18 de mai. de 2025

Como se preparar para Pentecostes?


O próximo Pentecostes é uma oportunidade única para um renovado derramamento do Espírito sobre nós e sobre toda a Igreja. O objetivo desta e das duas reflexões subsequentes que me foram solicitadas pela comissão coordenadora é justamente o de apoiar e estimular com motivações bíblicas e teológicas o empenho na oração com que muitos irmãos e irmãs desejam contribuir para o sucesso espiritual do evento.

Como os apóstolos se prepararam para a vinda do Espírito Santo? Rezando! “Todos estes perseveravam unanimemente na oração, juntamente com as mulheres, Maria, mãe de Jesus, e os irmãos dele” (Atos 1:14). A oração dos apóstolos reunidos no Cenáculo com Maria é a primeira grande epiclese, é a inauguração da dimensão epiclética da Igreja, daquele "Vinde, Espírito Santo" que continuará a ressoar na Igreja por todos os séculos e que a liturgia precederá todas as suas ações mais importantes.

Enquanto a Igreja orava, “de repente veio do céu um som como de um vento impetuoso… E todos ficaram cheios do Espírito Santo” (Atos 2:2-4). Repete-se o que aconteceu no batismo de Cristo: “Depois que Jesus também foi batizado, e estava orando, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre ele” (Lc 3,21-22). Parece que para São Lucas foi a oração de Jesus que rasgou os céus e fez o Espírito descer sobre ele. A mesma coisa aconteceu no Pentecostes.

É impressionante como, nos Atos dos Apóstolos, a vinda do Espírito Santo é constantemente ligada à oração. O papel determinante do batismo não é ignorado (cf. At 2,38), mas ainda mais ênfase é colocada no da oração. Saulo “estava orando” quando o Senhor lhe enviou Ananias para que recuperasse a vista e fosse cheio do Espírito Santo (cf. At 9,9.11). Quando os apóstolos ouviram que Samaria tinha recebido a Palavra, enviaram Pedro e João; eles “desceram e oraram para receber o Espírito Santo” (Atos 8:15).

Quando, na mesma ocasião, Simão, o Mago, tentou obter o Espírito Santo mediante pagamento, os apóstolos reagiram com indignação (cf. At 8,18ss). O Espírito Santo não pode ser comprado, só pode ser implorado através da oração. O próprio Jesus tinha, de fato, ligado o dom do Espírito Santo à oração, dizendo: «Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos, quanto mais o vosso Pai celeste dará o Espírito Santo àqueles que lho pedirem!» (Lucas 11:13). Ele a ligou não só à nossa oração, mas também e sobretudo à sua, dizendo: «Eu rogarei ao Pai e ele vos dará outro Consolador» (Jo 14, 16). Entre a oração e o dom do Espírito há a mesma circularidade e interpenetração que há entre a graça e a liberdade. Precisamos receber o Espírito Santo para orar, e precisamos orar para receber o Espírito Santo. No início há o dom da graça, mas depois devemos rezar para que esse dom seja conservado e aumente.

Mas tudo isso não deve permanecer como um ensinamento abstrato e genérico. Tem que me dizer algo individualmente. Você quer receber o Espírito Santo? Você se sente fraco e deseja ser revestido de poder do alto? Você está se sentindo aquecido e quer se aquecer? É árido e quer ser irrigado? Duro e quer ser dobrado? Insatisfeito com sua vida passada e quer se renovar? Reze, reze, reze! Que o clamor baixo nunca morra dos teus lábios: Veni Sancte Spiritus, vem Espírito Santo! Se uma pessoa ou um grupo de pessoas, com fé, entra em oração e retiro, determinados a não se levantar até que sejam revestidos de poder do alto e batizados no Espírito, essa pessoa ou grupo não se levantará sem ter recebido o que pediu e muito mais. Foi o que aconteceu naquele primeiro retiro em Duquesne, onde a Renovação Carismática Católica começou.

Assim como a oração de Maria e dos apóstolos, a nossa também deve ser uma oração "concorde e perseverante". Concorde ou unânime significa literalmente feito com um só coração (con-corde) e com uma só “alma”. Jesus disse: “Em verdade vos digo que, se dois de vós concordarem na terra sobre qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai que está nos céus” (Mt 18,19).

A outra característica da oração de Maria e dos apóstolos é que era uma oração “perseverante”. O termo grego original que expressa essa qualidade da oração cristã indica uma ação tenaz, insistente, estar ocupado com assiduidade e constância em algo. É traduzido como perseverante ou assíduo na oração. Também poderia ser traduzido como "apegar-se tenazmente" à oração.

Esta palavra é importante porque é a que ocorre com mais frequência em todo o Novo Testamento.


-- Padre Raniero Cantalamessa, pregador da casa papal


10 de mai. de 2025

O significado da palavra Conversão


No Evangelho, a palavra conversão aparece em dois contextos diferentes e é dirigida a dois tipos diferentes de ouvintes. O primeiro é dirigido a todos, o segundo àqueles que já aceitaram o seu convite e o acompanham há muito tempo. Referimo-nos ao primeiro apenas para compreender melhor o segundo, que é o que mais nos interessa, neste período de transição na vida da Renovação Carismática Católica. A pregação de Jesus começa com as palavras programáticas: “O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam na Boa Nova” (Marcos 1:15).

