6 de nov. de 2021

Levemos sempre em nós a morte de Cristo

 Disse o Apóstolo: Para mim o mundo está crucificado, e eu, para o mundo (Gl 6,14). Para que saibamos, por fim, que nesta vida há morte e boa morte, exorta-nos a que levemos a morte de Jesus em nosso corpo (cf. 2Cor 4,10). 

Pois quem tiver em si a morte de Jesus, precisa também ter em seu corpo a vida do Senhor Jesus. Atue, portanto, a morte em nós, para que também possa agir a vida. Vida excelente depois da morte, isto é, vida excelente depois da vitória, vida excelente, terminado o combate. Nela a lei da carne já não luta contra a lei do espírito, não há mais em nós peleja da morte contra o corpo, mas no corpo, a vitória sobre a morte. E francamente não sei qual tem maior força, esta morte ou a vida. É claro que atendo à autoridade do Apóstolo que diz: Portanto a morte age em nós, mas a vida, em vós (2Cor 4,12). A morte de um só a quanta gente faz crescer a vida! Por isto ensina ser desejável esta morte aos que ainda estão nesta vida, para que refulja em nossos corpos a morte de Cristo, aquela ditosa pela qual se destrói o ser exterior, a fim de ser renovado nosso homem interior (cf. 2Cor 2,16) e se desfaça nossa habitação terrena (cf. 2Cor 5,1), abrindo-se assim para nós a habitação celeste. 

Imita, portanto, a morte, que se separa da união com esta carne e desata os laços de que fala o Senhor mediante Isaías: Desata as cadeias iníquas, solta os laços das altercações violentas, deixa livres os oprimidos, rompe todo limite injusto (Is 58,6). O Senhor aceitou sujeitar-se à morte para que a culpa desaparecesse. Mas, para não ser de novo a morte o fim da natureza humana, foi-lhe dada a ressurreição dos mortos, para que pela morte se apagasse a culpa, pela ressurreição se perpetuasse a natureza. 

Por isso, a morte é a passagem de tudo. É preciso que passes continuamente; passagem da corrupção para a incorrupção, da condição mortal à imortalidade, das perturbações para a tranqüilidade. Por isto não te assuste a palavra morte, mas os benefícios da boa passagem te alegrem. Pois, que é a morte a não ser a sepultura dos vícios, o despertar das virtudes? Por isto disse ele: Morra minha alma nas almas dos justos (Nm 23,10), quer dizer, seja consepultada para depor seus vícios, assumir a graça dos justos, que trazem no corpo e na alma a morte de Cristo.

-- Do Tratado sobre o benefício da morte, de Santo Ambrósio, bispo (século IV)

-- A imagem é um quadro chamado O Martírio de São Sebastião , de Michiel Coxie, pintura em óleo, de 1575. São Sebastião não morreu a flechadas, pois os executores não perceberam que ele ainda estava vivo. Uma mulher cristã foi ao local de execução para recuperar o corpo quando percebeu que ele ainda estava vivo. Ela escondeu-o em sua casa e tratou as feridas. Ao se recuperar, São Sebastião foi até o Imperador anunciar que a morte não tinha poder sobre ele. Novamente condenado à morte, desta vez São Sebastião foi ao encontro do Pai. 

30 de out. de 2021

Bem-Aventurada Chiara Luce

 
 
Chiara Badano nasceu em 29 de outubro de 1971, filha de Ruggero e Maria Teresa Badano, na pequena aldeia de Sassello, Itália. O casal esperou e rezou onze anos para ter Chiara. Eles a consideravam sua maior bênção. Enquanto Ruggero trabalhava como caminhoneiro, Maria Teresa ficou em casa para criar a filha. Badano cresceu com uma relação forte e saudável com os pais, mas nem sempre os obedecia.

Um dia, Badano tirou uma maçã de uma árvore no pomar de um vizinho; sua mãe mais tarde relatou o evento:

Uma tarde, Chiara voltou para casa com uma linda maçã vermelha. Eu perguntei a ela de onde veio. Ela respondeu que o havia tirado do pomar do nosso vizinho sem pedir sua permissão. Expliquei a ela que ela sempre tinha que pedir antes de pegar qualquer coisa e que ela tinha que pegar de volta e pedir desculpas ao nosso vizinho. Ela estava relutante em fazer isso porque estava muito envergonhada. Eu disse a ela que era muito mais importante confessar do que comer uma maçã. Então Chiara levou a maçã para a nossa vizinha e explicou tudo para ela. Naquela noite, a mulher trouxe uma caixa inteira de maçãs dizendo que naquele dia Chiara havia aprendido algo muito importante.

Movimento dos Focolares

Badano participou de seu primeiro encontro do Movimento dos Focolares em setembro de 1980; ela tinha apenas 9 anos. Este grupo, especialmente sua fundadora Chiara Lubich, teve um impacto profundo na vida de Badano. O grupo focou na imagem de Cristo abandonado como forma de superar os tempos difíceis. Badano escreveu mais tarde: “Descobri que Jesus abandonado é a chave para a unidade com Deus e quero escolhê-lo como meu único esposo. Quero estar pronto para recebê-lo quando ele vier. Para preferi-lo acima de tudo.”

Embora Badano fosse uma estudante responsável, ela teve dificuldades na escola e até foi reprovada no primeiro ano do ensino médio. Era frequentemente provocada na escola por suas fortes crenças e recebeu o apelido de “irmã”.  Gostava dos passatempos normais da adolescência, como ouvir música pop, dançar e cantar, também jogava tênis e gostava de caminhadas e natação.

No verão de 1988, quando tinha 16 anos, Badano viveu uma experiência transformadora em Roma com o Movimento dos Focolares. Ela escreveu aos pais: “Este é um momento muito importante para mim: é um encontro com Jesus Abandonado. Não foi fácil abraçar este sofrimento, mas esta manhã Chiara Lubich explicou a nós que temos que ser esposas de Jesus Abandonado.” Depois dessa viagem, começou a corresponder-se regularmente com Lubich. Ela então perguntou por seu novo nome, pois isso seria o início de uma nova vida para ela. Lubich deu a ela o nome de Chiara Luce, em italiano, "Luz Clara". 

Doença

No verão de 1988, Luce sentiu uma pontada de dor no ombro enquanto jogava tênis. A princípio ela não pensou nada a respeito, mas quando a dor continuou presente, foi submetida a uma série de testes. Os médicos então descobriram que ela tinha uma forma rara e dolorosa de câncer ósseo, o osteossarcoma. Em resposta, Badano declarou simplesmente: “É para você, Jesus; se você quiser, eu também quero”.

Durante todo o processo de tratamento, Chiara recusou-se a tomar morfina para que pudesse ficar acordada e consciente. Ela sentiu que era importante conhecer sua doença e dor para que pudesse oferecer seus sofrimentos. Ela disse: “Isso reduz minha lucidez e só há uma coisa que posso fazer agora: oferecer meu sofrimento a Jesus porque quero compartilhar o máximo possível em seus sofrimentos na cruz.” 

Durante sua estadia no hospital, caminhava com outro paciente que estava sofrendo de depressão. Essas caminhadas foram benéficas para o outro paciente, mas causavam grande dor a Chiara Luce. Seus pais muitas vezes a incentivavam a ficar e descansar, mas ela simplesmente respondia: “Vou conseguir dormir mais tarde.”

Um de seus médicos, Antonio Delogu, disse: “Por meio de seu sorriso e de seus olhos brilhantes, ela nos mostrou que a morte não existe; só a vida existe”. Uma amiga do Movimento dos Focolares disse: “No início pensamos em visitá-la para mantê-la animada, mas logo percebemos que, de fato, éramos nós que precisávamos dela. Sua vida era como um ímã que nos atraía para ela.”

