue de Cristo, mas Cristo também recebe nosso corpo e sangue! Jesus, conforme escreveu Santo Hilário: “Quando Ele diz ‘Tomai e comei, este é o meu corpo’, nós o recebemos, mas também podemos dizer ‘tome, este é o meu corpo’”.
Tentemos agora entender as consequências de tudo isto. Na sua vida humana, Jesus não teve todas experiências humanas possíveis. Para começar, ele era homem, não mulher, ele não experimentou algumas coisas que metade da humanidade experimenta; ele não foi casado, então não teve a experiência de estar unido à outra pessoa, ter filhos, ou pior, perder um filho; ele morreu jovem, não experimentou a velhice, etc…
Mas agora, através da Eucaristia, Ele tem toda esta experiência. Ele vive a condição de uma mulher, de um doente, de um velho, um pobre imigrante, de uma pessoa sendo bombardeada, etc..
Não há nada em nossa vida que não seja familiar à Cristo. Ninguém deve dizer: “Jesus não sabe o que é ser casado, perder um filho, estar doente, velho ou ser negro!” O que Cristo não viveu enquanto estava neste mundo, Ele vive e experimenta através do Espírito, graças à comunhão espiritual da Sagrada Missa. Santa Isabel da Trindade compreendeu profundamente este mistério e escreveu para sua mãe: “A noiva pertence ao seu noivo. Meu noivo me recebeu, Ele me quer para acrescentar humanidade à Ele”.
Que coisa maravilhosa, que consolação é pensar que nossa humanidade passa a fazer parte da humanidade de Cristo! Mas também que responsabilidade! Se meus olhos se transforma nos olhos de Cristo, minha boca na de Cristo, esta é uma excelente razão para não deixar meus olhos se perderem em imagens lascivas, minha língua não falar contra o próximo, meu corpo não se transformar em instrumento de pecado. “Não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei, então, os membros de Cristo e os farei membros de uma prostituta? De modo algum!” (1 Cor 6,15).
E ainda, isto não é tudo, a parte mais bela ainda está faltando. O corpo da esposa pertence ao noivo, mas também o corpo do noivo pertence à esposa. Na comunhão, aquele que está dando também está recebendo, recebendo nada mesmo que a santidade de Cristo! Onde este maravilhoso comércio que a liturgia nos fala ocorreria na vida dos fiéis se não fosse no momento da comunhão?
Ali temos a oportunidade de dar para Jesus nossas sujeiras, nossos pecados, e receber o manto da justiça (cf. Is 61,10). De fato, está escrito que “É por sua graça que estais em Jesus Cristo, que, da parte de Deus, se tornou para nós sabedoria, justiça, santificação e redenção” (1 Cor 1,30). Aquilo que se tornou para nós estava destinado para nós, é algo que nos pertence. “Ou não sabeis que o vosso corpo ..., já não vos pertenceis? Porque fostes comprados por um grande preço. Glorificai, pois, a Deus no vosso corpo.” (1 Cor 6,19-20). No sentido contrário, também aquilo que pertence a Deus pertence a nós, mas temos que lembrar que pertencemos a Cristo por direito, mas Ele pertence a nós por graça!
Esta é uma descoberta capaz de dar asas a nossas vidas espirituais. Este é um grande passo de fé e devemos rezar a Deus para não morrermos sem fazer esta caminhada.
-- Padre Raniero Cantalamessa, terceira catequese no Tempo de Quaresma, 25 de Março de 2022.
*koinonia é o compartilhamento, a comunhão dos bens espirituais da Igreja; também pode ser estendida aos bens materiais, o que é comum nas ordens religiosas.