Encontramo-nos reunidos sob a abóbada desta Basílica, e toda a nossa
consciência se acha compenetrada da recordação do
Cenáculo hierosolimitano [NT: Cenáculo de Jerusalém], onde, precisamente no dia do Pentecostes
"se encontravam todos" (
At 2, 1) aqueles que constituíam a primeiríssima Igreja. Encontravam-se no mesmo local em que — cinquenta dias antes —
na tarde do dia da Ressurreição Jesus
tinha vindo ter com eles.
"Veio Jesus... e colocou-se no meio deles e
disse-lhes: "A paz seja convosco! E dito isso, mostrou-lhes as mãos e o
lado" (
Jo 20, 19-20). Naquele momento já não podiam ter dúvida,
alguma; e
"os discípulos — escreve o Evangelista —
ficaram cheios de
alegria, ao verem o Senhor" (
Jo 20, 20), o Senhor ressuscitado. E
então Jesus disse-lhes novamente:
"A paz seja convosco! Assim como o
Pai me enviou, também eu vos envio a vós" (
Jo 20, 20). Em suma,
disse palavras já conhecidas e, contudo, novas: novas pela novidade de
todo o Mistério pascal e novas pela novidade do Senhor Ressuscitado, que
as pronunciava:
"eu envio a vós...".
E sobretudo eram novas por motivo daquilo que era
afirmado por Cristo, imediatamente a seguir a elas. Efectivamente,
"depois de ter dito isso, soprou sobre eles e disse-lhes: 'Recebei o
Espírito Santo' " (Jo 20, 22).
Desta maneira, já nesse momento receberam o Espírito
Santo. Já então se havia iniciado o Pentecostes; o Pentecostes que
chegaria, cinquenta dias depois, à sua plena manifestação; e isto era
necessário para que pudesse maturar neles e revelar-se para o exterior
aquilo que havia acontecido, quando eles tinham ouvido; "Recebei o
Espírito Santo..." — a fim de que a Igreja pudesse nascer. Nascer, no caso, quer dizer sair para o mundo e, por esse mesmo fato, tornar-se visível no meio dos homens.
E isto realizou-se com a potência própria daquela tarde pascal, a tarde daquele mesmo dia da Ressurreição (cf. Jo
20, 19); isso aconteceu com a potência da paixão e da morte do Senhor, o
qual, aliás, já na véspera da mesma paixão, havia dito claramente: "...
se eu não for, o Consolador (Paracletos) não virá a vós; mas se eu for, enviar-vo-lo-ei" (Jo 16, 7). Tinha partido, pois, através da Cruz, e voltou através da Ressurreição; mas voltou, não já para permanecer, mas sim para soprar sobre os Apóstolos e dizer-lhes: "Recebei! Recebei o Espírito Santo!".
Oh! Como é bom o Senhor! Ele deu-lhes o Espírito Santo,
que é Senhor e dá a vida... e com o Pai e o Filho recebe a mesma glória e
adoração... Ele, igual na Divindade! Sim, Jesus deu-lhes o Espírito
Santo; disse, de fato, "recebei". Mas, mais ainda, não os entregou Ele, não os confiou a eles, aos Apóstolos, ao Espírito Santo? Poderá o homem "receber" o Deus vivo e possuí-1'O como algo "próprio"?
Então Cristo deu os Apóstolos, aqueles que eram o início
do novo Povo de Deus e o fundamento da Sua Igreja, ao Espírito Santo,
ao Espírito que o Pai haveria de mandar em Seu Nome (cf. Jo 14, 26), ao Espírito de Verdade (cf. Jo 14, 17; 15, 26; 16, 13), ao Espírito por meio do qual o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (cf. Rom 5, 5); deu-os ao Espírito Santo a fim de que eles, por seu turno, O recebessem como Dom; Dom alcançado do Pai por obra do Messias, do Servo sofredor de Javé, do qual fala a profecia de Isaías.
E foi por isso que Ele "lhes mostrou as mãos e o lado" (Jo
20, 20), isto é, os sinais do sacrifício cruento, e em seguida
acrescenta ainda: "Aqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados; e àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos" (Jo 20, 23).
