30 de mai. de 2013

Indissolubilidade do matrimônio

Como temos esperança na vida eterna, desprezamos as coisas da vida presente e até os prazeres da alma, tendo cada um de nós por mulher aquela que tomou conforme as leis estabelecidas por nós e com a finalidade de procriar filhos. 

Assim como o lavrador, jogada a semente na terra, espera a colheita e não continua semeando, do mesmo modo, para nós, a medida do desejo é a procriação de fïlhos. E até é fácil encontrar muitos dentre nós, homens e mulheres, que chegaram celibatários à velhice, com a esperança de um relacionamento mais íntimo com Deus. Se o viver na virgindade e castração aproxima mais de Deus e só o pensamento e o desejo separa, se fugimos dos pensamentos, quanto mais não recusaremos as obras? 

Nossa religião não se mede pelos discursos cuidadosos, mas pela demonstração e ensinamento de obras: ou se permanece como nasceu, ou não se contrai mais do que um matrimônio, pois o segundo é um adultério decente. A Escritura diz: "Quem deixa sua mulher e casa com outra, comete adultério", não permitindo deixar aquela cuja virgindade desfez, nem casar-se novamente. Quem se separa de sua primeira mulher, mesmo quando morreu, é adúltero dissimulado, transgredindo a mão de Deus, pois no princípio Deus formou um só homem e uma só mulher, desfazendo a comunidade da carne com a carne, segundo a unidade para a união dos sexos.

Nós que somos assim (por que devo falar o que não pode ser dito?), temos que ouvir o provérbio: "A prostituta para a casta". Com efeito, os que fazem mercado de prostituição e constroem para os jovens prostíbulos para todo prazer vergonhoso; os que não perdoam nem aos homens, cometendo atos torpes homens com homens; os que ultrajam de mil modos os corpos mais respeitáveis e mais formosos, desonrando a beleza feita por Deus (pois a beleza não nasce espantaneamente da terra, mas é enviada pela mão e desígnio de Deus); esses nos atiram na cara aquilo de que têm consciência, o que eles chamam de deuses, adúlteros e pederastas insultando aos virgens e monógamos. 

Eles que vivem como peixes (pois devoram quem lhes cai na boca, o mais forte atacando o mais fraco - isso sim é alimentar-se de carnes humanas - e que, tendo leis estabelecidas por vossos antecessores após maduro exame para toda a justiça, violentam-se os homens contra elas, de modo que não são suficientes os governadores mandados por vós para os julgamentos); esses, dizíamos, acusam os que não podem deixar de se apresentar aos que os golpeiam nem de abençoar os que os amaldiçoam. Para nós não basta ser justos - a justiça consiste em dar o mesmo aos iguais - mas nos é proposto que sejamos bons e pacientes.

-- Da Petição em Favor dos Cristãos, de Atenágoras de Atenas (século II)

27 de mai. de 2013

Desapego dos bens terrenos e caridade cristã

Como em todos os períodos mais tormentosos da história da Igreja, assim hoje também o remédio fundamental é uma sincera renovação da vida privada e pública, segundo os princípios do Evangelho em todos aqueles que se gloriam de pertencer ao Rebanho de Cristo, a fim de serem verdadeiramente o sal da terra, que preserve a sociedade humana de tal corrupção.

Não podemos, contudo, negar que muito resta ainda por fazer neste caminho da renovação espiritual. Até mesmo em países católicos, demasiados são os que são católicos quase só de nome; demasiados, aqueles que, seguindo embora mais ou menos fielmente as práticas mais essenciais da religião que se ufanam de professar, não se preocupam de melhor a conhecer, nem de adquirir convicções, mais íntimas e profundas, e menos ainda de fazer que ao verniz exterior corresponda o interno esplendor de uma consciência reta e pura, que sente e cumpre todos os seus deveres sob o olhar de Deus. Sabemos quanto o Divino Salvador aborrece esta vã e falaz exterioridade, Ele que queria que todos adorassem o Pai “em espírito e verdade” (Jo 4, 23). Quem não vive verdadeira e sinceramente segundo a fé que professa, não poderá hoje, que tão violento sopra o vento da luta e da perseguição, resistir por muito tempo, mas será miseravelmente submergido por este novo dilúvio que ameaça o mundo; e assim, enquanto se prepara por si mesmo a própria ruína, exporá também ao ludibrio o nome cristão.

E neste passo queremos, Veneráveis Irmãos, insistir mais particularmente sobre dois ensinamentos do Senhor, que têm especial conexão com as atuais condições do gênero humano: o desapego dos bens terrenos e o preceito da caridade. “Bem-aventurados os pobres de espírito” foram as primeiras palavras que saíram dos lábios do Divino Mestre no sermão da Montanha (Mt 5, 3). E esta lição é mais que nunca necessária, nestes tempos de materialismo sedento de bens e prazeres da terra. Todos os cristãos, ricos ou pobres, devem ter sempre fixo o olhar no céu, recordando que “não temos aqui cidade permanente, mas vamos buscando a futura” (Hbr 13, 14). Os ricos não devem pôr nas coisas da terra a sua felicidade, nem dirigir à conquista desses bens os seus melhores esforços; mas, considerando-se apenas como administradores que sabem terão de dar contas ao supremo Senhor, sirvam-se deles como de meios preciosos que Deus lhes concede para fazerem bem; e não deixem de distribuir aos pobres o supérfluo, segundo o preceito evangélico (cfr. Lc 11, 41). Doutra forma verificar-se-á neles e em suas riquezas a severa sentença de São Tiago Apóstolo: “Eia, pois, ó ricos, chorai, soltai gritos por causa das misérias que virão sobre vós. As vossas riquezas apodreceram, e os vossos vestidos foram comidos pela traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se e a sua ferrugem dará testemunho contra vós, e devorará as vossas carnes como um fogo. Juntastes para vós um tesouro de ira para os últimos dias...” (Tg 5, 1-3).

Mas os pobres, por sua vez, esforçando-se muito embora, segundo as leis da caridade e da justiça, por se proverem do necessário e até mesmo por melhorarem de condição, devem também permanecer sempre “pobres de espírito” (Mt 5, 3), estimando mais os bens espirituais que os bens e gozos terrenos. Recordem-se, além disso, que jamais se logrará fazer desaparecer do mundo as misérias, as dores, as tribulações, a que estão sujeitos ainda aqueles que exteriormente parecem mais felizes. E assim, a todos é necessária a paciência, aquela paciência cristã que eleva o coração às divinas promessas de uma felicidade eterna. “Sede, pois, pacientes, irmãos”, vos diremos ainda com São Tiago, “até à vinda do Senhor. Vede como o lavrador espera o precioso fruto da terra, tendo paciência, até que receba o (fruto) temporão e o serôdio. Sede, pois, pacientes também vós, e fortalecei os vossos corações; porque a vinda do Senhor está próxima” (Tg 5, 7-8). Só assim se cumprirá a consoladora promessa do Senhor: “Bem-aventurados os pobres”. E não é esta uma consolação e promessa vã, como são as promessas dos comunistas; mas são palavras de vida, que encerram uma realidade suprema, palavras que se verificam plenamente aqui na terra e depois na eternidade. E na verdade, quantos pobres, nestas palavras e na esperança do reino dos céus, proclamando já propriedade sua: “porque vosso é o reino de Deus” (Lc 6, 20), encontram uma felicidade, que tantos ricos não logram em suas riquezas, sempre inquietos e sempre torturados como andam pela sede de possuir ainda mais.

