29 de set. de 2010

A palavra anjo indica o ofício, não a natureza

É preciso saber que a palavra Anjo indica o ofício, não a natureza. Pois esses santos espíritos da pátria celeste são sempre espíritos, mas nem sempre podem ser chamados de Anjos, porque somente são Anjos quando por eles é feito algum anúncio. Aqueles que anunciam fatos menores são ditos Anjos; os que levam as maiores notícias, Arcanjos.

Foi por isso que à Virgem Maria não foi enviado um Anjo qualquer, mas o Arcanjo Gabriel; para tal missão, era justo que fosse o máximo Anjo para anunciar a máxima notícia.

Por esse motivo, também a eles são dados nomes especiais para designar, pelo vocábulo, seu poder na ação. Naquela santa cidade, onde há plenitude da ciência pela visão do Deus onipotente, não precisam de nomes próprios para distinguirem uns dos outros. Mas quando vêm até nós para cumprir uma missão, trazem também entre nós um nome derivado dessa missão. Assim, Miguel significa “Quem como Deus?”; Gabriel, “Força de Deus”; e Rafael, “Deus cura”.

Todas as vezes que se trata de grandes feitos, diz-se que Miguel é enviado, porque pelo próprio nome e ação dá-se a entender que ninguém pode por si mesmo fazer o que Deus quer destacar. Por isso, o antigo inimigo, por soberba, cobiçou ser igual a Deus, dizendo: “Subirei ao céu, acima dos astros do céu erguerei meu trono, serei semelhante ao Altíssimo” (cf. Is 14, 13-14); no fim do mundo, quando será abandonado às próprias forças para ser destruído no extremo suplício, pelejará com o Arcanjo Miguel, como diz João: Houve uma luta com o Miguel Arcanjo (Ap 12, 7).

A Maria é enviado Gabriel, que significa “Força de Deus”. Vinha anunciar aquele que se dignou aparecer humilde para combater as Potestades do ar. Portanto, devia ser anunciado pela força de Deus o Senhor dos Exércitos que vinha poderoso no combate.

Rafael, significa “Deus cura”, porque ao tocar nos olhos de Tobias como que num ato de cura, lavou as trevas de sua cegueira. Quem foi enviado a curar, com justiça se chamou “Deus cura”.

-- Das Homilías sobre os Evangelhos, de São Gregório Magno, Papa, século VI

28 de set. de 2010

A Morte de São Venceslau

Pela morte de seu Bratislau, os habitantes da Boêmia constituíram Venceslau seu príncipe. E pela graça de Deus ele era perfeito. Pois fazia o bem a todos os pobres, vestia os nus, alimentava os famintos, acolhia os peregrinos consoante a palavra evangélica. Não admitia que se causasse dano às viúvas, amava a todos, pobres e ricos, servia os servos de Deus, adornava muitas igrejas.

Mas alguns homens da Boêmia tornaram-se soberbos e persuadiram a Boleslau, seu irmão mais moço, dizendo: "Teu irmão Venceslau, conspirando com a mãe e seus homens, vai te matar".

Celebrando-se festas da dedicação das igrejas em todas as cidades, Venceslau visitava-as todas. Entrou na cidade de Boleslávia, num domingo, festa de Cosme e Damião. Terminada a missa, quis voltar a Praga. Mas Boleslau, com más intenções, reteve-o dizendo: "Por que te vais embora, irmão?" De manhã, soaram os sinos para o ofício matutino. Ouvindo o som dos sinos, Venceslau disse: "Louvor a ti, Senhor, que me deste viver até esta manhã". Levantou-se e foi ao ofício matutino.

Boleslau logo o alcançou à porta. Venceslau olhou-o e disse: "Irmão, ontem nos serviste bem". O demônio inclinou-se ao ouvido de Boleslau e perverteu seu coração; desembainhando a espada, respondeu-lhe: "Vou, agora, servir-te melhor". Dito isto, feriu-lhe a cabeça com a espada.

Venceslau, voltando-se para ele, disse: "Qual é a tua intenção, irmão?". E agarrando-o, lançou-o por terra. Mas acorreu um dos conselheiros de Boleslau e feriu a mão de Venceslau. E agarrando-o, lançou-o por terra. Este, com a mão ferida, largou o irmão e refugiou-se na igreja. Contudo dois malfeitores o mataram à porta da igreja. Veio um terceiro e traspassou-lhe o lado com a espada. Venceslau expirou logo com estas palavras: Em suas mãos, Senhor, entrego meu espírito (cf. Sl 30, 6).

-- Da Primeira Legenda Paleoeslava

27 de set. de 2010

O Modo de Orar

O Senhor de modo divino também te ensinou a bondade do Pai que sabe dar coisas boas, para que ao Bom peças tudo o que é bom. E aconselhou a orar con instância e repetidamente; não em prece fastidiosa pela duração, mas continuada pela freqüência. Futilidades afogam, as mais das vezes, a longa oração, e na muito interrompida facilmente se insinua o descuido.

Exorto ainda a que, quando lhe pedes perdão para ti, saibas que será concedido sobretudo aos outros, na medida em que apoiares o pedido com a voz das tuas obras. O Apóstolo também ensina que se deve orar sem ira nem contestação, para que não se turve, não se altere tua súplica.

E ainda ensina que se há de rezar em todo lugar (cf. 1Tm 2,8), pois disse o Salvador: Entra em teu quarto (Mt 6,6). Não entendas, porém, um quarto cercado de paredes, onde teu corpo fica fechado, mas o quarto que existe dentro de ti, onde são encerrados teus pensamentos, onde moram teus sentimentos. Este quarto de tua oração em toda parte está contigo, em toda parte é secreto, sem outro juiz que não somente Deus.

