30 de nov. de 2010

Ó admirável intercâmbio


São Gregório de Nazianzo (nasceu
em 329/330; morreu em 390).

O próprio Filho de Deus, que existe desde toda a eternidade vem em ajuda da criatura feita à sua imagem, e por amor do homem se faz homem. Para purificar aqueles de quem se tornou semelhante, assume tudo o que é humano, exceto o pecado. Foi concebido por uma Virgem, já santificada pelo Espírito Santo no corpo e na alma, para honrar a maternidade e ao mesmo tempo exaltar a excelência da virgindade; e assumindo a humanidade sem deixar de ser Deus, uniu em si mesmo duas realidades contrárias, a saber, a carne e o espírito. Uma delas conferiu a divindade, a outra recebeu-a.

Aquele que enriquece os outros torna-se pobre. Aceita a pobreza de nossa condição humana para que possamos receber os tesouros de sua divindade. Aquele que possui tudo em plenitude, aniquila-se a si mesmo; despoja-se de sua glória por um tempo, para que eu participe de sua plenitude.

O bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas, veio ao encontro da que estava perdida, procurando-a pelos montes e colinas; tendo-a encontrado, tomou-a sobre seus ombros - os mesmos que carregaram  a cruz - reconduzindo-a à vida eterna. Foi necessário que Deus se fizesse homem e morresse, para que tivéssemos vida. Morremos com ele para sermos purificados; ressuscitamos com ele porque com ele morremos. Fomos glorificados com ele, porque com ele ressuscitamos.

-- Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo (século IV)

29 de nov. de 2010

As Duas Vindas de Cristo - Tempo de Advento


Tempo de Advento - à espera do Senhor
Anunciamos a vinda de Cristo: não apenas a primeira mas também a segunda, muito mais gloriosa. Pois a primeira revestiu um aspecto de sofrimento, mas a Segunda manifestará a coroa da realeza divina.

Aliás tudo o que concerne a nosso Senhor Jesus Cristo tem quase sempre uma dupla dimensão. Houve um duplo nascimento: primeiro, ele nasceu de Deus, antes dos séculos; depois nasceu da Virgem, na plenitude dos tempos. Dupla descida: uma discreta como a chuva sobre a relva; outra, no esplendor, que se realizará no futuro.

Na primeira vinda, ele foi envolto em faixas e reclinado num presépio; na segunda, será revestido num manto de luz. Na primeira, ele suportou a cruz, sem recusar a sua ignomínia; na segunda, virá cheio de glória, cercado de uma multidão de anjos.

Não nos detemos, portanto, somente na primeira vinda mas esperamos ainda, ansiosamente, a segunda. E assim como dissemos na primeira: Bendito o que vem em nome do Senhor (Mt 19,9), aclamaremos de novo, no momento de sua segunda vinda, quando formos com os anjos ao seu encontro para adorá-lo; Bendito o que vem em nome do Senhor

Por isso, o símbolo da fé que professamos nos é agora transmitido, convidando-nos a crer naquele que subiu aos céus, onde está sentado à direita do Pai. E de novo há de vir, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos; e o seu reino não terá fim. Nosso Senhor Jesus Cristo virá portanto dos céus, virá glorioso no fim do mundo, no último dia. Dar-se-á a consumação do mundo, e este mundo que foi criado será inteiramente renovado.

-- Das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo (século IV)


26 de nov. de 2010

Os frutos da esmola

Em primeiro lugar, ninguém duvida que as Sagradas Escrituras pedem esmolas. A sentença que nosso supremo e justo Juiz proferirá contra os ímpios no último dia é suficiente, mesmo supondo que não tenha nada mais contra nós:  Retirai-vos de mim, malditos! Ide para o fogo eterno destinado ao demônio e aos seus anjos. Porque tive fome e não me destes de comer; tive sede e não me destes de beber; era peregrino e não me acolhestes; nu e não me vestistes; enfermo e na prisão e não me visitastes (Mt 25,41-43). E um pouco depois: Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que deixastes de fazer isso a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer (Mt 25,45).  

Se não há muito a dizer sobre a necessidade de dar esmolas, há muito mais sobre os frutos, pois estes são abundantes. Primeiro, esmolas salvam a alma da morte eterna, sejam elas uma forma de satisfação ou disposição de receber as graças. Esta doutrina é claramente ensinada nas Sagradas Escrituras. No livro de Tobias podemos ler: a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a alma de cair nas trevas (Tb 4,11); no mesmo livro, o anjo Rafael afirma: a esmola livra da morte: ela apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna (Tb 12,9). E Daniel disse ao rei Nabucodonosor: Queiras então, ó rei, aceitar meu conselho: resgata teu pecado pela justiça, e tuas iniqüidades pela piedade para com os infelizes; talvez com isso haja um prolongamento de tua prosperidade (Dn 4,24 ).

Esmolas também, se dadas por um homem justo, e com verdadeira caridade, são meritórias para a vida eterna:  isto o Juiz dos vivos e mortos pode testemunhar: Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim (Mt 25, 34-36). E logo após: Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes (Mt 25,41).
Maria Madalena aos pés de Jesus

Em terceiro lugar, esmolas são como um batismo, porque levam consigo tanto os pecados quanto a punição, de acordo com as palavras do Eclesiástico: A água apaga o fogo ardente, a esmola enfrenta o pecado (Eclo 3,33). A água extingue completamente o fogo, de tal modo que a fumaça permanece. Desta maneira ensinam muitos dos Santos Padres, como São Cipriano, São Ambrósio, São João Crisóstomo e São Leão, cujas palavras é desnecessário citar. Esta, portanto, é uma grande vantagem, que pode inflamar em todos os homens o amor às esmolas. Mas isto não pode ser entendido de qualquer modo, mas apenas aquelas que são procedidas de grande contrição e caridade, tais como Santa Maria Madalena, que, em lágrimas de verdadeira contrição, lavou os pés do Senhor; e tento comprado o mais precioso perfume, derramou-o sobre Seus pés.

Em quarto lugar, as esmolas aumentam a confiança em Deus e produzem alegria espiritual; embora isto seja comum a outras obras de caridade, dá-se de modo particular com as esmolas, pois através delas prestasse um serviço especial a Deus e aos irmãos, e esta obra é claramente reconhecida como boa. Daí a palavra de Tobias: A esmola será para todos os que a praticam um motivo de grande confiança diante do Deus Altíssimo (Tb 4,12). E o apóstolo, na sua Epístola aos Hebreus, diz: Não percais esta convicção a que está vinculada uma grande recompensa (Hb 10, 35). São Cipriano, no Sermão sobre as Esmolas, a chama de "grande conforto dos fiéis".

Em quinto lugar, as esmolas conciliam a boa vontade de muitos que rezam por seus benfeitores e obtém para eles tanto a graça da conversão, ou o dom da perseverança, ou um aumento de méritos e glória. De todas estas maneiras devem ser compreendidas estas palavras do Nosso Senhor: fazei-vos amigos com a riqueza injusta, para que, no dia em que ela vos faltar, eles vos recebam nos tabernáculos eternos (Lc 16,9).

Em sexto lugar, as esmolas demonstram disposição para receber a graça da justificação. Deste fruto Salomão nos fala no livro dos Provérbios, onde afirma: É pela bondade e pela verdade que se expia a iniqüidade (Pv 16,6a). E quando Cristo ouviu falar da liberalidade de Zaqueu: Senhor, vou dar a metade dos meus bens aos pobres e, se tiver defraudado alguém, restituirei o quádruplo. Disse-lhe Jesus: Hoje entrou a salvação nesta casa (Lc 19, 9b-10a). Também lemos nos Atos dos Apóstolos o que foi dito à Cornélio, que ainda não era um cristão, mas deu grandes esmolas: As tuas orações e as tuas esmolas subiram à presença de Deus como uma oferta de lembrança (At 10,4). Deste ponto Santo Agostinho prova que Cornélio, pelas suas esmolas obteve de Deus a graça da fé e perfeita justificação.

Por fim, esmolas são um instrumento para aumentar os bens materiais. Isto afirma o homem inteligente: Quem se apieda do pobre empresta ao Senhor, que lhe restituirá o benefício (Pv 19,17). E também: O que dá ao pobre, não padecerá penúria (Pv 28,27). Jesus nos ensinou esta verdade pelo seu próprio exemplo, quando ordenou a seus discípulos que distribuíssem os cinco pães e dois peixes; em retorno receberam doze cestos, dos quais serviram-se por muitos dias. Tobias também distribui fartamente aos pobres e, em curto espaço de tempo, obteve grandez riquezas. A viúva de Sarepta, deu a Elias apenas um refeição e um pouco de óleo, obeteve de Deus por este ato de caridade, abundância de alimentos e óleo, que por longo tempo não terminaram. 

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII) 

24 de nov. de 2010

Ai da alma em que não habita Cristo

Se uma casa não for habitada pelo dono, ficará sepultada na escuridão, desonra e desprezo, repleta de toda espécie de imundície. Também a alma, sem a presença de seu Deus e dos anjos que nela jubilavam, cobre-se com as trevas do pecado, de sentimentos vergonhosos e de completa ignomínia.

