30 de jun. de 2011

As Revelações do Sagrado Coração de Jesus

O que mais admira as Irmãs de Paray ao analisar a vida de Margarida Maria é a duração e a natureza extática da sua oração. Certos dias, por exemplo, quando o Santíssimo Sacramento era exposto, ela nunca deixava a capela. Mesmo de saúde enfraquecida, já com a doença avançando, ela mantinha-se por horas sem movimentar-se, ajoelhada, sem apoio, sua mãos unidas, com os olhos abaixados. A hora de oração matinal, aos fins de 1673, ela acrescentou orações noturnas. Nós sabemos que, particularmente na noite entre a Quinta-Feira e a Sexta-Feira Santas, ela permanecia doze horas consecutivas ajoelhada, tão concentrada que não ouvia nada do que passava ao seu redor. As irmãs, não sabendo como descrever tal estado, compararam a uma estátua de mármore e diziam ser ela uma "extática".  Frequentemente ela terminava as orações muito enfraquecida, tremendo, incapaz de manter-se em pé e pronta para desmaiar. Três ou quatro vezes foi necessário carregá-la , pois havia sido sobrepujada por um amor tão forte que nenhum ser humano é capaz de suportar.

Foi em tais circunstâncias, durante tais orações em êxtase, que, sem o conhecimento da Comunidade, teve lugar as grandes revelações do Sagrado Coração de Jesus. Nós dizemos revelações; pois foram três distintas, com vários meses de intervalos entre elas. A primeira deu-se em 27 d eDezembro de 1673, quando Margarida Maria tinha 26 anos de idade e havia professado a fé a pouco mais de um ano. A segunda ocorreu no ano seguinte, em 1674. O momento preciso não sabemos. O Sagrado Coração estava exposto na Capela e, de acordo com o costume do tempo, podemos supor que foi durante as orações da hora oitava do dia de Corpus Christi. A terceira teve lugar em 16 de Junho de 1675, no mesmo dia, na mesma oração à hora oitava. Portanto, entre elas há um considerável intervalo, alguns meses entre a primeira e segunda; e pello menos um ano entre a segunda e terceira. Mas estes intervalos não foram tão grandes, pois Margarida necessitava de tempo para recuperar-se do estado emocional consequencia destas aparições, pois sua agitação e fragilidade eram tão grandes que pensávamos que poderia morrer.
Quando consideramos estas três aparições em conjunto, ficamos surpreendidos pela sua seqüência, gradação e incrível beleza. É como um drama em três atos, no qual Deus é elevado, pouco a pouco a mente se Sua serva compreende a inteireza da missão que Ele inesperadamente lhe confiou.

Para o restante do texto, nós temos como testemunho das aparições a Margarida Maria. Obrigada pelas suas superioras a colocar o recital destas maravilhas por escrito, ela o fez molhando o papel com lágrimas, e quando devolvido os originais a ela, preferiu queimá-los. Somente uam cópia de tais livros permanece; e há neles um tom tão sincero de humildade, uma franqueza tão verdadeira, um esquecimento de si tão grande e traços de emoções tão profundas, que mesmo que a Igreja ainda não esteja convencida da correção de tais aparições, é impossível duvidar ao ouvir Margarida Maria relatando-as.

Assim ela inicia: "É somente por teu amor, ó meu Deus, que eu me submeto a escrever em obediência. Peço perdão por resistir, portanto é somente Tu que podes me dar força para realizar tal tarefa." Então, acrescenta: "Eu recebi a ordem como vinda do Senhor, e ao realizá-la eu gostaria de considerar como uma punição pela alegria excessiva e precaução que experimentei ao seguir minhas inclinações humanas. Ó meu Soberano Bem, que eu possa escrever somente para a Tua grande glória e minha grande confusão!"

Ela então tomou a caneta e começou seu recital. Mas logo parou confundida, sem palavras, incapaz de manter-se na tarefa devida a sua repugnância. "Ó meu Senhor, somente tu conheces a dor que sinto ao entrar em obediência e a violência que devo fazer contra meus desejos para resistir a repugnância e confusão que sinto ao escrever tais palavras, dê-me a graça de morrer ao invés de escrever qualquer outra coisa que não tenha vindo do Espírito da Verdade, para o qual deve-se dar toda glória, e nunca à minha confusão. Com piedade, meu Soberano Bem, que isto nunca seja visto por qualquer outra pessoa exceto aqueles que desejares que examinem isto, para que estes escritos não me conduzam às chamas e esquecimento eternos. O meu Deus, consolai esta Tua pobre e miserável escrava".