-- Do Tratado sobre Caim e Abel, de Santo Ambrósio

25 de set. de 2010

Para viver bem, deve-se morrer para o mundo

Agora, para viver bem é necessário, em primeiro lugar, morrer para o mundo antes de morrer em corpo. Todos que vivem para o mundo estão mortos para Deus: não podemos de nenhum modo viver para Deus, exceto se primeiro morrermos para o mundo. Esta verdade está tão plenamente revelada nas Sagradas Escrituras, que apenas infiéis podem negá-la. Mas, como toda verdade deve ser proclamada pela boca de duas ou três testemunhas, vou citar os santos apóstolos, São João, São Paulo e São Tiago, por que através deles o Espírito Santo, o espírito da verdade, falou plenamente.

Escreve São João: "Já não conversarei muito convosco, pois o príncipe deste mundo vem, contra mim ele nada pode" (Jo 14,30). Aqui o demônio é dito "o príncipe deste mundo", que é rei de todos os vícios; e por "mundo", é entendido a companhia de todos os pecadores que amam o mundoe são amados por ele. Um pouco depois, o evangelista continua: "Se o mundo vos odeia, sabei que, primeiro, odiou a mim. Se fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; mas porque não sois do mundo e minha escolha vos separou do mundo, o mundo, por isso, vos odeia." (Jo 15, 19). E em outro ponto: "Não rogo pelo mundo, mas pelos que me deste, porque são teus" (Jo 17, 9). Aqui, Cristo claramente nos  diz que por "mundo" significa quem, com o príncipe do mundo, devem ouvir no último dia: "Vão, conforme predito, para o fogo eterno." (cf Ap 20, 19). São João acrescenta em sua epístola: "Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo - a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e o orgulho da riqueza - não vem do Pai, vem do mundo. Ora, o mundo passa com suas concupiscências; mas o que faz a vontade de Deus permanece eternamente" (1Jo 2 16-17).

Vamos agora ouvir como São Tiago fala em sua epístola: "Adúlteros, não sabeis que a amizade com o mundo é inimizade com Deus? Assim, todo aquele que quer ser amigo do mundo torna-se inimigo de Deus" (Tg 4,4). Então, São Paulo, aquele vaso da eleição, escreve em sua Primeira Epístola aos  Coríntios, para todos que tem fé: "Vossas necessidades vão além deste mundo", e em outro lugar, na mesma Epístola: "Mas por seus julgamentos o Senhor nos corrige, para não sejamos condenados com o mundo" (1Co 11,32).

Aqui nos é dito claramente que o mundo inteiro será condenado no último dia. Mas por "mundo" não significa céu e terra, nem aqueles que vivem nele; mas somente aqueles que amam o mundo. Os justos e piedosos, em quem reina o amor de Deus, não a concupiscência da carne, estão no mundo, mas não são do mundo: mas os perdidos em vícios não apenas estão no mundo, eles também pertencem a este mundo; pois não o amor de Deus, mas a concupiscência do mundo reina em seus corações, ou seja, luxúria e a concupiscência dos olhos, a avareza e o "orgulho da vida", que é a estima por eles mesmos acima dos outros; então eles imitam a arrogância e o orgulho do demônio, não a humildade e suavidade de Jesus Cristo.
 
-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
-- Nota: sempre que possível procuro utilizar fontes creditáveis, como textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês.

24 de set. de 2010

Sobre a Carta aos Filipenses

O Senhor está perto; de nada vos inquieteis (Fl 4, 5-6). O Senhor está sempre perto daqueles que o invocam na verdade, com fé íntegra, esperança firme, caridade perfeita. Ele sabe do que precisais, antes mesmo que o peçais. Está sempre pronto a vir em auxílio dos que o servem fielmente, em qualquer necessidade sua.

Por conseguinte, não temos de preocupar-nos demais com as dificuldades iminentes, porque sabemos estar próximos Deus, nosso defensor, conforme nos foi dito: O Senhor está junto dos que têm o coração atribulado e salva os humildes no espírito. Muitas as tribulações dos justos, porém, de todas elas o Senhor os livrará (Sl 33, 19-20). Se nos esforçarmos por realizar e guardar o que ordenou, ele não tardará a nos dar o prometido.

Mas em tudo, por orações e súplicas acompanhadas de ação de graças, apresentai vossos pedidos a Deus (Fl 4,6): não aconteça que aflitos, suportemos as tribulações com murmuração e tristeza. Isto nunca, mas com paciência e de rosto alegre, dando sempre e por tudo graças a Deus (Ef 5,20).

-- Do Tratado sobre a Carta aos Filipenses, do Pseudo-Ambrósio, século IV

22 de set. de 2010

Homília sobre São Mateus

Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me!” (Mt 9, 9). Jesus o viu não tanto com os olhos do corpo, mas com os olhos do amor. Viu o publicano, e o amou e escolheu, e lhe disse: “Segue-me!”, isto é, imita-me. Pedindo-lhe que o seguisse, não pedia tanto que fosse atrás dele, mas que vivesse como ele; pois aquele que diz permanecer em Cristo deve proceder como Cristo procedeu. Mateus se levantou e seguiu-o (Mt 9, 9).

Nada de espantoso que o publicano, ao primeiro e imperioso apelo do Senhor, tenha abandonado sua busca de lucros terrenos, e, desprezando os bens temporais, tenha aderido àquele que via desinteressado de qualquer riqueza. É que o Senhor, chamando-o exteriormente pela sua palavra, tocava-lhe o mais fundo da alma, espalhando em seu coração, para que o seguisse, a graça espiritual.

Enquanto estava à mesa na casa de Mateus, vieram muitos publicanos e pecadores e sentaram-se à mesa, junto com Jesus e seus discípulos (Mt 9, 10). A conversão de um só publicano abriu o caminho da penitência e do perdão a muitos publicanos e pecadores. Belo presságio, na verdade: aquele que devia mais tarde ser apóstolo e doutor entre os pagãos arrasta consigo, por ocasião de sua conversão, os publicanos e pecadores, que tomam o caminho da salvação. O ministério que ia desempenhar após progredir na virtude, Mateus já o inicia nos primórdios de sua fé.