Antes de Jesus, conversão sempre significou “retornar” (o termo hebraico, shub, significa mudar de rumo, refazer os passos). Indicava o ato de alguém que, em determinado momento da vida, percebe que está “fora do caminho”. Então ele para, reconsidera, decide voltar a observar a lei e retornar à aliança com Deus. Ele faz uma “mudança de direção” genuína e verdadeira. A conversão, neste caso, tem um significado fundamentalmente moral e sugere a ideia de algo doloroso de se realizar: mudança de hábitos.

Este é o significado usual de conversão na boca dos profetas, até e incluindo João Batista. Mas nos lábios de Jesus esse significado muda. Não porque ele goste de mudar o significado das palavras, mas porque com sua chegada as coisas mudaram. “O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo!” Arrependimento não significa mais retornar à antiga aliança e à observância da lei, mas sim prosseguir e entrar no reino, alcançando a salvação que veio gratuitamente aos homens, pela livre e soberana iniciativa de Deus.

Conversão e salvação trocaram de lugar. Não primeiro a conversão e depois, como consequência disso, a salvação, mas, ao contrário: primeiro a salvação, depois, como uma exigência dela, a conversão. Não: convertam-se e o Reino virá entre vocês, o Messias virá, como diziam os últimos profetas, mas: convertam-se porque o Reino chegou, ele está entre vocês. Converter-se é tomar a decisão salvadora, a “decisão agora”, como a descrevem as parábolas do reino.

“Arrependei-vos e crede” não significa duas coisas diferentes e sucessivas, mas a mesma ação fundamental: arrependei-vos, isto é, crede! Converta-se crendo! Tudo isso requer uma verdadeira conversão, uma mudança profunda na maneira como entendemos nosso relacionamento com Deus. É preciso passar da ideia de um Deus que exige, que comanda, que ameaça, para a ideia de um Deus que estende as mãos cheias para nos dar tudo. É a conversão da lei à graça que São Paulo tanto apreciava.

Ouçamos agora o segundo contexto em que o Evangelho fala novamente de conversão:

“Naquele tempo, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: “Quem é, pois, o maior no Reino dos céus?” Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18,1-4).

Desta vez, converter significa voltar para quando você era criança! O mesmo verbo usado, strefo, indica inverter a direção da viagem. Esta é a conversão de alguém que já entrou no Reino, creu no Evangelho e serviu a Cristo por muito tempo. É a nossa conversão, a de nós que estamos na Renovação Carismática há anos, talvez desde o início.

O que aconteceu com os apóstolos? O que implica o argumento sobre quem é o maior? Que a maior preocupação não é mais o reino, mas a posição de cada um nele, o próprio eu. Cada um deles tinha algum direito de aspirar a ser o maior: Pedro havia recebido a promessa da primazia, Judas a bolsa de dinheiro, Mateus podia dizer que havia renunciado a mais que os outros, André que havia sido o primeiro a segui-lo, e João que havia estado com ele no Tabor... Os frutos dessa situação são evidentes: rivalidade, suspeitas, confrontos, frustração.

Para os apóstolos, tornar-se crianças significava voltar a ser como eram no momento da chamada à beira do lago ou à coletoria de impostos: sem pretensões, sem direitos, sem conflitos entre si, sem inveja, sem rivalidade. Rico apenas de uma promessa (“Eu vos farei pescadores de homens”) e de uma presença, a de Jesus. Volte ao tempo em que eles ainda eram parceiros de aventura, não competidores pelo primeiro lugar. Para nós também, tornar-se crianças significa retornar ao momento em que tivemos pela primeira vez uma experiência pessoal do Espírito Santo e descobrimos o que significa viver no senhorio de Cristo. Quando dissemos: “Só Jesus basta!” e nós acreditamos.

Fico impressionado com o exemplo do apóstolo Paulo descrito em Filipenses 3. Tendo descoberto Jesus como seu Senhor, ele considera todo o seu passado glorioso como perda, como lixo, a fim de ganhar a Cristo e se vestir com a justiça que vem pela fé nele. Mas um pouco mais adiante, ele faz esta declaração: “Irmãos, não penso que já o tenha alcançado. Uma coisa faço: esqueço-me das coisas que ficaram para trás e avanço para as que estão diante de mim” (Fp 3:13). Que passado? Não mais a do fariseu, mas a do apóstolo. Ele sentiu o perigo de se ver com um novo ganho, uma nova justiça toda sua, derivada do que havia feito a serviço de Cristo. Ele anula tudo com esta decisão: “Eu esqueço o passado e salto para o futuro”.

Como não ver em tudo isso uma lição preciosa para nós na Renovação Carismática Católica? Um dos muitos slogans que circularam nos primeiros anos da Renovação – uma espécie de grito de guerra – era: “Devolvam o poder a Deus!” Talvez ele tenha se inspirado no versículo do Salmo 68:35, “Reconhecei o poder de Deus”, que na Vulgata foi traduzido como “Restaurai (reddite) o poder de Deus”. Durante muito tempo considerei essas palavras como a melhor maneira de descrever a novidade da Renovação Carismática. A diferença é que durante um tempo pensei que o clamor era dirigido ao resto da Igreja e que éramos nós os responsáveis ​​por fazê-lo ressoar; Agora, creio que isso é dirigido a nós que, talvez sem perceber, nos apropriamos parcialmente do poder que pertence a Deus.