Quando uma mecha de seu cabelo caía devido à quimioterapia, Chiara simplesmente a oferecia a Deus, dizendo: “Por você, Jesus”. Ela também doou todas as suas economias para uma amiga que estava realizando o trabalho missionário na África. Ela escreveu a ele: “Não preciso mais desse dinheiro. Eu tenho tudo.”

Durante um doloroso procedimento médico, Chiara foi visitada por uma senhora: “Quando os médicos começaram a realizar este pequeno, mas bastante exigente procedimento, apareceu uma senhora com um sorriso muito bonito e luminoso. Ela veio até mim e me pegou pela mão, e seu toque me encheu de coragem. Da mesma forma que ela chegou, ela desapareceu, e eu não podia mais vê-la. Mas meu coração se encheu de uma alegria imensa e todo o medo me deixou. Naquele momento entendi que se estamos sempre prontos para tudo, Deus nos envia muitos sinais de seu amor.”

A fé e o espírito de Chiara nunca diminuíram, mesmo depois que o câncer a deixou incapaz de andar e uma tomografia computadorizada mostrou que qualquer esperança de remissão se foi. Em resposta, ela simplesmente disse: “Se eu tivesse que escolher entre andar novamente e ir para o céu, não hesitaria. Eu escolheria o céu.” Em 19 de julho de 1989, Chiara quase morreu de hemorragia. Sua fé não vacilou quando disse: “Não derrame nenhuma lágrima por mim. Eu estou indo para Jesus. No meu funeral, não quero que as pessoas chorem, mas cantem de todo o coração.”

Antes de morrer, ela disse à mãe: “Oh, mamãe, jovens ... jovens ... eles são o futuro. Veja, não posso correr mais, mas gostaria de passar a tocha para eles, como nas Olimpíadas! Os jovens têm apenas uma vida e vale a pena vivê-la bem.”

Quando Chiara percebeu que não iria melhorar, ela começou a planejar seu “casamento” (seu funeral) com sua mãe. Ela escolheu a música, canções, flores e as leituras para a missa. Ela queria ser enterrada com seu “vestido de noiva”, um vestido branco com cintura rosa, porque sua morte permitiria que ela se tornasse a noiva de Cristo. Ela disse à mãe: “Quando você estiver me preparando, mãe, você precisa ficar dizendo para si mesma: ‘Chiara Luce agora está vendo Jesus’”

Morte

Durante suas horas finais, Chiara fez sua confissão final e recebeu a Eucaristia. Ela pediu à família e aos amigos que orassem com ela: “Venha, Espírito Santo”. Chiara Luce morreu às 4 horas da madrugada de 7 de outubro de 1990, com os pais ao lado de sua cama. Suas palavras finais foram: “Tchau, mãe, seja feliz, porque eu sou. 

 

16 de out. de 2021

O Senhor dos Milagres

 

A imagem do Cristo Moreno foi pintada por um escravo angolano em uma pequena parede de barro no Bairro de Pachamilla, no centro de Lima, Peru. Durante o terremoto em 1655, que matou muitas pessoas, todas as paredes da capela caíram, exceto a parte da parede onde estava exatamente a imagem. Reconhecendo o pequeno milagre, uma capelinha foi construída ao seu redor e missas começaram a ser rezadas ali. 

Em 20 de Outubro de 1687 um terrível terremoto atingiu novamente a região. Segundo alguns relatos, teria durado 15 minutos. As paredes da capela caíram, mas a parede onde a imagem está pintada permaneceu em pé. No ano seguinte foi contratado um pintor profissional para fazer uma cópia da imagem, esta é a cópia que ainda hoje é carregada em procissão pela cidade. 

Em 1746 ocorreu o mais terrível terremoto em Lima. A parede original com a pintura, claro, permaneceu em pé. Após este terremoto decidiu-se construir a Igreja e Monastério das Nazerenas, tendo a parede como fundo do altar. 


Tradicionalmente, no primeiro sábado de Outubro a imagem saí do Monastério, passa pelas ruas principais de Lima e chegar ao Santuário apenas a noite. Nos dias 18, 19 e 28 de Outubro, a imagem é levada em procissão pela cidade, mas sempre retornando ao Santuário das Nazenarenas. Por fim, em 1o. de Novembro, a imagem é conduzida de volta ao monastério, onde passará os próximos onze meses.

Nas procissões, a imagem é carregada sobre um grande tablado que necessita de vários homens devido ao se peso. É importante que estes homens tenham se confessado, para carregar a Cristo. O passo é bastante lento, por isto a procissão dura muitas horas. 


 

9 de set. de 2021

A Doce Chama do Teu Amor: Amai-vos uns aos outros.

O Senhor disse em São Mateus: "Tendes ouvido o que foi dito: Amarás o teu próximo e poderás odiar teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, orai pelos que vos [maltratam e] perseguem." (Mt 5,43-44). A verdade é que no Carmelo não há inimigos, mas há simpatias. Se te sentes atraída por uma irmã, enquanto por causa de outra irmã desvias o caminho, assim, se dar-se conta, estás fazendo diferença entre as irmãs. Pois bem, Jesus disse que esta irmã que evitas, deves amá-la, deves rezar por ela, ainda quando sua conduta te faça pensar que ela não te ama. 

Em Lucas 6 lemos: "Se amas somente aqueles que te amam, que recompensa mereces? Também os pecadores amam aqueles que amam". E não basta amar, é necessário demonstrar. É natural que gostes de receber um presente de um amigo e também presenteá-los com surpresas. Porém isto não é caridade, pois também os pecadores fazem isto.

Jesus também disse: "A todo aqueles que te pedem, dá, e se te levarem tudo, não reclames". Dar aqueles pedem é menos agradável que oferecer algo por tua iniciativa. Se é difícil dar algo a todos que pedem, muito mais difícil é deixar levar aquilo que nos pertence, sem reclamar. Sei que é difícil, mas é melhor dizer que parece difícil, pois o jugo do Senhor é suave (Mt 11,30). Somente a caridade pode converter um coração. Jesus, a doce chama do Teu amor me consume, corro alegre pelo caminho do teu novo mandamento: "Amai-vos uns aos outros" (Jo 13,34).

-- De Santa Terezinha do Menino Jesus, século XIX


4 de set. de 2021

São Lourenço Justiniano

São Lourenço Justiniano foi bispo de Veneza de 1451 até sua morte em 8 de Janeiro de 1456. Foi canonizado em 16 de Outubro de 1690 pelo Papa Alexandre VIII. Eis aqui dois exemplos:

1. Trecho de uma homília sobre Nossa Senhora

Enquanto Maria contemplava tudo que aprendera lendo, ouvindo e observando o que lhe acontecia, ela crescia em fé, aumentava seus méritos, era ainda mais iluminada pela Sabedoria e mais consumida pelo fogo da caridade. Os mistérios do céu foram abertos para ela, preenchendo-a de alegria, cheia do Espírito Santo, elevando-a para Deus, e estendendo seu olhar protetivo sobre a Terra. Tão enormes são suas graças divinas que a transformaram-na na maior dos santos e elevaram-na da terra ao mais alto dos céus.  Ela era totalmente abençoada, sua mente era totalmente guiada pelo Espírito, ela estava sempre disposta a seguir a Palavra de Deus, nunca seus próprios desejos ou vontade. Foi a vontade da Sabedoria Divina que ela fosse a mãe da Igreja, que a abençoada Maria a guardasse, purificasse seus membros, desse o exemplo de humildade e sacrifício espiritual. 