Muito mais importante ainda, como remédio do mal de que tratamos, ou pelo menos mais diretamente ordenado a curá-lo, é o preceito da caridade. Queremos referir-Nos àquela caridade cristã “paciente e benigna” (1 Cor 13, 4), que evita todos os ares de proteção humilhante e qualquer aparência de ostentação; aquela caridade, que desde os inícios do cristianismo ganhou para Cristo os mais pobres dentre os pobres, os escravos; e testemunhamos o Nosso reconhecimento a todos quantos nas obras de beneficência, desde as conferências de São Vicente de Paulo até às grandes organizações recentes de assistência social, têm exercido e exercem as obras de misericórdia corporal e espiritual. Quanto mais experimentarem em si mesmos os operários e os pobres o que o espírito de amor, animado pela virtude de Cristo, faz por eles, tanto mais se despojarão do preconceito de que o cristianismo perdeu a sua eficácia e a Igreja está da parte daqueles que exploram o seu trabalho.

Mas, quando vemos dum lado uma multidão de indigentes que, por várias causas alheias à sua vontade, estão verdadeiramente oprimidos pela miséria, e do outro lado, junto deles, tantos que se divertem inconsideradamente e esbanjam enormes somas em futilidades, não podemos deixar de reconhecer com dor que não é bem observada a justiça, mas que nem sempre se aprofundou suficientemente o preceito da caridade cristã nem se vive conforme a ele na prática cotidiana. Desejamos, portanto, Veneráveis Irmãos, que seja mais e mais explicado por palavra e por escrito este divino preceito, precioso distintivo deixado por Cristo a seus verdadeiros discípulos, este preceito, que nos ensina a ver nos que sofrem a Jesus em pessoa e nos impõe o dever de amar os nossos irmãos, como o divino Salvador nos amou a nós, isto é, até ao sacrifício de nós mesmos e, se necessário for, até da própria vida. Meditem, pois, todos e muitas vezes aquelas palavras consoladoras, por um lado, mas temerosas por outro, da sentença final que pronunciará o Juiz supremo no último dia: “Vinde benditos de meu Pai...; porque tive fome, e me destes de comer, tive sede e me destes de beber... Em verdade vos digo que todas as vezes que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim que o fizestes” (Mt 25, 34-40). E pelo contrário: “Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno... porque tive fome, e não me destes de comer; tive sede, e não me destes de beber... Na verdade vos digo: todas as vezes que o não fizestes a um destes mais pequeninos, foi a mim que o não fizestes” (Mt 25, 41-45).

Para assegurar, pois, a vida eterna, e poder eficaz mente socorrer os necessitados, é necessário voltar a uma vida mais modesta; renunciar aos prazeres, muitas vezes até pecaminosos, que o mundo hoje em dia oferece em tanta abundância; esquecer-se a si mesmo por amor do próximo. Virtude divina de regeneração se encontra neste “mandamento novo” (como lhe chamava Jesus) da caridade cristã (Jo 13, 34), cuja fiel observância infundirá nos corações uma paz interna desconhecida do mundo, e remediará eficazmente os males que afligem a humanidade.

-- Carta Encíclica Divinis Redemptoris, Papa Pio XI, publicada no dia 19 de Março de 1937




26 de mai. de 2013

A necessidade do mistério


É provável que muitos católicos pensem muito pouco sobre sua própria salvação, mas talvez não pela razão mais óbvia: a falta de diligência sobre a sua salvação é consequencia da secularização, pois somos parte de uma cultura que continuamente nos orienta para longe de Deus.

Mas uma segunda idéia dá conta de outro motivo: uma falsa segurança, injustificada, de que não temos muito com o que nos preocuparmos. Afinal, Cristo morreu pelos nossos pecados, e agora temos dois entendimentos: (1)  o sacrifício de Jesus é suficiente, os mandamentos foram cumpridos em sua plenitude e a nós cabe apenas amar o próximo e fazer o que nos convier (uma falsa interpretação de Santo Agostinho); ou (2) somos capazes de pelo nosso esforço de satisfazer a Deus (uma espécie de Pelagianismo, uma antiga heresia na Igreja).

De qualquer maneira, muitos passam pela vida pensando que a salvação é automática, ou, pelo menos, pode ser controlada inteiramente por nós quando envelhecermos. É um entendimento errado da Carta aos Filipenses: "continuem trabalhando com temor e tremor, para a salvação de vocês" (Fp 2,13b) O apóstolo não apenas diz isto para outros como também leva seriamente este ensinamento para a sua vida:

Tudo isso eu o faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dele. Vocês não sabem que no estádio todos os atletas correm, mas só um ganha o prêmio? Portanto, corram, para conseguir o prêmio. Os atletas se abstêm de tudo; eles, para ganhar uma coroa perecível; e nós, para ganharmos uma coroa imperecível. Quanto a mim, também eu corro, mas não como quem vai sem rumo. Pratico o pugilato, mas não como quem luta contra o ar. Trato com dureza o meu corpo e o submeto, para não acontecer que eu proclame a mensagem aos outros, e eu mesmo venha a ser reprovado. (1 Cor 9,23-27)

Se o apóstolo, que colocava sua vida nas mãos de Cristo, tinha esta atitude, o que dizer de nós? O Beato John Newman identificou uma parte importante do nosso problema quando observou que ambas atitudes incorretas sobre nossa salvação tem origem no nosso relacionamento com o Mistério de Deus:

Aqueles que acreditam poder agradar a Deus ou que a perfeita obediência possa ser atingida pelos seus prórios esforços, não tem mais respeito ou reverência por sua religião do que quando move seu corpo  e decide por sua cabeça. E aqueles que consideram a Paixão de Cristo como um fato que absolutamente assegura a sua própria salvação, até pode ver mistério na Cruz, mas não verá obediência, e terá pouco apreço pelas orações e celebrações. Será uma pessoa livre, que apenas presume a presença de Deus. 

Pois eis aí algo que os santos místicos facilmente compreenderam, pois percebem a Deus com um "mistério tremendo", algo tão superior à imaginação humana que pode apenas inspirar admiração. Aqui estamos nós, meros mortais, criados do nada e continuamente sustentados por Deus, cuja existência é Sua essência, Deus que apenas não pode ser! Somos, de fato, criados e sustentados por uma torrente de amor infinito que ainda não somos permitidos experimentar, ou seja, ver Deus face a face, pelo menos até morrermos. 

Além do mais, fracos e indecisos, somos dependentes deste amor. Não temos absolutamente nenhum direito de recebê-lo a não ser a partir da própria afirmação de Deus que deseja nos amar, do que deu provas no sacrifício da Cruz. Através do seu Filho, Jesus Cristo, Deus arcou com o horror dos nossos pecados, tornando-se "um verme, não um homem"(Sl 22,7). Uma inconcebível condescedência! Portanto agora, comparado com este incompreensível amor de Deus, comparado com o fogo perpétuo do seu amor, como alguém pode ser complacente sobre seus merecimentos para gozar a vida eterna? 

