24 de mar. de 2018

O sofrimento de Cristo na cruz

A Cruz é um escândalo
Como disse São Paulo, "a Cruz é um escândalo" por que é impossível entender que alguém com poder para evitá-la, prefira, conscientemente, passar por todo sofrimento. É um escândalo por que a razão humana não a aceita. E assim é com todo sofrimento, sempre buscamos a tranquilidade, a felicidade e a alegria, mas, em muitos momentos da vida, encontramos o sofrimento. A Cruz de Cristo só pode ser explicada se você olhar além dela, para a Ressurreição. É ela que lança uma nova luz sobre o sofrimento de Cristo, é ela que pode lançar uma nova luz para explicar nossos sofrimentos diários.

A descida da Cruz, de Jean Jouvenet
Sempre que estamos doentes, percebemos nossos limites. Se a doença for mais grave, vemos a morte de perto. Se estamos sofrendo por que uma pessoa amada faleceu, então é exatamente a morte que estamos contemplando, estamos contemplando nossos limites temporais, que um dia nossos dias na Terra terminarão, que nossos dias de tranquilidade, felicidade e alegria são necessariamente limitados. Não sofremos apenas por doença, sofremos emocionalmente em muitas situações, por exemplo, se uma pessoa amada nos abandona ou trai, se sofremos uma injustiça, uma falsa acusação que nos leva a perder o emprego. Muitas pessoas, frente ao sofrimento, caem no desespero, perdem a esperança de uma vida melhor, e terminar por tirar a própria vida.

O sofrimento no Antigo Testamento
No Antigo Testamento há muitos exemplos de pessoas que sofreram. José foi vendido pelos irmãos para ser levado ao Egito como escravo, traído pela própria família que ele amava. No Egito foi acusado falsamente por uma mulher e posto na cadeia. Jó tinha filhos, muitos bens, uma vida estável. Perdeu a saúde, tinha feridas, os ex-amigos o abandonaram, perdeu filhos, esposa, os bens. Mas, anos depois, José entende o plano de Deus, como tinha que estar no Egito e ser preso para conhecer o chefe da guarda, saber dos sonhos do Faraó, para se tornar o administrador do reino, salvar sua família e perdoar os irmãos. Jó, um homem inocente que sofreu, louvava a Deus por tudo, reconhecia o poder de Deus, sabia que Deus lhe havia dado a vida e tudo mais, e também tinha poder para retirá-la. Mantendo sua fé, recuperou tudo que possuía, mas agora não por seu esforço, mas pela compaixão de Deus. José, traído pelos seus irmãos para salvá-los, prefigura Cristo traído por seu discípulo; Jó, o homem inocente sofredor, prefigura Cristo, inocente e sofredor.

A Paixão de Cristo
Cristo, o filho de Deus nascido homem, nos amou até o extremo, até perder todas as forças, até morrer na Cruz, aceitou o sofrimento de maneira total e perfeita. Na Última Ceia, Cristo mesmo explicou: Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos (Jo 15, 13). Cristo sofreu na Cruz para nos dar a vida definitiva, a vida eterna. Naquela noite Cristo venceu a morte e dos infernos retornou vitorioso, ó noite maravilhosa (Pregão Pascal). Nesta noite nascemos novamente, livres do mal e do pecado, perdemos o medo da morte e podemos enfrentar o sofrimento de frente. É a ressurreição que explica a Cruz. 

Sendo obediente ao Pai até o final, até sua morte, Jesus elimina a raiz de todos os sofrimentos. É o ápice de todos os milagres, pois até ali Jesus havia curados a muitos, ressuscitado alguns, tocado outros com sua palavra, mas na Cruz realizou um milagre que beneficia a todos, inclusive a nós que estamos há dois mil anos longe de Jerusalém. É nesta cruz que Cristo cura nossas fraquezas físicas e espirituais. 