Imitem à Maria, imitem sua alma fiel. Entrem nos mais profundos lugares do seus corações para que possam purificá-los e lavá-los de seus pecados. Deus coloca mais valor em um coração limpo que nas obras realizadas. Portanto, se passarmos um tempo contemplando a Deus em oração ou servindo ao próximo, ambos devem ser realizados pelo Amor de Deus. As maiores ofertas aceitas por Deus são os frutos da purificação espiritual de um coração preenchido por Jesus.

2. Do livro Incêndio do Amor Divino:

O caminho da vida é cheio de armadilhas para nossa fé, portanto devemos caminhar com extremo cuidado. Quem, senão a mais alta luz pode nos ajudar a reconhecer encantamentos perigosos que podem nos levar a ruína neste mundo carnal? Deus é a fonte de todo bem!

-- autoria própria

31 de ago. de 2021

Senhor, envia-nos o Cordeiro!


Senhor, envia-nos o Cordeiro! É o Cordeiro que nos falta, não o leão (Ap 5,5-6). O Cordeiro que não se irrita e cuja doçura jamais se pertuba, o cordeiro que dará sua lã branca como a neve para nos aquecer quando está frio, para cobrir quando estivermos desnudos, o cordeiro que nos dará a comer de sua carne por temer que estejamos fracos para caminhar (Jo 6,51; Mt 15,32). 


Senhor, envia-O cheio de sabedoria, por que sua prudência vencerá o espírito orgulhos, evia-O cheio de força, por que prometestes que "o Senhor é forte e poderoso no combate" (Sl 23, 8), envia-O cheio de doçura, por que "descerá como a chuva sobre a relva" (Sl 71,6), envia-O como uma vítima, por que deve ser vendido e imolado para nosso resgate (Mt 26,15; Jo 19, 36; Ex 12,46)


Senhor, envia-O não para exterminar os pecadores, por que deve "vir para chamar os justos e os injustos" (Mt 9,13), envia-O, por que será "digno de receber a honra, a glória e a majestade, digno de receber o livro e de abrir-lhe os selos” (Ap 4,11; Ap 5,9), quer dizer o mistério imcompreensível da Encarnação.

-- Pedro de Celle, monge beneditino e bispo (século XII)

30 de ago. de 2021

31 de Agosto: São Nicodemos e São José de Arimatéia

 


Nicodemos foi um fariseu, membro do Sinédrio, certamente um homem que havia estudado a fé judaica. Ele é mencionado três vezes no Evangelho de São João:

1.  Na primeira vez em que é citado, ele é identificado com um fariseu que vem visitar Jesus a noite, escondido. Jesus havia ido à Jerusalém para passar a Páscoa, ao chegar no Templo, derrubou as mesas do negociantes, dizendo que ali era a casa do Pai. Quando Nicodemos visita a Jesus, ele faz referência a estes eventos: “Rabi, sabemos que és um Mestre vindo de Deus. Ninguém pode fazer esses milagres que fazes, se Deus não estiver com ele” (Jo 3,2), ao que Jesus responde:  “Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo não poderá ver o Reino de Deus”. (Jo 3,3). Daí segue uma conversa sobre o significado da expressão "nascer de novo". Nicodemos parece entender literalmente, como se um homem pudesse entrar de novo no ventre de sua mãe, mas muitos teólogos argumentam que Nicodemos estava propositalmente usando uma interpretação literal para que Cristo explicasse melhor o rela significado do seu ensinamento. Ao responder, Jesus parece surpreso que um mestre judaico não entendia o significado de um renascimento espiritual.

2. No capítulo 7, Nicodemos adverte seus colegas no Sinédrio que não devem julgar a Cristo sem ouvi-lo, dizendo: “Condena acaso a nossa Lei algum homem, antes de o ouvir e conhecer o que ele faz?” (Jo 7, 51). Isto confirma não apenas que fazia parte do Sinédrio como também tinha alguma influência, pois, naquela ocasião, Cristo não foi preso.

3. Finalmente quando Jesus é spultado, Nicodemos traz uma mistura de mirra e perfumes, cerca de 33 quilos, apesar de saber que os judeus não embalsamavam seus falecidos. Isto mostra que ele era um homem de posses, mas também algo mais importante, como destacaou o Papa Bento XVI: "Estas quantidades foram extraordinárias, excedendo qualquer outra utilizada normalmente. Nicodemos preparou o sepultamento de um rei".

José de Arimatéia aparece nos quatro Evangelhos como sendo o responsável pelo enterro de Cristo. 

São Mateus (27,57) fala apenas que era um homem rico e discípulo de Cristo, São Marcos (15, 43) acrescenta que ele era "um ilustre membro do conselho que também esperava o Reino de Deus" e São Lucas (23, 50-56) esclarece que ele não havia concordado com a decisão do Sinédrio.

De acordo com São João (19,38), após saber da morte de Jesus, este discípulo secreto de Cristo, pediu para Pilatos permissão para fazer o enterro antes do anoitecer. JOsé imediatamente comprou um pano de linho e foi até o Gólgota para sepultar a Cristo, o que fez com o auxílio de Nicodemos.

Após limpar e preparar o corpo de Cristo, colocaram-no em uma caverna, num jardim próximo. O Evangelho de São Mateus afirma que aquele seria a tomba que José adquirira para si mesmo. O sepultamento foi rápido para que cumprissem tudo antes de chegar o sábado.  

Ambos são venerados pelas várias igrejas católicas e cristãs, embora em dias diferentes. No atual calendário adotado pela Igreja Católica Romana, ambos são lembrados conjuntamente em 31 de Agosto. 

-- autoria própria.

-- A pintura chama-se O Sepultamento de Cristo, foi pintada por Ticiano em 1559 e está no Museu do Prado em Madrid. Nela José de Arimatéia e Nicodemos seguram o corpo de Cristo, enquanto Maria e São João observam. Um anjo está junto deles. Note as ricas vestes vermelhas de Nicodemos, como Maria e João estão envoltos em trevas, muito pertubados com a morte de Cristo, enquanto Cristo e o Anjo estão na luz.


12 de ago. de 2021

A verdade vos libertará

A palavra de Jesus: "A verdade vos libertará" (Jo 8, 32) deve iluminar e guiar todas as reflexões teológicas e todas as decisões pastorais.

Essa verdade, que vem de Deus, tem o seu centro em Jesus Cristo, Salvador do mundo. D'Ele, que é o Caminho, a Verdade e a Vida (Jo 14, 6), a Igreja recebe aquilo que ela oferece aos homens. No mistério do Verbo encarnado e redentor do mundo, ela vai buscar a verdade sobre o Pai e seu amor por nós como a verdade sobre o homem e sobre a sua liberdade.

Por sua cruz e ressurreição, Cristo realizou a nossa redenção: esta é a liberdade em seu sentido mais forte, já que ela nos libertou do mal mais radical, isto é, do pecado e do poder da morte. Quando a Igreja, instruída por seu Senhor, eleva a sua oração ao Pai: "livrai-nos do mal", ela está suplicando que o mistério da salvação se manifeste, com potência, na nossa existência de cada dia. Ela sabe que a cruz redentora é, verdadeiramente, a fonte da luz e da vida e o centro da história. A caridade que a inflama faz com que proclame a Boa-Nova e, através dos sacramentos, distribua os seus frutos vivificantes. É de Cristo redentor que partem o seu pensamento e a sua ação, quando, diante dos dramas que dilaceram o mundo, ela reflete sobre o significado e os caminhos da libertação e da verdadeira liberdade.