São Macário do Egito, eremita
Ai da alma se lhe falta Cristo, que a cultive com  diligência, para que possa germinar os bons frutos do Espírito! Deserta, coberta de espinhos e de abrolhos, terminará por encontrar, em vez de frutos, a queimada. Ai da alma, se seu Senhor, o Cristo, nela não habitar! Abandonada, encher-se-á com o mau cheiro das paixões, virará moradia dos vícios.

O agricultor, indo lavrar a terra, deve pegar os instrumentos e vestir a roupa apropriada para o trabalho; assim também Cristo, o rei celeste e verdadeiro agricultor, ao vir à humanidade, deserta pelo vício, assumiu um corpo e carrgeou, como instrumento, a cruz.

Lavrou a alma desamparada, arrancou-lhe os espinhos e abrolhos dos maus espíritos, extirpou a cizânia do pecado e lançou ao fogo toda erva de suas culpas. Tendo-a assim lavrado com o lenho da cruz, nela plantou maravilhoso jardim do Espírito, que produz toda espécie de frutos deliciosos e agradáveis a Deus, seu Senhor.

-- Das Homílias atribuídas a São Macário, bispo (século IV)

23 de nov. de 2010

Instrução sobre o silêncio

Moisés escreveu na lei: Deus fez o homem à sua imagem e semelhança (Gn 1,26.27). Considerai, peço-vos, a dignidade destas palavras! Não aconteça introduzirmos em nós imagens roubadas, pinte em nós Cristo sua imagem, ao dizer: Eu vos dou a minha paz, deixo-vos a minha paz (Jo 14,27). Mas, que nos adianta saber que a paz é boa, se não a conservamos bem? O ótimo costuma ser fragilíssimo e as coisas preciosas exigem maior cautela e guarda mais solícita; muitíssimo frágil é aquilo que se perde com a menor palavra e se desfaz com a menor ofensa ao irmão. Nada mais agradável para o homem do que proferir a todo momento palavras ociosas e falar mal dos ausentes. Por isto quem não pode dizer O Senhor deu-me uma língua erudita para poder sustentar com a palavra o abatido (Is 50,4), cale-se e se disser algo, que seja de paz.

-- Das Instruções de São Columbano, abade (século VII)

Quem tem sede venha a mim e beba

São Columbano fundou muitos
mosteiros na França. Obrigado a
exilar-se, foi para a Itália, onde
fundou o Mosteiro de Bobbio.
Irmãos caríssimos, prestai ouvidos ao que vamos dizer como a algo de necessário. Contentai a sede de vossas almas nas águas da fonte divina, sobre a qual desejamos falar, mas não a extingais; bebei, mas não vos sacieis. Chama-nos a si a fonte viva, a fonte da vida e diz: Quem tem sede venha a mim e beba (Jo 7,37).

Entendei o que bebeis. Diga-vos Jeremias, diga-vos a própria fonte: Abandonaram-me a mim, fonte de água viva, diz o Senhor (Jr 2,13). O próprio Senhor, nosso Deus, Jesus Cristo, é a fonte da vida; por isso nos convida a irmos a ele, fonte, para o bebermos. Bebe-o quem ama; bebe quem se sacia com a palavra de Deus; quem muito ama, muito deseja; bebe quem arde de amor pela sabedoria.

Vede donde mana esta fonte: do mesmo lugar donde desceu o pão. Pão e fonte são o mesmo, o filho único, nosso Deus, o Cristo Senhor, de quem devemos ter sempre fome. Comemo-lo, amando; devoramo-lo desejando e, no entanto, famintos, desejemo-lo ainda. Da mesma forma, qual água de uma fonte; bebamo-lo sempre pela plenitude do desejo e deleiteoomo-nos com a suavidade de sua particular doçura.

Pois é doce e suave o Senhor; por mais que o comamos e bebamos, estamos sempre sedentos e famintos, porque nosso alimento e bebida nunca se podem tomar e beber totalmente; tomando, não se consome, bebido não acaba, pois nosso pão é eterno, nossa fonte é perene, nossa fonte é doce. Eis a razão por que diz o Profeta: Vós que tendes sede, ide à fonte (Is 55,1). É fonte dos sedentos, não dos saciados. Por isto chama a si sedentos, que em outro lugar declara felizes, aqueles que nunca bebem bastante, mas quanto mais sorvem, tanto mais têm sede.

Irmãos, é justo que a fonte da sabedoria, o Verbo de Deus nas alturas (Eclo 1,5 Vulg.), sempre seja desejada, buscada, amada por nós; estão escondidos, segundo as palavras do Apóstolo, todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2,3), e chama quem tem sede a deles tomar.

Se tens sede, bebe da fonte da vida; se tens fome, come o pão da vida. Felizes os que têm fome deste pão e sede desta fonte. Sempre comendo e sempre bebendo, ainda desejam comer e beber. Porque é imensamente doce aquilo que sempre se saboreia e sempre se deseja mais. O rei profeta já dizia: Saboreai e vede quão doce, quão suave é o Senhor (Sl 33,9).
 
-- Das Instruções de São Columbano, abade (século VII)

22 de nov. de 2010

Qual a obra, tal o ganho

O Senhor diz: Se vossa justiça não superar de muito a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos céus (Mt 5,20). Como será superior à deles, a não ser que a misericórdia esteja acima da condenação? (cf. Tg 2,13). E que de mais justo, de mais digno do que a criatura, feita à imagem e semelhança de Deus, imitar seu criador? A ele que decidiu a renovação e santificação dos fiéis pela remissão dos pecados para que, afastado o rigor do castigo e acabada a pena, recupere o réu a inocência, e o fim dos crimes seja a origem das virtudes?

Não é pela rejeição da lei que a justiça cristã pode superar a dos escribas e fariseus, mas recusando sua compreensão carnal. Por exemplo, o Senhor deu aos discípulos a regra do jejum. Quando jejuardes, não fiqueis tristes como os hipócritas. Ficam com o rosto abatido para mostrar aos homens que estão jejuando. Na verdade, eu vos digo: já receberam sua recompensa (Mt 6,16). Que recompensa? Não é o elogio dos outros? Por causa desta ambição, muitos ostentam a aparência da justiça: cobiça-se a ilusão da fama, de modo que a iniquidade, conhecida ocultamente, se alegre com a boa opinião enganadora.

Aqueles que têm gosto pelas coisas do alto e não terrenas não se preocupam com as perecíveis mas com as eternas, possuem encerradas em si riquezas incorruptíveis, das que disse o Profeta: Chegaram nosso tesouro e salvação, sabedoria, disciplina e piedade da parte do Senhor; são estes os tesouros da justiça (Is 33,6 Vul g.) pelos quais, com o auxílio de Deus, até os bens da terra serão transferidos para os céus. De fato, são muitos que usam como meios de misericórdia as riquezas recebidas de outros pelo direito ou adquiridas de outro modo. Distribuindo para sustento dos pobres aquilo que lhes sobra, ajuntam para si riquezas que não podem ser perdidas; o que reservaram para esmolas não está sujeito a nenhuma perda. Com justiça, então, eles mantêm seu coração onde está seu tesouro; porque a maior felicidade consiste em trabalhar para que cresçam estas riquezas, sem temor de perdê-las.

Dos Sermões de São Leão Magno, papa (século V)

21 de nov. de 2010

Homília na Festa de Cristo Rei

Neste domingo, que encerra o ano litúrgico, a Igreja celebra a Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do universo. Escutámos no Evangelho a pergunta dirigida a Jesus por Pôncio Pilatos: Tu és o rei dos judeus? (Jo 18, 33). Jesus, por sua vez, responde perguntando: Dizes isso por ti mesmo, ou foram outros que to disseram a Meu respeito? (Jo 18, 34). E Pilatos responde: Acaso sou eu judeu? O Teu povo e os sumos sacerdotes é que Te entregaram a mim. Que fizeste? (Jo 18, 35).

A este ponto do diálogo, Cristo afirma: O Meu reino não é deste mundo. Se o Meu reino fosse deste mundo, os Meus guardas lutariam para que Eu não fosse entregue às autoridades dos judeus. Mas o Meu reino não é daqui (Jo 18, 36).
Agora tudo é claro e transparente. Perante a acusação dos sacerdotes, Jesus revela que se trata doutro tipo de realeza, uma realeza divina e espiritual. Pilatos pergunta de novo: Então Tu és rei? (Jo 18, 37). A este ponto Jesus, excluindo qualquer forma de interpretação errada da Sua dignidade real, indica a verdadeira: Tu estás a dizer que Eu sou rei. Eu nasci e vim ao mundo para dar testemunho da verdade. Todo aquele que está com a verdade ouve a Minha voz (Jo 18, 37).

Ele não é rei no sentido que pensavam os representantes do Sinédrio: com efeito, não aspira a nenhum poder político em Israel. O Seu reino, pelo contrário, ultrapassa em grande medida os confins da Palestina. Todos os que estão com a verdade ouvem a Sua voz (cf. Jo 18, 37) e reconhecem n’Ele um Rei. Eis o âmbito universal do Reino de Cristo e a sua dimensão espiritual.