De fato, já foi dito que a familiaridade gera certo descaso. Algumas vezes é necessário dar um passo atrás e conterplarmos seriamente aquilo que consideramos simples e óbvio. Devemos ser absolutamente diligentes sobre nosso comportamente frente a Deus. De acordo com a Igreja, nenhum de nós pode ter plena certeza de sua salvação. Ao contrário, se procurarmos viver em Seu amor de consicência limpa, então podemos ter confiança nas promessas de Cristo. Ou, como escreveu São Paulo: Este é o nosso motivo de orgulho: o testemunho da consciência de que nos comportamos no mundo, e mais particularmente em relação a vocês, com a santidade e sinceridade que vêm de Deus. Não foram razões humanas que nos moveram, mas a graça de Deus. (2Cor 1,12)

A este estado não chegamos sem algum esforço, e uma vez alcançado, deve ser muito bem guardado. É exatamente o tipo de temor e terror que nos fala o salmista: Quem pode discernir os próprios erros? Purifica-me das faltas escondidas! (Sl 19,13). Não poderíamos, então, muito facilmente nos afastarmos desta graça de Deus ao não prestarmos atenção ao amor de Deus, nos acomodando em conversas e assuntos humanos? Não é exatamente isto que o Senhor condena? E porque transgredir os mandamentos de Deus apenas para satisfazer a sua própria vida? Por conta dos nossos desejos, tornamos a palavra de Deus vazia. Contra isto alertou o profeta Isaías e relembrou Jesus, quando disse: Esse povo me honra com os lábios, mas o coração deles está longe de mim. Não adianta nada eles me prestarem culto, porque ensinam preceitos humanos. (Mt 15,8-9).

Sim, é muito fácil reduzirmos o Amor de Deus a um comportamento convencional, nos contentarmos com as normas do nosso tempo e lugar, ficarmos complacentes com nossa salvação, esquecermos a inefável glória e terrível santidade de Deus. É exatamente este senso de mistério, muito frequentemente perdido nas constantes tarefas da vida moderna, que nos leva a esquecer a graça, é este senso de mistério que nos recorda Deus, quem nós somos e quem é Deus. Alguns momentos de reflexão ajudam a relembrar este mistério. Talvez muitos de nós estejam precisando deste momento de reflexão. 

-- Against a Facile Assurance of Salvation, the Need for Mystery, Dr Jeff Mirus, do site Catholic Culture.

-- Tradução própria

25 de mai. de 2013

São Felipe Neri, 26 de maio

Por quarenta e quatro anos, São Felipe Neri evangelizou milhares de pessoas em Roma, dos mais pobres até o Papa. Ele os engajava em conversas, instruía em catequeses e, principalmente, ajudava e convertia-os durante confssões; ganhava seus corações com sua bondade e senso de humor. Acabou sendo conhecido como "Segundo Apóstolo de Roma".

Algumas frases demonstram claramente o pensamento do santo:

Aquele que deseja rezar sem mortificar-se é como um pássaro que quer voar antes de suas asas crescerem.

A melhor preparação para a oração é ler a vida dos santos, não por mera curiosidade, mas em silêncio e um pouco de cada vez; fazendo pausas sempre que se sentir tocado no coração.

Imaginem serem pedintes espirituais na presença de Deus e santos. Deves ir em frente de cada santo, um por um, implorando graças com a mesma necessidade e humildade que os mais pobre miserável. 

Aquele que não via ao inferno em vida, corre grande risco de ir para lá ao morrer.

De todas tentações, aquele que se esforçará vence a batalha, mas contra a luxúria, vence aquele que foge.

A pior e mais tremenda tribulação de um verdadeiro servo de Deus é estar sem tribulações.

Nunca tente fugir da cruz que Deus te enviar, pois apenas acharás outra mais pesada.

É muito comum sentirmos mais tristeza ao sermos corrigido por termos cometido um pecado que por termos cometido o pecado.


Nascido em 15 de Julho de 1515, em Florença, estudou com frades dominicanos. Aos 18 anos foi enviado para Napoles, onde iria ajudar e, no futuro, assumir os negócios de um tio. Mas, após uma experiência mística, Filipe foi para Roma viver om os padres agostinianos. Após muitos anos de estudos; vendeu todos os livros e foi para as ruas catequisar pessoas, inicialmente as prostitutas. Depois, engajou nas missões familiares, passando por todos bairros da cidade. Ordenado em 1551, foi viver com os padres em São Giralomo. Ele e seus associados organizavam catequeses ao entardecer que reunião um bom número de pessoas; estes encontros terminavam com músicas ou uma pequena peregrinação até uma das basílicas papais.

Rapidamente reuniu em torno de si um grupo de sacerdotes talentosos e organizou a Congregação do Oratório. De maneira informal, Felipe estabeleceu apenas uma regra: todos deveriam viver conforme o Evangelho, outros votos não eram necesários. "Se queres ser obedecido", dizia ele, "não estabeleça novos mandamentos ou regras". Reconhecido em 1575, o Oratório espalhou-se pelo mundo e atraiu vários membros conhecidos.

Como outros santos, São Felipe Néri tinha visões místicas. Segundo conta, em 1544, enquanto orava, viu um globo de fogo que entrou em sua boca e deixou seu coração em chamas, o que lhe afligia como uma chaga. O santo preferia manter estes acontecimentos escondidos, mas algumas vezes enquanto celebrava missas, tinha longos êxtases que permitiam aos acólitos um tempo de descanso.  

Ele popularizou a peregrinação das sete igrejas de Roma: Basílica de São Pedro no Vaticano; Basílica de São Paulo "fora dos muros"; Basílica de São João em Laterano; Basílica de São Lourenço; Basílica de Santa Maria Maior; Basílica da Santa Cruz de Jerusalem e Basílica São Sebastião. Este é ainda um "roteiro" conhecido e praticado pelos fiéis.

Morreu em Roma em 25 de Maio de 1595, Corpus Christi, após passar o dia ouvindo confissões. Cerca de meia noite, teve uma hemorragia, recebeu a extrema-unção e abençoou os que lhe acompanhavam. Foi beatificado pelo Papa Paulo V em 1615 e canonizado pelo papa Gregório XV em 1622 e sua festa litúrgica ocorre em 26 de Maio. Seu corpo está na Igreja de Santa Maria em Valicella.

-- autoria própria

23 de mai. de 2013

A insondável profundidade de Deus

São Columbano
Deus está em todo lugar, imenso e próximo em toda parte, conforme o testemunho dado por ele mesmo: Eu sou o Deus próximo e não o Deus de longe. Não busquemos, então, longe de nós a morada de Deus, que temos dentro de nós, se o merecermos. Habita em nós como a alma no corpo, se formos seus membros sadios, mortos ao pecado. Então verdadeiramente mora em nós aquele que disse: E habitarei neles e entre eles andarei. Se, portanto, formos dignos de tê-lo em nós, em verdade seremos vivificados por ele, como membros vivos seus: nele, assim diz o Apóstolo, vivemos, nos movemos e somos.  

Quem, pergunto eu, investigará o Altíssimo em sua inefável e incompreensível essência? Quem sondará as profundezas de Deus? Quem se gloriará de conhecer o Deus infinito que tudo enche, tudo envolve, penetra em tudo e ultrapassa tudo, tudo contém e esquiva-se a tudo? Aquele que ninguém jamais viu como é. Por isto, não haja a presunção de indagar sobre a impenetrabilidade de Deus, o que foi, como foi, quem foi. São realidades indizíveis, inescrutáveis, ininvestigáveis; simplesmente, mas com todo o ardor, crê que Deus é como será, do modo como foi, porque Deus é imutável.

