O Sacramento da Penitência baseia-se em algumas convicções de fé que a seguir
enuncio e à volta das quais se reúnem todas as outras afirmações da
doutrina católica sobre o Sacramento da Penitência.
Sacramento da Penitência é a via ordinária para obter o perdão
A primeira convicção é que, para um cristão, o Sacramento da Penitência é a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos seus pecados graves cometidos
depois do Batismo. O divino Salvador e a sua ação salvífica,
certamente, não estão ligados a um sinal sacramental, de maneira a não
poderem em qualquer tempo e circunstância da história da salvação agir
fora e acima dos Sacramentos. Mas na escola da fé aprendemos que o mesmo
Salvador quis e dispôs que os humildes e preciosos Sacramentos da fé
sejam ordinariamente os meios eficazes, pelos quais passa e opera o seu
poder redentor. Seria portanto insensato, além de presunçoso, querer
prescindir arbitrariamente dos instrumentos de graça e de salvação que o
Senhor dispôs e, no caso específico, pretender receber o perdão, pondo
de lado o Sacramento, instituído por Cristo exatamente para o perdão.
O Sacramento da Penitência é um tribunal de misericória e cura espiritual
A segunda convicção diz respeito à função do Sacramento da Penitência para aqueles que a ele recorrem. Segundo a mais antiga concepção da Tradição trata-se de uma espécie de ato judicial;
mas este ato decorre junto de um tribunal mais de misericórdia, do que
de estrita e rigorosa justiça, pelo que não é comparável aos tribunais
humanos, (178)
senão por analogia; ou seja, na medida em que o pecador aí descobre os
seus pecados e a sua própria condição de criatura sujeita ao pecado; se
compromete a renunciar e a combater o pecado; aceita a pena (penitência sacramental) que o confessor lhe impõe e dele recebe a absolvição.
Ao refletir, porém, sobre a função deste Sacramento, a consciência
da Igreja vislumbra nele, além do carácter judicial, no sentido acima
aludido, um carácter terapêutico ou medicinal. E isto relaciona-se com o fato, frequente no Evangelho, da apresentação de Cristo como médico, (179)
enquanto a sua obra redentora é muitas vezes chamada, desde a
antiguidade cristã, "remédio da salvação". "Eu
quero curar, não acusar", dizia Santo Agostinho, referindo-se ao
exercício da pastoral penitêncial, (180) e é graças ao remédio da confissão que a experiência do pecado não degenera em desespero. (181) O Ritual da Penitência alude a este aspecto medicinal do Sacramento, (182)
ao qual o homem contemporâneo é talvez mais sensível, vendo no pecado o
que ele comporta de erro, obviamente, e mais ainda aquilo que ele
indica relacionado com a fraqueza e enfermidade humanas.
Tribunal de misericórdia ou lugar de cura espiritual, sob ambos os
aspectos o Sacramento exige um conhecimento do íntimo do pecador, para o
poder julgar e absolver, para tratar dele e o curar. E precisamente por
isto, implica, da parte do penitente, a acusação sincera e completa dos
pecados, que tem assim uma razão de ser, não só inspirada em fins
ascéticos (como exercício de humildade e de mortificação), mas inerente à
própria natureza do Sacramento.
O Sacramento da Penitência é composto por sinais visíveis
A terceira convicção que desejo aqui salientar, diz respeito as realidades ou partes que compõem o sinal sacramental do perdão e da reconciliação. Algumas destas realidades são atos do penitente, de importância diversa, mas cada um deles indispensável ou para a validade ou para a integridade ou para o fruto do sinal.
Uma condição indispensável, primeiro que tudo, é a retidão e a limpidez da consciência do penitente.
Um homem não se põe a caminho para uma verdadeira e genuína penitência,
enquanto não perceber que o pecado contrasta com a norma ética,
inscrita no íntimo do próprio ser; (183)
enquanto não reconhecer ter feito a experiência pessoal e responsável
de uma tal oposição; enquanto não disser não apenas "o pecado existe",
mas "eu pequei"; enquanto não admitir que o pecado introduziu na sua
consciência uma divisão, que avassala todo o seu ser e o separa de Deus e
dos irmãos. O sinal sacramental desta limpidez da consciência é o acto
tradicionalmente chamado exame de consciência, acto que deveria
ser sempre, não tanto uma introspecção psicológica ansiosa, mas o
confronto sincero e sereno com a lei moral interior, com as normas
evangélicas propostas pela Igreja, com o próprio Jesus Cristo, que é
para nós mestre e modelo de vida e com o Pai celeste que nos chama ao
bem e à perfeição. (184)
Mas o ato essencial da Penitência, da parte do penitente, é a contrição, ou seja, um claro e decidido repúdio do pecado cometido, juntamente com o propósito de não o tornar a cometer, (185)
pelo amor que se tem a Deus e que renasce com o arrependimento.
Entendida deste modo a contrição é, pois, o princípio e a alma da conversão, daquela metánoia
evangélica que reconduz o homem a Deus, como o filho pródigo que volta
ao pai, e que tem no Sacramento da Penitência o seu sinal visível e
aperfeiçoador da própria atrição. Por isso, "desta contrição do coração
depende a verdade da penitência". (186)
Supondo e chamando a atenção para tudo aquilo que a Igreja, inspirada pela palavra de Deus, ensina acerca da contrição,
está-me particularmente a peito, neste ponto, salientar um aspecto de
tal doutrina, para que seja melhor conhecido e mais tido presente. Não
raro se considera a conversão e a contrição sob o aspecto
das inegáveis exigências que elas comportam e da mortificação que
impõem em ordem a uma radical mudança de vida. Mas é bom recordar e
acentuar que contrição e conversão são, sobretudo, uma
aproximação da santidade de Deus, um reencontro da própria verdade
interior, obscurecida e transtornada pelo pecado, um libertar-se no
mais profundo de si próprio e, por isso, um reconquistar a alegria
perdida, a alegria de ser salvado, (187) que a maioria dos homens do nosso tempo já não sabe saborear.