Dar testemunho da verdade (Jo 18, 37). A Leitura tirada do Livro do Apocalipse diz que Jesus Cristo é a testemunha fiel (1, 5). Ele é testemunha fiel porque revela o mistério de Deus e anuncia o Seu Reino já presente. Ele é o primeiro servidor deste Reino. Tornando-se obediente até à morte, e morte de cruz! (Fl 2, 8), Ele dará testemunho do poder do Pai sobre a criação e sobre o mundo. E o lugar do exercício desta sua realeza é a Cruz, abraçada no Gólgota. A Sua foi uma morte ignominiosa, que representa uma confirmação do anúncio evangélico do Reino de Deus. Mas aos olhos dos seus inimigos, aquela morte deveria ter sido a prova de que tudo o que Ele havia dito era falso: Se é o Rei de Israel… desça agora da cruz, e acreditaremos n’Ele (Mt 27, 42). Não desceu da cruz mas, como o Bom Pastor, deu a vida pelas suas ovelhas (cf. Jo 10, 11). A confirmação do Seu poder real é dada pouco depois quando, no terceiro dia, ressuscitou dos mortos, revelando-Se o primogénito dos mortos (Ap 1, 5).

Ele, Servo obediente, é Rei, porque tem as chaves da Morte e do Inferno (Ap 1, 18). E, enquanto vencedor da morte, do inferno e de satanás, é o Príncipe dos reis da terra (Ap 1, 5). Com efeito, todas as coisas terrenas estão sujeitas à morte. Ao contrário, Aquele que tem poder sobre a morte, abre a toda a humanidade a perspectiva da vida imortal. Ele é o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim de toda a criação (cf. Ap 1, 8), por isso todas as gerações podem repetir: Bendito o Seu reino que está a chegar (cf. Mc 11, 10).

Caríssimos Irmãos e Irmãs! A Liturgia de hoje recorda-nos que a verdade acerca de Cristo Rei constitui o cumprimento das profecias da Antiga Aliança. O profeta Daniel anuncia a vinda do Filho do homem, ao qual foi dado «poder, glória e reino». Ele é servido por todos os povos, nações e gentes e o seu poder é um poder eterno que nunca Lhe será tirado (cf. Dn 7, 14). Sabemos bem que tudo isto encontrou o seu cumprimento perfeito em Cristo, na sua Páscoa de morte e ressurreição.

A Solenidade de Cristo Rei do universo convida-nos a repetir com fé a invocação do Pai Nosso, que o próprio Jesus ensinou: Venha a nós o Vosso Reino. Venha a nós o Vosso Reino, ó Senhor! Reino de verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz. 

-- Homília na Festa de Cristo Rei, Papa João Paulo II (em 23 de Novembro de 1997, na Paróquia da Santíssima Trindade, Roma)

O Reino de Deus

Ícone de Cristo Rei
O Reino de Deus, conforme as palavras de Nosso Senhor e Salvador, não vem visivelmente, nem se dirá: Ei-lo aqui ou ei-lo ali; mas o reino de Deus d eDeus está dentro de nós (Lc 17,21), pois a palavra está muito próxima de nossa boca e nosso coração (Rm 10,8). Donde, se segue, sem dúvida nenhuma, que quem reza pedindo a vinda do reino de Deus pede - justamente por já ter em si um início deste reino - que ele desponte, dê frutos e chegue à perfeição.

Pois Deus reina em todo o santo e quem é santo obedece às leis espirituais de Deus, que nele habita como em cidade bem administrada. Nele está presente o Pai e, junto com o Pai, reina Cristo na pessoa perfeita, segundo as palavras: Viremos a ele e nele faremos nossa morada (Jo 14,23).

Então o Reino de Deus, que já está em nós, chegará por nosso contínuo adiantamento à plenitude, quando se completar o que foi dito pelo Apóstolo: sujeitados todos os inimigos, Cristo entregará o Reino a Deus e Pai, a fim de que Deus seja tudo em todos (1Cor 15, 24.28). Por isto, rezemos sem cessar, com aquele amor que pelo Verbo se faz divino; e digamos a nosso Pai que está nos céus: Santificado seja teu nome, venha o teu reino (Mt 6, 9-10).

É de se notar também a respeito do reino de Deus: da mesma forma que não há participação da justiça com a iniqüidade nem sociedade da luz com as trevas, nem pacto de Cristo com Belial (2Cor 6,14-15), assim o reino de Deus não pode subsistir junto com o reino de pecado.

Por conseguinte, se queremos que Deus reine em nós, de modo algum reine o pecado em nosso corpo mortal (Rm 6,12), mas mortifiquemos nossos membros que estão na terra (Cl 3,5) e produzamos fruto no Espírito. Passeie, então, Deus em nós como em paraíso espiritual, objeto de nosso desejo. Assente-se até que nossos inimigos todos que existem em nós sejam reduzidos a escabelo de seus pés (Sl 109,1), lançados fora todo principado, potestade e virtude.

Tudo isto pode acontecer a cada um nós e ser destruída a última inimiga, a morte (1Cor 15,26). E Cristo diga também dentro de nós: Onde está, ó morte, teu aguilhão? Onde está, inferno, a tua vitória? (1Cor 15,55). Já, agora, portanto, o corruptível em nós se revista de santidade e de incorruptibilidade, vista  imortalidade paterna (1Cor 15,54), para que, reinando Deus, vivamos dos bens do novo nascimento e da ressurreição.  

-- Do Opúsculo sobre a Oração, de Orígenes, presbítero (século III)

20 de nov. de 2010

O Modo de Jejuar

Agora explicarei brevemente a maneira pela qual devemos jejuar, para que nosso jejum seja proveitoso e útil, nos conduza à uma vida justa, e, por conseqüência, à uma morte justa. Muitos jejuam em todos os dias indicados pela Igreja: nas vigílias, dias de semana e durante a Quaresma. Alguns jejuam também durante o Advento, prepararando-se piedosamente para a Natividade de Nosso Senhor; ou nas sextas-feiras, em memória da paixão de Cristo; ou aos sábados, em honra a Nossa Senhora Virgem Mãe de Deus. Mas, qualquer que seja o motivo, é questionável se estão aproveitando bem as vantagens do jejum. O principal objetivo do jejum é a mortificação da carne e que o espírito seja fortalecido. Com este propósito, devemos nos restringir apenas à dietas não prazerosas. Assim nossa mãe a Igreja nos orienta a termos apenas uma refeição completa por dia, e sem comer carnes vermelhas ou brancas e partir apenas ervas ou frutas.

Cristo no Deserto. 
Pintura de Moretto da Brescia, (Metropolitam
Museum of Art/NY)
Tertuliano assim qualifica em duas palavras, no seu livro "A Ressureição da Carne", quando chama o limento daqueles que jejuam como "refeições tardias e secas". Há aqueles que certamente não observam estes preceitos, que nos dias de jejum comem em apenas uma refeição tudo que comeriam durante num dia normal, que almoçam e jantam ao mesmo tempo, que para apenas uma refeição preparam tantos pratos de diferentes peixes e outras coisas agradáveis, que não parece algo para piedosos jejuadores, mas um banquete nupcial que continua através da noite. Estes que assim jejuam, certamente não aproveitam os benefícios do jejum.

Também não obtém os frutos de um jejum piedoso quem, apesar de comer moderadamente, nos dias de jejum não se abstem de jogos, festas, disputas, discussões, músicas lascivas, e atitudes imoderadas; ou ainda pior, cometem crimes como se fossem dias comuns. Escutem o que diz o profeta Isaias sobre este tipo de pessoas: De que serve jejuar, se com isso não vos importais? E mortificar-nos, se nisso não prestais atenção? É que no dia de vosso jejum, só cuidais de vossos negócios, e oprimis todos os vossos operários. Passais vosso jejum em disputas e altercações, ferindo com o punho o pobre. Não é jejuando assim que fareis chegar lá em cima vossa voz. (Is 58, 3-4) Então o Todo-Poderoso corrige o povo, porque nos dias de jejum, preferem fazer a sua vontade e não a vontade de Deus; por que não perdoam seus devedores, como rezam para serem perdoados por Deus; não são capazes nem de esperar para cobrar seu dinheiro. Também passam o tempo que deveria ser utilizado em orações ocupados em disputas e discussões. Assim agindo, ao invés de ocuparem o dia atendendo coisas espirituais, como deve-se fazer em dias de jejum, eles estão somando pecados novos aos pecados anteriores, atacando ao próximo.

Estes e outros pecados devem ser evitados por pessoas piedosas, que desejam que seu jejum agrade a Deus e seja útil para si mesmo. Estes poderão ter esperança em uma vida justa e em um dia, morrer de maneira santa.

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)

18 de nov. de 2010

Discernimento das Paixões e Pensamentos

Entre os demônios que se opõe a prática das virtudes, os primeiros que adotam uma atitude de combate são aqueles que ostentam as paixões pelo comer, os que insinuam o amor ao dinheiro, e os que nos estimulam na busca da glória que provém dos homens. Todos os demais vêm depois destes e recebem os que são feridos por eles. Realmente, é pouco provável que se caia nas mãos dos espíritos da fornicação senão cair antes na gula. E não há quem, tendo sido pertubado pela ira, não tenha previamente caído nos prazeres de uma boa mesa, pelas riquezas e pela glória. E não há modo de fugir do demônio da tristeza, se não suporta a privação de todas essas coisas. Assim como nada pode fugir do orgulho, ninhada do diabo; se não há erradicado antes a raiz de todos os males, que é o amor pelo dinheiro, sim é verdade, como disse Salomão, que a indigência faz o homem humilde (Pr 10,4).