Quem, pois, é Deus? Pai, Filho e Espírito Santo, um só Deus. Não perguntes mais sobre Deus; porque os que querem conhecer a imensa profundidade, têm antes de considerar a natureza. Com razão compara-se o conhecimento da Trindade à profundeza do mar, conforme diz o Sábio: E a imensa profundidade, quem a alcançará? Do modo como a profundeza do mar é invisível ao olhar humano, assim a divindade da Trindade é percebida como incompreensível pelo entendimento humano. Por conseguinte, se alguém quiser conhecer aquele em quem deverá crer, não julgue compreender melhor falando do que crendo; ao ser investigada, a sabedoria da divindade foge para mais longe do que estava.

Procura, portanto, a máxima ciência não por argumentos e discursos, mas por uma vida perfeita; não pela língua, mas pela fé que brota da simplicidade do coração, não adquirida por doutas conjeturas da impiedade. Se, por doutas investigações procurares o inefável, irá para mais longe de ti do que estava; se, pela fé, a sabedoria estará à porta, onde se encontra; e onde mora poderá ser vista ao menos em parte. Mas em verdade até certo ponto também será atingida, quando se crer no invisível, mesmo sem compreendê-lo; deve-se crer em Deus por ser invisível, embora em parte o coração puro o veja.

-- Das Instruções de São Columbano, abade (século VII)

21 de mai. de 2013

Salmo 18: Hino a Deus criador


Amados Irmãos e Irmãs:

O sol, com o seu progressivo resplandecer no céu, com o esplendor da sua luz, com o calor benéfico dos seus raios, conquistou a humanidade desde as suas origens. Os seres humanos manifestaram de muitas formas a sua gratidão por esta fonte de vida e de bem-estar com um entusiasmo que, com frequência, se eleva alcançando o cume da autêntica poesia. O maravilhoso Salmo 18, do qual foi proclamada a primeira parte, não é apenas uma oração em forma de hino com uma intensidade extraordinária; ele é também um cântico poético elevado ao sol e à sua irradiação sobre a terra. Nisto o salmista insere-se na longa série dos cantores do antigo Próximo Oriente, que exaltam o astro do dia que brilha nos céus e que domina longamente nas suas regiões com o seu calor ardente. Basta pensar no célebre hino a Anton, composto pelo Faraó Akhnaton no séc. XIV a.C., dedicado ao disco solar considerado uma divindade.

Mas para o homem da Bíblia há uma diferença radical em relação a estes hinos solares:  o sol não é um Deus, mas uma criatura ao serviço do único Deus e criador. É suficiente recordar as palavras do Génesis:  "Deus disse:  Haja luzeiros no firmamento dos céus para diferenciarem o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos... Deus fez dois grandes luzeiros:  o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite... E Deus viu que isto era bom" (1, 14.16.18).

Antes de percorrer os versículos do Salmo escolhido pela Liturgia, lançamos um olhar ao seu conjunto. O Salmo 18 é parecido com um díptico. Na primeira parte (vv. 2-7) a que agora se tornou a nossa oração encontramos um hino ao Criador, cuja misteriosa grandeza se manifesta no sol e na lua. Ao contrário, na segunda parte do Salmo (vv. 8-15), encontramos um hino sapiencial à Torah, ou seja, à Lei de Deus.
As duas partes estão ligadas por uma orientação comum:  Deus esclarece o universo com o brilho do sol e ilumina a humanidade com o esplendor da sua Palavra contida na Revelação bíblica.

Trata-se quase de um sol duplo:  o primeiro é uma epifania cósmica do Criador, o segundo é uma manifestação histórica e gratuita de Deus Salvador. Não é por acaso que a Torah, a Palavra divina, é descrita com características "solares""Os Seus mandamentos são luminosos, deleitam o coração" (cf. v. 9).

Mas, por agora, dirijamo-nos à primeira parte do Salmo. Ela inicia-se com uma maravilhosa personificação dos céus, que são para o Autor sagrado testemunhos eloquentes da obra criadora de Deus (vv. 2-5). De fato, eles "narram", "anunciam", as maravilhas da obra divina (cf. v. 2).

Também o dia e a noite são representados como mensageiros que transmitem a grande notícia da criação. Trata-se de um testemunho silencioso, que contudo se faz ouvir com vigor, como uma voz que percorre todo o universo.

Com o olhar interior da alma, com a intuição religiosa que não se deixa distrair pela superficialidade, o homem e a mulher podem descobrir que o mundo não é mudo, mas fala do Criador. Como diz o antigo sábio, "pela grandeza e beleza das criaturas pode-se, por analogia, chegar ao conhecimento do seu Autor" (Sb 13, 5). Também São Paulo recorda aos Romanos que "desde a criação do mundo, as Suas (de Deus) perfeições invisíveis,... tornam-se visíveis quando as Suas obras são consideradas pela inteligência" (Rm 1, 20).

Depois, o hino começa a falar do sol. O globo luminoso é descrito pelo poeta inspirado como um herói guerreiro que sai do quarto nupcial onde passou a noite, isto é, sai do seio das trevas e inicia a sua corrida incansável no céu (vv. 6-7). É semelhante a um atleta que nunca pára nem se cansa, enquanto todo o nosso planeta está envolvido pelo seu calor irresistível.

Por conseguinte, o sol é comparado a um esposo, a um herói, a um campeão que, por ordem divina, todos os dias deve realizar uma tarefa, uma conquista e uma corrida nos espaços siderais. E eis que o Salmista indica agora o sol irradiante no céu, enquanto a terra inteira está envolvida pelo seu calor, o ar é imóvel, nenhum ângulo do horizonte está privado da sua luz.

A imagem solar do Salmo é retomada pela liturgia pascal cristã para descrever o êxodo triunfador de Cristo da escuridão do sepulcro, e a sua entrada na plenitude da vida nova da ressurreição. A liturgia bizantina canta nas Matinas do Sábado Santo:  "Assim como o sol surge depois da noite todo radiante na sua luminosidade renovada, assim também Vós, Verbo, resplandecereis com um brilho renovado quando, depois da morte, deixardes o vosso leito nupcial". Uma Estrofe (a primeira), a das Matinas de Páscoa relaciona a revelação cósmica com o acontecimento pascal de Cristo:  "O céu rejubile e exulte com ele também a terra, porque todo o universo, o visível e o invisível, participa desta festa:  Cristo, nossa alegria perene, ressuscitou". E outra Estrofe (a terceira) acrescenta:  "Hoje todo o universo, céu, terra e abismo, está repleto de luz e toda a criação já canta a ressurreição de Cristo, nossa força e nossa alegria". Por fim, outra (a quarta) conclui:  "Cristo, nossa Páscoa, levantou-se do túmulo como um sol de justiça irradiando sobre todos nós o esplendor da sua caridade".

A liturgia romana não é explícita como a oriental, ao comparar Cristo com o sol. Mas descreve as repercussões cósmicas da sua ressurreição, quando abre o seu cântico de Louvor na manhã de Páscoa com o famoso hino:  "Aurora lucis rutilat, caelum resultat laudibus, mundos exultans iubilat, gemens infernus ululat" "A aurora resplandece de luz, o céu exulta de cânticos, o mundo rejubila dançando, o inferno geme com gritos".