Em vista de um novo começo do fluxo de graça da Renovação Carismática, é necessário esvaziar os bolsos, começar do zero, repetir com profunda convicção as palavras sugeridas pelo próprio Jesus: “Somos servos inúteis; fizemos o que fomos chamados a fazer” (Lc 17,10). Façamos nosso o propósito do Apóstolo: "Esqueço-me das coisas que ficam para trás e avanço para as que estão à frente". Imitemos os vinte e quatro anciãos do Apocalipse, que "lançaram as suas coroas diante do trono, dizendo: Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder" (Ap 4, 10-11).

A palavra de Deus a Isaías continua relevante: "Pois eis que eu o renovo; ele já está a caminho; você não o reconhece?" (Is 43, 19). Bem-aventurados seremos se permitirmos que Deus renove o que Ele tem em mente neste momento para nós e para a Igreja.

Minha sugestão para a corrente de oração: repita várias vezes ao dia uma das invocações dirigidas ao Espírito Santo na sequência de Pentecostes, aquela que cada um sentir que melhor responde à sua necessidade:

Regar a terra na seca,

cura o coração doente,

lava manchas, infunde

calor da vida no gelo,

domar o espírito indomável,

guia para aquele que entorta o caminho

-- Padre Raniero Cantalamessa O.F.M Cap.

-- A imagem é o quadra A Conversão de São Paulo, de Caravaggio



9 de mai. de 2025

Venha e veja!!!.... Venha conhecer a Cristo!

Este texto foi publicado no boletim da Diocese de Chiclayo, no inicio de 2021, quando o agora Papa Leao XIV ainda era o bispo da diocese. 


Queridos irmãos,

A nossa missão de anunciar Cristo a todos os povos reúne-nos novamente para iniciarmos juntos um novo ano pastoral. É o Senhor que mais uma vez sai ao nosso encontro, que fala ao nosso coração e nos convida a partilhar a sua mensagem de paz e de comunhão. O Salmo 26 contém algumas palavras que mostram o mistério da proximidade de Deus com cada um de nós: ouço no meu coração: “Buscai a minha face”. Buscarei a tua face, Senhor, não escondas de mim a tua face. Quão grande é o amor de Deus que sempre toma a iniciativa, e como é – ao mesmo tempo – delicada e suave a sua voz, que requer silêncio e meditação para ser ouvida, porque essa voz só se ouve no fundo do próprio coração.

Ter que ouvir Deus e anunciá-lo pode parecer até certo ponto inoportuno no meio de uma crise tão grande como a causada pela pandemia, porém, se quisermos dar uma resposta cristã, humana e autêntica à crise que vivemos e que nos desafia enormemente, não podemos fazer outra coisa senão entrar em comunhão com Deus e dizer-lhe: mostra-nos o teu rosto, não te escondas, mostra-nos o que devemos fazer! Uma pandemia, vista a partir da fé, pode ser também uma ocasião para procurar Deus, para escutá-lo, para anunciá-lo.

Enfrentar uma situação tão difícil como a que enfrentamos há quase um ano nos lembra que nossa vida é uma luta constante e que precisamos de forças suficientes para não desistir, para perseverar, para sairmos vitoriosos. No Novo Testamento podemos ouvir da boca de São João Batista as seguintes palavras apontando para o Senhor: Este é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo! (Jo 1,29). E também da mesma boca de nosso Senhor que nos diz: No mundo tereis aflições; mas confie, eu venci o mundo (Jo 16,33).

Realizemos a Palavra de Deus, iniciemos com entusiasmo um novo Ano Pastoral de encontro com Jesus e anúncio da sua mensagem; Redescobrimos juntos que o Evangelho é sempre novo, sempre atual. Se Jesus Cristo derrotou o pecado, a morte e todo o mal que pode ser encontrado no mundo, como não anunciá-lo? Como poderíamos esconder – nesta hora – a única luz que ilumina as trevas? Como não partilhar o sal do mundo que tudo preserva e tudo melhora? Hoje, mais do que nunca, é tempo de partir, de redescobrir a beleza da fé, a vitalidade da Palavra de Deus, a força da presença do Senhor entre nós.

O nosso Papa Francisco ensinou-nos na sua última encíclica que o segredo está em trabalhar juntos, em superar as nossas próprias divisões e enfrentar todas as provações e dificuldades como irmãos, não como estranhos: “Entre todos: aqui está um lindo segredo para sonhar e fazer da nossa vida uma bela aventura. (nº 8).

Que o Senhor fortaleça e renove a nossa vocação cristã e abençoe a vocação particular que cada um desempenha na Igreja de Chiclayo. Caminhemos juntos! Evangelizemos juntos! Vamos todos ao encontro do Senhor!

+Robert F. Prevost. O.S.A.

Bispo de Chiclayo

23 de abr. de 2025

A Última Mensagem do Papa Francisco


Esta é a mensagem Urbi et Orbi, a cidade de Roma e para todo mundo, escrita pelo Papa Francisco para o Domingo de Pásoca (20 de Abril de 2025). No dia seguinte ele faleceu, logo estes são os seus últimos ensinamentos: 


Cristo ressuscitou, aleluia!

Queridos irmãos e irmãs, Feliz Páscoa!