Resumindo: não sucede que o homem tropece com o Demônio, sem antes não ter sido ferido por esses três principais males. E também diante do Salvador, o Diabo o tentou primeiramente com estes três pessamentos: primeiramente exortando-o a converter as pedras em pães, depois prometendo-o que o mundo se prostaría a seus pés, adorando-o, e como terceira coisa, o tenta com a possibilidade de que a glória o cobriria se, caindo do ponto mais alto do templo, os anjos O pegariam e o salvariam, como Filho de Deus que é. Porém nosso Senhor, se mostra superior a tudo isto, ordena ao Diabo que se afaste dEle, ensinando assim que é impossível rejeitar o Diabo sem depreciar estes três pensamentos.

Todos os pensamentos demoníacos introduzem na alma concepções relativas a objetos sensíveis, e o intelecto, se compenetrando deles, imprime em si mesmo as formas desses objetos. A alma reconhece, então, o demônio que se associa ao próprio objeto. Por exemplo: se em minha mente se apresenta a fisionomia de quem me tem insultado ou ofendido, é evidente que surgirão em mim pensamentos de rancor. Se surgir a lembrança das riquezas e da glória, recordará claramente do objeto, o qual é o motivo da minha angústia. O mesmo acontece com os outros pensamentos: pelo objeto descobrirá quem é que vem a sugeri-los. Sem embargo, não quero dizer que todas as lembranças de tais objetos venham dos demônios. Porque é o intelecto mesmo, acionado pelo homem, que produzem as imagens dos acontecimentos. Provêm dos demônios aquelas lembranças que sucitam a ira ou a concupiscência anomais.
Evágrio do Ponto (ou Evágrio Pôntico),
um dos padres do deserto

O homem não pode expulsar as lembranças apaixonadas se não presta atenção à concupiscência e à cólera, dissipando a primeira com jejuns, velando e dormindo no chão, e acalmando a segunda com atos de suportação, paciência, perdão e de misericórdia. Das paixões ditas anteriormente surgem quase todos os pensamentos demoníacos que empurram o intelecto a ruína e a perdição. Porém é impossível superar estas paixões se não se depreciam totalmente os banquetes, as riquezas e a glória e ainda o próprio corpo, com fundamento daqueles pensamentos que tão pouco o flagelam. É absolutamente necessário, pois, imitar aqueles que se encontram no mar, em perigo, que atiram para a borda as coisas, a causa da violência dos ventos e das ondas. Porém chegados a este ponto, devemos nos guardar de desprender das coisas para sermos vistos pelos homens, já teremos recebido nossa recompensa, e logo outro naufrágio mais terrível que o primeiro nos aflingirá, e então soprará o vento contrário, o do demônio da vanglória. Portanto, também Nosso Senhor dos Evangelhos, impulsionando em nosso intelecto que é o capitão do barco, nos disse: Cuidado que não faça vossas justiça diante dos homens, para ser vistos por eles: de outra maneira não terias recompensa de vosso Pai que está no Céu (Mt 6,1). E disse mais: E quando rezeis, não sejam hipócritas, porque eles gostam de orar nas sinagogas e nos cantos das ruas, de pé para serem vistos pelos homens: em verdade os digo, que já tiveram seu pagamento (Mt 6,5-16).

Porém neste ponto devemos prestar atenção ao médico das almas e observar como ele cura a cólera com a esmola, e como a oração purifica o intelecto, e ainda mais, o jejum disseca a concupscência: deste modo surge o novo Adão, o qual se renova a imagem dAquele que o criou, no qual não existe – com motivo da impassibilidade – nem homem nem mulher, e – baseados na única fé – nem grego nem judeu, nem circunciso nem incircunciso, nem bárbaro nem cita, nem escravo nem liberto, senão que tudo está em Cristo.

-- De Evágrio do Ponto, monge (século IV)

17 de nov. de 2010

Santa Isabel (da Hungria) conheceu e amou Cristo nos pobres

Isabel começou muito cedo a distinguir se na virtude. Em toda a sua vida foi consoladora dos pobres; a dada altura dedicou-se inteiramente aos famintos e, junto de um castelo seu, mandou construir um hospital onde recolhia muitos enfermos e estropiados. Distribuía largamente os dons da sua beneficência, não só a quantos ali acorriam a pedir esmola, mas em todos os territórios da jurisdição de seu marido, chegando ao ponto de gastar nessas obras de assistência todas as rendas provenientes dos quatro principados e vendendo por fim, para utilidade dos pobres, todos os objetos de valor e vestes preciosas.

Costumava visitar duas vezes por dia, de manhã e à tarde, todos os seus doentes, ocupando se pessoalmente dos que apresentavam aspecto mais repugnante. Dava de comer a uns, deitava outros na cama, transportava outros aos ombros e dedicava se a todo o género de serviço humanitário. Em todas estas coisas nunca ela encontrou má vontade em seu marido de grata memória.

Finalmente, depois da morte deste, no desejo da suma perfeição, pediu-me com lágrimas que a autorizasse a pedir esmola de porta em porta. Precisamente no dia de Sexta-Feira Santa, estando desnudados os altares, numa capela da sua cidade, onde acolhera os Frades Menores, na presença de testemunhas e postas as mãos sobre o altar, renunciou à sua própria vontade, a todas as pompas do mundo e ao que o Salvador no Evangelho aconselha a deixar. Feito isto e vendo que poderia ser absorvida pelo tumulto do século e pela glória mundana naquela terra, em que no tempo do marido vivera com tanta grandeza, veio para Marburgo contra minha vontade. Nesta cidade construiu um hospital para receber doentes e aleijados dos quais sentou à sua mesa os mais miseráveis e desprezados.

Além destas actividades caritativas, diante de Deus o afirmo, raras vezes encontrei mulher mais dada à contemplação. Algumas religiosas e religiosos viram muitas vezes que, quando voltava do recolhimento da oração, o seu rosto resplandecia maravilhosamente e os seus olhos brilhavam como raios de sol.

Antes de morrer ouvi-a de confissão. Perguntando-lhe o que se devia fazer dos seus haveres e mobiliário, respondeu-me que tudo quanto parecia possuir era já dos pobres desde há muito tempo e pediu me que distribuísse tudo por eles, excepto a pobre túnica com que estava vestida e com a qual desejava ser sepultada. Depois recebeu o Corpo do Senhor e, seguidamente, até à hora de Vésperas, falou muitas vezes do que mais a tinha impressionado na pregação. Por fim, encomendou devotamente a Deus os que lhe assistiam e expirou como quem adormece suavemente.

-- Da Carta escrita por Conrado de Marburgo ao Sumo Pontífice, diretor espiritual de Santa Isabel (século XIII)



16 de nov. de 2010

Tivestes sobre mim pensamentos de paz, de Santa Gertrudes

Que minha alma te bendiga, Senhor Deus, meu criador, e do mais íntimo do meu ser, louvem-te as tuas misericórdias com que gratuitamente me envolveu tua imensa piedade! Dou graças, onde e sempre que posso, à tua infinita misericórdia. Com ela louvo e glorifico tua generosa paciência com que encobriste todos os anos de minha infância e meninice, adolescência e juventude, até perto dos vinte e cinco anos. Anos vividos com tão cega insensatez que, por pensamentos, atos e palavras, fazia sem remorsos, assim me parece agora, tudo o que queria, onde quer que podia. Se não me previnisses pelo inato horror ao mal e gosto pelo bem, pela exortação exterior das pessoas circunstantes, teria vivido como pagã entre os pagãos. Nunca teria, então, entendido que tu, meu Deus, recompensas o bem e castiga o mal. No entanto, desde a infância, isto é, os cinco anos, tu me tinhas escolhido para me admitir entre os mais fiéis dos teus amigos na prática da santa religião.

Santa Gertrudes de Helfta ou
Santa Gertrudes, a Grande

Por isto, Pai amantíssimo, como reparação, eu te ofereço a paixão de teu dileto Filho, desde a hora em que deu o primeiro vagido, deitado nas palhas da manjedoura, e, em seguida, suportou as fraquezas da infância, os limites da meninice, as adversidades da adolescência e os sofrimentos juvenis, até a hora em que, inclinando a cabeça na cruz, entregou o espírito com um forte grito. Da mesma forma, em satisfação de todas as negligências, ofereço-te, Pai amantíssimo, a mais santa das vidas, perfeitíssima em todos os pensamentos, palavras e atos, a vida de teu Unigênito, desde o instante em que, enviado das alturas do teu trono, entrou em nosso mundo, até depois daquela hora em que apresentou a teus paternos olhos a glória da carne vencedora.

Em ação de graças, mergulhando no profundo abismo da humildade, cubro de louvores tua mais que excelente misericórdia. Ao mesmo tempo adoro a suavíssima benignidade com que tu, Pai das misericórdias, pensaste pensamentos de paz e não de aflição sobre mim que vivia tão desorientada, e com que me exaltarias com a multidão e grandeza de teus benefícios. Acrescentaste ainda para mim o dom da familiaridade inestimável da amizade. De diversos modos me abriste a nobilíssima arca da divindade, quero dizer, teu coração divinizado, para a satisfação de todos os meus desejos.

Além de tudo isto, atraíste minha alma com as promessas tão firmes de benefícios com que queres me cumular na morte e depois da morte. Com toda razão, se não recebesse de ti nenhum outrodom, só por elas o meu coração com viva esperança ansiaria sem cessar por ti.