A verdade, a começar pela verdade sobre a redenção, que está no âmago do mistério da fé, é, pois, a raiz e a regra da liberdade, fundamento e medida de qualquer ação libertadora.

A verdade, condição da liberdade

A abertura à plenitude da verdade impõe-se à consciência moral do homem; este deve procurá-la e estar pronto para acolhê-la, quando ela se manifesta.

Segundo a ordem de Cristo Senhor, a verdade evangélica deve ser apresentada a todos os homens, e estes têm o direito de que ela lhes seja apresentada. Seu anúncio, na potência do Espírito, comporta o pleno respeito da liberdade de cada um e a exclusão de qualquer forma de coação e de pressão.

O Espírito Santo introduz a Igreja e os discípulos de Cristo Jesus na verdade plena (Jo 16, 13). Ele dirige o curso dos tempos e renova a face da terra (Sl 104, 30). É Ele que se faz presente no amadurecimento de uma consciência mais respeitosa da dignidade da pessoa humana. O Espírito Santo encontra-se na origem da coragem, da audácia e do heroísmo: "Onde se acha o Espírito do Senhor, aí está a liberdade" (2 Cor 3, 17).

-- Instrução da Congregação da Fé Libertatis Conscientia, 22 de Março de 1986

1 de ago. de 2021

Sobre a educação de nossos filhos


Um dos documentos do Concílio Vaticano II, chamado Gravissimum educationis,  fala sobre a importância da educação  dos nossos filhos. O documento claramente afirma que a educação é dever dos pais, cabendo ao Estado dar liberdade aos pais para escolher a escola de seus filhos. Por ser um dever dos pais, estes devem estar atentos ao que ocorre nas escolas e colaborar com as autoridades para que o ensino esteja de acordo os princípios morais da família.

Direito universal à educação

Todos os homens, de qualquer estirpe, condição e idade, visto gozarem da dignidade de pessoa, têm direito inalienável a uma educação correspondente ao próprio fim, acomodada à própria índole, sexo, cultura e tradições pátrias, e, ao mesmo tempo, aberta ao consórcio fraterno com os outros povos para favorecer a verdadeira unidade e paz na terra. A verdadeira educação, porém, pretende a formação da pessoa humana em ordem ao seu fim último e, ao mesmo tempo, ao bem das sociedades de que o homem é membro e em cujas responsabilidades, uma vez adulto, tomará parte.

As crianças e os adolescentes têm direito de serem estimulados a estimar retamente os valores morais e a abraçá-los pessoalmente, bem como a conhecer e a amar Deus mais perfeitamente. Por isso, pede insistentemente a todos os que governam os povos ou orientam a educação, para que providenciem que a juventude nunca seja privada deste sagrado direito. Exorta, porém, os filhos da Igreja a que colaborem generosamente em todo o campo da educação, sobretudo com a intenção de que se possam estender o mais depressa possível a todos e em toda a parte os justos benefícios da educação e da instrução.

Os educadores: pais, sociedade civil e Igreja

Os pais, que transmitiram a vida aos filhos, têm uma gravíssima obrigação de educar a prole e, por isso, devem ser reconhecidos como seus primeiros e principais educadores. Esta função educativa é de tanto peso que, onde não existir, dificilmente poderá ser suprida. Com efeito, é dever dos pais criar um ambiente de tal modo animado pelo amor e pela piedade para com Deus e para com os homens que favoreça a completa educação pessoal e social dos filhos. A família é a primeira escola das virtudes sociais de que as sociedades têm necessidade. Mas, é sobretudo, na família cristã, ornada da graça e do dever do sacramento do Matrimónio, que devem ser ensinados os filhos desde os primeiros anos, segundo a fé recebida no Batismo a conhecer e a adorar Deus e a amar o próximo; é aí que eles encontram a primeira experiência quer da sã sociedade humana quer da Igreja; é pela família, enfim, que eles são pouco a pouco introduzidos no consórcio civil dos homens e no Povo de Deus. Caiam, portanto, os pais na conta da importância da família verdadeiramente cristã na vida e progresso do próprio Povo de Deus.

O dever de educar, que pertence primariamente à família, precisa da ajuda de toda a sociedade. Portanto, além dos direitos dos pais e de outros a quem os pais confiam uma parte do trabalho de educação, há certos deveres e direitos que competem à sociedade civil, enquanto pertence a esta ordenar o que se requer para o bem comum temporal. Faz parte dos seus deveres promover de vários modos a educação da juventude: defender os deveres e direitos dos pais e de outros que colaboram na educação e auxiliá-los; segundo o princípio da subsidiariedade, ultimar a obra da educação, se falharem os esforços dos pais e das outras sociedades, tendo, todavia, em consideração, os desejos dos pais; além disso, fundar escolas e instituições próprias, na medida em que o bem comum o exigir. 

Obrigações e direitos dos pais

Os pais, cujo primeiro e inalienável dever e direito é educar os filhos, devem gozar de verdadeira liberdade na escolha da escola. Por isso, o poder público, a quem pertence proteger e defender as liberdades dos cidadãos, deve cuidar, segundo a justiça distributiva, que sejam concedidos subsídios públicos de tal modo que os pais possam escolher, segundo a própria consciência, com toda a liberdade, as escolas para os seus filhos. 

O sagrado Concílio, porém, exorta os fiéis a colaborarem espontâneamente quer para encontrar os métodos aptos de educação e de organização dos estudos, quer para formar professores capazes de educar retamente os jovens; secundem com o seu auxílio, sobretudo mediante associações dos pais, todo o trabalho da escola e em particular a educação moral que na escola deve ser ministrada.

Lembra, porém, aos pais o grave dever que lhes incumbe de tudo disporem, ou até exigirem, para que os seus filhos possam gozar de tais auxílios e progredir harmonicamente na formação cristã e profana. Por isso, a Igreja louva aquelas autoridades e sociedades civis que, tendo em conta o pluralismo da sociedade moderna e atendendo à justa liberdade religiosa, ajudam as famílias para que a educação dos filhos possa ser dada em todas as escolas segundo os princípios morais e religiosos das mesmas famílias.  

Texto completo:  Declaração Gravissimum Educationis Sobre a Educação Cristã, Papa Paulo VI, 28 de Outubro de 1965. 


29 de jul. de 2021

Felizes os que mereceram receber a Cristo em sua casa

 


As palavras de nosso Senhor Jesus Cristo nos advertem que, em meio à multiplicidade das ocupações deste mundo, devemos aspirar a um único fim. Aspiramos porque estamos a caminho e não em morada permanente; ainda em viagem e não na pátria definitiva; ainda no tempo do desejo e não na posse plena. Mas devemos aspirar, sem preguiça e sem desânimo, a fim de podermos um dia chegar ao fim.

Marta e Maria eram irmãs, não apenas irmãs de sangue, mas também pelos sentimentos religiosos. Ambas estavam unidas ao Senhor; ambas, em perfeita harmonia, serviam ao Senhor corporalmente presente. Marta o recebeu como costumam ser recebidos os peregrinos. No entanto, era a serva que recebia o seu Senhor; uma doente que acolhia o Salvador; uma criatura que hospedava o Criador. Recebeu o Senhor para lhe dar o alimento corporal, ela que precisava do alimento espiritual. O Senhor quis tomar a forma de servo e, nesta condição, ser alimentado pelos servos, por condescendência, não por necessidade. Também foi por condescendência que se apresentou para ser alimentado. Pois tinha assumido um corpo que lhe fazia sentir fome e sede.