Por que Cristo escolheu a Cruz? Sendo Filho de Deus Onipotente e Onisciente, Cristo poderia salvar a todos com um estalar de dedos, um momento mágico, não precisaria escolher o caminho da Cruz. Mas esta solução tiraria toda nossa liberdade de escolha, o livre arbítrio que nos faz humanos e não robôs. Ao mesmo tempo seria como dizer que nossos pecados não são importantes, que nossas escolhas são irrelevantes, seria como como dizer: "Tudo bem, é só uma criancinha mesmo." Como adultos precisamos entender que nossas escolhas tem consequência, que nossos pecados nos afastam da Salvação de Jesus Cristo. Não está sempre tudo bem, muitas vezes é preciso retormar o caminho, e por isso a Igreja nos oferece o sacramento da Reconciliação.

Nossos sofrimento, a nossa Cruz
Muitos santos mudaram sua vida ao passar por uma enfermidade grave, como São Francisco e Santo Inácio de Loiola, que se converteram enquanto estavam convalecendo. Esta é uma experiência também comum para nós, pois certamente já ouvimos algo como "Fulano se curou de um câncer e agora é uma ppessoa mudada". Para estes santos, foi na doença em que Cristo lhes convidou: "Siga-me! Toma tua Cruz, una-se a Mim, encontre tua Salvação!".

Nesta Semana Santa, é isto que Cristo está nos dizendo também: olhe para a tua Cruz, seja ela qual for, talvez um marido bêbado e violento, talvez uma traição, uma doença, uma injustiça, o desemprego, abraça a tua Cruz, esta é a Cruz da tua Salvação, identifique tua cruz, precisas saber qual é a tua cruz por que ela é essencial para ti. Abrace esta Cruz e siga a Juesus, ame a tua Cruz e tua vida mudará, por que após a Cruz está a Ressurreição de Cristo, a vitória sobre a morte!

-- co-autoria com minha esposa após lermos a Carta Apóstólica Salvifici Doloris, do Papa João Paulo II. 

22 de mar. de 2018

A Igreja, sacramento visível da unidade salvífica

Eis que virão dias, diz o Senhor, em que concluirei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança... Imprimirei minha lei em suas entranhas, e hei de inscrevê-la em seu coração; serei seu Deus e eles serão meu povo... Todos me conhecerão, do menor ao maior deles, diz o Senhor (cf. Jr 31,31.33.34).

Foi essa aliança nova que Cristo instituiu, isto é, a nova aliança no seu sangue, chamando judeus e pagãos para formarem um povo que se reunisse na unidade, não segundo a carne, mas no Espírito, e constituísse o novo povo de Deus.

Os que creem em Cristo, renascidos não de uma semente corruptível, mas incorruptível, pela palavra do Deus vivo, não da carne, mas da água e do Espírito Santo, são por fim constituídos a raça escolhida, o sacerdócio do Reino, a nação santa, o povo que ele conquistou... que antes não eram povo, agora, porém, são povo de Deus (1Pd 2,9.10).

Este povo messiânico tem por cabeça Cristo, que foi entregue por causa de nossos pecados e foi ressuscitado para nossa justificação (Rm4,25) e agora, tendo recebido um nome que está acima de todo nome, reina gloriosamente nos céus.

Este povo tem a dignidade e a liberdade dos filhos de Deus, em cujos corações o Espírito Santo habita como em seu templo.

Tem como lei o novo mandamento de amar como o próprio Cristo nos amou.

Tem como fim o Reino de Deus, que ele mesmo iniciou na terra, e deve desenvolver-se sempre mais, até ser no fim dos tempos consumado pelo próprio Deus, quando Cristo, nossa vida, aparecer e a criação for libertada da escravidão da corrupção e, assim, participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus (Rm 8,21).

Portanto, o povo messiânico, embora não abranja atualmente todos os homens e apareça muitas vezes como um pequeno rebanho, é entretanto, para todo o gênero humano, fecundíssima semente de unidade, de esperança e de salvação.