-- Dos livros das Revelações do amor divino, de Santa Gertrudes, virgem (século XIII)

15 de nov. de 2010

A importância do jejum

Seguindo a ordem dada pelo anjo, agora falaremos sobre o jejum. Nossa intenção é explicar a arte de viver justamente, porque nos preparará para morrermos justamente. Para jejuar de maneira correta, três coisas são suficientes, assim como escrevemos sobre a oração: a necessidade, os frutos e um método apropriado.
 
A necessidade de jejuar é dupla, derivada da lei humana e divina. Da divina, nos fala o profeta Joel: Por isso, agora ainda - oráculo do Senhor -, voltai a mim de todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos de luto (Jl 2,12). A mesma linguagem utiliza o profeta Jonas, que testemunha sobre os ninivitas, que para acalmar a ira de Deus, proclama um jejum; e, no entanto, na época não havia nada dito sobre jejum na lei. Da mesma forma aprendemos das palavras de Nosso Senhor: Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto. Assim, não parecerá aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai que está presente ao oculto; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á. (Mt 6,17-18).
Profeta Jonas, ícone da Igreja Ortodoxa
Russa, pintado no século XVI (Monastério
de Khizi, Karelia, Russia)
Podemos acrescentar as palavras de um dos santos padres, Santo Agostinho, que fala: "nos Evangelhos e epístolas, ao longo de todo Novo Testamento, eu vejo o jejum como um preceito. Mas em certos dias nos é dito para não jejuarmos; e os dias em que devemos jejuar não está definido pelo Senhor ou apóstolos." São Leão (Papa Leão I) diz em seu sermão sobre o jejum: "aquilo que era figura das coisas futuras foram deixadas, uma vez que o seu significado foi realizado. Mas a utilidade de jejuar não passou com o Novo Testamento; deve ser piedosamente observado, pois o jejum é sempre lucro para a alma e o corpo". As palavras "Adorarás o Senhor teu Deus e a ele só servirás" (Lc 4,8) foram dadas aos primeiros cristãos. São Leão não quer dizer que os cristãos devem jejuar da mesma maneira que os judeus estavam acostumados. Mas, que o preceito dado aos judeus deve ser observado também pelos cristãos seguindo a determinação dos pastores da igreja quanto ao tempo e maneira.
 
Os frutos e as vantagens do jejum são facilmente provadas. Primeiro, é útil porque ajuda a preparar a alma para a oração e contemplação das coisas divinas, com disse o anjo Rafael: a oração é boa com jejum. Moisés por quarenta dias preparou sua alma jejuando, antes de falar com Deus; Elias jejuou por quarenta dias, com o objetivo de estar pronto, tanto quanto permite as limitações humanas, para conversar com Deus; e Daniel, por um jejum de três semanas, estava preparado para receber as revelações de Deus. A Igreja definiu jejuns nas vigílias de grandes festividades, para que os cristãos estejam prontos ao celebrar as solenidades divinas. Os santos padres falam desta utilidade do jejum. Não posso deixar de citar São João Crisóstomo: o Jejum é um suporte para a alma, nos dá asas para subir aos céus e apreciar as mais altas contemplações.
 
Outra vantagem do jejum é que sacrifica a carne; e tal jejum é particularmente agradável a Deus, pois a Ele agrada quando crucificamos a carne, com seus vícios e concupicências, como São Paulo nos ensina na Epístola aos Gálatas e diz sobre si mesmo: Ao contrário, castigo o meu corpo e o mantenho em servidão, de medo de vir eu mesmo a ser excluído depois de eu ter pregado aos outros (1Co 9,27). De maneira semelhante falam Teófilo, São Ambrósio, São Cipriano, São Basílio, São Jerônimo e Santo Agostinho. E nos ofício das orações, a Igreja canta: "Carnis terat superbiam potûs cibique Parcitas." (Moderação na bebida e comida sacrificam o orgulho da carne).
 
Outra vantagem é que honramos Deus em nossos jejuns, porque quando jejuamos em sua intenção, nos o honramos. Assim fala o apóstolo Paulo na Epístola aos Romanos: Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual (Rm 12,1). Deste culto espiritual, São Lucas fala quando menciona a profetisa Ana: Depois de ter vivido sete anos com seu marido desde a sua virgindade, ficara viúva, e agora com oitenta e quatro anos não se apartava do templo, servindo a Deus noite e dia em jejuns e orações (Lc 2,37). O grande Concílio de Nicéia no V Canon, pede jejum durante a Quaresma, como um presente solene oferecido pela Igreja para Deus. Da mesma maneira escreve Tertuliano no seu livro "Ressureição da Carne", onde ele chama alimentos secos e já sem sabor tomados tardiamente como sendo sacrifícios agradáveis a Deus; e São Leão I, no segundo sermão sobre o jejum fala que para seguramente receber todo os frutos do jejum, o sacrifício de abstinência é mais valioso quando oferecido para Deus, aquele que nos dá tudo que precisamos.
 
A quarta vantagem do jejum é ser realizado como penitência por um pecado. Muitos exemplos na Sagradas Escrituras provam este ponto. Os ninivitas agradaram a Deus pelo jejum, como testifica Jonas. Os judeus fizeram o mesmo, jejuando com Samuel ganharam a vitória sobre os inimigos. O ímpio rei Acab, jejuando e vestindo roupa de sacos, satisfez parcialmente a Deus. Nos tempos de Judite e Ester, os judeus obtiveram misericórdia de Deus por nenhum outro sacrifício além de jejuns, choros e lutos.
 
Por fim, jejuar é meritório e muito poderoso para obter favores divinos. Ana, embora já com o ventre seco, mereceu por jejuns ter um filho. São Jerônimo interpreta assim esta passagem: ela chorou e não tomou alimentos e então Ana, por sua abstinência, mereceu dar à luz um filho. Sara, por um jejum de três dias, libertou-se de um demônio, como podemos ler no livro de Tobias. Mas também há uma passagem importante no Evangelho de São Mateus: Quando jejuares, perfuma a tua cabeça e lava o teu rosto. Assim, não parecerá aos homens que jejuas, mas somente a teu Pai que está presente ao oculto; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á (Mt 6,17-18).
 
As palavras "recompensar-te-á" indica que dará um prêmio; em oposição a outra palavra: Quando jejuardes, não tomeis um ar triste como os hipócritas, que mostram um semblante abatido para manifestar aos homens que jejuam. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa (Mt 6,16). Pois os hipócritas ao jejuarem, recebem seu prêmio, ou seja, a admiração humana; os justos também recebem seu prêmio, o reconhecimento divino.
 
-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
-- Nota: sempre que possível procuro utilizar textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês, por não tê-lo encontrado traduzido para o Português. O texto em inglês está disponível aqui.

12 de nov. de 2010

Convertamo-nos a Deus

Permaneçamos, pois, justos e santos em nossa fé e oremos com confiança a Deus que afirmou: Ainda estarás a falar e te responderei: Eis-me aqui (Is 58,9). Esta palavra é sinal de grande promessa; porque o Senhor se mostra mais pronto a dar do que o suplicante a pedir.

Irmãos, tendo uma boa ocasião de nos arrepender, enquanto temos tempo e há quem nos receba, convertamo-nos para o Senhor que nos chamou. Se renunciarmos às nossas paixões desregradas, dominamos a nossa alma. Negando-lhe seus desejos maus, participaremos da misericórdia de Jesus.

A esmola é boa como penitência pelo pecado. Melhor o jejum do que a oração; a esmola mais que estes dois: a caridade cobre uma multidão de pecados (1Pd 4,8). Contudo, a oração, feita de consciência pura, livra da morte. Feliz quem for reconhecido perfeito nestas coisas; porque a esmola afasta do pecado.

Façamos, portanto, penitência de todo coração, para que nenhum de nós pereça. Se temos obrigação de afastar os outros do culto aos ídolos e instruí-los, quanto mais devemos nos empenhar na salvação de todas as almas, que já gozam do verdadeiro conhecimento de Deus! Ajudemo-nos, então, um ao outro, a reconduzir ao bem mesmo os mais fracos; para salvarmo-nos todos, não só cada um se converta, mas exortemo-nos mutuamente.

-- Da Homilia de uma autor desconhecido, século II

11 de nov. de 2010

A Morte de São Martinho

Martinho soube com muita antecedência o dia da sua morte e comunicou a seus irmãos que a separação do seu corpo estava iminente. Entretanto, viu se obrigado a visitar a diocese de Candes. Tinham surgido, com efeito, desavenças entre os clérigos desta igreja e Martinho desejava restaurar a paz. Apesar de não ignorar o fim próximo dos seus dias, não recusou partir perante motivo desta natureza, por considerar como bom termo da sua actividade deixar a paz restabelecida nessa igreja.
Um dia um mendigo que tiritava de frio pediu-lhe
esmola e, como não tinha, o ainda soldado Martinho,
cortou seu próprio manto com a espada, dando
metade ao pedinte. Durante a noite o próprio Jesus lhe
apareceu em sonho, usando o pedaço de manta que
dera ao mendigo e agradeceu a Martinho por tê-lo
aquecido no frio. Dessa noite em diante, ele decidiu
que deixaria as fileiras militares para dedicar-se à Cristo.

