25 de dez. de 2018

Vamos a cidade de Davi, chamada Belém

Juntamente com Maria sua esposa, José subiu "à cidade de Davi, chamada Belém" (Lc 2, 4). Nesta noite, também nós subimos a Belém, para lá descobrir o mistério do Natal.

Jesus, nosso pão de cada dia

1. Belém: o nome significa casa do pão. Hoje, nesta casa, o Senhor marca encontro com a humanidade. Sabe que precisamos de alimento para viver. Mas sabe também que os alimentos do mundo não saciam o coração. Na Sagrada Escritura, o pecado original da humanidade aparece associado precisamente com o ato de tomar alimento: "…agarrou do fruto, comeu" – diz o livro do Génesis (3, 6). Agarrou e comeu. O homem tornou-se ávido e voraz. Para muitos, o sentido da vida parece ser possuir, estar cheio de coisas. Uma ganância insaciável atravessa a história humana, chegando ao paradoxo de hoje em que alguns se banqueteiam lautamente enquanto muitos não têm pão para viver.

Belém é o ponto de viragem no curso da história. Lá Deus, na casa do pão, nasce numa manjedoura; como se quisesse dizer-nos: Estou aqui ao vosso dispor, como vosso alimento. Jesus não agarra, mas oferece de comer; não dá uma coisa, mas dá-Se a Si mesmo. Em Belém, descobrimos que Deus não é alguém que agarra a vida, mas Aquele que dá a vida. Ao homem, habituado desde os primórdios a agarrar e comer, Jesus começa a dizer: "Tomai, comei. Este é o meu corpo" (Mt 26, 26). O corpo pequenino do Menino de Belém lança um novo modelo de vida: não devorar e acumular, mas partilhar e dar. Deus faz-Se pequeno, para ser nosso alimento. Nutrindo-nos d’Ele, Pão de vida, podemos renascer no amor e romper a espiral da avidez e da ganância. A partir da casa do pão, Jesus traz o homem de regresso a casa, para que se torne familiar do seu Deus e irmão do seu próximo. Diante da manjedoura, compreendemos que não são os bens que alimentam a vida, mas o amor; não a voracidade, mas a caridade; não a abundância ostentada, mas a simplicidade que devemos preservar.

O Senhor sabe que precisamos de alimento todos os dias. Por isso, ofereceu-nos todos os dias da sua vida, desde a manjedoura de Belém até ao cenáculo de Jerusalém. E ainda hoje, no altar, faz-Se pão partido para nós: bate à porta, para entrar e cear conosco (cf. Ap 3, 20). No Natal, recebemos Jesus, Pão do céu na terra: trata-se de um alimento cuja validade é ilimitada, fazendo-nos saborear já agora a vida eterna.

Em Belém, descobrimos que a vida de Deus corre nas veias da humanidade. Se a acolhermos, a história muda a partir de cada um de nós; com efeito, quando Jesus muda o coração, o centro da vida já não é o meu "eu" faminto e egoísta, mas Ele, que nasce e vive por amor. Nesta noite, chamados a ir até Belém, casa do pão, interroguemo-nos: 

Qual é o alimento de que não posso prescindir na minha vida? É o Senhor ou outra coisa qualquer?

Depois, entrando na gruta, ao vislumbrar na terna pobreza do Menino uma nova fragrância de vida, a da simplicidade, perguntemo-nos: 

Será verdade que preciso de tantas coisas, de receitas complicadas para viver? Quais são os contornos supérfluos de que consigo prescindir para abraçar uma vida mais simples? 

Em Belém, ao pé de Jesus, vemos pessoas que caminharam, como Maria, José e os pastores. Jesus é o Pão do caminho. Não Se compraz com as digestões lentas, longas e sedentárias, mas pede que nos levantemos rapidamente da mesa a fim de servir como pães partidos para os outros. Perguntemo-nos: No Natal, reparto o meu pão com aqueles que estão sem ele?

Não temais, o Senhor te ama
Depois de Belém, casa do pão, reflitamos sobre Belém, cidade de Davi. Lá Davi, na sua adolescência, era pastor e, como tal, foi escolhido por Deus, para ser pastor e guia do seu povo. No Natal, na cidade de David, são precisamente os pastores que acolhem Jesus. Naquela noite, quando "a glória do Senhor refulgiu em volta deles" – diz o Evangelho –, "tiveram muito medo" (Lc 2, 9), mas o anjo disse-lhes: "Não temais" (2, 10). 

Reaparece muitas vezes no Evangelho esta frase "não temais": parece o refrão de Deus à procura do homem. Porque o homem desde o princípio, por causa do pecado, tem medo de Deus: "…por que tive medo, escondi-me" (Gn 3, 10) – diz Adão, depois do pecado. Belém é o remédio para o medo, porque lá, não obstante os "nãos" do homem, Deus diz para sempre "sim": será para sempre Deus connosco. E, para que a sua presença não provoque medo, faz-Se um terno menino. A frase "não temais" não é dirigida a santos, mas a pastores, pessoas simples que então não primavam por inteligência nem devoção. O Filho de Davi nasceu no meio dos pastores, para nos dizer que doravante ninguém estará sozinho; temos um Pastor que vence os nossos medos e nos ama a todos, sem exceção.