Hoje, finalmente, o canto do Aleluia volta a ouvir-se na Igreja, passando de boca em boca, de coração em coração, e isto faz com que o povo de Deus no mundo inteiro derrame lágrimas de alegria.

Do túmulo vazio em Jerusalém, ouvimos uma boa notícia inesperada: Jesus, que foi crucificado, "não está aqui, ressuscitou" (Lucas 24,5). Jesus não está no túmulo, ele está vivo!

O amor triunfou sobre o ódio, a luz sobre as trevas e a verdade sobre a falsidade. O perdão triunfou sobre a vingança. O mal não desapareceu da história; permanecerá até o fim, mas não terá mais vantagem; já não tem poder sobre aqueles que aceitam a graça deste dia.

Irmãs e irmãos, especialmente aqueles que experimentam dor e tristeza, o seu grito silencioso foi ouvido e as suas lágrimas foram contadas; nenhum deles foi perdido! Na paixão e morte de Jesus, Deus tomou sobre si todo o mal deste mundo e na sua infinita misericórdia o derrotou. Ele arrancou o orgulho diabólico que envenena o coração humano e espalha violência e corrupção por todos os lados. O Cordeiro de Deus é vitorioso! É por isso que hoje podemos gritar com alegria: “Cristo, nossa esperança, ressuscitou!” (Sequência de Páscoa).

A ressurreição de Jesus é de fato a base da nossa esperança. Pois à luz deste acontecimento, a esperança já não é uma ilusão. Graças a Cristo — crucificado e ressuscitado — a esperança não decepciona! Spes non confundit! (Romanos 5:5). Essa esperança não é uma evasão, mas um desafio; não ilude, mas nos capacita.

Todos aqueles que colocam sua esperança em Deus colocam suas mãos fracas em sua mão forte e poderosa; deixaram-se elevar e partiram em viagem. Juntamente com Jesus Ressuscitado, tornam-se peregrinos de esperança, testemunhas da vitória do amor e da força desarmada da Vida.

Cristo ressuscitou! Estas palavras captam todo o sentido da nossa existência, pois não fomos feitos para a morte, mas para a vida. Páscoa é a celebração da vida! Deus nos criou para a vida e quer que a família humana ressuscite! Aos seus olhos, toda vida é preciosa! A vida de uma criança no ventre da mãe, bem como a vida dos idosos e dos doentes, que em cada vez mais países são vistos como pessoas a serem descartadas.

Que grande sede de morte, de matar, testemunhamos todos os dias nos numerosos conflitos que assolam as diversas partes do nosso mundo! Quanta violência vemos, muitas vezes até dentro das famílias, dirigida contra mulheres e crianças! Quanto desprezo às vezes é despertado em relação aos vulneráveis, aos marginalizados e aos migrantes!

Neste dia, gostaria que todos nós renovássemos a esperança e reavivássemos a confiança nos outros, inclusive naqueles que são diferentes de nós, ou que vêm de terras distantes, trazendo costumes, modos de vida e ideias desconhecidos! Pois todos nós somos filhos de Deus!

Gostaria que renovássemos a nossa esperança de que a paz é possível! Do Santo Sepulcro, Igreja da Ressurreição, onde este ano a Páscoa é celebrada no mesmo dia por católicos e ortodoxos, a luz da paz irradie por toda a Terra Santa e por todo o mundo. Exprimo a minha proximidade aos sofrimentos dos cristãos na Palestina e em Israel, e a todo o povo israelita e ao povo palestino. O crescente clima de anti-semitismo em todo o mundo é preocupante. Mas, ao mesmo tempo, penso no povo de Gaza, e na sua comunidade cristã em particular, onde o terrível conflito continua a causar morte e destruição e a criar uma situação humanitária dramática e deplorável. Apelo às partes em conflito: convoquem um cessar-fogo, libertem os reféns e venham em socorro de um povo faminto que aspira a um futuro de paz!

Rezemos pelas comunidades cristãs no Líbano e na Síria, que vivem atualmente uma delicada transição na sua história. Aspiram à estabilidade e à participação na vida das suas respectivas nações. Exorto toda a Igreja a manter os cristãos do amado Médio Oriente nos seus pensamentos e orações.

Penso também em particular no povo do Iémen, que vive uma das crises humanitárias mais graves e prolongadas do mundo devido à guerra, e convido todos a encontrar soluções através de um diálogo construtivo.

Que Cristo ressuscitado conceda à Ucrânia, devastada pela guerra, o dom pascal da paz, e encoraje todas as partes envolvidas a prosseguirem os esforços tendentes a alcançar uma paz justa e duradoura.

Neste dia festivo, recordemos a região do Cáucaso e rezemos para que um acordo de paz final entre a Arménia e o Azerbaijão seja em breve assinado e implementado, e conduza à tão esperada reconciliação na região.

Que a luz da Páscoa inspire esforços para promover a harmonia nos Balcãs e apoiar os líderes políticos nos seus esforços para aliviar tensões e crises e, juntamente com os países vizinhos na região, para rejeitar ações perigosas e desestabilizadoras.

Que Cristo Ressuscitado, nossa esperança, conceda a paz e a consolação aos povos africanos vítimas da violência e dos conflitos, especialmente na República Democrática do Congo, no Sudão e no Sudão do Sul. Apoie quantos sofrem as tensões no Sahel, na região da Somália e dos Grandes Lagos Africanos, assim como aqueles cristãos que em muitos lugares não conseguem professar livremente a sua fé.