Experimentemos compreender profundamente o episódio aqui relatado. Mateus não ofereceu ao Senhor apenas um banquete corporal em sua casa terrestre. Mais que isto: preparou-lhe um festim na casa de seu coração, por sua fé e seu amor, como testemunha aquele que diz: Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, eu entrarei na sua casa e tomaremos a refeição, eu com ele e ele comigo (Ap 3, 20).

Sim, o Senhor está à porta e bate quando o nosso coração está atento a sua vontade, seja pela boca do homem que ensina, seja por uma inspiração interior. Abrimos nossa porta ao apelo de sua voz, quando damos livre assentimento a suas admoestações internas ou externas, e quando pomos em execução o que concluímos que devemos fazer. Então ele entra para tomar a refeição, ele conosco e nós com ele, pois habita no coração dos eleitos pela graça do seu amor, para alimentá-los constantemente com a luz de sua presença, a fim de que elevem progressivamente os seus desejos. E ele também se alimenta desse zelo pelas coisas do céu, que são como o mais delicioso alimento.

-- Das Homílias de São Beda Venerável, presbítero, século VIII

20 de set. de 2010

Revistamo-nos com as armas da justiça

A raiz de todos os males é a ânsia de possuir (1 Tm 6,10). Certos de que nada trouxemoos para este mundo nem dele poderemos levar coisa alguma (1 Tm 6,7) revistamos com as armas da justiça e ensinemos a caminhar no preceito do Senhor. A nós mesmos em primeiro lugar; depois, a vossas esposas, para que andem na fé que lhes foi entregue e na caridade e castidade. Que amem seus maridos com inteira fidelidade e estimem a todos com recato. Eduquem os filhos na disciplina do Senhor (cf. Ef 5,23). As viúvas ensinemos a serem versadas na doutrina do Senhor, intercedendo sem cessar por todos, afastadas de toda a impostura, maledicência, falso testemunho, da avareza e de todo mal. Conscientes de serem altar de Deus e de que ele tudo vê claramente, nada lhe escapa de apreciações, de pensamentos e dos segredos do coração (cf. 1Tm 5).

Sabendo, portanto, que não se zomba de Deus (Gl 6,7), devemos caminhar de modo digno conforme seu preceito manifesto. Igualmente têm os diáconos de ser irrepreensíveis em face da justiça, como ministros de Deus e do Cristo, não dos homens. Não sejam maldizentes, falsos, ávaros (1Tm 3,6s), mas sóbrios em tudo, misericordiosos, dedicados, vivendo de acordo com a verdade do Senhor que se fez o servo de todos. Se lhes formos agradáveis neste mundo, seremos recompensados no outro, como nos prometeu: ele ressuscitará dos mortos a cada um de nós. Se vivermos de modo digno dele, também com ele reinaremos (2Tm 2,12), já que temos fé.

-- Da carta aos Filipenses, de São Policarpo, bispo e mártir (século II)

18 de set. de 2010

Quem vive bem, irá morrer bem

A regra geral "quem vive bem, irá morrer bem" deve ser mencionada antes de tudo, pois sendo a morte nada mais que o fim da vida, é certo que quem viver bem até o final da sua vida, morrerá bem; nem pode morrer doente quem que nunca estiver doente; por outro lado, quem nunca tiver vivido bem, não poderá morrer bem. A mesma coisa é observável em muitos casos similares: todos que houverem percorrido o caminho certo poderão chegar aos seus destinos; ao contrário, aqueles que vaguearem por aí, jamais chegarão ao final de sua jornada.

Também, quem se aplicar diligentemente aos estudos, logo se tornará sábio doutor; mas aqueles que não se dedicarem, serão ignorantes. Mas, talvez, alguém mencione o exemplo do Bom Ladrão, que viveu de maneira errada e morreu corretamente. Este não é o caso; pois o Bom ladrão teve uma vida santa e, portanto, teve uma morte também santa. Mas, mesmo entendendo que ele dispendeu grande parte dos seus dias na maldade, outra parte de sua vida foi tão bem dispendida que ele facilmente se arrependeu de seus pecados e ganhou as maiores graças do céu.

Queimando com o amor de Deus, ele abertamente defendeu nosso Salvador das calunias de Seus inimigos; e dirigiu-se com a mesma caridade a seu vizinho, ele repreendeu e admosteu, dizendo: "Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto à nós, é de justiça; pagamos por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal" (Lc 23, 40-41). Nem estava ele morto quando, confessando e chamando por Cristo, ele pronunciou estas nobres palavras: "Jesus, lembra-te de mim quando vieres com teu reino" (Lc 23, 42). O Bom Ladrão então chegou para ser um daqueles que chegaram por último na vinha e, no entanto, recebererão a mesma recompensa dos primeiros.

Verdade, por isso, a sentença "quem vive bem, irá morrer bem"; e "quem viver mal, morrerá mal". Nós temos que concordar que é mais perigoso adiarmos nossa conversão dos pecados para a virtude: muito mais feliz são os que aceitam o jugo do Senhor desde sua juventude, como disse Jeremias; e extremamente abençoados são aqueles "que não são contaminados por mulheres, e em cuja boca não se encontram mentiras, pois estão sem manchas, em frente ao trono de Deus. Estes foram resgatados dentre os homens, como primícias para Deus e para o Cordeiro" (Ap 14,3-5). Exemplos são Jeremias, São João, "mais que um profeta", e acima de todos, a Mãe de nosso Senhor, bem como todos a quem Deus reconheceu.
A primeira grande verdade, agora, está estabelecida, pois uma boa morte depende de uma boa vida.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
 
-- Nota: sempre que possível procuro utilizar fontes creditáveis, como textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês. Minha fonte está disponível aqui.

