8 de fev. de 2020

A Igreja é contra a Teoria da Evolução de Darwin?

Resposta curta: 
A Igreja fala em criação continua (no latim, creatio continua) para descrever a ação criadora contínua de Deus ao longo da história do universo. Segundo Santo Agostinho, a narrativa do Livro do Genêsis é uma adaptação às realidades humanas, logo a criação não necessariamente ocorreu em seis dias, isto apenas indica que foi um trabalho extremamente produtivo e bem feito em um espaço de tempo que as pessoas podem entender.  Como explicou o Papa Bento XVI, Deus é suficientemente poderoso para criar as condições que proporcionaram o surgimento da vida, sua reprodução e diferenciação. A história bíblica da criação ressalta que o homem é criação de Deus, a teoria científica da evolução explica as causas naturais, mas não as razões pela qual existimos. A idéia de que o Cristianismo é contrário à teoria científica da evolução resulta de uma leitura literal da Bíblia e o desprezo por todos os ensinamentos da Igreja ao longo dos séculos, algo contrário a fé católica.

Resposta longa:
Já muito antes de Darwin, a Igreja discutia duas formas de criação: Creatio ex-nihilo e Creatio continua. Creatio ex-nihilo explica que no princípio existia apenas a Santíssima Trindade e Deus criou o universo do nada, Creatio continua explica a criação como uma atividade diária, que ainda ocorre hoje. 

Da mesma forma, há duas teorias científicas sobre o assunto: o Criacionismo e a Evolução Natural, sendo que desde Mendel e Darwin, a Evolução Natural tem sido a teoria dominante nos meios científicos por explicar muito melhor o processo natural. 

Igualar Creation ex-nihilo ao Criacionismo e Creatio continua à evolução natural é simplificar demais as idéias e misturar Teologia com Biologia. Ideías teológicas buscam explicar a ação e os ensinamentos de Deus, além disso as duas idéias teológicas (ex-nihilo e continua) falam da transcedência de Deus, como percebemos sua presença divina nas realidades terrestres, enquanto as idéias biológica se restrigem aos aspectos materiais da evolução. 

Creatio ex-nihilo é baseada, obviamente, em Genesis 1, 1-3:

"No princípio, Deus criou o céu e a terra. A terra estava sem forma e vazia; as trevas cobriam­ o abismo e o Espírito de Deus pairava sobre as águas. Deus disse: “Faça-se a luz!”. E a luz foi feita."

E no Evangelho de São João 1, 1-3:
"No princípio era o Verbo, e o Verbo estava junto de Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito."

Creatio continua é baseada em outros  trechos, como os capítulos 38 a 41 do Livro de Jó. Aqui coloco apenas um trecho (Jó 38, 25-27) que fala de Deus controlando as chuvas:

"Quem abre um canal para o aguaceiro e uma rota para os relâmpagos dos trovões, para fazer chover sobre uma terra desabitada e sobre um deserto sem seres humanos, para regar regiões vastas e desoladas, para nelas fazer germinar a erva verdejante?"

Também há o Salmo 138, 13 que mostra como Deus está presente na concepção de cada pessoa:

"Fostes vós que plasmastes as entranhas de meu corpo, vós me tecestes no seio de minha mãe."

Na verdade, as duas idéias são complementares, pois uma explica que Deus ordenou o Universo como o conhecemos hoje, enquanto a outra nos fala que Deus continua agindo na história, na minha e na tua vida.  

É interessante notar como São Alberto Magno, doutor da Igreja, explica milagres como sendo uma intervenção não-natural de Deus onde Ele mostra seu poder sobre a natureza que Ele mesmo criou. Por exemplo, o curso natural de uma doença incurável é levar à morte, mas a Deus pode intervir e retirar a doença do corpo da pessoa em um único instante, de maneira sobrenatural, ou seja, acima da natureza.

O Ensinamento da Igreja sobre a Teoria da Evolução

Antes de tudo, é importante citar que a Darwin não criou sua teoria do nada, mas como evolução de outras i'deias científicas da época. Dois séculos antes de Darwin, o bispo dinamarquês Nicolas Steno já falava da existência de fósseis e processos de datação que colocavam aqueles ossos milhões de anos atrás da história registrada da humanidade. O jesuíta Mendel, contemporâneo de Darwin, mostrou que era possivel selecionar sementes de ervilha para modificar a espécie de maneira mais conveniente para os humanos.  

Darwin publicou o livro A Origem das Espécies em 1859. Poucos anos depois, o também inglês Cardeal Newman, canonizado ano passado, já escrevia:

A Teoria de Darwin não é necessariamente ateística, seja verdadeira ou falsa; ela apenas sugera uma idéia maior, a Divina Providência e Sabedoria. A "evolução acidental dos organismos vivos"não é inconsistente com a idéia de Deus, pois é acidental para nós, não para Deus. 