Não pode haver paz sem liberdade de religião, liberdade de pensamento, liberdade de expressão e respeito pelas opiniões dos outros.

Não é possível haver paz sem um verdadeiro desarmamento! A exigência de que cada povo providencie a sua própria defesa não deve transformar-se numa corrida ao rearmamento. A luz da Páscoa impele-nos a derrubar as barreiras que criam divisões e estão repletas de graves consequências políticas e econômicas. Impulsiona-nos a cuidar uns dos outros, a aumentar a nossa solidariedade mútua e a trabalhar pelo desenvolvimento integral de cada pessoa humana.

Durante este tempo, não deixemos de ajudar o povo de Mianmar, atormentado por longos anos de conflito armado, que, com coragem e paciência, enfrenta as consequências do devastador terramoto em Sagaing, que causou a morte de milhares de pessoas e grande sofrimento a muitos sobreviventes, incluindo órfãos e idosos. Rezamos pelas vítimas e pelos seus entes queridos e agradecemos de coração a todos os generosos voluntários que realizam as operações de socorro. O anúncio de um cessar-fogo  no país é um sinal de esperança para todo o Mianmar.

Apelo a todos aqueles que ocupam posições de responsabilidade política no nosso mundo, a não ceder à lógica do medo, que só leva ao isolamento dos outros, mas antes a utilizar os recursos disponíveis para ajudar os necessitados, para combater a fome e para encorajar iniciativas que promovam o desenvolvimento. Estas são as armas da paz: armas que constroem o futuro, em vez de semear sementes de morte!

Que o princípio da humanidade nunca deixe de ser a marca das nossas ações diárias. Perante a crueldade dos conflitos que envolvem civis indefesos e atacam escolas, hospitais e trabalhadores humanitários, não podemos permitir-nos esquecer que não são os alvos que são atingidos, mas sim pessoas, cada uma dotada de uma alma e de uma dignidade humana.

Neste ano jubilar, a Páscoa seja também uma ocasião propícia para a libertação dos prisioneiros de guerra e dos presos políticos!

Queridos irmãos e irmãs,

No Mistério Pascal do Senhor, a morte e a vida lutaram numa luta estupenda, mas o Senhor agora vive para sempre (cf. Sequência Pascal). Ele nos enche da certeza de que também nós somos chamados a participar da vida que não tem fim, quando não mais se ouvirão o choque das armas e o estrondo da morte. Confiemos-nos a ele, pois só ele pode fazer novas todas as coisas (Apocalipse 21:5)!

Feliz Páscoa para todos!

20 de abr. de 2025

O Batismo, sinal da paixão de Cristo


 

Fostes conduzidos à santa fonte do divino Batismo, como Cristo, descido da cruz, foi colocado diante do sepulcro. 

        A cada um de vós foi perguntado se acreditava no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Vós professastes a fé da salvação e fostes por três vezes mergulhados na água e por três vezes dela saístes; deste modo, significastes, em imagem e símbolo, os três dias da sepultura de Cristo. 

        Assim como nosso Senhor passou três dias e três noites no seio da terra, também vós, na primeira emersão, imitastes o primeiro dia em que Cristo esteve debaixo da terra; e na imersão, a primeira noite. De fato, como aquele que vive nas trevas não enxerga nada, pelo contrário, aquele que anda de dia está envolvido em plena luz. Assim também vós, na imersão, como que mergulhados na noite, nada vistes; mas na emersão, fostes como que restituídos ao dia. Num mesmo instante, morrestes e nascestes, e aquela água de salvação tornou-se para vós, ao mesmo tempo, sepulcro e mãe. 

        Apesar de situar-se em outro contexto, a vós se aplica perfeitamente o que disse Salomão: Há um tempo para nascer e um tempo para morrer (Ecl 3,2). Convosco sucedeu o contrário: houve um tempo para morrer e um tempo para nascer. Num mesmo instante realizaram-se ambas as coisas e, com a vossa morte, coincidiu o vosso nascimento.  

        Ó fato novo e inaudito! Na realidade, não morremos nem fomos sepultados nem crucificados nem ainda ressuscitamos. No entanto, a imitação desses atos foi expressa através de uma imagem e daí brotou realmente a nossa salvação. 

        Cristo foi verdadeiramente crucificado, verdadeiramente sepultado e ressuscitou verdadeiramente. Tudo isto foi para nós um dom da graça, a fim de que, participando da sua paixão através do mistério sacramental, obtenhamos na realidade a salvação. 

        Ó maravilha de amor pelos homens! Em seus pés e mãos inocentes, Cristo recebeu os cravos e suportou a dor; e eu, sem dor nem esforço, mas apenas pela comunhão em suas dores, recebo gratuitamente a salvação. 

        Ninguém, portanto, julgue que o batismo consista apenas na remissão dos pecados e na graça da adoção filial. Assim era o batismo de João que concedia tão-somente o perdão dos pecados. Pelo contrário, sabemos perfeitamente que o nosso batismo não só apaga os pecados e confere o dom do Espírito Santo, mas é também o exemplar e a expressão dos sofrimentos de Cristo. É por isso mesmo que Paulo exclama: Será que ignorais que todos nós, batizados em Jesus Cristo, é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo na sua morte, fomos sepultados com ele (Rm 6,3-4).