Portanto, o Senhor foi recebido como hóspede, ele que veio para o que era seu, e os seus não o acolheram. Mas, a todos que o receberam, deu-lhes capacidade de se tornarem filhos de Deus (Jo 1,11-12). Adotou os servos e os fez irmãos; remiu os cativos e os fez co-herdeiros. Que ninguém dentre vós ouse dizer: Felizes os que mereceram receber a Cristo em sua casa! Não te entristeças, não te lamentes por teres nascido num tempo em que já não podes ver o Senhor corporalmente. Ele não te privou desta honra, pois afirmou: Todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes (Mt 25,40).

Aliás, Marta, permite-me dizer-te: Bendita sejas pelo teu bom serviço! Buscas o descanso como recompensa pelo teu trabalho. Agora estás ocupada com muitos serviços, queres alimentar os corpos que são mortais, embora sejam de pessoas santas. Mas, quando chegares à outra pátria, acaso encontrarás peregrinos para hospedar? encontrarás um faminto para repartires com ele o pão? um sedento para dares de beber? um doente para visitar? um desunido para reconciliar? um morto para sepultar? Lá não haverá nada disso. Então o que haverá? O que Maria escolheu: lá seremos alimentados, não alimentaremos. Lá se cumprirá com perfeição e em plenitude o que Maria escolheu aqui: daquela mesa farta, ela recolhia as migalhas da palavra do Senhor. Queres realmente saber o que há de acontecer lá? É o próprio Senhor quem diz a respeito de seus servos: Em verdade eu vos digo: ele mesmo vai fazê-los sentar-se à mesa e, passando, os servirá (Lc 12,37).

 -- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (século V)

-- A Memória de Santa Marta é celebrada em 29 de Julho 

19 de jul. de 2021

Ladainha do Amor

Senhor, tende misericórdia de nós,

Cristo, tende misericórdia de nós,

Senhor, tende misericórdia de nós,

Jesus, nos escute,

Jesus nos escute com todo Teu Amor,

Deus Pai dos céus, tende misericórdia de nós,

Deus Filho, Salvador do mundo, tende misericórdia de nós,

Deus Espírito Santo, tende misericórdia de nós,

Santíssima Trindade, Deus uno, tende misericórdia de nós


Jesus, meu amado,

Jesus, minha força,

Jesus, luz da minha mente,

Jesus, força da minha vontade,

Jesus, vida da minha vida,

Jesus, vida da minha alma,

Jesus, alma da minha vida,

Jesus, alma da minha alma.


Jesus, meu deleite infinito,

Jesus, minha bem-aventurança arrebatadora,

Jesus, minha infinita alegria,

Jesus, verdadeira paz da minha alma,

Jesus, meu ser,

Jesus, meu céu,

Jesus, meu magnífico amor,

Jesus, meu repouso eterno,

Jesus, meu desejo,

Jesus, meu esposo crucificado,

Jesus, meu Rei,

Jesus, meu Deus.


Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo; assim como era no princípio, agora e sempre, pelos séculos dos séculos. Amém!

 

-- Esta ladainha foi escrita pela Beata Miriam Teresa Demjanovich, século XX

17 de jul. de 2021

São Frederico de Utrecht

Frederico nasceu em torno do ano de 780 na Frísia, norte da atual Holanda, seus pais eram da família real, seu avô Radbod havia reinado até 719. O Cristianismo ainda era recente na região, foi introduzido com o auxílio do rei Aldegisel, provável bisavô de Frederico, em 678. Em 770 a Frísia passou a ser controlada pelo Imperador Carlos Magno, que apoiava a Igreja Católica. Próximo ao final do seu reinado indicou o Duque Godfrid Haraldsson para governar sobre a Frísia, o que ele fez de 1810 até 839.

Frederico foi educado pelos padres de Utrecht, incluindo o Bispo Ricfried. Desde criança acostumou-se a prestar atenção nas homílias da Missa e depois repeti-las em casa para a família. Ele escolheu o presbiterato, ao invés de casar com alguma princesa para manter a sua família na corte. Após ser ordenado, o Bispo Ricfried pediu que cuidasse da conversão daqueles que ainda praticavam o politeísmo na região. Muito dedicado, Frederico viajava pela diocese pregando a palavra de Deus e tentando converter os pagãos.

Quando o bispo morreu, em torno de 825, foi escolhido como o novo Bispo de Utrecht. Ele atribuiu a tarefa de conversão dos pagãos ao futuro Santo Odulfo e apoiou-lhe na fundação do monastério de Stavoren. O apostolado na região era perigoso, pois os pagãos eram violentamente contrários a Igreja. Frederico, no entanto, continuou a realizar visitas regulares, mesmo sobre risco de vida. 

Também acabou involvido nas questões da família real, especialmente nos problemas do Imperador Luis, sua esposa Judite e filhos. Como bispo, não autorizou casamentos incestuosos ou com não-católicos, o que atrapalhou os planos de alianças políticas dos governantes. Além disso, criticou publicamente a Imperatriz Judite, que era famosa por viver uma vida dissoluta, sendo infiel ao seu marido. 

Em 18 de Julho de 838, logo após celebrar a Missa na Catedral, foi esfaqueado e morto por dois homens, ainda dentro da igreja. Percebendo que estava mortalmente ferido, perdou seus assassinos, pediu ao povo que se convertesse e morreu recitando o Salmo 144: "Dia a dia vos bendirei, e louvarei o vosso nome eternamente". Nunca foi esclarecido se os assassinos haviam sido enviados pelos pagãos ou pela Imperatriz Judite. 

Após seu martírio, São Frederico de Utrecht foi canonizado, sua festa é celebrada em 18 de Julho. Hoje é considerado um dos santos padroeiros dos surdos, junto com São Francisco de Sales. Na arte, é representado carregando a palma do martírio, as vezes com dois punhais, uma referência a maneira como morreu.  

Oração:

Que possamos, como São Frederico de Ultrecht, ser um conhecedor das Sagradas Escrituras e ter a coragem de defender e propagar os valores cristãos das famílias e nas famílias, sem medo de proclamar os valores do Reino de Deus e testemunhar com a vida que cremos na Santíssima Trindade, ou seja, em um Deus que é Pai, Filho e Espírito Santo. Amém!

-- autoria própria


3 de jul. de 2021

O que é a fé?

 Queridos irmãos e irmãs,

Hoje gostaria de meditar convosco sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda tem sentido a fé, num mundo em que ciência e técnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? Com efeito, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua sem dúvida um conhecimento das suas verdades e dos acontecimentos da salvação, mas sobretudo que nasça de um encontro verdadeiro com Deus em Jesus Cristo, do amá-lo, do ter confiança nele, de modo que a vida inteira seja envolvida por Ele.

Hoje, juntamente com tantos sinais de bem, aumenta ao nosso redor um certo deserto espiritual. Às vezes tem-se como que a sensação, a partir de certos acontecimentos dos quais recebemos notícias todos os dias, que o mundo não caminha rumo à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as próprias ideias de progresso e de bem-estar mostram também as suas sombras. Não obstante a grandeza das descobertas da ciência e dos êxitos da técnica, hoje o homem não parece ter-se tornado verdadeiramente mais livre, mais humano; subsistem muitas formas de exploração, de manipulação, de violência, de prepotência, de injustiça... Além disso, um certo tipo de cultura educou a mover-se só no horizonte das coisas, do realizável, a acreditar unicamente naquilo que se vê e se toca com as próprias mãos. Mas por outro lado, aumenta também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão apenas horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto sobressaem algumas interrogações fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Para que rumo orientar as opções da nossa liberdade, para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?