Um pouco depois, ela recomeçou a escrever, mas novamente paralisada em seu trabalho, nós lemos: "Eu continuo por obediência, ó meu Deus, sem qualquer outro desejo que não seja satisfazê-Lo pelo martírio que sinto ao escrever tais linhas, todas as palavras me custam grande sacrifício. Mas que possas ser gloficado eternamente!" O emso tom suplicante é encontrado em suas memórias, a mesma disputa entra a obediência e humildade. Em um momento, a humildade faz com que descanse a caneta; no próximo a obediência a faz recomeçar. Foi desta maneira , com uma incoparável glória e santiade, que conclui a descrição das três revelações do Coração de Jesus. Agora devemos conhecer as prórpias palavras de Margarida Maria. A Igreja tem estudado estes escritos com a mesma severidade que sempre utiliza em tais situações e declarou solenemente sua autenticidade.

-- Do Livro Revelações do Sagrado Coração de Jesus, do Bispo Emile Bougaud, sobre a vida de Santa Margarida Maria. O livro foi escrito em torno de 1850.

29 de jun. de 2011

Os bens materiais

O cristão que possui bens devem fazê-lo na humildade, sem orgulho, como coisa emprestada, não própria . Dou-vos os bens para o uso. Tanto possuis, quanto concedo; tanto conservais, quanto permito; e tanto permito, quanto julgo útil à vossa salvação. Tal há de ser a vossa atitude quanto ao uso dos bens materiais. Assim fazendo, o cristão obedece aos mandamentos - amando-Me sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo - e conserva o coração desapegado das riquezas, afetivamente, como nada possuindo. Não se apega aos bens, não os possui em oposição aos Meus desígnios.

Possui externamente, ao passo que seu íntimo é pobre. Tais pessoas, como disse, eliminam o veneno do egoísmo. São os cristãos da "caridade comum".

Os bens materiais são bons em si mesmo; foram criados por Mim, bondade infinita. Os homens hão de usá-los como lhes aprouver, mas no temor e no amor autênticos.

Os cristãos não devem virar escravos dos prazeres sensíveis. Se querem ter posses façam-no; mas como dominadores dela, não como dominados. O afeto do coração deve estar em Mim, não nas coisas externas; elas não pertencem aos homens, são dadas em empréstimo. Não tenho preferência por pessoas ou posição social, somente pelos desejos do coração.

Quem afastar de si o apego desregrado e se orientar para Mim na caridade e no santo temor, tal pessoa poderá escolher o estado de vida que quiser. Em qualquer um deles alcançará a vida eterna. Suponhamos que seja mais perfeito e mais agradável a Mim que o homem viva interior e exteriormente despojado dos bens materiais. Se uma pessoa não sentir a coragem de abraçar tal perfeição devido a alguma fraqueza pessoal, que permaneça "na caridade comum" qualquer que seja seu estado de vida. Em Minha bondade dispus que assim fosse para que nenhuma pessoa viesse a desculpar-se por pecados cometidos em determinadas situações. Ninguém poderá dar desculpa, Sou condescendente com as tendências e fraquezas humanas. Se as pessoas desejam viver no mundo, possuir bens, ocupar altas posições sociais, casar-se, ter filhos, trabalhar por eles, façam-no. É lícito viver em qualquer posição social; contanto que se evite o veneno da sensualidade, o qual pode conduzir à morte perpétua.

Se prestares atenção verás que quase todos os males procedem do desordenado apego e ganância da riqueza. Disto nasce o orgulho de quem pretende ser maior que os outros, a injustiça para consigo mesmo e o próximo.

A riqueza empobrece e destrói a vida da alma, torna o homem cruel consigo mesmo, prejudica sua dignidade espiritual infinita, faz amar as coisas transitórias. Todos têm obrigação de amar-Me, bem infinito. Com a riqueza o homem perde o gosto pela virtude, o amor da pobreza, o domínio sobre si, torna-se escravo dos bens materiais. Ao amar realidades inferiores a si, torna-se insaciável. Só a Mim deve o homem servir; Sou seu fim último.

Quantos perigos enfrenta o homem, por terra e por mar, a fim de adquirir riqueza e poder voltar a sua cidade natal entre satisfações e honras; já para ,conseguir a virtude, é incapaz do menor esforço, não aceita dificuldade alguma! E dizer que as virtudes são a riqueza da alma.
Diz Meu Filho no Evangelho que "é mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que o rico entrar na vida eterna". (Mt. 19,24) referia-se àqueles que possuem ou desejam possuir riquezas com desordenado e pecaminoso apego à elas. Afirmei também existirem pobres, que se pudessem possuíam com desordenado apego o mundo inteiro. Também eles não passarão pela porta estreita e baixa (agulha). Se não se abaixarem até o chão, se não dominarem o próprio apego, se não dobrarem humildemente a cabeça, como poderão atravessá-la? Outra porta não existe que conduza à vida eterna. Pelo contrário, é larga aquela que conduz à eterna condenação. (Mt. 7,13).