Os pastores de Belém mostram-nos também como ir ao encontro do Senhor. Velam durante a noite: não dormem, mas fazem aquilo que Jesus nos pedirá várias vezes: vigiar (cf. Mt 25, 13; Mc 13, 35; Lc 21, 36). Permanecem vigilantes; aguardam, acordados, na escuridão; e a glória de Deus "refulgiu em volta deles" (Lc 2, 9). O mesmo vale para nós. A nossa vida pode ser uma esperança, em que a pessoa, mesmo nas noites dos problemas, se confia ao Senhor e O deseja; então receberá a sua luz. Ou então uma pretensão, na qual contam apenas as próprias forças e meios; mas, neste caso, o coração permanece fechado à luz de Deus. 

O Senhor gosta de ser aguardado e não é possível aguardá-Lo no sofá, dormindo. De fato, os pastores movem-se: "foram apressadamente" – diz o texto (2, 16). Não ficam parados como quem sente ter chegado a casa e não precisa de nada; mas partem, deixam o rebanho indefeso, arriscam por Deus. E depois de terem visto Jesus, embora sem grande habilidade para falar, vão anunciá-Lo, de modo que "todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores" (2, 18).

Esperar acordado, ir, arriscar, contar a beleza são gestos de amor. O bom Pastor, que vem no Natal para dar a vida às ovelhas, na Páscoa dirigirá a Pedro, e através dele a todos nós, a pergunta determinante: "Tu Me amas?" (Jo 21, 15). Da resposta, dependerá o futuro do rebanho. Nesta noite, somos chamados a responder, dizendo-Lhe também nós: "Sou deveras teu amigo". A resposta de cada um é essencial para todo o rebanho.

"Vamos a Belém…" (Lc 2, 15): assim disseram e fizeram os pastores. Também nós, Senhor, queremos vir a Belém. O caminho, ainda hoje, é difícil: é preciso superar os cumes do egoísmo, evitar escorregar nos precipícios da mundanidade e do consumismo. Quero chegar a Belém, Senhor, porque é lá que me esperas. E dar-me conta de que Tu, colocado numa manjedoura, és o pão da minha vida. Preciso da terna fragrância do teu amor, a fim de tornar-me, por minha vez, pão repartido para o mundo. Toma-me sobre os teus ombros, bom Pastor: amado por Ti, conseguirei também eu amar tomando pela mão os irmãos. Então será Natal, quando Te puder dizer: "Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu sou deveras teu amigo!" (Jo 21, 17).

Papa Francisco, noite de Natal, 2018.

17 de dez. de 2018

O mistério de nossa reconciliação

De nada serve afirmar que nosso Senhor, filho da Virgem Maria, é verdadeiro e perfeito homem, se não se acredita que ele também pertence a essa descendência proclamada no Evangelho.

Escreve São Mateus: Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Mt 1,1). E, a seguir, apresenta a série de gerações desde os primórdios da humanidade até José, com quem estava desposada a Mãe do Senhor.

São Lucas, porém, percorrendo em sentido inverso a ordem dos descendentes, chega ao começo do gênero humano, para mostrar que o primeiro e o último Adão têm a mesma natureza.

Com efeito, seria possível à onipotência do Filho de Deus, para ensinar e justificar os homens, manifestar-se do mesmo modo que aparecera aos patriarcas e profetas, como, por exemplo, quando travou uma luta ou manteve uma conversa, ou quando aceitou os serviços da hospitalidade a ponto de tomar o alimento que lhe apresentaram.

Mas essas aparições eram imagens, sinais misteriosos, que anunciavam a realidade humana do Cristo, assumida da descendência daqueles antepassados.

Nenhuma daquelas figuras, entretanto, poderia realizar o mistério da nossa reconciliação, preparado desde a eternidade, porque o Espírito Santo ainda não tinha descido sobre a Virgem Maria, nem o poder do Altíssimo a tinha envolvido com a sua sombra; a Sabedoria eterna não edificara ainda a sua casa no seio puríssimo de Maria para que o Verbo se fizesse homem; o Criador dos tempos ainda não tinha nascido no tempo, unindo a natureza divina e a natureza humana numa só pessoa, de modo que aquele por quem tudo foi criado fosse contado entre as suas criaturas.

Se o homem novo, revestido de uma carne semelhante à do pecado (cf. Rm 8,3), não tivesse assumido a nossa condição, envelhecida pelo pecado; se ele, consubstancial ao Pai, não se tivesse dignado ser também consubstancial à Mãe e unir a si nossa natureza, com exceção do pecado, a humanidade teria permanecido cativa sob o jugo do demônio; e não poderíamos nos beneficiar do triunfo do Vencedor, se esta vitória fosse obtida numa natureza diferente da nossa.

Dessa admirável união, brilhou para nós o sacramento da regeneração, para que renascêssemos espiritualmente pelo mesmo Espírito por quem o Cristo foi concebido e nasceu.

Por isso diz o Evangelista, referindo-se aos que crêem: Estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus mesmo (Jo 1,13).