Contudo, a interpretação cristã do Salmo não elimina a sua mensagem de base, que é um convite a descobrir a palavra divina que se encontra na criação. Sem dúvida, como será dito na segunda parte do Salmo, há outra Palavra, mais nobre, mais preciosa do que a própria luz, a da Revelação bíblica.
Contudo, para todos os que estão atentos na escuta e não têm os olhos velados, a criação constitui como que uma primeira revelação, que tem uma linguagem própria e eloquente:  ela é quase outro livro sagrado, cujas letras são representadas pela multidão de criaturas presentes no universo. São João Crisóstomo afirma:  "O silêncio dos céus é uma voz mais sonora do que a de uma trombeta:  esta voz brada aos nossos olhos e não aos nossos ouvidos a grandeza de quem os fez". E Santo Atanásio:  "O firmamento, através da sua magnificência, da sua beleza, da sua ordem, é um pregador prestigioso do seu artífice, cuja eloquência enche o universo".

-- Papa João Paulo II, na audiência de 30 de Janeiro de 2002

15 de mai. de 2013

Ordenações, primeiras-missas e bençãos sacerdotais


* Como estou me preparando para participar de uma ordenação e primeira missa de um sacerdote (futuro Pe. William Clemence, Arquidiocese de Denver), andei pesquisando um pouquinho e achei um post escrito pelo Dr Edward Peters, advogado canonista e professor no Seminário Maior Sagrado Coração de Detroit. 

Questões relacionadas à ordenações, primeiras-missas e benção clericais sempre aparecem nesta época do ano. Podemos revisar alguns pontos? (Deixem-me citar o mais comum "Manual de Indulgências" (Enchiridion Indulgentiarum), publicado em 1999 embora o texto de 2004 seja mais atual.  

1. A prática de receber a "primeira benção" imediatamente após a ordenação sacerdotal é um costume elogiável, mas não há nenhuma indulgência específica associada a tal benção ou, para este fim, em assistir à Missa de Ordenação.

2. Há uma indulgência plenária específica associada ao participar da primeira missa pública, seja ela denominada de Ação de Graças, como é costume, ou não; e somente à primeira missa (Enchiridion 1999, conc. 27). Esta celebração não é a Missa de Ordenação.

3. Todos diáconos estão autorizados a dar benção como listado no Manual e algumas delas são apropriadas para o momento após a Missa de Ordenação, segundo o Código Canônico de 1983 art. 1169 parágrafo 3 e apêndice "Bençãos e Orações sobre o Povo" do Enchiridion.

4. Bispos diocesanos podem proibir certas bençãos (CDC 1169.2) e os padres devem seguir estas proibições, mas são livres para discuti-las com as autoridades adequadas. Por exemplo, questões sobre a adequação de diáconos darem bençãos certamente podem ser debatidas.

5. Está na autoridade do arce/bispo enriquecer as "primeiras bençãos" de um padre com indulgências parciais (Enchiridion 1999, norma 7.1), após requerimento e aprovação de Roma. Isto pode fazer esta idéia impraticável para este ano. 

-- Tradução própria

14 de mai. de 2013

Luminosa Doutrina da Igreja, oposta ao comunismo

E antes de mais nada importa observar que acima de todas as demais realidades, está o sumo, único e supremo Espírito, Deus, Criador onipotente de todo o universo, Juiz sapientíssimo e justíssimo de todos os homens. Este Ser supremo, que é Deus, é a refutação e condenação mais absoluta das impudentes e mentirosas falsidades do comunismo. E na verdade, não é porque os homens crêem em Deus, que Deus existe; mas porque Deus existe realmente, por isso crêem nele e lhe dirigem as suas súplicas todos quantos não cerram pertinazmente os olhos do espírito à luz da verdade.


O homem tem uma alma espiritual e imortal; e, assim como é uma pessoa, dotada pelo supremo Criador de admiráveis dons de corpo e de espírito assim se pode chamar, como diziam os antigos, um verdadeiro “microcosmo”, isto é, um pequeno mundo, por isso que de muito longe transcende e supera a imensidade dos seres do mundo inanimado. Não somente nesta vida mortal, mas também na que há de permanecer eternamente, o seu fim supremo é unicamente Deus; e, tendo sido elevado pela graça santificante à dignidade de filho de Deus, é incorporado no Reino de Deus, no corpo místico de Jesus Cristo. Conseqüentemente, dotou-o Deus de múltiplas e variadas prerrogativas, tais como: direito à vida, à integridade do corpo, aos meios necessários à existência; direito de tender ao seu último fim, pelo caminho traçado por Deus; direito enfim de associação, de propriedade particular, e de usar dessa propriedade.

Além disso, assim como o matrimônio e o direito ao seu uso natural são de origem divina, assim também a constituição e as prerrogativas fundamentais da família derivam, não do arbítrio humano, nem de fatores econômicos, senão do próprio Criador supremo de todas as coisas.


Mas Deus destinou igualmente o homem para a sociedade civil, que a sua mesma natureza reclama. É que, no plano do Criador, a sociedade é um meio natural, de que todo o cidadão pode e deve servir-se para a consecução do fim que lhe é proposto, pois a sociedade civil existe para o homem e não o homem para a sociedade. Isto, porém, não se deve entender no sentido do liberalismo individualista, que subordina a sociedade à utilidade egoísta do indivíduo, mas sim no sentido que, mediante a união orgânica com a sociedade, todos possam, pela mútua colaboração, alcançar a verdadeira felicidade terrestre; e que, por meio da sociedade, floresçam e prosperem todas as aptidões individuais e sociais, dadas ao homem pela natureza, aptidões que transcendem o imediato interesse do momento, e refletem na sociedade a perfeição divina: o que no homem isolado de modo nenhum se pode verificar. Mas até este último objetivo da sociedade é, em última análise, ordenado ao homem, para que reconheça este reflexo da perfeição divina, e o desenvolva assim em louvor e adoração ao Criador. É que só o homem, e não qualquer sociedade humana por si, é dotado de razão e de vontade moralmente livre.

Portanto, assim como o homem não pode furtar-se aos deveres que por vontade de Deus o ligam à sociedade civil, e é por isso que os representantes da autoridade têm direito de o forçar ao cumprimento do próprio dever, caso ele se recusasse ilegitimamente; assim também não pode a sociedade privar o cidadão dos direitos pessoais que o Criador lhe concedeu (os mais importantes apontamo-los acima sumariamente) nem tornar-lhe impossível o seu uso. É, pois, conforme à razão e às suas exigências naturais, que todas as coisas terrenas sejam para serviço e utilidade do homem, e assim, por meio dele, voltem ao Criador. Aqui se aplica perfeitamente o que o Apóstolo das Gentes escreve aos coríntios sobre a economia da salvação cristã: “Tudo... é vosso, mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus” (1 Cor 3, 23). E assim, enquanto a doutrina comunista de tal maneira diminui a pessoa humana, que inverte os termos das relações entre o homem e a sociedade, a razão, pelo contrário, e a revelação divina elevam-na a tão sublimes alturas.

-- Carta Encíclica Divinis Redemptoris, Papa Pio XI, publicada no dia 19 de Março de 1937

13 de mai. de 2013

Homília de Pentecostes e ordenação sacerdotal


Mas uma outra circunstância, verdadeiramente pentecostal, enche de realidade e de esplendor esta celebração festiva: a ordenação sacerdotal destes Diáconos. A vós, caríssimos eleitos, dirige-se agora a Nossa saudação.