17 de set. de 2010

A elevação da mente a Deus, de São Roberto Belarmino

Senhor, prometes aos que guardam os mandamentos um prêmio, coisas mais desejáveis que ouro em abundância e mais doces que o favo de mel? Sim, prometes um prêmio imenso, nas palavras de teu apóstolo Tiago: O Senhor preparou a coroa da vida para os que o amam (Tg 1,12). E que é a coroa da vida? É o maior bem que nem podemos imaginar e desejar. Com efeito, assim fala São Paulo, citando Isaías: Os olhos não viram, os ouvidos não ouviram nem subiu ao coração do homem o que Deus preparou para os que o amam (1 Cor 2,9; cf Is 64, 1-3; 65,17).

Verdadeiramente, há grande recompensa em guardar teus mandamentos. E não apenas o primeiro e máximo mandamento é de proveito para quem obedece, e não para Deus que ordena; mas também todos os outros  aperfeiçoam, ornam, instruem, ilustram aquele que obedece e, por fim o tornam bom e feliz. Se és sensato entende que foste criado para a glória de Deus e tua salvação eterna. É este o teu fim, este o centro de tua alma, este o tesouro de teu coração. Se chegares a este fim, serás feliz; se nele falhares, serás infeliz.

Por conseguinte, tem por verdadeiro bem aquilo que te leva a teu fim; e por mal, o que te separa deste fim. Prosperidade e adversidade, riqueza e indigência, saúde e doença, honras e vexames, vida e morte, nem uma delas o sábio procura por si mesmo nem delas foge. Mas se concorrem para a glória de Deus e tua eterna felicidade, são boas e desejáveis; se as impedem, são más; mas deve-se fugir delas.

-- Do Tratado sobre a elevação da mente a Deus, de São Roberto Belarmino (século XVII)

16 de set. de 2010

Se Deus ama todos os seres.

O segundo discute-se assim. — Parece que Deus não ama todos os seres.

1. — Pois, o amor põe o amante fora de si e, de certo modo, o transfere para o amado. Ora, é impróprio dizer que Deus, exteriorizando-se a si mesmo, se transfere aos outros seres. Logo, é inadmissível que Deus ame seres diversos de si.

2. Demais. — O amor de Deus é eterno. Ora, os outros seres, diferentes de Deus, não existem abeterno senão em Deus. Logo, Deus não os ama senão em si mesmo. Mas, enquanto estão nele, dele não diferem. Portanto, Deus não ama seres diversos de si.

3. Demais. — O amor é duplo: de concupiscência ou de amizade. Ora, Deus não ama as criaturas irracionais por amor de concupiscência, porque de nada precisa, além de si mesmo; e nem pelo de amizade, que não pode existir em relação aos irracionais, como está claro no Filósofo. Logo, Deus não ama todos os seres.

4. Demais. — A Escritura diz (Sl 5, 6): Aborrece a todos os que obram a iniqüidade. Ora, nada pode ser ao mesmo tempo odiado e amado. Logo, Deus não ama todos os seres.

Mas, em contrário, a Escritura (Sb 11, 24): Tu amas todas as coisas que existem e não aborreces nada que fizeste.

SOLUÇÃO. — Deus ama tudo o que existe, porque tudo o que existe, na medida mesma em que existe, é bom; pois, o ser mesmo de qualquer coisa, assim como qualquer perfeição sua, é um bem. Ora, já demonstramos que a vontade de Deus é a causa de todos os seres. Donde resulta necessariamente, que um ente tem o ser, ou qualquer bem, na medida mesma em que é querido de Deus. Logo, a cada ser existente Deus quer algum bem. Por onde, o amor não sendo senão querer bem a alguém, é claro que Deus ama tudo quanto existe. Não porém como nós. Pois, longe de ser causa da bondade das coisas, a nossa vontade é movida por essa bondade, como pelo seu objeto. O nosso amor, pelo qual queremos bem a alguém, não é a causa da bondade desse ser; mas, inversamente, a bondade verdadeira ou suposta do ser, a quem queremos bem, provoca o nosso amor, que nos faz querer que tal se conserve o bem que possui e se lhe acrescente o que não possui; e para isso cooperamos. Ao contrário, o amor de Deus infunde e cria a bondade dos seres.

São Tomas de Aquino, doutor da Igreja
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O amante, transferindo-se para o amado, exterioriza-se a si mesmo, enquanto quer o bem para o amado e obra, pela sua providência, como se o fizesse para si próprio. Por isso, diz Dionísio: Devemos ousar dizer, que é verdade que a própria causa de tudo, por abundância da bondade amante, se exterioriza a si mesma, pela providência para com tudo o que existe.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Embora as criaturas não existissem abeterno senão em Deus, contudo, por terem nele existido desse modo, Deus as conheceu abeterno nas suas naturezas próprias. E pela mesma razão as amou. Assim como nós, pelas semelhanças das coisas que em nós existem, conhecemos as que existem em si mesmas.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Só pode haver amizade para com as criaturas racionais, capazes de retribuir o amor e de participarem das obras da vida. E às quais é próprio suceder bem ou mal, conforme a fortuna e a felicidade; assim como também lhes é própria a benevolência. Mas, as criaturas irracionais não podem chegar a amar a Deus nem à participação da vida intelectual e feliz, que Deus vive. Portanto Deus, propriamente falando, não ama as criaturas irracionais, por amor de amizade mas, como por amor de concupiscência, ordenando-as às racionais. E mesmo a si próprio; não que delas precise, mas, pela sua bondade e para nossa utilidade. Pois, nós desejamos alguma coisa tanto para nós como para os outros.