-- São Leão Magno, Papa (século V) 

8 de dez. de 2018

São Vicente Romano

Vincenzo Romano nasceu em 3 de Junho de 1751, filho de Nicola Luca e Maria Grazia, na nascida de Torre del Greco, nas imediações de Nápoles. Foi batizado no dia seguinte na Igreja de Santa Cruz. Tinha dois irmãos, Pietro e Goiseppe. Seus pais eram simples trabalhadores, muito piedosas, e incentivaram seus filhos a seguirem o caminho sacerdotal. 

São Vecente Romano, um retrato feito em torno de 1800.
Está carregando a Liturgia das Horas, pois costumava
rezá-las em qualquer lugar que estivesse.
Ainda criança apaixonou-se por Santo Alfonso Ligório, cujos sermões assistia pessoalmente, e desenvolveu grande devoção pelo Santíssimo Sacramento. Ao quatorze anos decidiu-se pelo seminário, sendo ajudado pelo irmão mais velho, Pietro, que já era padre. Devido a algumas normas rígidas de admissão que o Cardeal de Nápoles havia imposto, sua entrada foi mais difícil. Inicialmente procurou a Ordem dos Jesuítas, mas foi recusado. Apenas com a ajuda do Duque Di Martino, que pediu em seu favor, foi admitido ao exame para entrada no Seminário Diocesano, onde saiu-se muito bem. 

No Seminário demonstrava um fervor e fé acima dos seus companheiros. Dom Mariano Arciero, sacerdote de grande virtude, que viria a ser declarado Venerável, foi o responsável pela sua formação. No sábado 10 de Junho de 1775 foi ordenado sacerdote na antiga basílica de Santa Restituta. Celebrou sua primeira missa no dia seguinte, domingo da Santíssima Trindade, na Igreja de Santa Cruz, onde fora batizado 24 anos antes e para a qual fora designado.

Em 15 de Junho de 1794, uma erupção do Monte Vesúvio causou enorme destruição da cidade, inclusive a Igreja foi perdida devido a um incêndio. Preocupado com a situação de desespero da comunidade, providenciou toda forma de aceitável de celebrar a Santa Missa, para trazer conforto àqueles que haviam perdido sua casa e trabalho. Quanto a reconstrução da Igreja, iniciou os trabalhos tão logo pode, sendo que ele mesmo ajudava no trabalho, carregando pedras, limpando, ajudando no que era possível. Este viria a ser, basicamente, o trabalho de sua vida. 

No plano pastoral, o ministério da palavra e o Evangelho da Caridade foram as bases de sua atividade. Incentivou que a oração do Rosário, escreveu um folheto para que todos acompanhassem a Santa Missa e desenvolveu uma estratégia missionária chamada "Sciabica", um tipo de rede de pescador, que consistia em aproximar-se de uma pessoa caminhando na rua, perguntar se poderia acompanhá-la, e daí ir pregando o Evangelho. Se aceitassem, convidava a entrar numa Igreja próxima, confessar-se e rezar. Mantinha também uma escola para meninos pobres e era regularmente visto com bandidos, pois sabia que sua presença evitava que cometessem maldades. Nos fins de semana, além das missas, organizava pregações (catequeses) para seus paroquianos. Segundo testemunhos, falava de maneira simples e clara, para que todos pudessem entender, inclusive aqueles que não tinham estudo. 
Igreja da Santa Cruz, em Torre del Greco.

Em 1 de Janeiro de 1825 caiu, quebrando o fêmur, fato que iniciou o declínio de sua saúde. Ainda viu sua Igreja ser concluída e re-inaugurada em 1827. Morreu santamente em 20 de Dezembro de 1831, tendo levado uma vida exemplar. Seu corpo repousa em uma urna na própria Igreja da Santa Cruz e sua memória é celebrada em 29 de Novembro. 

O processo de canonização foi aberto em 1843, seus dois irmãos, um sobrinho também padre e uma sobrinha, assim como vários contemporâneos foram testemunhas no processo. Em 25 de Março de 1895, o Papa Leão XIII declarou Vicenzo como Venerável. O primeiro milagre reconhecido oficialmente foi a cura de Maria Carmela Restucci, que em 1891 desenvolveu um câncer no seio, que cusava feridas e muitas dores. Após pedir a intervenção do santo, amanheceu curada, o que foi confirmado pelo seu médico. O segundo milagre ocorreu em 1940, quando Maria Carmela Cozzolino já preparava-se para a morte, pois um câncer na garganta que quase lhe impidia de respirar. Seu médico iniciou uma novena em honra ao santo; Maria também amanheceu curada na manhã do terceiro dia, pois o câncer havia simplesmente desaparecido. Com o testemunho de tais milagres, foi beatificado em 17 de Novembro de 1963. O terceiro milagre foi também o desaparecimento de um tumor, neste caso, uma massa de mais de quatro quilos que se formou no abdômen de Raimondo Formisano, em 1989. Por fim, São Vicente Romano foi canonizado em 14 de Outubro de 2018 pelo Papa Francisco.  

-- autoria própria

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