Teríamos tanto para vos dizer, mas o momento presente não permite que façamos um longo discurso. Além disso, não queremos introduzir novos pensamentos aos já tão numerosos, que enchem os vossos espíritos e que vós também reunistes para este momento solene. Vamos tentar resumir numa palavra tudo aquilo que se pode dizer e pensar sobre o acontecimento de que sois protagonistas e se está para realizar. E a palavra é: transmissão. Transmissão de um poder divino, de uma capacidade prodigiosa de acção, que, de per si, compete unicamente a Cristo. Traditio potestatis, colação de um poder. Imaginai que Jesus Cristo, mediante a imposição das Nossas mãos e as palavras significativas, que conferem ao gesto a virtude sacramental, desce do alto e vos infunde o seu Espírito, o Espírito Santo, vivificador e poderoso, que vem até vós, não só como nos outros sacramentos, para habitar em vós, mas também para vos tornar capazes de realizar determinadas ações, próprias do Sacerdócio de Cristo, para vos fazer Seus ministros eficazes, para vos constituir veículos da Palavra e da Graça, modificando assim as vossas pessoas, de modo que elas possam, não só representar Cristo, mas também, de certo modo, agir como Ele, por meio de uma delegação que imprime um "caráter" indelével nos vossos espíritos e que vos torna, cada um de vós, como alter Christus, semelhantes a Ele.

Este prodígio, recordai-o sempre, realiza-se em vós; não para vós, mas sim para os outros, para a Igreja, que é o mesmo que dizer, para o mundo que devemos salvar. O vosso poder é como a função de um órgão especial, em benefício de todo um corpo. Tornais-vos instrumentos, ministros e servos ao serviço dos irmãos.

Compreendeis, sem dúvida, as relações que nascem desta eleição das vossas pessoas. São relações com Deus, com Cristo, com a Igreja e com a humanidade. Compreendeis que deveres de oração, de caridade e de santidade brotam da vossa ordenação sacerdotal. Compreendeis que consciência deveis formar continuamente em vós mesmos, para vos manterdes à altura da missão que recebestes. Compreendeis, por fim, com que mentalidade espiritual e humana devereis encarar o mundo, com que sentimentos e com que virtudes deveis exercer o vosso ministério, com que dedicação e com que coragem deveis consumar a vossa vida no espírito de sacrifício, unidos ao sacrifício de Cristo.

Sabeis tudo isto, mas não deveis deixar de refletir sobre estas realidades, durante toda a duração — e desejamos que seja longa e serena — da vossa peregrinação terrena. Nunca deveis temer, filhos caríssimos. Nunca deveis duvidar do vosso sacerdócio. Nunca vos deveis isolar do vosso Bispo e da função que ele exerce na Igreja. Nunca o deveis trair. E nada mais vos dizemos por agora. Vamos apenas repetir por vós a oração que fizemos noutra ocasião, pelos sacerdotes que então ordenámos.

Hoje, vamos rezar por vós deste modo:

Vinde, Espírito Santo, e dai a estes ministros, dispensadores dos mistérios de Deus, um coração novo, que reavive neles toda a formação e a preparação que receberam, que advirta, qual surpreendente revelação, o sacramento recebido, e que corresponda sempre, com novo vigor, como hoje, aos incessantes deveres do seu ministério ao serviço do vosso Corpo Eucarístico e do vosso Corpo Místico: um coração novo, sempre jovem e alegre.

Vinde, Espírito Santo, e dai a estes ministros, discípulos e apóstolos de Cristo Senhor, um coração puro, habituado a amá-1'O só a Ele, que é Deus convosco e com o Pai, com a plenitude, a alegria e a profundidade que só Ele sabe infundir, quando é o objecto supremo e total do amor de um homem que vive da Vossa graça; um coração puro que não conheça o mal, senão para o definir, para o combater e fugir dele; um coração puro, como o de uma criança, capaz de se entusiasmar e trepidar.

Vinde, Espírito Santo, e dai a estes ministros do Povo de Deus um coração grande, aberto à Vossa silenciosa e potente palavra inspiradora e fechado a todas as ambições mesquinhas, alheio a qualquer desprezível competição humana, e todo compenetrado do sentido da Santa Igreja; um coração grande e ávido de se assemelhar ao coração do Senhor Jesus e desejoso de encerrar dentro de si as proporções da Igreja e as dimensões do mundo; grande e forte para amar a todos, para servir a todos e para sofrer por todos; grande e forte para superar todas as tentações e provações, todo o tédio, todo o cansaço, toda a desilusão e toda a ofensa; um coração grande, forte e constante, quando for necessário, até ao sacrifício, um coração cuja felicidade é palpitar com o coração de Cristo e cumprir humilde, fiel e virilmente a vontade divina.

E esta a Nossa oração, que hoje elevamos a Deus por vós. Ela estende-se em bênção a toda a assembleia presente, aos vossos companheiros, aos vossos mestres e, especialmente, aos vossos parentes.

Chegou o momento da ação: nela está o Pentecostes.

-- Papa Paulo VI, homília na Celebração de Pentecostes e Ordenação Scerdotal de 278 diáconos de diversos continentes, em 17 de maio de 1970

-- A homília completa está disponível aqui.

8 de mai. de 2013

Eclesiástico 36: Oração pelo povo santo de Deus


Queridos irmãos e irmãs,

No interior do Antigo Testamento não existe só o livro oficial da oração do Povo de Deus, isto é, o Saltério. Muitas páginas bíblicas estão cheios de cânticos, hinos, salmos, súplicas, orações, invocações que se elevam para o Senhor, como resposta à sua palavra. A Bíblia revela-se, assim, um diálogo entre Deus e a humanidade, um encontro que é colocado sob o selo da palavra divina, da graça e do amor.

É o caso da súplica que agora dirigimos ao "Senhor Deus do Universo" (v.1). Está contida no livro do Eclesiástico, um sábio que recolhe as suas reflexões, os seus conselhos, os seus cantos provavelmente à volta de 190-180 a. C., nos limiares da epopéia de libertação vivida por Israel sob a orientação dos irmãos Macabeus. Um neto deste sábio, em 138 a. C. traduziu para grego, como se narra no prólogo acrescentado ao volume, a obra do avô como que a oferecer estes ensinamentos para uma procura mais ampla dos leitores e discípulos.

O livro de Sirácide é chamado "Eclesiástico" pela tradição cristã. Não tendo sido acolhido no cânone hebraico, este livro acaba por caracterizar, juntamente com outros, a chamada "veritas christiana" [verdade cristã]. Os valores propostos por esta obra sapiencial entraram de tal modo na educação cristã da era patrística, sobretudo no âmbito monástico, que se tornaram como um manual do comportamento dos discípulos de Cristo.

A invocação do capítulo 36 do Eclesiástico, assumida como oração das Laudes pela Liturgia das Horas de uma forma simplificada, move-se ao longo de algumas linhas deste tema.

Encontramos, antes de mais, o pedido de que Deus intervenha em favor de Israel e contra as nações estrangeiras que o oprimem. No passado, Deus mostrou a sua santidade quando castigou as culpas do seu povo, entregando-o nas mãos dos seus inimigos. Agora, o orante pede a Deus que mostre a sua grandeza, reprimindo a prepotência dos opressores e instaurando uma nova era a partir dos matizes messiânicos.

Certamente, a súplica reflecte a tradição orante de Israel e, na realidade, está repleta de reminiscências bíblicas. Por estes versos, ela pode considerar-se como um modelo de oração para usar durante o tempo da perseguição e da opressão, como era aquele em que vivia o autor, sob o domínio mais áspero e severo dos soberanos estrangeiros sírio-helenísticos.