-- Das Catequeses de Jerusalém (século IV)

18 de abr. de 2025

O que Deus fez por ti?


O povo judeu era escravo no Egito, não podia sequer celebrar seu Deus, pois o Faraó proibia. Eram obrigados a seguir os deuses egípcios. As parteiras foram ordenadas a matar os recém-nascidos logo após o nascimento, ainda em frente aos pais. Eram obrigados a trabalhar todos os dias até alcançarem cotas impossíveis de produção. Na noite de Páscoa, Deus os libertou do Egito e os conduziu até Israel, receberam uma terra onde eram livres, onde construíram templos, tinham seus filhos, famílias e animais. Isto Deus fez para o povo judeu.

Na véspera de sua Paixão, Jesus reuniu-se com seus apóstolos para celebrar a Ceia Pascal. Como era costume, deviam estar limpos, algo difícil em uma terra desértica. Pois Cristo fez o trabalho dos escravos, lavou os pés de cada um dos doze, incluindo Judas que iria entregá-lo em poucas horas, e usando uma toalha, secou seus pés, isto é, fez o trabalho completo de purificação do corpo e dos pecados. Isto Deus fez para os apóstolos.

Logo depois, Jesus celebrou a Páscoa judaica, a festa da libertação do Egito, mas deu-lhe um novo significado. O pão já não é mais o pão da pressa, o pão da fuga do Egito, agora é o Corpo de Cristo para nossa salvação. O vinho já não é o fruto da terra prometida, de Israel, mas é o Sangue de Cristo derramado na Santa Cruz. Ali, naquela noite, Jesus deixou para nós a fonte da vida, um sinal de somos parte do corpo e sangue de Cristo, que somos também filhos de Deus. I

Logo após a Última Ceia, Cristo foi preso, foi obediente a Deus até o final. Naquele dia lhe colocaram uma coroa de espinhos, chicotearam-no, bateram com varas, testemunhou o povo pedindo sua morte, até seu mais importante colaborador, seu sucessor, Pedro lhe negou três vezes. Jesus foi o cordeiro imolado, o servo tão desfigurado que já não lhe reconheciam, o justo que morreu perdoando aqueles que estavam torturando e matando. Isto Jesus fez por amor, em nosso favor.

Na Vigília Pascal revivemos a história da salvação, como Deus agiu na história do mundo, desde sua criação até hoje, e ainda no futuro. Jesus Cristo não terminou na cruz, após dar seu último suspiro e entregar seu espírito ao Pai. Cristo desceu à mansão dos mortos, onde estão aqueles que mesmo sendo pecadores, ainda tem uma esperança de salvação, e conduziu os seus para o céu, para estarem junto à Ele. Cristo ressuscitou, já não está no túmulo, isto Deus fez para a nossa salvação.

Ao final da Vigília Pascal, temos que reconhecer quantas graças o Senhor fez por nós. O simples fato de estarmos vivos já é um milagre do amor de Deus. Pense quantas vezes quase aconteceu com você, o acidente de carro a sua frente, poderia ter sido você; a pessoa com uma doença incurável, poderia ter sido você; o assaltante deu um tiro em alguém que você conhecia, poderia ter sido você, o amigo de escola que perdeu a vida nas drogas, poderia ter sido você. De todas estas situações Deus te livrou, e até hoje Deus tem te conduzido, mesmo que muitas vezes não reconheças. Muitas coisas Deus fez por você.

Acima de tudo, Deus te ama!

-- autoria própria, catequese de Páscoa, 2025. 


13 de abr. de 2025

A cruz de Cristo é fonte de todas as bênçãos e origem de todas as graças

Cristo na Cruz, Bartolomé Murillo
Timken Museum of Art, San Diego/USA

Que a nossa inteligência, iluminada pelo Espírito da Verdade, acolha com o coração puro e liberto, a glória da cruz que se irradia pelo céu e a terra; e perscrute, com o olhar interior, o sentido destas palavras do Senhor, ao falar da iminência de sua paixão: Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser glorificado (Jo 12,23). E em seguida: Agora sinto-me angustiado. E que direi? “Pai, livra-me desta hora!”? Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu Filho! (Jo 12,27). E tendo vindo do céu a voz do Pai que dizia: Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo! (Jo 12,28), Jesus continuou, dirigindo-se aos presentes: Esta voz que ouvistes não foi por causa de mim, mas por causa de vós. É agora o julgamento deste mundo. Agora o chefe deste mundo vai ser expulso, e eu, quando for elevado da terra, atrairei tudo a mim (Jo 12,30-32).

Ó admirável poder da cruz! Ó inefável glória da Paixão! Nela se encontra o tribunal do Senhor, o julgamento do mundo, o poder do Crucificado!

Atraístes tudo a vós, Senhor, para que o culto divino fosse celebrado, não mais em sombra e figura, mas num sacramento perfeito e solene, não mais no templo da Judéia, mas em toda parte e por todos os povos da terra.