Com estas palavras Ele confirmou o Dom; é o Dom
do Consolador, o Dom dado à Igreja para o homem, o qual traz em si a
herança do pecado. Para cada um dos homens e para todos os homens.
Trata-se do Dom do Alto, dado à Igreja que é enviada a
todo o mundo. No dia do Pentecostes, os Apóstolos — e juntamente com
eles aquela que era a primeiríssima Igreja — saíram daquele cenáculo pascal; e imediatamente se encontraram no meio do mundo sujeito ao pecado e à morte; e encontraram-se aí com o testemunho da Ressurreição.
Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida
Ao evocarmos o primeiro Concilio Ecuménico Constantinopolitano, nós professamos hoje a mesma fé
n'Aquele que é Senhor e dá a vida, que com o Pai e o Filho recebe a
mesma glória e adoração; e identificando esta veneranda Basílica de São
Pedro com o humilde Cenáculo hierosolimitano, nós recebemos o mesmo Dom! "Recebei o Espírito Santo" (Jo 20, 22). Sim, nós recebemos o mesmo Dom, ou seja, confiamo-nos a nós próprios e confiamos a Igreja ao mesmo Espírito Santo, ao Qual ela já foi confiada de uma vez para sempre, naquela tarde da Ressurreição e depois na manhã do Pentecostes. Ou melhor, nós permanecemos nessa entrega confiante ao Espírito Santo, que Cristo então operou, ao mostrar aos Apóstolos as mãos e o lado (cf. Jo 20, 20), os sinais da sua paixão, antes de lhes dizer: "Assim como o Pai me enviou, também eu vos envio a vós" (Jo 20, 21).
Nós permanecemos nessa entrega confiante ao Espírito
Santo, que constituiu a Igreja e continuamente a constitui sobre os seus
fundamentos. Nós permanecemos, assim, em tal entrega confiante ao
Espírito Santo, mediante a qual somos a Igreja e mediante a qual somos
enviados, de um modo análogo a como foram enviados do Cenáculo aqueles
primeiros apóstolos e aquela primeiríssima Igreja hierosolimitana,
quando sucedeu que, após algo semelhante a uma rajada de vento
sobrevindo impetuosamente e depois da aparição das línguas de fogo sobre
cada um deles, os mesmos saíram para o meio dá multidão numerosa, que
tinha acorrido a Jerusalém para as festas e começaram a falar nas diversas línguas, "conforme o Espírito lhes inspirava que se exprimissem" (At
2, 4); e foram ouvidos pelos homens que falavam outras línguas como
aqueles que anunciavam "nas nossas línguas as maravilhas de Deus" (At 2, 11).
Permanecemos, pois, nesta entrega. confiante ao Espírito
Santo; e passados quase dois mil anos, nada mais desejamos senão
permanecer n'Ele, não separar-nos d'Ele de nenhum modo, não O
"contristar" nunca (cf. Ef 4, 30).
— porque somente n'Ele está conosco Cristo;
— porque só com a Sua ajuda é que nós podemos dizer: "Jesus é Senhor" (cf. 1 Cor 12, 3);
— porque somente pelo poder da Sua graça é que nós podemos clamar: "Abbá, Pai" (Rom 8, 15);
— porque somente pelo Seu poder, pela potência do
Espírito Santo que é Senhor e dá a vida, é que nós somos a mesma Igreja,
esta Igreja em que "há... diversidade de dons, mas o Espírito é o
mesmo; há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo; há
diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. E a
cada um é concedida a manifestação do Espírito para que redunde em
vantagem comum (1 Cor 12, 4-7).
Assim, pois, estamos no Espírito Santo e n'Ele desejamos permanecer:
— n'Ele, que é o Espírito que dá a vida e é uma nascente de água jorrante até à vida eterna (cf. Jo 4, 14; 7, 38-39);
— n'Ele, pelo Qual o Pai dá novamente a vida aos homens
mortos pelo pecado, até que um dia ressuscite em Cristo os seus corpos
mortais (cf. Rom 8, 10-11);
— n'Ele, no Espírito Santo, que habita na Igreja e nos corações dos fiéis (cf. 1 Cor 3, 16; 6, 19) e neles ora e dá testemunho da sua adopção filial (cf. Gal 4, 6; Rom 8, 15-16, 26);
— n'Ele, que dota a Igreja com diversos dons
hierárquicos e carismáticos e com a ajuda destes a dirige e a enriquece
de frutos (cf. Ef. 4, 11-12; 1 Cor. 12, 4; Gál. 5, 22);
— n'Ele, que com a força do Evangelho faz rejuvenescer a
Igreja, a renova continuamente e a leva à perfeita união com o Seu
Esposo (cf. Const. dogm. Lumen Gentium, n. 4).