Compreende-se, assim, que desde os primeiros tempos cristãos, em
ligação com os Apóstolos e com Cristo, a Igreja tenha incluído no sinal
sacramental da Penitência a acusação dos pecados. Esta aparece como tão relevante que, desde há séculos, o nome usual do Sacramento foi e é ainda agora o de confissão.
Acusar os próprios pecados é exigido, antes de mais, pela necessidade
do pecador ser conhecido por aquele que no Sacramento exerce o papel de juiz, o qual deve avaliar, quer a gravidade dos pecados, quer o arrependimento do penitente; e, simultaneamente, o papel de médico, que deve conhecer o estado do enfermo para tratar dele e o curar. Mas a confissão individual tem também o valor de sinal:
sinal do encontro do pecador com a mediação eclesial na pessoa do
ministro; sinal do seu pôr-se a descoberto diante de Deus e da Igreja
como pecador, do esclarecer-se a si mesmo sob o olhar de Deus. A
acusação dos pecados, portanto, não pode ser reduzida a qualquer
tentativa de autolibertação psicológica, ainda que esta corresponda a
uma necessidade legítima e natural de abrir-se com alguém, o que é algo
ínsito no coração do homem. Trata-se de um gesto litúrgico, solene na
sua dramaticidade, humilde e sóbrio na grandeza do seu significado. É o
gesto do filho pródigo que volta para junto do pai e por ele é acolhido
com o beijo da paz; gesto de lealdade e de coragem; gesto de entrega de
si mesmo, passando além do pecado, à misericórdia que perdoa. (188)
Compreende-se, então, por que é que a acusação dos pecados deve ser ordinariamente
individual e não coletiva, tal como o pecado é um fato profundamente
pessoal. Ao mesmo tempo, porém, esta acusação arranca, de certo modo, o
pecado do segredo do coração e, por conseguinte, do âmbito da pura
individualidade, pondo em relevo o seu caráter social, uma vez que,
mediante o ministro da Penitência, é a Comunidade eclesial, lesada pelo
pecado, que acolhe de novo o pecador arrependido e perdoado.
O outro momento essencial do Sacramento da Penitência, compete, por
sua vez, ao confessor juiz e médico, imagem de Deus Pai que acolhe
aquele que regressa e lhe perdoa: é a absolvição. As palavras que a exprimem e os gestos que a acompanham no antigo e no novo Ritual da Penitência,
revestem-se de uma significativa simplicidade na sua grandeza. A
fórmula sacramental: «Eu te absolvo...», a imposição das mãos e o sinal
da cruz traçado sobre o penitente manifestam que naquele momento o
pecador contrito e convertido entra em contacto com o poder e a
misericórdia de Deus. É em tal momento que, em resposta ao penitente, a
Santíssima Trindade se torna presente para apagar o seu pecado e
restituir-lhe a inocência; e a força salvífica da Paixão, Morte e
Ressurreição de Jesus é comunicada ao mesmo penitente, como
«misericórdia mais forte do que a culpa e a ofensa», como a designei na
Encíclica Dives in Misericordia.
Deus é sempre o principal ofendido pelo pecado — "Pequei só contra
Vós!" — e só Deus pode perdoar. Por isso, a
absolvição que o Sacerdote, ministro do perdão, embora também ele
pecador, concede ao penitente, é o sinal eficaz da intervenção do Pai em
cada absolvição e da ressurreição da morte espiritual que se renova
todas as vezes que é actuado o Sacramento da Penitência. Só a fé pode
assegurar que naquele momento todos e cada um dos pecados são perdoados e apagados pela misteriosa intervenção do Salvador.
A satisfação é o ato final que coroa o sinal sacramental da
Penitência. Em alguns países, o que o penitente perdoado e absolvido
aceita cumprir depois de ter recebido a absolvição, chama-se
precisamente penitência. Qual é o significado desta satisfação que se dá ou desta penitência
que se faz? Não é certamente o preço que se paga pelo pecado absolvido e
pelo perdão alcançado: nenhum preço humano pode equivaler ao que se
obteve, fruto do preciosíssimo Sangue de Cristo. As obras de satisfação —
que, embora conservando um carácter de simplicidade e de humildade,
deveriam tornar-se mais expressivas de tudo aquilo que significam —
querem dizer algo de precioso: são o sinal docompromisso pessoal
que o cristão assumiu com Deus, no Sacramento, de começar uma existência
nova (e por isso não deveriam reduzir-se somente a algumas fórmulas a
recitar, mas consistir em obras de culto, de caridade, de misericórdia e
de reparação); incluem a ideia de que o pecador perdoado é capaz de
unir a sua própria mortificação física e espiritual, procurada ou ao
menos aceite, à Paixão de Jesus que lhe alcançou o perdão; recordam que,
mesmo depois da absolvição, permanece no cristão uma zona de sombra
devida as feridas do pecado, à imperfeição do amor no arrependimento, ao
enfranquecimento das faculdades espirituais em que continua ainda
activo um foco infeccioso de pecado, que é preciso combater sempre com a
mortificação e a penitência. Tal é o significado da humilde mas sincera
satisfação. (189)
-- São João Paulo II, Recconciliatio et Paenitentia (seção 31), 2 de Dezembro de 1984.