Constituído por Cristo para uma comunhão de vida, de amor e de verdade, e por ele assumido para ser instrumento da redenção universal, é enviado ao mundo inteiro como luz do mundo e sal da terra.

Assim como Israel segundo a carne, que peregrinava no deserto, já é chamado Igreja de Deus, também o novo Israel, que caminha neste mundo em busca da cidade futura e permanente, é chamado Igreja de Cristo, pois foi ele que a adquiriu com o seu sangue, encheu-a de seu Espírito e dotou-a de meios aptos para uma união visível e social.

 Deus convocou todos aqueles que olham com fé para Jesus, autor da salvação e princípio da unidade e da paz, e com eles constituiu a Igreja, a fim de que ela seja, para todos e para cada um, o sacramento visível desta unidade salvífica.

-- Da Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja, do Concílio Vaticano II (século XX)

12 de mar. de 2018

Sobre a participação dos católicos na vida política

Em dois mil anos de história os cristãos tem participado na vida comunitária de diversas formas, incluindo na vida política. Nas sociedades democráticas atuais, os cristãos podem participar de diversas maneiras através do voto consciente, do cumprimento dos seus deveres civis, no respeito às autoridades constituídas, sempre guiados pela sua consciência cristã. Os cristãos não podem deixar de participar da política e de promover o bem comum, buscando um ambiente que haja ordem pública e a paz, a liberdade e a igualdade, o respeito da vida humana e do ambiente, a justiça e a solidariedade.
São Tomás Moro foi primeiro ministro da Iglaterra,
morreu condenado por se manter fiel à Santa
Igreja Católica, contrariando o Rei Henrique VIII.

Na sociedade civil constata-se hoje um relativismo cultural, que defende um pluralismo ético que sanciona a decadência e a dissolução da razão e dos princípios da lei moral natural, não é raro ouvir afirmações que defendem que esse pluralismo ético é condição para a democracia. Segundo esta falsa tese pluralista  não existiria uma norma moral, radicada na própria natureza do ser humano e a cujo ditame deva submeter-se toda a concepção do homem, do bem comum e do Estado. Invocando de maneira distorcida o valor da tolerânci, pedem a uma boa parte dos cidadãos – entre eles, aos católicos – que renunciem aos conceitos de pessoa e bem comum que consideram humanamente verdadeiro e justo.

A Igreja entende que a via da democracia é a que melhor exprime a participação direta dos cidadãos nas escolhas políticas, mas isso só é possível se existir uma concepção da pessoa adequada. O empenho dos católicos é não deixar comprometer seus valores morais,  faltando com o testemunho da fé cristã no mundo. A estrutura democrática será um frágil se não tiver como seu fundamento a centralidade da pessoa.  A liberdade política não é nem pode ser fundada sobre a ideia relativista, segundo a qual, todas as concepções do bem do homem têm a mesma verdade e o mesmo valor. 

O fato de haver várias soluções para os mesmos problemas justifica a existência de vários partidos, mas o cristão deve escolher entre as alternativas moralmente aceitáveis.  Não cabe à Igreja formular soluções concretas para questões temporais, que Deus deixou ao juízo livre e responsável de cada um, embora seja seu direito e dever pronunciar juízos morais sobre realidades temporais, quando a fé ou a lei moral o exijam. O cristão tem liberdade de escolha entre as alternativas existentes, mas seus valores éticos não são “negociáveis”.

Os católicos têm o direito e o dever de intervir, apelando para o sentido mais profundo da vida, têm a “clara obrigação de se opor” a qualquer lei que represente um atentado à vida humana, como aborto e eutanásia. Para todo o católico é uma impossibilidade participar em campanhas de opinião em favor de semelhantes leis, não sendo a ninguém consentido apoiá-las com o próprio voto. A consciência cristã não permite a ninguém favorecer, com o próprio voto, a atuação de um programa político ou de uma só lei, onde os conteúdos fundamentais da fé e da moral sejam subvertidos com a apresentação de propostas alternativas ou contrárias aos mesmos. Uma vez que a fé constitui como que uma unidade indivisível, não é lógico isolar um só dos seus conteúdos em prejuízo da totalidade da doutrina católica.