Destas interrogações insuprimíveis sobressai que o mundo da planificação, do cálculo exato e da experimentação, em síntese o saber da ciência, embora seja importante para a vida do homem, sozinho não é suficiente. Temos necessidade não só do pão material, mas precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um sentido autêntico também na crise, nas obscuridades, nas dificuldades e nos problemas quotidianos. A fé oferece-nos precisamente isto: é um entregar-se confiante a um "Tu", que é Deus, o qual me confere uma certeza diversa, mas não menos sólida do que aquela que me deriva do cálculo exato ou da ciência. A fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um "Tu" que me dá esperança e confiança. Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se realmente próximo de cada um de nós. Aliás, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é incomensurável: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que se fez homem, mostra-nos do modo mais luminoso até que ponto chega este amor, até ao dom de si mesmo, até ao sacrifício total. Com o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até ao fundo na nossa humanidade, para lha restituir, para a elevar à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, perante o mal e a morte, mas é capaz de transformar todas as formas de escravidão, oferecendo a possibilidade da salvação. Então, ter fé é encontrar este "Tu", Deus, que me sustém e me faz a promessa de um amor indestrutível, que não só aspira à eternidade, mas também a concede; é confiar-me a Deus com a atitude da criança, a qual sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão salvaguardados no "tu" da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Penso que deveríamos meditar mais frequentemente — na nossa vida quotidiana, caracterizada por problemas e situações por vezes dramáticas — sobre o fato de que crer cristãmente significa este abandonar-se com confiança ao sentido profundo que me sustém, a mim e ao mundo, àquele sentido que não somos capazes de nos darmos a nós mesmos, mas só de receber como dádiva, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem temor. Temos que ser capazes de anunciar com a palavra e de mostrar com a nossa vida cristã esta certeza libertadora e tranquilizadora da fé.

Contudo, ao nosso redor vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes, ou rejeitam aceitar este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado, que diz: "Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado" (Mc 16, 16), perder-se-á a si mesmo. Gostaria de vos convidar a meditar sobre isto. A confiança na ação do Espírito Santo deve impelir-nos sempre a ir e anunciar o Evangelho, ao testemunho corajoso da fé; mas para além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé há inclusive o risco da rejeição do Evangelho, do não-acolhimento do encontro vital com Cristo. JáSsanto Agostinho apresentava este problema num seu comentário à parábola do semeador: "Nós falamos — dizia — lançamos a semente, espalhamos a semente. Há aqueles que desprezam, aqueles que repreendem, aqueles que zombam. Se os tememos, não teremos mais nada para semear, e no dia da ceifa permaneceremos sem colheita. Por isso, venha a semente da terra boa" (Discursos sobre a disciplina cristã, 13, 14: pl 40, 677-678). Portanto, a rejeição não nos pode desencorajar. Como cristãos, somos testemunhas deste terreno fértil: apesar dos nossos limites, a nossa fé demonstra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de uma nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, que existe a semente boa, e dá fruto.

Mas perguntemo-nos: de onde haure o homem aquela abertura do coração e da mente, para acreditar no Deus que se tornou visível em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de tal modo que Ele e o seu Evangelho sejam guia e luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus, porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. Então, a fé é antes de tudo uma dádiva sobrenatural, um dom de Deus. O Concílio Vaticano II afirma: "Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá “a todos a suavidade em aceitar e crer na verdade” " (Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé está o Batismo, o sacramento que nos confere o Espírito Santo, tornando-nos filhos de Deus em Cristo, e marca a entrada na comunidade da fé, na Igreja: não cremos por nós mesmos, sem a prevenção da graça do Espírito; e não cremos sozinhos, mas juntamente com os irmãos. Do Batismo em diante, cada crente é chamado a reviver e fazer sua esta profissão de fé, com os irmãos.

A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica afirma-o claramente: "O ato de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem" (n. 154). Aliás, envolve-as e exalta-as, numa aposta de vida que é como que um êxodo, ou seja um sair de nós mesmos, das nossas seguranças, dos nossos esquemas mentais, para nos confiarmos à ação de Deus que nos indica o seu caminho para alcançar a liberdade verdadeira, a nossa identidade humana, a alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar-se com toda a liberdade e com alegria ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. Então, a fé é um assentimento com que a nossa mente e o nosso coração dizem o seu "sim" a Deus, professando que Jesus é o Senhor. E este "sim" transforma a vida, abre-lhe o caminho rumo a uma plenitude de significado, tornando-a assim nova, rica de júbilo e de esperança confiável.

Caros amigos, o nosso tempo exige cristãos que tenham sido arrebatados por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e com os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustém no caminho e nos abre para a vida que nunca mais terá fim. Obrigado!

-- Papa Bento XVI, catequese na audiência geral de 24 de Outubro de 2012

 

19 de jun. de 2021

A Penitência é um sacramento?


 Há alguns parece que a Penitência não é um sacramento, embora a Igreja considere como um dos sete sacramentos.

Primeira objeção:
Segundo está nos primeiros decretos da Igreja, os sacramentos são o Batismo, Crisma e o Corpo e Sangue de Cristo. Eles se chamam sacramentos por que, através de sinais visíveis, Deus opera invisivelmente a salvação. Isto não ocorre com a Penitência, por que Deus realiza a salvação sem necessitar de sinais visíveis.

Resposta: É verdade que um sacramento consiste em uma cerimônia feita de tal modo que nela recebamos simbolicamente o que devemos receber santamente. Ora, na Penitência, o ato praticado tem um significado santo, tanto da parte do pecador penitente, pelo que faz e diz, mostra abandonar o pecado no seu coração; também o sacerdote, pelo que faz e diz, significa a obra de Deus, isto é, o perdão dos pecados.

Por sinais visíveis deve-se entender todos os gestos realizados por um homem, assim como derramar a água no Batismo ou ungir com óleo o crismando. Um sacramento dispensa graças excelentes, superiores a toda capacidade humana, assim, no Batismo, todos pecados são redimidos, na Crisma, se confere a plenitude do Espírito Santo, na extrema-unção, a perfeita saúde espiritual, proveniente da virtude de Cristo. Os atos humanos envolvidos em tais sacramentos não são sua essência, são apenas a maneira de realizá-los. 

Além disso, no caso da Penitência e do Casamento, são os próprios atos humanos daqueles que recebem o sacramento, que tornam visíveis seus efeitos.

Segunda objeção:
Os sacramentos da Igreja são realizados pelos ministros de Cristo, que dispensam os mistérios de Deus. A Penitência não é realizada pelo ministro, nem conta com a sua participação, mas é inspirada aos homens por Deus, segundo diz a Escritura: Depois que me converteste, fiz penitência (Jr 31,17).

Resposta: nos sacramentos que incluem matéria visível, como a água e o óleo, é necessário que sejam aplicados pelo ministro da Igreja, representante da pessoa de Cristo, um sinal de que o sacramento vem de Cristo mesmo. Como dissemos, na Penitência os atos humanos são realizados pelo pecador penitente, atos provenientes de uma inspiração interna. Assim, não há matéria aplicada pelo ministro, mas Deus que age interiormente; o ministro dá somente o complemento do sacramento, absolvendo o penitente.

Terceira objeção:
Nos sacramentos, como Batismo e Crisma, temos que distinguir os atos visíveis e sua realidade espiritual não visível. Nada disto ocorre na Penitência, assim a Penitência não seria um sacramento por não ter a mesma estrutura.