Agora, com efeito, é mais ilustre a ordem dos levitas, maior a dignidade dos sacerdotes e mais santa a unção dos pontífices. Porque vossa cruz é fonte de todas as bênçãos e origem de todas as graças. Por ela, os que creem recebem na sua fraqueza a força, na humilhação, a glória, na morte, a vida. Agora, abolida a multiplicidade dos sacrifícios antigos, toda a variedade das vítimas carnais é consumada na oferenda única do vosso corpo e do vosso sangue, porque sois o verdadeiro Cordeiro de Deus que tirais o pecado do mundo (Jo 1,29). E assim realizais em vós todos os mistérios, para que todos os povos formem um só reino, assim como todas as vítimas são substituídas por um só sacrifício.

Proclamemos, portanto, amados filhos, o que o santo doutor das nações, o apóstolo Paulo, proclamou solenemente: Segura e digna de ser acolhida por todos é esta palavra: Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores (1Tm1,15).

E é ainda mais admirável a misericórdia de Deus para conosco porque Cristo não morreu pelos justos, nem pelos santos, mas pelos pecadores e pelos ímpios. E como a natureza divina não estava sujeita ao suplício da morte, ele assumiu, nascendo de nós, o que poderia oferecer por nós.

Outrora ele ameaçava nossa morte com o poder de sua morte, dizendo pelo profeta Oséias: Ó morte, eu serei a tua morte; inferno, eu serei a tua ruína (cf. Os 13,14). Na verdade, morrendo, ele se submeteu às leis do túmulo, mas destruiu-as, ressuscitando. Rompeu a perpetuidade da morte, transformando-a de eterna em temporal. Pois, como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos reviverão (1Cor 15,2).


Dos Sermões de São Leão Magno, papa (século V)

12 de abr. de 2025

A Última Ceia, uma Páscoa judaica


A Última Ceia foi a celebração da Páscoa judaica, um
"seder", a solene refeição sacrificial realizada de acordo com os antigos ritos judaicos por nosso Senhor e seus apóstolos. Aqui revemos os acontecimentos dessa solene refeição, segundo se narra no Evangelho e do que os eruditos nos dizem da Páscoa no tempo de Cristo. Realmente, a Última Ceia foi a "última", em parte porque foi a celebração final dos ritos pascais da nova lei, a Páscoa Cristã.

"Este é o meu corpo que é entregue por vós"

A Ceia Pascal é uma espécie de preparação da Missa que enfoca nossa atenção no coração do mistério pascal, o Cordeiro que foi sacrificado e nos redimiu da escravidão com seu sangue.

A Última Ceia foi a celebração da Páscoa judaica, um "seder", uma solene refeição sacrificial realizada de acordo com os antigos ritos judaicos por nosso Senhor e seus apóstolos. Aqui queremos reconstruir os acontecimentos dessa solene refeição, segundo se narra no Evangelho e do que os eruditos nos dizem da Páscoa no tempo de Cristo. Realmente, a Última Ceia foi a última, porque foi a celebração final dos ritos pascais da nova lei, a Páscoa Cristã.

A Última Ceia é o momento decisivo quando os símbolos e profecias de outrora do Antigo Testamento são substituídos para sempre pelos fatos e cumprimento do Novo Testamento. Os evangelistas omitiram, ao narrar essa Ceia, muitos detalhes que davam como conhecidos por seus leitores judeus. Por exemplo, nosso Senhor toma o cálice duas vezes na narração de São Lucas na Última Ceia (Lc. 22: 17-20), São Paulo fala da "Taça da bênção" (1Cor 10,16) e São Mateus menciona um salmo antes que os Apóstolos deixassem o Cenáculo? (Mt. 26: 30). Tudo isto faz parte de um Seder judaico, e os judeus, ainda hoje, compreendem muito bem o que está sendo narrado.

Essas e outras frases ganham novo significado à luz dos antecedentes judaicos. A Ceia Pascal também nos ajudará a entender e a aprofundar as cerimônias litúrgicas da Semana Santa e da Páscoa, impregnadas como estão de figuras e alusões ao Antigo Testamento nas várias orações e salmos da liturgia católica. "Esta é a solenidade pascal na qual o verdadeiro Cordeiro foi sacrificado..." "Ó noite bendita que despojou os egípcios e enriqueceu os hebreus..."

Ao mesmo tempo, compreendendo mais claramente o contexto no qual Cristo escolheu instituir a Santa Eucaristia, se enriquecerá nossa participação na Missa. A Ceia Pascal é uma espécie de preparação da Missa que enfoca nossa atenção no coração do mistério pascal, o Cordeiro que foi sacrificado e nos redimiu da escravidão com seu sangue. E assim nos prepara para entrar mais de cheio em cada Missa, porque a Vigília Pascal não foi unicamente o fim do velho rito, mas o princípio do novo. Santo Atanásio diz: "Quando nos reunimos e comemos a carne de nosso Senhor e bebemos seu sangue, celebramos a Páscoa". A cerimônia da Ceia Pascal nos permite representar os eventos da vigília pascal como um drama-oração, para nos prepararmos para a verdadeira representação da vigília pascal na Santa Missa. 

Mas, por que Cristo usou a Ceia Pascal para instituir a Eucaristia? É importante que pensemos que isto representa a eleição deliberada e completamente considerada de Cristo. Ele envia seus discípulos para preparar o Cenáculo. Ele se preocupa com o tempo e o lugar exato e arranja tudo cuidadosamente de antemão, dizendo-lhes: Ardente desejo tive de comer convosco esta Páscoa, antes do meu sofrimento; pois vos digo que não a comerei mais até que ela se cumpra no Reino de Deus (Lc. 22: 15-16).   