A primeira parte desta oração é aberta por um apelo ardente dirigido ao Senhor para que tenha piedade e guarde (cf.v 1). Mas a atenção depressa é dirigida para a ação divina, que é exaltada através de uma série de verbos muito sugestiva:  "tem piedade... guarda... infunde o temor... levanta a mão... mostra-te grande... renova os sinais... realiza prodígios... glorifica a tua mão e o teu braço direito..."

O Deus da Bíblia não é indiferente nos confrontos com o mal. E mesmo se os seus caminhos não são os nosos caminhos, os seus tempos e projetos são diversos dos nossos (cf. Is. 55, 8-9), todavia Ele alinha do lado das vítimas e apresenta-se como juiz severo dos violentos, dos opressores, dos triunfadores que não têm piedade.

Mas esta sua intervenção não se estende à destruição. Mostrando o seu poder e a sua fidelidade no amor, Ele pode gerar ainda na consciência do malvado um estremecimento que o leve à conversão. "Para que reconheçam, como  também  nós  reconhecemos  que fora  de  Vós,  Senhor,  não há outro Deus" (v. 4).

A segunda parte do hino abre uma perspectiva mais positiva. De fato, enquanto a primeira parte pede uma intervenção de Deus contra os inimigos, a segunda não fala mais de inimigos, mas pede os favores de Deus para Israel, implora a sua piedade em favor do povo eleito e da sua cidade santa, Jerusalém.

O sonho do regresso de todos os exilados, compreendendo os do reino do Norte, torna-se objeto da oração:  "reuni todas as tribos de Jacó, tomai-as como vossa herança, como o foram desde o princípio" (v. 10). É pedida como que uma espécie de renascimento de todo o Israel, como nos tempos felizes da ocupação de toda a Terra Prometida.

Para tornar a oração mais premente, o orante insiste sobre a relação que une Deus a Israel e Jerusalém. Israel aparece designado como "o povo que foi chamado pelo vosso nome", aquele "que tratastes como filho primogénito"; Jerusalém é a "vossa cidade santa", a "vossa morada". O desejo expresso, depois, é que a relação se torne ainda mais estreita e, por isso, mais gloriosa.:  "enchei Sião com as vossas palavras inefáveis e o vosso povo com a vossa glória" (v. 13). Pelo encher com a sua majestade o Templo de Jerusalém, que atrairá a si todas as nações (cf. Is 2, 2-4;Miq 4, 1-3), o Senhor encherá o seu povo com a sua glória.

Na Bíblia, o lamento dos que sofrem nunca leva ao desespero, antes é sempre aberto à esperança. Na base, está a certeza de que o Senhor não abandona os seus filhos, não deixa cair das suas mãos aqueles que ele formou.

A seleção feita pela Liturgia omitiu uma expressão feliz na nossa oração. Ela pede a Deus que dê "testemunho em favor daqueles que, desde o princípio, são vossas criaturas" (v. 14). Desde a eternidade, Deus tem um projeto de amor e de salvação destinado a todas as criaturas, chamadas a tornar-se seu povo. É um desígnio que São Paulo reconhecerá "revelado, pelo Espírito, aos Seus santos Apóstolos e Profetas... conforme  o  desígnio  eterno  que  Deus realizou em Cristo Jesus, Nosso Senhor" (Ef 3, 5. 11).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 23 de Janeiro de 2002

6 de mai. de 2013

Cristo é o vínculo da unidade


Cada vez que participamos do corpo sagrado de Cristo, unimo-nos a ele corporalmente, como afirma São Paulo ao falar do mistério do amor misericordioso de Deus: Este mistério, Deus não o fez conhecer aos homens das gerações passadas mas acaba de o revelar agora, pelo Espírito, aos seus santos apóstolos e profetas: os pagãos são admitidos à mesma herança, são membros do corpo, são associados à mesma promessa em Jesus Cristo (Ef 3,5-6).

Ora, se todos nós formamos um só corpo em Cristo, não apenas uns com os outros, mas também com aquele que habita em nós pela sua carne, por que não vivemos plenamente esta união existente entre nós e com Cristo? Com efeito, Cristo é o vínculo da unidade, por ser ao mesmo tempo Deus e homem.

Seguindo o mesmo caminho, podemos falar da nossa união espiritual, afirmando que todos nós, ao recebermos o único e mesmo Espírito Santo, nos unimos uns com os outros e com Deus. Embora estejamos separados, somos muitos e, em cada um de nós, Cristo faz habitar o Espírito do Pai que é também o seu. Todavia, o Espírito é um só e indivisível e, com a sua presença e ação, reúne os que individualmente são distintos uns dos outros, fazendo com que em si mesmo todos sejam um só. Assim como a virtude do corpo sagrado de Cristo transforma num só corpo os que dele participam, parece-me que o único e indivisível Espírito de Deus, habitando em cada um, vincula a todos numa unidade espiritual.

Por isso, novamente São Paulo se dirige a nós: Suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor. Aplicai-vos em guardar a unidade do espírito pelo vínculo da paz. Há um só Corpo e um só Espírito, como também é uma só a esperança à qual fostes chamados. Há uma só fé, um só Senhor, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos (Ef 4,2-6). Se efetivamente é um só Espírito que habita em nós, também o único Deus e Pai de todos estará em nós por seu Filho, unindo entre si e consigo todos os que participam do mesmo Espírito.

Desde agora, torna-se evidente que, de alguma maneira, estamos unidos ao Espírito Santo por participação. De fato, se de uma vez por todas abandonamos a vida puramente natural e obedecemos às leis do espírito, é claro que, deixando de lado a nossa vida anterior e unindo-nos ao Espírito Santo, adquirimos uma configuração espiritual e, até certo ponto, transformamos em outra a nossa natureza. Assim já não somos simplesmente homens, mas filhos de Deus e habitantes do céu, pelo fato de nos termos tornado participantes da natureza divina.

Todos, portanto, somos um só no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Um só, repito, pela identidade de condição, um só pela união da caridade, pela comunhão do corpo sagrado de Cristo e pela participação do único Espírito Santo.

-- Do Comentário sobre o Evangelho de João, de São Cirilo de Alexandria, bispo (século V)

2 de mai. de 2013

Santa Fina ou Serafina


Santa Fina é uma heroina do norte da Itália, da pequena cidade de Giminiano. Ao contrário de outros santos, lembrados por tudo que fizeram em vida, ela é lembrada por aquilo que deixou de fazer, por ter pacientemente suportado uma doença degenerativa que a paralisou pouco a pouco, até a sua morte. 

São Gregório Magno anuncia a morte de Santa Fina, afresco atribuído
a Niccolo de Bonaventura, Igreja de Giminiano.
O principal relato sobre sua vida foi escrito por João Di Coppo e fala mais dos milagres que ocorreram após a morte da santa. Os pais, Cambio e Imperiera, eram trabalhadores, mas com uma situação econômica estável. Foi sua mãe lhe ministrou os ensinamentos da fé. 

Desde criança Serafina foi reclusa, talvez porque seus pais já percebiam sua fragilidade. Na adolescência tornou-se uma bela jovem, com uma feição adorável, boa estatura e bem proporcionada. Mas foi então que a doença, talvez alguma forma de tuberculose ou osteomielite, começou a afetá-la. Di Coppo assim relata:

São Paulo nos ensina que o sofrimento fortalece o espírito. Por este motivo, Fina era a mais bela e formosa criatura aos olhos de Jesus Cristo, seu mestre, que lhe permitiu tantos sofrimentos. Ela ficou paralítica de seu pescoço para baixo, todo corpo paralisado. Ao final, já não podia mover-se, nem sequer um braço ou mão.