Permaneceu algum tempo nessa povoação ou comunidade para onde se dirigia. Depois de feita a paz entre os clérigos, pensou em regressar ao mosteiro. Mas de repente sentiu que lhe faltavam as forças do corpo. Reuniu os irmãos e participou lhes que ia morrer. Então começou o pranto, a consternação e o lamento unânime de todos: «Pai, porque nos abandonas? A quem nos confias na nossa orfandade? Lobos ferozes assaltam o teu rebanho; quem nos defenderá das suas mordeduras, se nos falta o pastor? Sabemos sem dúvida que suspiras por Cristo, mas a tua recompensa está assegurada e não será diminuída se for adiada. Antes de mais, compadece te de nós, que nos deixas abandonados».

Então, comovido por estes lamentos e transbordando da terna compaixão que sempre sentia no Senhor, diz se que Martinho se associou ao seu pranto e, voltando se para o Senhor, assim falou diante daqueles que choravam: «Senhor, se ainda sou necessário ao vosso povo, não me recuso a trabalhar; seja feita a vossa vontade».

Oh homem extraordinário, que não fora vencido pelo trabalho nem o haveria de ser pela morte e que, igualmente disposto a uma ou outra coisa, nem teve medo de morrer nem se furtou a viver! Entretanto, com as mãos e os olhos sempre elevados para o céu, o seu espírito invencível não abandonava a oração. Quando os presbíteros, que se tinham reunido à sua volta, lhe pediram para aliviar o seu pobre corpo mudando de posição, disse: «Deixai me, irmãos, deixai me olhar antes para o céu do que para a terra, para que a minha alma, ao iniciar a sua marcha para Deus, siga bem o seu caminho». Ao dizer isto, reparou que o diabo se encontrava perto. «Porque estás aqui, disse, besta sanguinária? Nada encontrarás em mim, maldito; o seio de Abraão me recebe».

Depois de pronunciar estas palavras, entregou o seu espírito ao Céu. Martinho, cheio de alegria, foi acolhido no seio de Abraão. Martinho, pobre e humilde, entrou rico no Céu.

-- Das cartas de Sulpício Severo (Século V)

10 de nov. de 2010

A esperança de chegar ao céu

Sabíeis, Madre, que sempre desejei ser santa, mas ai! sempre constatei, quando me comparei com os santos, haver entre eles e mim a mesma diferença que existe entre uma montanha cujos cimos se perdem nos céus, e o obscuro grão de areia pisado pelos transeuntes. Em vez de desanimar, disse a mim mesma: Deus não poderia inspirar desejos irrealizáveis, portanto posso, apesar da minha pequenez, aspirar à santidade; não consigo crescer, devo suportar-me como sou, com todas as minhas imperfeições; mas quero encontrar o meio de ir para o Céu por uma via muito direta, muito curta, uma pequena via, totalmente nova. Estamos num século de invenções. Agora, não é mais preciso subir os degraus de uma escada, nas casas dos ricos, um elevador a substitui com vantagens. Eu também gostaria de encontrar um elevador para elevar-me até Jesus, pois sou pequena demais para subir a íngreme escada da perfeição. Procurei então, na Sagrada Escritura a indicação do elevador, objeto do meu desejo, e li estas palavras da eterna sabedoria: Quem for pequenino, venha cá; ao que falta entendimento vou falar. Vim, então, adivinhando ter encontrado o que procurava e querendo saber, ó Deus, o que faríeis ao pequenino que respondesse ao vosso chamado. Continuei minhas pesquisas e eis o que achei: Como alguém que é consolado pela própria mãe, assim eu vos consolarei. Sereis amamentados, levados ao colo, e acariciados sobre os joelhos! Ah! nunca palavras mais suaves, mais melodiosas, vieram alegrar minha alma. Vossos braços são o elevador que deve elevar-me até o Céu, ó Jesus! Para isso, eu não preciso crescer, pelo contrário, preciso permanecer pequena, que o venha a ser sempre mais. Ó meu Deus, superastes minha expectativa e quero cantar as vossas misericórdias. "Vós me instruístes, ó Deus, desde a minha juventude, e até agora proclamo as vossas maravilhas; e também até a velhice, até à canície continuarei a publicá-las. Qual será para mim essa idade avançada? Parece-me que poderia ser agora, pois dois mil anos não são mais que vinte aos olhos do Senhor... que um dia... Ah! não creiais, Madre querida, que vossa filha deseja vos deixar... não creiais que considera como graça maior a de morrer na aurora em vez de no crepúsculo. O que aprecia, o que deseja unicamente é agradar a Jesus... Agora que Ele parece aproximar-se dela, a fim de atraí-Ia para a sua glória,, vossa filha se alegra. Há muito compreendeu que Deus não precisa de ninguém (menos ainda dela que dós outros) para realizar o bem.na terra. 

Madre querida, sabeis qual é essa provação, mas vou falar-vos dela ainda, pois considero-a uma grande graça recebida sob vosso priorado abençoado.

No ano passado, Deus permitiu-me o consolo de observar o jejum da quaresma em todo o seu rigor. Nunca me sentira tão forte e essa força manteve-se até a Páscoa. Porém, na Sexta-Feira santa, Jesus deu-me a esperança de ir vê-lo em breve, no Céu... Oh! como me é suave essa lembrança! Após ter ficado junto ao túmulo até a meia-noite, regressei à nossa cela, mas apenas coloquei a cabeça no travesseiro senti um fluxo subir, subir borbulhando até meus lábios. Não sabia de que se tratava, mas pensei que, talvez, fosse morrer e minha alma estava inundada de alegria... Mas, como nossa lâmpada estava apagada, disse a mim mesma que era preciso esperar o amanhecer para ter certeza da minha felicidade, pois parecia-me ser sangue que eu tinha vomitado. O amanhecer chegou logo. Ao acordar, pensei imediatamente ter alguma coisa alegre a constatar. Perto da janela, pude verificar meu pressentimento... Ah! minha alma ficou repleta de uma grande consolação; estava intimamente persuadida de que Jesus, no dia do aniversário da sua morte, queria me deixar perceber um primeiro chamado. Era como um suave e longínquo murmúrio que me anunciava a chegada do Esposo...  
Santa Teresa de Lisieux





Assisti com grande fervor à Prima e ao capítulo dos perdões. Estava ansiosa para que chegasse a minha vez, a fim de poder, pedindo perdão, confidenciar a vós, querida Madre, minha esperança e minha felicidade. Acrescentei que não tinha dor nenhuma (o que era verdade) e pedi-vos, Madre, que nada me désseis de particular. De fato, tive o consolo de passar a Sexta-feira Santa como eu queria. Nunca as austeridades do Carmelo pareceram-me tão deliciosas. A esperança de chegar ao Céu arrebatava-me de alegria. À noite desse feliz dia, foi preciso repousar, mas Jesus deu-me o mesmo sinal de que meu ingresso na vida eterna estava próximo... Gozava então de uma fé tão viva, tão clara, que o pensamento do Céu era toda a minha felicidade, não podia crer na existência de ímpios desprovidos de fé. Acreditava que falavam contra o próprio pensamento ao negar a existência do Céu, do belo Céu onde o próprio Deus quer ser a recompensa eterna. Nos dias tão alegres do tempo pascal, Jesus fez-me sentir haver almas sem fé que, por abuso das graças, perdem esse precioso tesouro, fonte das únicas alegrias puras e verdadeiras. Permitiu que minha alma fosse invadida pelas mais densas trevas e que a idéia do Céu, tão suave para mim, não passasse de tema de combate e tortura... Essa provação não devia durar apenas alguns dias, algumas semanas, só devia desaparecer na hora marcada por Deus e... essa hora não chegou ainda... Gostaria de poder expressar o que sinto, mas creio ser impossível.

-- De História de uma Alma, de Santa Teresa de Lisieux, século XIX

8 de nov. de 2010

Testemunho a Deus pelas obras

Qual é o conhecimento que nos conduz a Deus? Não é acaso não negar Aquele por quem o conhecemos? Ele mesmo declarou: Ao que der testemunho de mim, eu darei testemunho dele diante do Pai (Lc 12,8). É este o nosso prêmio: testemunhar aquele por quem fomos salvos. Como testemunharemos? Fazendo o que diz, sem desprezar seus mandamentos, honrado-o não somente com os lábios, mas de todo coração e inteligência. Pois Isaías disse: Este povo me honra com os lábios, seu coração, porém, está longe de mim (Is 29,13).

Portanto, não nos contentemos apenas de chamá-lo Senhor; isto não nos salvará. São suas palavras: Não é quem me diz Senhor, Senhor que se salvará, mas quem pratica a justiça (Mt 7,21). Por isso, irmãos, demos testemunho pelas obras: amemo-nos mutuamente, não cometamos adultério, não nos difamemos uns com os outros nem nos invejemos, mas vivamos com continência, na misericórdia e na bondade. E sejamos movidos pela mútua compaixão, não pela cobiça. Confessemo-lo por estas obras, não pelas contrárias. Não temos de temer os homens, mas a Deus. 