Isto se aplica às leis civis em matéria de aborto e de eutanásia, que restrigem o direito primário à vida, desde o seu concebimento até ao seu termo natural, deve-se respeitar e proteger os direitos do embrião humano. Analogamente, devem ser salvaguardadas as famílias, fundada no matrimónio monogâmico entre pessoas de sexo diferente e protegida na sua unidade e estabilidade, perante as leis modernas em matéria de divórcio: não se pode, de maneira nenhuma, pôr juridicamente no mesmo plano com a família outras formas de convivência, nem estas podem receber, como tais, um reconhecimento legal. Igualmente, a garantia da liberdade de educação, que os pais têm em relação aos próprios filhos, é um direito inalienável. No mesmo plano, devem incluir-se a tutela social dos menores e a libertação das vítimas das drogas e da exploração da prostituição. Também inclui o direito à liberdade religiosa e o progresso para uma economia que esteja ao serviço da pessoa e do bem comum. Deve-se, por fim, buscar-se a paz, fruto da justiça e efeito da caridade”; que exige a recusa radical e absoluta da violência e do terrorismo e requer um empenho constante e vigilante da parte de quem está investido da responsabilidade política. 

São Luis governou a França por 56 anos, sempre mantendo
uma vida devota e se deixando guiar por príncipios cristãos
ao decidir os rumos do país.
Todos os fiéis têm plena consciência de que os atos especificamente religiosos (profissão da fé, prática dos atos de culto e dos sacramentos, doutrinas teológicas, comunicação recíproca entre as autoridades religiosas e os fiéis, etc.) permanecem fora das competências do Estado, que nem deve intrometer-se neles nem, de forma alguma, exigi-los ou impedi-los, a menos de fundadas exigências de ordem pública.

O ensinamento social da Igreja não é uma intromissão no governo de cada País. Não há dúvida, porém, que põe um dever moral de coerência aos fiéis leigos, no interior da sua consciência. “Não pode haver, na sua vida, dois caminhos paralelos: de um lado, a chamada vida ‘espiritual’, com os seus valores e exigências, e, do outro, a chamada vida ‘secular’, ou seja, a vida de família, de trabalho, das relações sociais, do empenho político e da cultura.

Escolhas e participação política que contrariem os princípios basilares da consciência cristã, não são compatíveis com a pertença a associações ou organizações que se definem católicas. Também devem recusar as posições e comportamentos que se inspiram numa visão utópica que resulta em uma espécie de profetismo sem Deus, orientando a paessoa para uma esperança unicamente terrena. Ao contrário, os cristãos são chamados a se empenharem decididamente na construção de uma cultura que proponha o património de valores e conteúdos da Tradição católica.

Convém ainda recordar uma verdade que hoje nem sempre é bem entendida: o direito à liberdade religiosa está fundado sobre a dignidade da pessoa humana e, de maneira nenhuma, sobre uma inexistente igualdade entre as religiões e sistemas culturais humanos. Governos e a sociedade não devem, de modo algum submeter as pessoas à leis ou ações que visam restringir a procura da  religião e a adesão à mesma.

Por fim, lembramos São João Paulo II: “Queiram os fiéis exercer as suas atividades terrenas, unindo numa síntese vital todos os esforços humanos, familiares, profissionais, científicos e técnicos, com os valores religiosos, sob cuja altíssima hierarquia tudo coopera para a glória de Deus”

-- este texto é um resumo da "Nota Doutrinal sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política" publicada pela Congregação para Doutrina da Fé, em 21 de Novembro de 2002, quando ainda era presidida pelo então Cardeal Ratzinger.



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