Sim. Nós desejamos permanecer n'Ele, no Espírito Santo,
no Paráclito assim, como a Ele — ao Espírito do Pai — nos confiou Cristo
crucificado e ressuscitado. Confiou-nos a Ele dando-no-1'O a nós: aos
Apóstolos e à Igreja, quando disse, no Cenáculo hierosolimitano:
"Recebei o Espírito Santo" (Jo 20, 22).
E estas palavras começaram a ter atuação prática diante
de todas as línguas e nações no dia do Pentecostes, no dia em que a
Igreja nasceu no Cenáculo de Jerusalém e saiu para o mundo.
Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida
É esta fé dos Apóstolos e dos Padres da Igreja, que no
ano de 381 o Concílio de Constantinopla ensinou solenemente a professar,
que nós, aqui reunidos nesta Basílica Romana de São Pedro, em unidade
espiritual com os nossos Irmãos que celebram a Liturgia jubilar na
Catedral do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla, desejamos
professar, ensinando-a com a mesma pureza e potência no ano de 1981 como a professou e ensinou a professar aquele venerável Concílio há dezasseis séculos atrás.
Desejamos também pôr em prática à luz da mesma fé o ensino do II Concílio do Vaticano,
daquele Concílio dos nossos tempos que tão generosamente manifestou a
obra do Espírito Santo, que é Senhor e dá a vida, em toda a missão da
Igreja. Desejamos, pois, actuar na vida esse Concílio, que se tornou a palavra de ordem e a tarefa das nossas gerações;
e desejamos compreender ainda mais profundamente o ensino dos antigos
Concílios, em particular o ensino daquele que se realizou há mil e
seiscentos anos em Constantinopla.
Nesta luz — fixando o olhar no mistério do único Corpo,
que é composto por diversos membros — nós, com renovado fervor, fazemos
votos bem sentidos por que se realize aquela unidade a que, em
Cristo, são chamados todos aqueles que — segundo as palavras de São
Paulo foram "batizados num só Espírito para constituírem um só corpo" (1 Cor 12, 13); todos aqueles que foram "embebidos em um só Espírito" (1 Cor
12, 13). E desejamos isto com renovado fervor especialmente no dia de
hoje, que nos recorda os tempos da Igreja indivisa. E por isso clamamos:
Ó Luz beatíssima / penetrai até ao mais íntimo nos corações dos vossos fiéis! (Sequência da solenidade de Pentecostes).
Nos nossos tempos nota-se que a face da terra se acha
muitíssimo enriquecida, graças à criatividade e ao trabalho do homem,
com as obras da ciência e da técnica, após terem sido tão profundamente
explorados o interior da mesma terra e os espaços do universo cósmico;
ao mesmo tempo, porém, a humanidade encontra-se perante ameaças até
agora desconhecidas, que provêm da parte de forças que o próprio homem
desencadeou.
E é hoje que nós, Pastores da Igreja, herdeiros daqueles
que receberam o Espírito Santo no Cenáculo do Pentecostes, devemos
sair, assim como eles saíram, conscientes da imensidade do Dom, que na Igreja é participado pela família humana: nós devemos sair... continuamente sair para o mundo e, encontrando-nos nas diversas partes da terra, devemos repetir ainda com maior fervor:
Que o Vosso Espírito desça
E renove a face da Terra! Que Ele desça!
Ao longo da história da humanidade e através do mundo visível, a Igreja não cessa de confessar:
Creio no Espírito!
Creio no Espírito Santo, Senhor que dá a vida.
Neste Espírito nós permanecemos. Amém.
-- Homília na Solenidade de Pentecostes, Santo Papa João Paulo II, 7 de Junho de 1981