-- Da Homília de um autor desconhecido (século II)

Seis condições para a oração correta

Vamos agora falar do método para rezar corretamente, necessário para a arte de viver corretamente e, por conseqüência, morrer corretamente. Comecemos pelo que diz o Senhor: Pedi e se vos dará. Buscai e achareis (Mt 7,7). São Tiago, em sua epístola, explica que a frase deve ser compreendida com uma condição: se nós pedirmos propriamente: Pedis e não recebeis, porque pedis mal (Tg 4,3). Devemos entender da seguinte maneira: aquele que pedir os dons para viver de maneira justa, sem dúvida será atendido; e aquele que pedir por perseverança na vida até a sua morte, e pedir por uma morte feliz, também com certeza obterá. Portanto, nós explicaremos as condições da oração, para que saibamos rezar bem, viver bem e morrer bem.

A primeira condição é a fé, de acordo com as palavras do apóstolo: Porém, como invocarão aquele em quem não têm fé? (Rm 10,14a), com as quais São Tiago concorda: mas peça-a com fé, sem nenhuma vacilação (Tg 1,6a). Mas a necessidade de fé não deve ser entendida como se fosse importante acreditar que Deus deva certamente atender ao que é pedido, pois neste caso nossa fé seria provada falsa e então não obteríamos nada. Devemos acreditar que Deus é mais poderoso, mais sábio e mais digno de fé; e que Ele sabe, que tem poder e está preparado para atender nossos pedidos, se entendê-lo apropriado e útil para nós, receberemos o que pedimos. Esta fé Cristo pediu aos dois homens cegos que curou: Credes que eu posso fazer isso? (Mt 9, 28) Com a mesma fé Davi rezou pelo seu filho adoentado, como provam suas palavras, pois ele acreditava não ser seguro que Deus atenderia suas preces, mas que somente Deus seria capaz de conceder tal graça: Quem sabe, talvez o Senhor terá pena de mim e o menino ficará bom? (2Sm 12,22) Disto não se pode duvidar. Com a mesma fé o apóstolo Paulo rezou para se livrar de um "espinho na carne". Pois o apóstolo rezou com fé, e sua fé não era falsa se ele acreditava que Deus poderia lhe conceder a cura que pedia, embora não tenha obtido o que pedia. E com a mesma fé a Igreja pede por todos heréticos, pagãos, cismáticos e maus cristãos que possam ser converter, e, no entanto, é certo que nem todos se converterão.

Outra condição muito necessária para rezar é a esperança. Pois ainda que pela fé, que é conseqüência da compreensão, nós não acreditemos que Deus atenderá nossos pedidos; pela esperança, que é um ato de desejo, podemos firmemente nos apoiar na bondade divina e termos confiança que Deus poderá nos atender. Esta condição Deus requer do paralítico, para quem diz: Meu filho, coragem! Teus pecados te são perdoados (Mt 9,2). O mesmo pede o apóstolo para todos, quando diz: Aproximemo-nos, pois, confiantemente do trono da graça, a fim de alcançar misericórdia e achar a graça de um auxílio oportuno (Heb 4,16). E muito antes dele, o profeta apresenta Deus, falando: Quando me invocar, eu o atenderei; na tribulação estarei com ele (Sl 90,15). Mas como a esperança brota da fé perfeita, quando a Escritura requer fé nas grandes coisas, ela acrescenta algo sobre esperança. Assim lemos em São Marcos: Em verdade vos declaro: todo o que disser a este monte: Levanta-te e lança-te ao mar, se não duvidar no seu coração, mas acreditar que sucederá tudo o que disser, obterá esse milagre (Mc 11,23). Que a fé produz confiança, podemos entender destas palavras do apóstolo: mesmo que tivesse toda a fé, a ponto de transportar montanhas (1Co 13,2b). João Cassiano escreve em seu Tratado sobre a Oração que um sinal certo que nossos pedidos serão atendidos, ocorre quando em oração, nós não duvidamos que Deus certamente nos atenderá, e não hesitamos de nenhuma maneira, mas derramos nossas orações com alegria espiritual.

A terceira condição é a caridade, pela qual nos libertamos dos pecados; pois os amigos de Deus obtém os seus dons. Assim fala Davi em um Salmo: Os olhos do Senhor estão voltados para os justos, e seus ouvidos atentos aos seus clamores (Sl 33,15). e em outro: Se eu intentasse no coração o mal, não me teria ouvido o Senhor (Sl 65, 18).  E no Novo Testamento, o Senhor mesmo confirma: Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito (Jo 15,7). E o amado discípulo fala: Caríssimos, se a nossa consciência nada nos censura, temos confiança diante de Deus, e tudo o que lhe pedirmos, receberemos dele porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é agradável a seus olhos (1Jo 3,21-22).

Isto não é contrário à doutrina. Quando o publicano suplica por perdão de seus pecados, ele retorna para casa "justificado"; pois um pecador arrependido não obtém perdão por ser pecador, mas por estar arrepedido; pois como pecador ele é inimigo de Deus; como penitente, amigo de Deus. Aquele que peca, desagrada a Deus; mas quem se arrepende de seus pecados, faz o que mais agrada ao Senhor.

A quarta condição é a humildade, pela qual o suplicante, confia não em sua própria justiça, mas na bondade de Deus: Fui eu quem fez o universo, e tudo me pertence, declara o Senhor. É o angustiado que atrai meus olhares, o coração contrito que teme minha palavra (Is 66,2). E o Livro do Eclesiástico acrescenta: A oração do humilde penetra as nuvens; ele não se consolará, enquanto ela não chegar (a Deus), e não se afastará, enquanto o Altíssimo não puser nela os olhos (Eclo 35,21).

A quinta condição é a devoção, pela qual não devemos rezar de maneira negligente, como muitos costumam fazer, mas com atenção, sinceridade, diligência e fervor. Nosso Senhor severamente adverte aqueles que rezam apenas com os lábios. Assim Ele nos fala em Isaias: O Senhor disse: Esse povo vem a mim apenas com palavras e me honra só com os lábios, enquanto seu coração está longe de mim (Is 29, 13). Esta virtude é fruto de uma fé viva e consiste não apenas no hábito de orar, mas na ação. Para aqueles que com fé firme e atenção consideram a grandeza de Sua Majestade Nosso Senhor, quão grande é nossa insignificância, e como são importantes nossos pedidos, não pode fazer diferente que rezar com grande humildade, reverência, devoção e fervor.

Aqui devemos acrescentar o testemunho importante de dois santos padres. São Jerônimo escreve: começo pela oração: não devo orar se não acreditar; mas se eu tiver fé verdadeira, este coração, que Deus vê, posso limpá-lo; posso bater no peito, posso molhar minhas faces com minhas lágrimas, posso negligenciar toda atenção ao meu corpo e tornar-me fraco; posso me jogar aos pés do meu Senhor, molhá-los com minhas lágrimas e secá-los com meus cabelos; me apoiar na cruz, e não abandoná-la enquanto não obtiver misericórdia. Porém mais frequentemente durante minhas orações encontro-me caminhando pela cidade e sendo levado por pensamentos maus, entretenho-me em coisas das quais me envergonho de falar. Onde está nossa fé? Supomos que Jonas rezou assim? Os três jovens? Daniel na cova dos leões? Ou o bom ladrão na cruz? 

São Bernardo, no seu Sermão sobre os Quatro Métodos da Oração, escreve: sobretudo nos impele, durante o tempo de oração, entrar no quarto celestial, no qual o Rei dos Reis encontra-se sentado em seu trono, cercado por inumerável e glorioso exército de almas abençoadas. Com tal reverência, tal temor, tal humildade, nos aproximamos com pó e cinzas, nós que não somos nada além de pequenos insetos rastejantes. Com tal temor, seriedade, atenção e solicitude deve tão miserável homem estar próximo da divina majestade, na presença de anjos, na assembléia dos justos? Em todas nossas ações temos necessidade de vigilância, especialmente na oração.

A sexta condição é a perseverança, que nosso Senhor em duas parábolas recomenda: uma sobre o amigo importuno que pede dois pães em um horário inconveniente, no meio da noite, e recebe pela sua perserverança (Lc 11,5-8); outra sobre a viúva que pede sem esmorecer para que o juiz a livre de seu adversário; e o juiz, embora sendo iníquo, homem que não temia nem Deus nem os homens, sobrepujado pela perseverança da mulher, livrou-a de seu inimigo. Destes exemplos o Senhor conclui, que muito mais perseverantes devemos ser na oração a Deus, porque ele é justo e misericordioso. E São Tiago completa: Deus concede generosamente a todos, sem recriminações (Tg 1,5). Ou seja, ele concede seus dons liberalmente a todos que pedem, e "sem recriminações" por serem inoportunos, pois Deus não tem limites em suas riquezas nem em sua misericórdia. 

-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)

 -- Nota: sempre que possível procuro utilizar textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês, por não tê-lo encontrado traduzido para o Português. O texto em inglês está disponível aqui.

4 de nov. de 2010

O símbolo da fé - a oração do Creio

Segundo uma antiga tradição, os doze apóstolos
 teriam estabelecido em comum os rudimentos da
nova fé. Essa versão era recitada pelos novos
cristãos no momento do Batismo, e ficou conhecida
como credo apostólico.
Abraça, cuidadoso, unicamente a fé que agora a Igreja te entrega para aprendê-la e confessá-la, protegida pelos muros de toda a Escritura. Já que nem todos podem ler as Escrituras, uns por falta de preparo, outros por qualquer ocupação que os impede de conhecê-la, para que não pereçam por ignorância, encerramos nos poucos versículos do símbolo todo o dogma da fé.