RESPOSTA À QUARTA. — Nada impede que, a uma luz, amemos, e, a outra, odiemos a uma mesma coisa. Assim, Deus ama os pecadores enquanto têm uma certa natureza; pois, como tais, existem e provêm de Deus. Mas enquanto pecadores não existem, mas, têm o ser falho; e, como isso não lhes vem de Deus, são, como tais odiados dele.

-- Do Livro Suma Teológica, de Santo Tomas de Aquino (século XIII)

14 de set. de 2010

Na Festa da Exaltação da Santa Cruz

Celebramos a festa da cruz; por ela as trevas são repelidas e volta a luz. Celebramos a festa da cruz e junto com o Crucificado somos levados para o alto para que, abandonando a terra com o pecado, obtenhamos os céus. A posse da cruz é tão grande e de tão imenso valor que seu possuidor possui um tesouro.

É, portanto, grande e preciosa a cruz. Grande sim,porque por ela grandes bens se tornaram realidade; e tanto maiores quanto, pelos milagres e sofrimentos de Cristo, mais excelentes quinhões serão distribuídos. Preciosa também porque a cruz é paixão e vitória de Deus: paixão, pela morte voluntária nesta mesma paixão; e vitória porque o diabo é ferido e com ele a morte é vencida. Assim, arrebentadas as prisões dos infernos, a cruz também se tornou a comum salvação de todo o mundo.


É chamada ainda de glória de Cristo, e dita a exaltação de Cristo. Vemo-la como o cálice desejável e o termo dos sofrimentos que Cristo suportou por nós. Que a cruz seja a glória de Cristo, escuta-o a dizer: Agora, o Filho do homem é glorificado e nele Deus é glorificado e logo o glorificará (Jo 13,31-32). E de novo: Glorifica-me tu, Pai, com a glória que tinha junto de ti antes que o mundo existisse (Jo 17,5). E repete: Pai, glorifica teu nome. Desceu então do céu uma voz: Glorifiquei-o e tornarei a glorificar (Jo 12,28), indicando aquela glória que então alcançou na cruz.
 
-- Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo   (século VIII)

13 de set. de 2010

Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro

Sobrevêm muitas ondas e fortes tempestades, mas não tememos afogar, pois estamos firmados sobre a pedra. Enfureça-se o mar, não tem forças para destruir a pedra. ergam-se as vagas, não podem submergir o navio de Cristo. Pergunto eu: que tememos? A Morte? Para mim, viver é Cristo e morrer é lucro (Fl 1, 21). O exílio talvez, dizes-me? Do Senhor é a terra e tudo quanto contém (Sl 23, 1). A confiscação dos bens? Nada trouxemos para o mundo e, é certo, nada daqui poderemos levar (1Tm 6, 7); os pavores deste mundo são desprezíveis, e seus bens, merecedores de riso. Não tenho medo da pobreza, não ambiciono riquezas, não temo a morte, nem prefiro viver a não ser para vosso proveito. Por isso recordo os acontecimentos atuais e rogo à vossa caridade que tenhais confiança.

Cristo está comigo, a quem temerei? Mesmo que as ondas, os mares, o furor dos príncipes se agitem contra mim, tudo isto não me impressiona mais do que uma aranha. E se a vossa caridade não me retivesse, não recusaria partir ainda hoje mesmo para outro lugar. Repito sempre: Senhor, faça-se a tua vontade (Mt 26, 42); não o que quer este ou aquele, mas o que tu queres. Esta é a minha torre, minha pedra imóvel; este é o meu báculo firme. Se Deus quiser isto, faça-se. Se quiser que permaneça aqui, agradecerei. Onde quer que me queira, darei graças.

-- Das Homílias de São João Crisóstomo, bispo (século IV) 

12 de set. de 2010

Carta ao Rei Henrique II, de Santa Hidegarde de Bingen


Para um certo homem, que ocupa uma posição importante, diz o Senhor: "Os dons são vossos para doá-los: governando, defendendo, protegendo e provendo, podes ganhar os céus." Mas um pássaro preto e lhe diz: "tens o poder para fazer tudo que desejares. Portanto, faças isto ou aquilo, tome esta decisão e aquela outra, pois buscar a Justiça não é o melhor para vós, pois se sempre estiveres procurando-a, serás escravo dela, não o mestre." Não olhes o ladrão que lhe dá este conselho. Ao contrário, procure mais diligentemente vosso Pai, Ele que te criou, pois tens boas intenções e podes fazer o bem se não te deixares influenciar pela esquálida moral daqueles que te cercam, como tem ocorrido há algum tempo. Querido Filho de Deus, corajosamente afaste-se destas coisas e chame pelo teu Pai, que estende suas mãos para te auxiliar.

-- Santa Hildegarda de Bingen, em uma carta escrito para o Rei  Henrique II antes do assassinato de Thomas Becket, Arcebispo de Cantuária, século XII.


-- Canto Ave Generosa, composto por Hildegarda de Bingen

O Filho Pródigo (Lc 15, 11-32), sermão de Santo Agostinho

O patrimônio que o filho recebeu do Pai é a inteligência, a mente, a memória, o engenho e tudo o que Deus nos deu para que O conhecêssemos e Lhe déssemos culto. Tendo recebido este patrimônio, o filho menor "partiu para um país muito distante". Distância significa: o esquecimento de seu Criador. "Dissipou sua herança vivendo dissolutamente": gastando e não ajuntando; malbaratando tudo o que tinha e não adquirindo o que não tinha, isto é, consumindo toda sua capacidade em luxúria, em ídolos, em todo tipo de desejos perversos, aos que a Verdade denominou meretrizes.

Não é de admirar que essa orgia acabasse em fome. "Sobreveio àquela região uma grande fome"; fome não de pão visível mas da verdade invisível. E, por causa da fome, "foi pôr-se a serviço de um dos senhores daquela região": entenda-se o diabo, o senhor dos demônios. Alimentava-se então das vagens de porcos sem poder saciar-se. Vagens são as vistosas doutrinas do mundo: servem para ostentar mas não para sustentar; alimento digno para porcos, mas não para homens: próprias para dar aos demônios deleitação, mas não aos fiéis justificação.