Resposta:
Também na Penitência podemos distinguir o que é só visível, os atos praticados tanto pelo pecador penitente quanto pelo padre, e o arrependimento interno do pecador.

-- São Tomás de Aquina, Suma Teológica, Questão 84, artigo I.

-- Este post é parte da série Suma Teológica Reescrita, na qual reorganizo e "traduzo" para uma linguagem mais moderna questões discutidas por São Tomás de Aquino na monumental e fundamental Suma Teológica.

17 de jun. de 2021

Verdades fundamentais sobre o Sacramento da Penitência

 
O Sacramento da Penitência baseia-se em algumas convicções de fé que a seguir enuncio e à volta das quais se reúnem todas as outras afirmações da doutrina católica sobre o Sacramento da Penitência.

Sacramento da Penitência é a via ordinária para obter o perdão 

A primeira convicção é que, para um cristão, o Sacramento da Penitência é a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos seus pecados graves cometidos depois do Batismo. O divino Salvador e a sua ação salvífica, certamente, não estão ligados a um sinal sacramental, de maneira a não poderem em qualquer tempo e circunstância da história da salvação agir fora e acima dos Sacramentos. Mas na escola da fé aprendemos que o mesmo Salvador quis e dispôs que os humildes e preciosos Sacramentos da fé sejam ordinariamente os meios eficazes, pelos quais passa e opera o seu poder redentor. Seria portanto insensato, além de presunçoso, querer prescindir arbitrariamente dos instrumentos de graça e de salvação que o Senhor dispôs e, no caso específico, pretender receber o perdão, pondo de lado o Sacramento, instituído por Cristo exatamente para o perdão.

O Sacramento da Penitência é um tribunal de misericória e cura espiritual

A segunda convicção diz respeito à função do Sacramento da Penitência para aqueles que a ele recorrem. Segundo a mais antiga concepção da Tradição trata-se de uma espécie de ato judicial; mas este ato decorre junto de um tribunal mais de misericórdia, do que de estrita e rigorosa justiça, pelo que não é comparável aos tribunais humanos, (178) senão por analogia; ou seja, na medida em que o pecador aí descobre os seus pecados e a sua própria condição de criatura sujeita ao pecado; se compromete a renunciar e a combater o pecado; aceita a pena (penitência sacramental) que o confessor lhe impõe e dele recebe a absolvição.

Ao refletir, porém, sobre a função deste Sacramento, a consciência da Igreja vislumbra nele, além do carácter judicial, no sentido acima aludido, um carácter terapêutico ou medicinal. E isto relaciona-se com o fato, frequente no Evangelho, da apresentação de Cristo como médico, (179) enquanto a sua obra redentora é muitas vezes chamada, desde a antiguidade cristã, "remédio da salvação". "Eu quero curar, não acusar", dizia Santo Agostinho, referindo-se ao exercício da pastoral penitêncial, (180) e é graças ao remédio da confissão que a experiência do pecado não degenera em desespero. (181) O Ritual da Penitência alude a este aspecto medicinal do Sacramento, (182) ao qual o homem contemporâneo é talvez mais sensível, vendo no pecado o que ele comporta de erro, obviamente, e mais ainda aquilo que ele indica relacionado com a fraqueza e enfermidade humanas.

Tribunal de misericórdia ou lugar de cura espiritual, sob ambos os aspectos o Sacramento exige um conhecimento do íntimo do pecador, para o poder julgar e absolver, para tratar dele e o curar. E precisamente por isto, implica, da parte do penitente, a acusação sincera e completa dos pecados, que tem assim uma razão de ser, não só inspirada em fins ascéticos (como exercício de humildade e de mortificação), mas inerente à própria natureza do Sacramento.

O Sacramento da Penitência é composto por sinais visíveis

A terceira convicção que desejo aqui salientar, diz respeito as realidades ou partes que compõem o sinal sacramental do perdão e da reconciliação. Algumas destas realidades são atos do penitente, de importância diversa, mas cada um deles indispensável ou para a validade ou para a integridade ou para o fruto do sinal.

Uma condição indispensável, primeiro que tudo, é a retidão e a limpidez da consciência do penitente. Um homem não se põe a caminho para uma verdadeira e genuína penitência, enquanto não perceber que o pecado contrasta com a norma ética, inscrita no íntimo do próprio ser; (183) enquanto não reconhecer ter feito a experiência pessoal e responsável de uma tal oposição; enquanto não disser não apenas "o pecado existe", mas "eu pequei"; enquanto não admitir que o pecado introduziu na sua consciência uma divisão, que avassala todo o seu ser e o separa de Deus e dos irmãos. O sinal sacramental desta limpidez da consciência é o acto tradicionalmente chamado exame de consciência, acto que deveria ser sempre, não tanto uma introspecção psicológica ansiosa, mas o confronto sincero e sereno com a lei moral interior, com as normas evangélicas propostas pela Igreja, com o próprio Jesus Cristo, que é para nós mestre e modelo de vida e com o Pai celeste que nos chama ao bem e à perfeição. (184)

Mas o ato essencial da Penitência, da parte do penitente, é a contrição, ou seja, um claro e decidido repúdio do pecado cometido, juntamente com o propósito de não o tornar a cometer, (185) pelo amor que se tem a Deus e que renasce com o arrependimento. Entendida deste modo a contrição é, pois, o princípio e a alma da conversão, daquela metánoia evangélica que reconduz o homem a Deus, como o filho pródigo que volta ao pai, e que tem no Sacramento da Penitência o seu sinal visível e aperfeiçoador da própria atrição. Por isso, "desta contrição do coração depende a verdade da penitência". (186)

Supondo e chamando a atenção para tudo aquilo que a Igreja, inspirada pela palavra de Deus, ensina acerca da contrição, está-me particularmente a peito, neste ponto, salientar um aspecto de tal doutrina, para que seja melhor conhecido e mais tido presente. Não raro se considera a conversão e a contrição sob o aspecto das inegáveis exigências que elas comportam e da mortificação que impõem em ordem a uma radical mudança de vida. Mas é bom recordar e acentuar que contrição e conversão são, sobretudo, uma aproximação da santidade de Deus, um reencontro da própria verdade interior, obscurecida e transtornada pelo pecado, um libertar-se no mais profundo de si próprio e, por isso, um reconquistar a alegria perdida, a alegria de ser salvado, (187) que a maioria dos homens do nosso tempo já não sabe saborear.

Compreende-se, assim, que desde os primeiros tempos cristãos, em ligação com os Apóstolos e com Cristo, a Igreja tenha incluído no sinal sacramental da Penitência a acusação dos pecados. Esta aparece como tão relevante que, desde há séculos, o nome usual do Sacramento foi e é ainda agora o de confissão. Acusar os próprios pecados é exigido, antes de mais, pela necessidade do pecador ser conhecido por aquele que no Sacramento exerce o papel de juiz, o qual deve avaliar, quer a gravidade dos pecados, quer o arrependimento do penitente; e, simultaneamente, o papel de médico, que deve conhecer o estado do enfermo para tratar dele e o curar. Mas a confissão individual tem também o valor de sinal: sinal do encontro do pecador com a mediação eclesial na pessoa do ministro; sinal do seu pôr-se a descoberto diante de Deus e da Igreja como pecador, do esclarecer-se a si mesmo sob o olhar de Deus. A acusação dos pecados, portanto, não pode ser reduzida a qualquer tentativa de autolibertação psicológica, ainda que esta corresponda a uma necessidade legítima e natural de abrir-se com alguém, o que é algo ínsito no coração do homem. Trata-se de um gesto litúrgico, solene na sua dramaticidade, humilde e sóbrio na grandeza do seu significado. É o gesto do filho pródigo que volta para junto do pai e por ele é acolhido com o beijo da paz; gesto de lealdade e de coragem; gesto de entrega de si mesmo, passando além do pecado, à misericórdia que perdoa. (188)

Compreende-se, então, por que é que a acusação dos pecados deve ser ordinariamente individual e não coletiva, tal como o pecado é um fato profundamente pessoal. Ao mesmo tempo, porém, esta acusação arranca, de certo modo, o pecado do segredo do coração e, por conseguinte, do âmbito da pura individualidade, pondo em relevo o seu caráter social, uma vez que, mediante o ministro da Penitência, é a Comunidade eclesial, lesada pelo pecado, que acolhe de novo o pecador arrependido e perdoado.