As realidades terrenas são menores que o homem, para ele foram criadas, não vice-versa. Por tal motivo os bens materiais não o satisfazem; somente Eu sou capaz de saciar o homem. Já os infelizes pecadores, como cegos, afadigam-se continuamente, à procura de uma felicidade fora de Mim, e sofrem...

Querem saber como sofrem? Quando alguém perde algo com que se identificara seu apego faz sofrer. É o que acontece com os pecadores, identificados por vários modos, com os bens materiais. Eles se materializam. Uns se identificam com a riqueza, outros com a posição social, outros com os filhos; uns se afastam de Mim por apego a uma pessoa; outros transformam o próprio corpo em animal imundo e impuro. Todos eles assim se nutrem de bens terrenos. Gostariam que tais realidades fossem duradouras, mas não o são. Passam como o vento. São perdidas por ocasião da morte e de outros acontecimentos por Mim dispostos. Diante de tais perdas, os pecadores entram em sofrimento atroz, pois a dor da separação se compara a desordenada afeição à posse.

Todos estes se carregam com a cruz do diabo e experimentam nesta vida a certeza da condenação. Vivem doentes e se não se corrigirem, vão para a morte eterna. São homens feridos pelos espinhos das contradições a torturarem-se interna e externamente. E por cima, sem merecimento algum! Sofrem na alma e no corpo, nada merecem; é sem paciência que padecem estes males. Vivem revoltados, apegando-se aos bens materiais com desordenado amor.

É preciso encher a alma de virtudes, sob o alicerce da caridade.

-- Do Livro Revelações de Santa Catarina de Sena (século XIV)

28 de jun. de 2011

Constituição Benedictus Deus - Papa Bento XII

* A constituição Benedictus Deus, do Papa XII, definiu que, logo após a morte corporal, as almas totalmente puras são admitidas à contemplação da essência de Deus face à face. Este documento é considerado ex-cathedra, ou seja, infalível e declara uma verdade da fé cristã.

Papa Bento XII governou a Igreja de 22 de
Dezembro de 1334 até sua morte em 25 de
Abril de 1342.
Por esta constituição, que permanecerá perpetuamente em vigência, Nós, com apostólica autoridade, definimos:

Que, conforme a disposição geral de Deus, as almas de todos os santos que partiram deste mundo antes da paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, assim como as dos santos apóstolos, mártires, confessores, virgens e dos outros fiéis que morreram após o recebimento do santo batismo de Cristo – dado que não tinham necessidade de serem purificadas ao morreram, ou não há de ser quando no futuro morrerem, ou se, então, nelas tiver havido algo a purificar e tiverem sido purificadas após a morte – e as almas das crianças renascidas pelo mesmo batismo de Cristo e das que serão quando forem batizadas, e morreram antes do uso do livre-arbítrio, logo depois de sua morte e da purificação mencionada aos que precisavam de tal purificação, mesmo antes de reassumir os seus corpos e antes do juízo universal, após a ascensão ao céu de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, estiveram, estão e estarão no céu, no reino dos céus e no paraíso celeste, com Cristo, junto da companhia dos santos Anjos.

E que depois da paixão e morte de Nosso Senhor Jesus Cristo viram e vêem a essência divina com uma visão intuitiva e até face a face – sem a mediação de qualquer criatura como objeto de visão, mas a essência divina se revela a eles de forma imediata, desnuda, clara e manifesta –; e que aqueles que vêem assim, gozam plenamente da mesma essência divina, e, dessa forma, por essa visão e fruição, as almas daqueles que já morreram são verdadeiramente bem-aventuradas e possuem a vida e o descanço eterno, como também as dos que mais tarde hão de morrer verão a essência divina e gozarão dela antes do juízo universal; e que esta visão da essência divina a sua fruição fazem cessar nessas almas os atos de fé e de esperança, uma vez que a fé e a esperança são propriamente virtudes teologais; e, depois que esta visão intuitiva face a face e esta fruição teve e tiver nelas início, esta visão e fruição – sem qualquer interrupção ou privação desta visão e fruição –, permanecem ininterruptos e hão de assim continuar até o juízo final e, a partir dele, por toda a eternidade.