A história do Êxodo do Egito que a Igreja lê em preparação aos mistérios pascais é a maior parábola de nossa Redenção no Antigo Testamento. Cada detalhe é significativo. E, dentro de todos os acontecimentos da Antiga Lei, o mais significativo de todos é o sangue do cordeiro sacrificado aspergido nas portas dos filhos de Israel para que o anjo vingador, que veio matar o primogênito em toda casa do Egito, "passasse por cima" das casas dos hebreus. O sangue do cordeiro profetiza o verdadeiro cordeiro cujo sangue libertou o mundo da escravidão do pecado. 

Deus ordenou que esta primeira Páscoa fosse comemorada solenemente em uma festividade anual; o povo devia sacrificar um cordeiro e participar de sua refeição com pão ázimo e ervas amargas, uma lembrança da fuga apressada do Egito, quando não houve tempo de levar consigo pão com fermento, em agradecimento pela liberdade que foi um presente de Deus. 

A festa da Páscoa anual ainda é uma celebração fundamental na religião judaica. Com o passar dos séculos, o ritual tornou-se mais elaborado; gradualmente também a Páscoa tornou-se não unicamente uma memória do agradecimento a Deus pela bondade a Israel no passado, mas como uma profecia do futuro; justamente como Deus uma vez conduziu o povo escolhido, longe da escravidão, para que um dia os guiasse ao novo êxodo, à era futura do Messias. 

No tempo de nosso Senhor, a ceia pascal já não era comida de pé e apressadamente, mas sentados ao redor da mesa de festa. Em grande contraste com aquela noite de fuga, 1.500 anos antes, a atmosfera era de amor e alegria espiritual. O coração verdadeiro da celebração permanecia o mesmo através dos séculos: sacrifício e banquete sacrificial, celebrado em ação de graças. 

A Vigília Pascal

Agora podemos começar a ver por que Cristo escolheu este momento para seu sacrifício. Esta festa familiar do povo escolhido, celebrada pelo povo como um todo e com um só coração, existia para que pudesse ser transformada na grande festa da comunidade cristã, demonstrando caridade, unindo mais intimamente em um só corpo aqueles alimentados pelo único Pão divino. A primeira Páscoa foi comemorada em uma Ceia Pascal; a segunda Páscoa, o sacrifício de Cristo, nossa Páscoa, foi realizada na Santa Missa, a Ceia Pascal do Novo Testamento.

No contexto da Páscoa, o significado do sacrifício se esclarece: "Este é o meu corpo que é entregue por vós" (Lc 22,19) para que vós possais vencer a morte no pecado para a vida de Deus. Nesse contexto, esclarece-se também que o novo sacrifício terá também seu banquete sacrificial: "Em verdade vos digo que, se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós." (Jo 6,54). 

Na Última Ceia, Cristo com toda humildade e reverência guardou a Páscoa com seus discípulos, observando cada detalhe do seu ritual. Mas quando a Ceia ia concluir, Ele substituiu o antigo rito pelo novo. Ele tomou o pão, o abençoou e partiu, e o que deu aos seus discípulos já não era simplesmente o pão sem fermento da Páscoa. Ele tomou o cálice, o abençoou e o que lhes deu já não era unicamente a oferenda da Páscoa, mas o mistério da Nova Aliança que acabava de ser estabelecida. O momento supremo, antecipado na comemoração da Páscoa através dos séculos, havia chegado. A redenção do homem ia realizar-se. 

Geralmente se sustenta que nosso Senhor celebrou a Páscoa com seus discípulos na quinta-feira à noite, antecipando em um dia a Páscoa legal dos discípulos. Na Sexta-feira Santa, na hora precisa em que os cordeiros pascais eram sacrificados no Templo, símbolo claro do cumprimento das profecias, o Cordeiro de Deus consumava seu sacrifício na Cruz. 

A Velha Aliança entre Deus e o povo escolhido havia sido selada pelo sangue de muitas vítimas. A Nova Aliança estava agora selada pelo sangue da única vítima perfeita. O cordeiro figurado era substituído pelo Cordeiro verdadeiro. O sacrifício agora havia sido feito perfeito. Este mesmo sacrifício profetizado na Páscoa judaica, cumprido no Calvário, é renovado em cada Missa. Tão frequentemente quanto nós, cristãos, o povo escolhido do Novo Testamento, comemos o pão e bebemos o vinho, celebramos o mistério pascal. 

Como diz São João Crisóstomo, em cada Missa "é Cristo quem aqui e agora celebra a Páscoa com seus discípulos. E a mesa do altar é nada menos que a mesa da Última Ceia". Esta representação da Ceia Pascal é, então, uma preparação para o mistério pascal, como é renovado em cada Missa, e mais especialmente como é celebrado na Quinta-feira Santa e durante toda a Semana Santa... agora que as cerimônias litúrgicas da Quinta-feira Santa, Sexta-feira Santa e Sábado Santo foram restauradas para as horas da noite, a dramatização pode ser feita apropriadamente a qualquer hora antes da Missa de Quinta-feira, e talvez melhor na noite de Quarta-feira Santa.

Retirado de "Celebración de la Cena Pascual", de Mons. Mario De Gasperín

Tradução própria


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