Até que, por fim, tomou consciência do lugar em que tinha caído; do quanto tinha perdido; Quem tinha ofendido e a quem se tinha submetido. Reparai no que diz o Evangelho: "Entrando em si..."; primeiramente, voltou-se para si e só assim pôde voltar para o pai. Dizia talvez: "O meu coração me abandonou (isto é: saí de mim mesmo)" (Sl 40,13); daí que fosse necessário, antes, voltar para si mesmo e assim perceber que se encontrava longe do pai. É o que diz a Escritura quando increpa a alguns, dizendo: "Voltai, pecadores, ao coração! (isto é: voltai, pecadores, a vós mesmos!)" (Is 46,8). Voltando para si mesmo, encontrou-se miserável: "Encontrei, diz ele, a tribulação e a dor e invoquei o nome do Senhor" (Sl 116,3-4). "Quantos empregados, diz ele, há na casa de meu pai, que têm pão em abundância, e eu, aqui, a morrer de fome!"

Levantou-se e voltou. Ele, caído por terra depois de contínuos tropeços. O pai o vê ao longe e sai-lhe ao encontro. É dele que fala o Salmo: "Entendeste meus pensamentos de longe" (Sl 139,2). Que pensamentos? Aqueles que o filho tinha em seu interior: "Levantar-me-ei e irei a meu pai, e dir-lhe-ei: Meu pai, pequei contra o céu e contra ti; já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como a um dos teus empregados". Ele ainda nada tinha dito, só pensava em dizer. O pai, porém, ouvia como se o filho já o estivesse dizendo.

E assim se diz em outro Salmo: "Eu disse: confessarei minha iniqüidade ao Senhor" (Sl 32,5). Vede como se trata ainda de algo interior a ele, de um mero projeto e, contudo, acrescenta imediatamente: "E tu já perdoaste a impiedade de meu coração" (Sl 32,5). Quão próxima está a misericórdia de Deus daquele
que se confessa!

E o pai ordena que o vistam com a primeira veste, aquela que Adão perdera ao pecar. Tendo recebido o filho em paz, tendo-o beijado, ordena que lhe dêem uma veste: a esperança de imortalidade, conferida no batismo. Ordena que lhe dêem um anel, penhor do Espírito Santo; calçado para os pés, como preparação para o anúncio do Evangelho da paz, para que sejam formosos os pés dos que anunciam a boa nova.

Estas coisas Deus faz através de seus servos, isto é, os ministros da Igreja. Acaso eles podem, por si próprios, dar veste, anel e calçados? Não, apenas cumprem seu ministério, desempenham seu ofício; quem dá é Aquele de cujo depósito e de cujo tesouro são extraídos estes dons.

-- Do Sermão sobre o Filho Pródigo, de Santo Agostinho, século IV.

9 de set. de 2010

Os Pastores são modelos para suas ovelhas

Não é agora a primeira vez que ouvis dizer que toda a nossa esperança está em Cristo e que n'Ele está toda a nossa glória verdadeira. Esta é uma verdade evidente e familiar para vós que pertenceis ao rebanho d'Aquele que vigia e apascenta Israel. Mas porque há pastores a quem agrada o nome de pastores, mas não querem cumprir os deveres de pastores, consideremos o que lhes diz o Senhor pela boca do Profeta. Escutai vós com atenção, ouçamos nós com temor.

O Senhor mostrou o que estes pastores amam, mostrou também o que negligenciam. Os males das ovelhas estendem-se por toda parte. As sadias e robustas, isto é, as fortes pelo alimento da verdade, que se aproveitam bem das pastagens, por dom de Deus, são pouquíssimas. Os maus pastores, porém, não as poupam. É-lhes pouco não cuidarem das doentes, das fracas, das desgarradas e perdidas. Tanto quanto podem, também matam as fortes e gordas. Mas estas continuam vivas. Vivem pela misericórdia de Deus. Contudo, no que diz respeito aos maus pastores, eles matam. “Matam de que modo?” perguntas. Vivendo mal, dando mau exemplo. Foi em vão que se disse ao servo de Deus, ao colocado mais alto entre os membros do supremo Pastor: Mostrando-te a todos como exemplo de boas obras? e: Sê modelo dos fiéis (cf. 1Tm 4,12).

Presenciando continuamente a má conduta de seu pastor, uma ovelha, mesmo forte, se desviar os olhos dos preceitos do Senhor e fixá-los no homem, começará a dizer em seu coração: “Se meu superior vive desse modo, quem sou eu para não fazer o que ele faz?” Matou a ovelha forte. Se matou a forte a quem não alimentou, que fará com as outras, ele que, vivendo mal, destruiu o que encontrara forte e robusto?

Digo à vossa caridade e repito. Mesmo que as ovelhas continuem vivas, ainda que sejam fortes pela palavra do Senhor e guardem o que dele ouviram: Fazei o que dizem, não o que fazem (Mt 23,3). Contudo aquele ue vive mal diante do povo, no que lhe diz respeito, mata o que o observa. Não se iluda porque se vê que ele não morreu. Este continua vivo, aquele é homicida.

Assim como um homem que olha para uma mulher desejando-a, embora ela permaneça casta, ele já cometeu adultério. É verdadeira e clara a palavra do Senhor: Quem olhar para uma mulher com mau desejo, já cometeu adultério em seu coração (Mt5,28). Não entrou em seu quarto, mas no quarto de seu coração já a abraçou.

Assim, quem vive mal diante de seus subordinados, no que lhe diz respeito, mata até os fortes. Quem o imita, morre; quem não o imita, vive. No entanto, quanto a ele, destrói a ambos. E o que é robusto matais e não apascentais minhas ovelhas (Ez 34,3).