O outro momento essencial do Sacramento da Penitência, compete, por sua vez, ao confessor juiz e médico, imagem de Deus Pai que acolhe aquele que regressa e lhe perdoa: é a absolvição. As palavras que a exprimem e os gestos que a acompanham no antigo e no novo Ritual da Penitência, revestem-se de uma significativa simplicidade na sua grandeza. A fórmula sacramental: «Eu te absolvo...», a imposição das mãos e o sinal da cruz traçado sobre o penitente manifestam que naquele momento o pecador contrito e convertido entra em contacto com o poder e a misericórdia de Deus. É em tal momento que, em resposta ao penitente, a Santíssima Trindade se torna presente para apagar o seu pecado e restituir-lhe a inocência; e a força salvífica da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus é comunicada ao mesmo penitente, como «misericórdia mais forte do que a culpa e a ofensa», como a designei na Encíclica Dives in Misericordia. Deus é sempre o principal ofendido pelo pecado — "Pequei só contra Vós!"  — e só Deus pode perdoar. Por isso, a absolvição que o Sacerdote, ministro do perdão, embora também ele pecador, concede ao penitente, é o sinal eficaz da intervenção do Pai em cada absolvição e da ressurreição da morte espiritual que se renova todas as vezes que é actuado o Sacramento da Penitência. Só a fé pode assegurar que naquele momento todos e cada um dos pecados são perdoados e apagados pela misteriosa intervenção do Salvador.

A satisfação é o ato final que coroa o sinal sacramental da Penitência. Em alguns países, o que o penitente perdoado e absolvido aceita cumprir depois de ter recebido a absolvição, chama-se precisamente penitência. Qual é o significado desta satisfação que se dá ou desta penitência que se faz? Não é certamente o preço que se paga pelo pecado absolvido e pelo perdão alcançado: nenhum preço humano pode equivaler ao que se obteve, fruto do preciosíssimo Sangue de Cristo. As obras de satisfação — que, embora conservando um carácter de simplicidade e de humildade, deveriam tornar-se mais expressivas de tudo aquilo que significam — querem dizer algo de precioso: são o sinal docompromisso pessoal que o cristão assumiu com Deus, no Sacramento, de começar uma existência nova (e por isso não deveriam reduzir-se somente a algumas fórmulas a recitar, mas consistir em obras de culto, de caridade, de misericórdia e de reparação); incluem a ideia de que o pecador perdoado é capaz de unir a sua própria mortificação física e espiritual, procurada ou ao menos aceite, à Paixão de Jesus que lhe alcançou o perdão; recordam que, mesmo depois da absolvição, permanece no cristão uma zona de sombra devida as feridas do pecado, à imperfeição do amor no arrependimento, ao enfranquecimento das faculdades espirituais em que continua ainda activo um foco infeccioso de pecado, que é preciso combater sempre com a mortificação e a penitência. Tal é o significado da humilde mas sincera satisfação. (189)

--  São João Paulo II, Recconciliatio et Paenitentia (seção 31),  2 de Dezembro de 1984.

 

28 de mai. de 2021

Há várias pessoas em Deus

  O que é a Santíssima Trindade? - A12.com

A Santíssima Trindade é composta de ter pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Mas, como ensina São Tomás de Aquino, alguns duvidam desta formulação. No livro Suma Teológica, questão 30, o santo discute o tema, primeiro explicitando os problemas e, depois, mostrando como podem ser solucionados. Aqui eu alterei a ordem e "traduzi" para uma linguagem mais moderna:

Afirmação

A Igreja professa haver em Deus várias pessoas pois considera que a palavra pessoa significa, em Deus, relação, como realidade subsistente na divina natureza. Ora, há várias relações reais em Deus, onde se segue a existência de várias realidades subsistentes na divina natureza, e isto é o mesmo que existirem nela várias pessoas.

Problemas

Parece que não se devem admitir várias pessoas em Deus por que:

Primeira objeção: pessoa é uma substância individual de natureza racional. Ora, se em Deus há várias pessoas, segue-se que há várias substâncias, o que é herético.

Resposta: Na definição da pessoa não se introduz a substância como significando essência, mas como o que é manifesto por se lhe acrescentar algo de individual. E para exprimir a substância, com tal significado, os gregos têm o nome de hipóstase; por isso, como nós dizemos três pessoas, dizem eles três hipóstases. Nós, porém, não nos acostumamos a dizer três substâncias para se não entenderem três essências, por causa da confusão que resultaria.

Segunda objeção: a pluralidade das funções não gera distinção de pessoas, nem em Deus nem em nós. Ora, em Deus não há outra pluralidade além da das funções, logo, não se pode dizer que há em Deus várias pessoas. 

Resposta: As propriedades absolutas em Deus, como a bondade e sabedoria, mutuamente se não opõem e por isso nem realmente se distinguem. Embora, pois, lhes convenha o existir, não são por isso três realidades diferentes, por onde seriam várias pessoas. Mas, nas coisas criadas, as propriedades de uma pessoa, como a altura e a bondade, não subsistem fora da pessoa, embora realmente entre si se distingam. Em Deus, porém, as propriedades subsistem, e realmente se não distinguem umas das outras, como antes se disse. Donde, a pluralidade de tais propriedades basta para justificar a existência das pessoas divinas. 

Terceira objeção. Boécio, falando de Deus diz que é verdadeiramente uno o que não é susceptível de separação. Logo, não há várias pessoas em Deus. 

Resposta: A suma unidade e simplicidade de Deus excluem toda a pluralidade das atribuições absolutas; não porém a da funções. Porque estas se predicam de uma coisa dependentemente de outra, e assim não importam composição na coisa a que se atribuem, como ensina Boécio no mesmo livro.

Quarta objeção. Onde quer que haja número, aí haverá todo e parte. Ora, se em Deus há um certo número de pessoas, será preciso nele introduzir o todo e a parte, o que contraria a divina simplicidade. Mas, em contrário, Santo Atanásio diz: Uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo. Logo, Paí, Filho e Espírito Santo são várias pessoas.

Resposta: Há duas tipos de número: o abstrato, como dois, três, quatro; e o existente nas coisas numeradas, como dois homens e dois cavalos. Se, pois, considerarmos o número abstratamente, nada impede existir em Deus todo e parte; mas isto só se dá na acepção do nosso intelecto, pois só neste existe o número absoluto, separado das coisas numeradas. Se, porém, considerarmos o número como representando objetos existente, então, no mundo das criaturas, um é parte de dois, e dois, de três; e um homem, parte de uma dupla, e uma dupla parte de um trio. Mas em Deus não é assim porque tanto é o Pai quanto toda a Trindade, como a seguir se demonstrará.

-- São Tomás de Aquina, Suma Teológica, Questão 30. 

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