12 de mar. de 2018

Sobre a participação dos católicos na vida política

Em dois mil anos de história os cristãos tem participado na vida comunitária de diversas formas, incluindo na vida política. Nas sociedades democráticas atuais, os cristãos podem participar de diversas maneiras através do voto consciente, do cumprimento dos seus deveres civis, no respeito às autoridades constituídas, sempre guiados pela sua consciência cristã. Os cristãos não podem deixar de participar da política e de promover o bem comum, buscando um ambiente que haja ordem pública e a paz, a liberdade e a igualdade, o respeito da vida humana e do ambiente, a justiça e a solidariedade.
São Tomás Moro foi primeiro ministro da Iglaterra,
morreu condenado por se manter fiel à Santa
Igreja Católica, contrariando o Rei Henrique VIII.

Na sociedade civil constata-se hoje um relativismo cultural, que defende um pluralismo ético que sanciona a decadência e a dissolução da razão e dos princípios da lei moral natural, não é raro ouvir afirmações que defendem que esse pluralismo ético é condição para a democracia. Segundo esta falsa tese pluralista  não existiria uma norma moral, radicada na própria natureza do ser humano e a cujo ditame deva submeter-se toda a concepção do homem, do bem comum e do Estado. Invocando de maneira distorcida o valor da tolerânci, pedem a uma boa parte dos cidadãos – entre eles, aos católicos – que renunciem aos conceitos de pessoa e bem comum que consideram humanamente verdadeiro e justo.

A Igreja entende que a via da democracia é a que melhor exprime a participação direta dos cidadãos nas escolhas políticas, mas isso só é possível se existir uma concepção da pessoa adequada. O empenho dos católicos é não deixar comprometer seus valores morais,  faltando com o testemunho da fé cristã no mundo. A estrutura democrática será um frágil se não tiver como seu fundamento a centralidade da pessoa.  A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a ideia relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o mesmo valor. 

O fato de haver várias soluções para os mesmos problemas justifica a existência de vários partidos, mas o cristão deve escolher entre as alternativas moralmente aceitáveis.  Não cabe à Igreja formular soluções concretas para questões temporais, que Deus deixou ao juízo livre e responsável de cada um, embora seja seu direito e dever pronunciar juízos morais sobre realidades temporais, quando a fé ou a lei moral o exijam. O cristão tem liberdade de escolha entre as alternativas existentes, mas seus valores éticos não são “negociáveis”.

Os católicos têm o direito e o dever de intervir, apelando para o sentido mais profundo da vida, têm a “clara obrigação de se opor” a qualquer lei que represente um atentado à vida humana, como aborto e eutanásia. Para todo o católico é uma impossibilidade participar em campanhas de opinião em favor de semelhantes leis, não sendo a ninguém consentido apoiá-las com o próprio voto. A consciência cristã não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos. Uma vez que a fé constitui como que uma unidade indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da totalidade da doutrina católica.

Isto se aplica às leis civis em matéria de aborto e de eutanásia, que restrigem o direito primário à vida, desde o seu concebimento até ao seu termo natural, deve-se respeitar e proteger os direitos do embrião humano. Analogamente, devem ser salvaguardadas as famílias, fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente e protegida na sua unidade e estabilidade, perante as leis modernas em matéria de divórcio: não se pode, de maneira nenhuma, pôr juridicamente no mesmo plano com a família outras formas de convivência, nem estas podem receber, como tais, um reconhecimento legal. Igualmente, a garantia da liberdade de educação, que os pais têm em relação aos próprios filhos, é um direito inalienável. No mesmo plano, devem incluir-se a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das drogas e da exploração da prostituição. Também inclui o direito à liberdade religiosa e o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum. Deve-se, por fim, buscar-se a paz, fruto da justiça e efeito da caridade”; que exige a recusa radical e absoluta da violência e do terrorismo e requer um empenho constante e vigilante da parte de quem está investido da responsabilidade política. 

São Luis governou a França por 56 anos, sempre mantendo
uma vida devota e se deixando guiar por príncipios cristãos
ao decidir os rumos do país.
Todos os fiéis têm plena consciência de que os atos especificamente religiosos (profissão da fé, prática dos atos de culto e dos sacramentos, doutrinas teológicas, comunicação recíproca entre as autoridades religiosas e os fiéis, etc.) permanecem fora das competências do Estado, que nem deve intrometer-se neles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos de fundadas exigências de ordem pública.

O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura.

Escolhas e participação política que contrariem os princípios basilares da consciência cristã, não são compatíveis com a pertença a associações ou organizações que se definem católicas. Também devem recusar as posições e comportamentos que se inspiram numa visão utópica que resulta em uma espécie de profetismo sem Deus, orientando a paessoa para uma esperança unicamente terrena. Ao contrário, os cristãos são chamados a se empenharem decididamente na construção de uma cultura que proponha o património de valores e conteúdos da Tradição católica.

Convém ainda recordar uma verdade que hoje nem sempre é bem entendida: o direito à liberdade religiosa está fundado sobre a dignidade da pessoa humana e, de maneira nenhuma, sobre uma inexistente igualdade entre as religiões e sistemas culturais humanos. Governos e a sociedade não devem, de modo algum submeter as pessoas à leis ou ações que visam restringir a procura da  religião e a adesão à mesma.

Por fim, lembramos São João Paulo II: “Queiram os fiéis exercer as suas atividades terrenas, unindo numa síntese vital todos os esforços humanos, familiares, profissionais, científicos e técnicos, com os valores religiosos, sob cuja altíssima hierarquia tudo coopera para a glória de Deus”

-- este texto é um resumo da "Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política" publicada pela Congregação para Doutrina da Fé, em 21 de Novembro de 2002, quando ainda era presidida pelo então Cardeal Ratzinger.



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