-- Do sermão sobre os pastores, de Santo Agostinho, bispo (século V)

8 de set. de 2010

Sobre a Festa da Natividade de Nossa Senhora

O fim da lei é Cristo (Rm 10,4), que ao mesmo tempo separa da lei e eleva para o espírito. Nele está a consumação, pois o próprio legislador – tendo cumprido e terminado tudo – transfere a letra para o espírito. Assim tudo recapitula em si mesmo, vivendo a graça depois da lei. A lei, porém, submetida; a graça, harmoniosamente adaptada e unida. Não misturadas e confundidas as características de uma com as da outra, mas mudado de modo divino o que era pesado, servil e escravo, em leve e liberto, para que não mais estejamos reduzidos à servidão dos elementos do mundo (Gl 4,3), como diz o Apóstolo, nem sujeitos ao jugo da escravidão da letra da lei.

É este o resumo dos benefícios de Cristo para nós; é esta a manifestação do mistério; é o aniquilamento da natureza; é Deus e homem; é a deificação do homem assumido. Todavia era absolutamente necessário ao esplendor e à evidência da vinda de Deus aos homens uma introdução jubilosa, antecipando para nós o grande dom da salvação. Este é o sentido da solenidade de hoje que tem início na natividade da Mãe de Deus, cuja conclusão perfeita é a predestinada união do Verbo com a carne. Agora a Virgem nasce, é alimentada com leite, plasmada e preparada como mãe para o Deus e rei de todos os séculos.

Neste momento, foi-nos dado duplo proveito: um, a elevação à verdade; outro, a rejeição da servidão e da vida sob a letra da lei. De que modo, com que fim? Pelo desaparecimento da sombra com a chegada da luz; em lugar da letra, a graça que dá a liberdade. Nossa solenidade está na fronteira entre a letra e a graça, unindo a realidade que chega aos símbolos que a figuravam, substituindo o antigo pelo novo.

Portanto cante e exulte toda a criação e contribua com algo digno para a alegria deste dia. É um só o júbilo dos céus e da terra; juntos festejem tudo quanto está unido no mundo e acima do mundo. Pois hoje se construiu o templo criado do Criador de tudo, e pela criatura, de forma nova e bela, preparou-se nova morada para o seu Autor.

-- Dos Sermões de Santo André de Creta, bispo (século VIII)

6 de set. de 2010

Sobre o Pai Nosso

É coisa para louvar muito ao Senhor ver como é subida em perfeição esta oração evangélica, no que bem mostra ser ordenada por tão bom Mestre, e assim podemos, filhas, cada uma de nós, tomá-la a seu propósito. Pasmo de ver como, em tão poucas palavras, está encerrada toda a contemplação e perfeição, que parece não termos necessidade de outro livro, senão de estudar neste.

Parece-me que, devendo esta oração ser geral para todos, Sua Majestade deixou-a assim para que pudesse cada um pedir a seu propósito e se consolasse, parecendo-nos que a entendemos bem. E assim os contemplativos, que já não querem coisas da terra, e as pessoas já muito dadas a Deus, peçam as mercês do Céu que, pela grande bondade de Deus, se podem receber aqui na terra. Os que ainda vivem nela e é bem que vivam conforme o seu estado, peçam também o pão com que se hão-de sustentar e sustentam suas casas, e assim as demais coisas, conforme as suas necessidades.

Mas olhem que estas duas coisas, ou seja dar-Lhe a nossa vontade e perdoar, são para todos. Verdade é que há nisto mais e menos, como ficou dito; os perfeitos darão a vontade como perfeitos e perdoarão com a perfeição que já disse; e nós, irmãs, faremos o que pudermos, pois o Senhor tudo recebe. Dir-se-ia uma espécie de contrato, que Ele faz da nossa parte com Seu Eterno Pai, como quem diz: Fazei Vós isto, Senhor, e meus irmãos farão estoutro. Pois é certo que, da Sua parte, não falhará. Oh! oh! é muito bom pagador e paga mui sem medida.

Do Livro Caminho da Perfeição, capítulo 37, de Santa Teresa de Ávila, virgem (século XVI)

O texto completo do livro pode ser encontrado no site dos Freis Carmelitas.

4 de set. de 2010

Credo de Atanásio

O Credo de Atanásio (Quicumque vult) é subscrito pelos três principais ramos da Igreja Cristã (Católicos Romanos, Católicos Ortodoxos e Protestantes).  Geralmente é atribuído a Atanásio, Bispo de Alexandria (século IV), mas estudiosos do assunto conferem a ele data posterior (século V). Sua forma final teria sido alcançada apenas no século VIII.

Na Igreja Católica Romana, era tradicionalmente utilizado nos Domingos após a Epifania e Pentecostes, exceto se ocorresse outra festa na mesma data. Nas reformas do Concílio Vaticano II, seu uso ficou restrito ao Domino da Trindade. É mantido no rito do exorcismo, conforme especificado na carta Summorum Pontificum, do Papa Bento XVI.