O Concílio Vaticano I (1869-70) oficialmente declarou:

A Santa Madre Igreja ensina que Deus, fonte e fim de todas as criaturas, pode ser conhecido, utilizando o raciocínio humano, ao considerarmos todas as criaturas vivas; desde a criação do mundo, sua natureza invisível pode claramente ser percebida através de tudo que Ele criou.

Na Encíclica Humanae Generis, de 1950, o Papa Pio XII explicitamente afirma:

A Igreja não proíbe que pesquisas e discussões, envolvendo cientistas e teólogos, ocorram quanto a doutrina da evolução, pois estalimita-se às origens do corpo humano.

Em outro trecho da mesma Encíclica, o Papa destaca que os católicos devem acreditar na existência da alma, criada imediatamente por Deus no momento da concepção. A alma é uma substância espiritual, não material, sua origem é divina e é única de cada pessoa. 

Estes pontos foram reforçados pelo Papa João Paulo II, em um discurso na Pontifícia Academia de Ciências, proferido em 22 de Outubro de 1996:

A convergência de muitos resultado de estudos independentes constituem um argumetno sognificativo em favor da Teoria da Evolução. [....] 

Mas no mesmo discursos, alertou:

Teorias da evolução que considerem o espírito como algo provindo das forças da matéria, ou como um simples complemento do corpo físico, são incompatíveis com a verdade sobre o homem.

Ou seja, o limite está claro: o corpo físico pode ser explicado como um fenômeno que se desenvolveu em várias etapas aos longos dos milênios, mas para cada pessoa Deus provê uma alma criada por especialmente por Ele. 

Mais tarde, o Papa Bento XVI afirmaria em Julho de 2004:

Através da atividade de causas naturais, Deus cria as condições requiridas para o surgimento e suporte de organismos vivos, e além disso, sua reprodução e diferenciação. [...] Teólogos católicos podem entender, através deste raciocínio, que a fé confirma a criação divina. Através de sua providencial criação, o Deus Trindade pretende não apenas fazer um local para os seres humanos, mas também um local para possam ter sua vida em união com Deus. Além disso, operando de maneira real, através de causas secundárias*, os seres humanos contribuem para a transformação do Universo.

* secundárias por que não é Deus agindo diretamente

Numa reunião com o clero de Treviso, o Papa Bento XVI comentou:

Hoje vejo, não apenas na Alemanha, mas também nos Estados Unidos, um forte debate entre Criacionismo e Evolucionismo, apresentados como alternativa mutuamente exclusivas, somo se aqueles que acreditam em Deus não pudessem conceber a evolução e aqueles que acreditam na ciência, devem excluir Deus. Isto é um absurdo por que há muitas provas científicas em favor da evolução, que parece ser uma realidade visívele que eenriquece nossa compreensão da vida. Mas a Teoria da Evolução não responde a grande questão filosófica: de onde viemos? como tudo começou e nos trouxe até aqui? É a questão fundamental.

O que diz o Catecismo da Igreja Católica

Para concluir, há três parágrafos do Catecismo que resumem muito bem a posição da Igreja:

159. Fé e ciência. Muito embora a fé esteja acima da razão, nunca pode haver verdadeiro desacordo entre ambas: o mesmo Deus, que revela os mistérios e comunica a fé, também acendeu no espírito humano a luz da razão. E Deus não pode negar-Se a Si próprio, nem a verdade pode jamais contradizer a verdade. É por isso que a busca metódica, em todos os domínios do saber, se for conduzida de modo verdadeiramente científico e segundo as normas da moral, jamais estará em oposição à fé: as realidades profanas e as da fé encontram a sua origem num só e mesmo Deus.

283. A questão das origens do mundo e do homem tem sido objecto de numerosas investigações científicas, que enriqueceram magnificamente os nossos conhecimentos sobre a idade e a dimensão do cosmos, a evolução dos seres vivos, o aparecimento do homem. Tais descobertas convidam-nos, cada vez mais, a admirar a grandeza do Criador e a dar-Lhe graças por todas as suas obras, e pela inteligência e saber que dá aos sábios e investigadores. Estes podem dizer com Salomão: Foi Ele quem me deu a verdadeira ciência de todas as coisas, a fim de conhecer a constituição do Universo e a força dos elementos [...], porque a Sabedoria, que tudo criou, mo ensinou (Sb 7, 17-21).

284. O grande interesse atribuído a estas pesquisas é fortemente estimulado por uma questão de outra ordem, que ultrapassa o domínio próprio das ciências naturais. Porque não se trata apenas de saber quando e como surgiu materialmente o cosmos, nem quando é que apareceu o homem; mas, sobretudo, de descobrir qual o sentido de tal origem: se foi determinada pelo acaso, por um destino cego ou uma fatalidade anónima, ou, antes, por um Ser transcendente, inteligente e bom, chamado Deus. E se o mundo provém da sabedoria e da bondade de Deus, qual a razão do mal? De onde vem ele? Quem é por ele responsável? E será que existe uma libertação do mesmo?

-- autoria própria

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