Enquanto Deus permitia esta aflição, ela decidiu não repousar em uma cama confortável. Ao contrário, escolheu uma tábua de madeira para deitar-se. E como um lado de seu corpo ficou paralisado, afligido pela doença, ela decidiu deitar-se sobre o lado saudável. Por cinco anos esteve nesta posição. Não permitia a ninguém trocá-la de posição. Permaneceu por tantos anos assim que sua carne era uma grande ferida. E, no entanto, nunca gemeu ou reclamou; manteve-se dando graças a Deus até o final. 

Era um exemplo para todos moradores da cidadezinha, que vinha visitá-la em busca de conselhos. Saíam maravilhados de ouvir palavras de encorajamento de uma jovem tão desesperadamente enferma. Falava muito dos sofrimentos de Jesus na Cruz, muito maiores que os dela, que nos valeram a vida eterna. Pedia a todos que fossem devotos de Nossa Senhora, um exemplo para todas mulheres. 

Casa da Santa em Giminiano. Hoje é uma capela.
Sua mãe tratava-a da melhor maneira possível, mas ainda assim, muitas vezes tinha que deixá-la sozinha. Até que certo, a mãe foi assaltada e morta em frente de casa, aumentando os sofrimentos da Santa. Fina passou a depender dos vizinhos, mas muitos tinham repulsas de suas feridas. 

Fina era devota de São Gregório Magno, que perseverou até o final, enquanto uma severa gastrite o enfraquecia. Com frequencia, Fina pedia ao santo que intercedesse por ela. Em 4 de março de 1253, o Santo apareceu-lhe numa visão, anunciando que seu sofrimento estava próximo ao final e ela morreria no dia do aniversário de São Gregório Magno. 

Assim ocorreu em 12 de Março: Santa Fina faleceu enquanto anjos tocavam os sinos da Igreja. Quando foi retirada da mesa, perceberam que ela deitava-se sobre violentas brancas. Conta-se que doentes tocaram seu corpo e foram imediatamente curados. Santa Serafina, através de seus sofrimentos e milagres, tornou-se uma heroína popular. 

Com doações deixadas sobre seu túmulo, um hospital foi construído com a missão de acolher os pobres  e doentes. Bem administrado, logo tornou-se um dos mais importantes da região e permaneceu em uso por mais de 800 anos. Na capela do hospital estava a tábua na qual a Santa repousava. 

-- autoria própria

Das consequencias do comunismo

Papa Pio XI, governou a Igreja de 1922 até 1939.

doutrina comunista que em nossos dias se apregoa, de modo muito mais acentuado que outros sistemas semelhantes do passado, apresenta-se sob a máscara de redenção dos humildes. E um pseudo-ideal de justiça, de igualdade e de fraternidade universal no trabalho de tal modo impregna toda a sua doutrina e toda a sua atividade dum misticismo hipócrita, que as multidões seduzidas por promessas falazes e como que estimuladas por um contágio violentíssimo lhes comunica um ardor e entusiasmo irreprimível, o que é muito mais fácil em nossos dias, em que a pouco eqüitativa repartição dos bens deste mundo dá como conseqüência a miséria anormal de muitos. 

Proclamam com orgulho e exaltam até esse pseudo-ideal, como se dele se tivesse originado o progresso econômico, o qual, quando em alguma parte é real, tem explicação em causas muito diversas, como, por exemplo, a intensificação da produção industrial, introduzida em regiões que antes nada disso possuíam, a valorização de enormes riquezas naturais, exploradas com imensos lucros, sem o menor respeito dos direitos humanos, o emprego enfim da coação brutal que dura e cruelmente força os operários a pesadíssimos trabalhos com um salário de miséria.

Ora, a doutrina que os comunistas em nossos dias espalham, proposta muitas vezes sob aparências capciosas e sedutoras, funda-se de fato nos princípios do materialismo chamado dialético e histórico, ensinado por Karl Marx, de que os teóricos do bolchevismo se gloriam de possuir a única interpretação genuína. Essa doutrina proclama que não há mais que uma só realidade universal, a matéria, formada por forças cegas e ocultas, que, através da sua evolução natural, se vai transformando em planta, em animal, em homem. Do mesmo modo, a sociedade humana, dizem, não é outra coisa mais do que uma aparência ou forma da matéria, que vai evolucionando, como fica dito, e por uma necessidade inelutável e um perpétuo conflito de forças, vai pendendo para a síntese final: uma sociedade sem classes. 

É, pois, evidente que neste sistema não há lugar sequer para a idéia de Deus; é evidente que entre espírito e matéria, entre alma e corpo não há diferença alguma; que a alma não sobrevive depois da morte, nem há outra vida depois desta. Além disso, os comunistas, insistindo no método dialético do seu materialismo, pretendem que o conflito, a que acima Nos referimos, o qual levará a natureza à síntese final, pode ser acelerado pelos homens. É por isso que se esforçam por tornarem mais agudos os antagonismos que surgem entre as várias classes, da sociedade, porfiando porque a luta de classes, tão cheia, infelizmente, de ódios e de ruínas, tome o aspecto de uma guerra santa em prol do progresso da humanidade; e até mesmo, porque todas as barreiras que se opõem a essas sistemáticas violências, sejam completamente destruídas, como inimigas do gênero humano.

Aí estão à vista os deploráveis frutos dessa propaganda fanática. Porque, onde quer que os comunistas conseguiram radicar-se e dominar, aí, como eles próprios abertamente o proclamam, por todos os meios se esforçaram por destruir radicalmente os fundamentos da religião e da civilização cristãs, e extinguir completamente a sua memória no coração dos homens, especialmente da juventude. Bispos e sacerdotes foram desterrados, condenados a trabalhos forçados, fuzilados, ou trucidados de modo desumano; simples leigos, tornados suspeitos por terem defendido a religião, foram vexados, tratados como inimigos, e arrastados aos tribunais e às prisões.

É este o espetáculo que atualmente com suma dor contemplamos: pela primeira vez na história estamos assistindo a uma insurreição, cuidadosamente preparada e calculadamente dirigida contra “tudo o que se chama Deus” (cfr. 2 Tess 1, 4). Efetivamente, o comunismo por sua natureza opõe-se a qualquer religião, e a razão por que a considera como o “ópio do povo”, é porque os seus dogmas e preceitos, pregando a vida eterna depois desta vida mortal, apartam os homens da realização daquele futuro paraíso, que são obrigados a conseguir na terra.

Mas não é impunemente que se despreza a lei natural e o seu autor, Deus; a conseqüência é que os esforços dos comunistas, assim como nem sequer no campo econômico puderam até hoje realizar o seu desígnio, assim também no futuro jamais o poderão conseguir. Porque é de notar que também no terreno econômico é imprescindível alguma norma de probidade a que se conforme, por dever de consciência, quem exerce algum cargo; ora isso é indiscutível que o não podem dar os princípios comunistas, nascidos dos sofismas do materialismo. Por conseguinte, nada mais resta do que aquele pavoroso terrorismo que se está vendo na Rússia, onde os antigos camaradas de conspiração e de luta se vão dando a morte uns aos outros; mas esse terrorismo criminoso, longe de conseguir pôr um dique à corrupção dos costumes, nem sequer pode evitar a dissolução da estrutura social. 

-- Papa Pio XI, Carta Encíclica Divinis Redemptoris, publicada em 19 de Março de 1937

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