  1. Quem quiser salvar-se deve antes de tudo professar a fé católica.
  2. Porque aquele que não a professar, integral e inviolavelmente, perecerá sem dúvida por toda a eternidade.
  3. A fé católica consiste em adorar um só Deus em três Pessoas e três Pessoas em um só Deus.
  4. Sem confundir as Pessoas nem separar a substância.
  5. Porque uma so é a Pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo.
  6. Mas uma só é a divindade do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, igual a glória, coeterna a majestade.
  7. Tal como é o Pai, tal é o Filho, tal é o Espírito Santo.
  8. O Pai é incriado, o Filho é incriado, o Espírito Santo é incriado.
  9. O Pai é imenso, o Filho é imenso, o Espírito Santo é imenso.
  10. O Pai é eterno, o Filho é eterno, o Espírito Santo é eterno.
  11. E contudo não são três eternos, mas um só eterno.
  12. Assim como não são três incriados, nem três imensos, mas um só incriado e um só imenso.
  13. Da mesma maneira, o Pai é onipotente, o Filho é onipotente, o Espírito Santo é onipotente.
  14. E contudo não são três onipotentes, mas um só onipotente.
  15. Assim o Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus.
  16. E contudo não são três deuses, mas um só Deus.
  17. Do mesmo modo, o Pai é Senhor, o Filho é Senhor, o Espírito Santo é Senhor.
  18. E contudo não são três senhores, mas um só Senhor.
  19. Porque, assim como a verdade cristã nos manda confessar que cada uma das Pessoas é Deus e Senhor, do mesmo modo a religião católica nos proíbe dizer que são três deuses ou senhores.
  20. O Pai não foi feito, nem gerado, nem criado por ninguém.
  21. O Filho procede do Pai; não foi feito, nem criado, mas gerado.
  22. O Espírito Santo não foi feito, nem criado, nem gerado, mas procede do Pai e do Filho.
  23. Não há, pois, senão um só Pai, e não três Pais; um só Filho, e não três Filhos; um só Espírito Santo, e não três Espíritos Santos.
  24. E nesta Trindade não há nem mais antigo nem menos antigo, nem maior nem menor, mas as três Pessoas são coeternas e iguais entre si.
  25. De sorte que, como se disse acima, em tudo se deve adorar a unidade na Trindade e a Trindade na unidade.
  26. Quem, pois, quiser salvar-se, deve pensar assim a respeito da Trindade.
  27. Mas, para alcancar a salvacão, é necessário ainda crer firmemente na Encarnação de Nosso Senhor Jesus Cristo.
  28. A pureza da nossa fé consiste, pois, em crer ainda e confessar que Nosso Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, é Deus e homem.
  29. É Deus, gerado na substância do Pai desde toda a eternidade; é homem porque nasceu, no tempo, da substância da sua Mãe.
  30. Deus perfeito e homem perfeito, com alma racional e carne humana.
  31. Igual ao Pai segundo a divindade; menor que o Pai segundo a humanidade.
  32. E embora seja Deus e homem, contudo não são dois, mas um só Cristo.
  33. É um, não porque a divindade se tenha convertido em humanidade, mas porque Deus assumiu a humanidade.
  34. Um, finalmente, não por confusão de substâncias, mas pela unidade da Pessoa.
  35. Porque, assim como a alma racional e o corpo formam um só homem, assim também a divindade e a humanidade formam um só Cristo.
  36. Ele sofreu a morte por nossa salvação, desceu aos infernos e ao terceiro dia ressuscitou dos mortos.
  37. Subiu aos Ceus e está sentado a direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos.
  38. E quando vier, todos os homens ressuscitarão com os seus corpos, para prestar conta dos seus atos.
  39. E os que tiverem praticado o bem irão para a vida eterna, e os maus para o fogo eterno.
  40. Esta é a fé católica, e quem não a professar fiel e firmemente não se poderá salvar

3 de set. de 2010

Cristo não quer perdoar nada sem a Igreja

Duas são as coisas que só a Deus convêm: a honra do louvor e o poder de perdoar. O louvor somos nós que lhe damos; o perdão, dele nós esperamos. Pertence somente a Deus perdoar os pecados; por isso ele deve ser louvado. Tudo quanto é do Pai é do Filho, e o que é do Filho é do Pai., por serem um só por natureza. De modo semelhante, tudo quanto era seu deu o esposo (o Filho) à esposa (a Igreja), e tudo da esposa o esposo tomou para si; e dela, unida a si, e do Pai fez também um só. Quero, disse o Filho ao Pai, intercedendo pela esposa, que assim como eu e tu somos um, também estes sejam um conosco (Jo 17,21).

Sem Cristo nada pode a Igreja perdoar; nada quer Cristo perdoar sem a Igreja. A Igreja não pode perdoar a não ser ao penitente, isto é, àquele a quem Cristo tocou. Cristo não quer ter por perdoado aquele que despreza a Igreja. O que Deus uniu, o homem não separe. Digo eu, é grande este sacramento no Cristo e na Igreja (Mt 19, 6; Ef 5,32).

-- Dos Sermões do Bem-aventurado Isaac, Abade do Mosteiro de Stella (século XII)

1 de set. de 2010

Os graus da contemplação

Caríssimos, o primeiro grau da contemplação é que consideremos sem cessar o que quer o Senhor, o que lhe agrada, aquilo que é aceito diante dele. E já que em muitas coisas todos nós faltamos (Tg 3,2) e nossa força vai de encontro à retidão de sua vontade, sem poder unir-se ou adaptar-se a ela, humilhemo-nos sob a poderosa mão do Deus altíssimo e procuremos mostrar-nos bem miseráveis aos olhos da misericórdia, dizendo: Cura-me, Senhor, e ficarei curado; salva-me e serei salvo (Jr 17,14), e ainda: Senhor, tem compaixão de mim, cura minha alma porque pequei contra ti (Sl 40, 5).

Tendo-nos adiantado um pouco no exercício espiritual, guiados pelo Espírito, perscrutador das profundezas de Deus, pensemos na suavidade do Senhor, como é bom em si mesmo. Com o profeta, roguemos ver a vontade de Deus e visitar já não mais nosso coração, mas seu templo; dizendo contudo: Dentro de mim, minha alma está perturbada: por isso lembrar-me-ei de ti (Sl 41,7).

Nestes dois pontos consiste toda a nossa vida espiritual: olhando para nós, nos perturbemos e entristeçamos, para nossa salvação; e respiremos desafogados na consideração das coisas divinas, para recebermos a consolação na alegria do Espírito Santo. De lá nos venha o temos e a humildade e daqui, brote em nós a esperança e a caridade.

-- Dos Sermões de São Bernardo, abade (século XII)

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