Exorto-te a tê-lo como viático durante a vida inteira e não admitir nenhum outro mais. Nem se nós próprios, tendo mudado, dissermos algo contrário ao que ensinamos agora, nem mesmo se um anjo adverso, transfigurado em um anjo de luz, te quiser arrastar ao erro. Pois ainda que nós ou um anjo do céu vos anuncie coisa diferente do que agora recebestes, vos seja anátema (Gl 1,8).

Ouves neste momento apenas simples palavras, mas guarda na memória o símbolo da fé. Em tempo oportuno receberás a confirmação de cada versículo tirado das Sagradas Escrituras. Porque não foi a bel-prazer dos homens que este resumo da fé foi composto, mas selecionados dentre toda a Escritura, os tópicos mais importantes perfazem e abraçam a única doutrina da fé. Da forma como a semente de mostarda num pequenino grão contém muitos ramos, assim este símbolo em poucas palavras encerra como num seio materno o conhecimento de toda a religião contida no Antigo e no Novo Testamento.

Considerai, portanto, irmãos, e mantende as tradições que recebestes agora e gravai-as no fundo de vosso coração. Observai-as religiosamente, não aconteça que o inimigo em qualquer lugar venha a espoliar os covardes e negligentes, ou um herege alterar algo do que vos foi entregue. A fé é depositar no banco o dinheiro que vos confiamos. Mas Deus vos pedirá contas do depósito. Peço-vos, assim diz o Apóstolo, diante de Deus, que tudo vivifica, e de Cristo Jesus, que deu seu belo testemunho sob Pôncio Pilatos (1Tm 6,13), que conserveis imaculada esta fé entregue a vós, até que apareça nosso Senhor Jesus Cristo.

Agora te foi dado o tesouro da vida. O Senhor exigirá seu depósito por ocasião de seu aparecimento, que no tempo preestabelecido o bem-aventurado e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, manifestará. Ele, o único a possuir a imortalidade, que habita em luz inacessível, a quem ninguém jamais viu nem pode ver (1Tm 6,15-16). A ele glória, honra e império pelos séculos dos séculos. Amém.

-- Das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo (século IV)

3 de nov. de 2010

A luz do cristão não pode ser escondida

Nada mais frio que um cristão que não se preocupa com a salvação dos outros. Cada um de nós tem a possibilidade de ajudar o próximo, se quiser cumprir os seus deveres.

Não vedes como as árvores são vigorosas, bonitas, copadas, esbeltas e altas? No entanto, se tivéssemos um pomar, preferiríamos, em vez delas, romãzeiras e oliveiras carregadas. Aquelas árvores estão no jardim para ornamento, não para alimento; e se rendem alguma coisa, é pouco.


Madre Teresa de Cálcuta

Assim são as pessoas que só se interessam pelo que é seu. Nem sequer podem comparar-se com estas últimas árvores, mas só merecem censura; ao passo que as árvores sem fruto servem para a construção e o reparo das coisas. Semelhantes a elas eram as virgens imprudentes da parábola: castas, belas e disciplinadas, mas não eram úteis a ninguém e foram lançadas ao fogo. Assim acontece também aos que não alimentam o Corpo de Cristo.

Repara que nenhum deles é acusado de pecados como impureza, juramento falso ou qualquer culpa, mas só de não ter ajudado ninguém. Tal era aquele que enterrou o talento recebido: levou vida irrepreensível, mas não foi útil aos outros.

Como, pergunto eu, pode ser cristão um homem desses? Se o ferimento, misturado à farinha, não fizer crescer a massa, terá sido fermento verdadeiro? Se o perfume não espalhar sua fragância, ainda o chamaremos perfume?

Não digas que és incapaz de influenciar os outros. Se fores cristão, é impossível que não o faças! Se não há contradições na natureza, também é certo o que afirmamos: é natural que o cristão exerça influência sobre seus semelhantes.

Não ofendas a Deus. Se disseres que o Sol não de capaz de brilhar, injurias; se disseres que um cristão não pode ser útil a ninguém, é a Deus que ofendes e o chamas mentiroso. Pois, é mais fácil o Sol deixar de aquecer ou brilhar que um cristão não irradiar a sua luz; ou a luz se transformar em trevas.

Não digas ser impossível o que é possível. Não ofendas a Deus. Se orientarmos bem a nossa vida, tudo o que dissemos acontecerá normalmente. A luz do cristão não pode permanecer escondida. Não pode ocultar-se lâmpada não luminosa.

-- Das Homílias sobre os Atos dos Apóstolos, de São João Crisóstomo, bispo (século IV)

2 de nov. de 2010

Cristo transformou a morte

Cristo morreu e ressuscitou para ser o Senhor dos mortos e vivos (Rm 14,9). Deus, porém, não é Deus dos mortos, mas dos vivos (Mt 22,32). Por isso, os mortos, que têm por Senhor aquele que vive, já não são mortos, mas vivos; a vida se apossou deles para que vivam sem nenhum temor da morte, à semelhança de Cristo que, ressuscitado dos mortos, não morre mais (Rm 6,9).

Santo Anastácio de Antioquia

Assim, ressuscitados e libertos da corrupção, não mais sofrerão a morte, mas participarão da ressurreição de Cristo, como Cristo participou da morte que sofreram.

Se ele desceu à terra, até então uma prisão perpétua, foi para arrombar as portas de bronze e quebrar as trancas de ferro (cf Is 45,2; Sl 106,16), a fim de atrair-nos a si, livrando da corrupção a nossa vida e convertendo em liberdade a nossa escravidão.

Se este plano da salvação ainda não se realizou - pois os homens continuam a morrer e os corpos a decompor-se -  ninguém veja nisso um obstáculo para a fé. Com efeito, já recebemos o penhor de todos os bens prometidos, quando Cristo levou consigo para o alto as prímicias de nossa natureza e já estamos sentados com ele nas alturas, como afirma São Paulo: Ressuscitou-nos com Cristo, e nos fez sentar com ele nos céus (Ef 2,6). 

-- Dos Sermões de Santo Anastácio de Antioquia, bispo (século VI)

1 de nov. de 2010

Sobre o Dia de Todos os Santos


Ícone da Festa de Todos os Santos
Nele estão representados os diversos caminhos para a santidade: (de baixo para cima) apóstolos, santos inocentes, doutores, reis, monges, virgens, mártires, rainhas, anjos e Nossa Senhora. Ao centro, no alto, a Santíssima Trindade. 
Para que louvar os santos, para que glorificá-los? Para que, enfim, esta solenidade? Que lhes importam as honras terrenas, a eles que, segundo a promessa do Filho, o mesmo Pai celeste glorifica? De que lhes servem nossos elogios? Os santos não precisam de nossas homenagens, nem lhes vale nossa devoção. Se veneramos os Santos, sem duvida nenhuma, o interesse é nosso, não deles. Eu por mim, confesso, ao recordar-me deles, sinto acender-se um desejo veemente.

Em primeiro lugar, o desejo que sua lembrança mais estimula e incita é o de gozarmos de sua tão amável companhia e de merecermos ser concidadãos e comensais dos espíritos bem-aventurados, de unir-nos ao grupo dos patriarcas, às fileiras dos profetas, ao senado dos apóstolos, ao numeroso exército dos mártires, ao grêmio dos confessores, aos coros das virgens, de associar-nos, enfim, à comunhão de todos os santos e com todos nos alegrarmos. A assembléia dos primogênitos aguarda-nos e nós parecemos indiferentes! Os santos desejam-nos e não fazemos caso; os justos esperam-nos e esquivamo-nos.

Animemo-nos, enfim, irmãos. Ressuscitemos com Cristo. Busquemos as realidades celestes. Tenhamos gosto pelas coisas do alto. Desejemos aqueles que nos desejam. Apressemo-nos ao encontro dos que nos aguardam. Antecipemo-nos pelos votos do coração aos que nos esperam. Seja-nos um incentivo não só a companhia dos santos, mas também a sua felicidade. Cobicemos com fervoroso empenho também a glória daqueles cuja presença desejamos. Não é má esta ambição nem de nenhum modo é perigosa à paixão pela glória deles.

O segundo desejo que brota em nós pela comemoração dos santos consiste em que Cristo, nossa vida, tal como a eles, também apareça a nós e nós, juntamente com eles (os santos), apareçamos na glória. Enquanto isso não sucede, nossa Cabeça não como é, mas como se fez por nós, se nos apresenta. Isto é, nossa cabeça está não coroada de glória, mas  com os espinhos de nossos pecados. É uma vergonha fazer-se de membro honrado se estivermos com a cabeça coroada de espinhos. Por enquanto a púrpura não lhe é sinal de honra, mas de zombaria. Será sinal de honra quando Cristo vier e não mais se proclamará sua morte, e saberemos que nós estamos mortos com ele, e com ele escondida nossa vida. Aparecerá a Cabeça gloriosa e com ela refulgirão os membros glorificados, quando transformar nosso corpo humilhado, configurando-o à glória da Cabeça que é ele mesmo.

Com inteira e segura ambição cobicemos esta glória. Contudo para que nos seja lícito esperá-la e aspirar a tão grande felicidade, cumpre-nos desejar com muito empenho a intercessão dos santos. Assim, aquilo que não podemos obter por nós mesmos, seja-nos dado por sua intercessão.

-- Dos sermões de São Bernardo, abade (Século XII).

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