Definimos também que, de acordo com a geral disposição de Deus, as almas daqueles que morrem em pecado mortal atual, logo depois de sua morte descem ao inferno, onde com as penas infernais são atormentadas, e que, todavia, no dia do juízo, todos os homens hão de comparecer “diante do tribunal de Cristo” com os seus corpos para prestar contas de suas ações, “para que cada um receba o que lhe toca segundo o que fez quando estava no corpo, seja de bem ou de mal” (II Cor. 5, 10).

 
Decretado no 29º dia de janeiro, do ano de Nosso Senhor de 1336, segundo de nosso pontificado.

Bento PP. XII

27 de jun. de 2011

Defesa da maternidade divina da Virgem Maria

Causa-me profunda admiração haver alguns que duvidam em dar à Virgem Santíssima o título de Mãe de Deus. Realmente, se nosso Senhor Jesus Cristo é Deus, por que motivo não pode ser chamada de Mãe de Deus a Virgem Santíssima que o gerou? Esta verdade nos foi transmitida pelos discípulos do Senhor, embora não usassem esta expressão. Assim fomos também instruídos pelos Santos Padres. Em particular, Santo Atanásio, nosso pai na fé, de ilustre memória, na terceira parte do livro que escreveu sobre a santa e consubstancial Trindade, dá frequentemente à virgem Santíssima o título de Mãe de Deus.

Vejo-me obrigado a citar aqui suas palavras, que têm o seguinte teor: “a Sagrada Escritura, como tantas vezes fizemos notar, tem por finalidade e característica afirmar de Cristo Salvador estas duas coisas: que ele é Deus e nunca deixou de o ser, visto que é o Verbo do Pai, seu esplendor e sabedoria; e também que nestes últimos tempos, por causa de nós, se fez homem, assumindo um corpo da virgem Maria, Mãe de Deus”.

E continua mais adiante: “Houve muitos que já nasceram santos e livres de todo pecado. Por exemplo: Jeremias foi santificado desde o seio materno; também João, antes de ser dado à luz, exultou de alegria ao ouvir a voz de Maria, Mãe de Deus”. Estas palavras são de um homem inteiramente digno de lhe darmos crédito, sem receio, e a quem podemos seguir com toda segurança. Com efeito, ele jamais pronunciou uma só palavra que fosse contrária às Sagradas Escrituras.

De fato, a Escritura, verdadeiramente inspirada por Deus, afirma que o Verbo de Deus se fez carne, quer dizer, uniu-se à carne dotada de alma racional. Portanto, o Verbo de Deus assumiu a descendência de Abraão e, formando para si um corpo vindo de uma mulher, tornou-se participante da carne e do sangue. Assim, já não é somente Deus mas homem também, semelhante a nós, em virtude da sua união com a nossa natureza.

Por conseguinte, o Emanuel, Deus-conosco, possui duas realidades, isto é, a divindade e a humanidade. Todavia, é um só o Senhor Jesus Cristo, único e verdadeiro Filho por natureza, ainda que ao mesmo tempo Deus e homem. Não é apenas um homem divinizado, igual àqueles que pela graça se tornam participantes da natureza divina; mas é verdadeiro Deus, que para nossa salvação, se tornou visível em forma humana, conforme Paulo testemunha com as seguintes palavras: Quando se completou o tempo previsto, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher, nascido sujeito à Lei, a fim de resgatar os que estavam sujeitos à Lei e para que todos recebêssemos a filiação adotiva (Gl 4,4-5).

-- Das Cartas de São Cirilo de Alexandria, século IV

26 de jun. de 2011

O amor e os ciúmes no casamento

* segunda parte do capítulo 38, do livro Filotéia

Conservai pois, ó maridos, um terno, constante e cordial amor a vossas mulheres: por isto foi a mulher tirada do lado mais chegado ao coração do primeiro homem, para que fosse amada por ele cordial e ternamente. As fraquezas e enfermidades de vossas mulheres, quer do corpo, quer do espirito, não devem provocar-vos a nenhuma espécie de desdém, mas antes a uma doce e amorosa compaixão, pois Deus criou-as assim para que, dependendo de vós, vos honrem e vos respeitem mais, e de tal modo as tenhais por companheiras que contudo sejais os chefes e superiores res.

As bodas de Caná, de Jan Vermeyen
E vós, ó mulheres, amai ternamente. cordialmente, mas com um amor respeitoso e cheio de reverência, os maridos que Deus vos deu: porque realmente por isso os criou Deus de um sexo mais vigoroso e predominante. e quis que a mulher fosse uma dependência do homem, e osso dos seus ossos, e carne da sua carne, e que ela fosse produzida por uma costela deste, tirada debaixo dos seus braços, para mostrar que ela deve estar debaixo da mão e govêrno do marido; e toda a Escritura Santa vos recomenda severamente esta sujeição, que aliás a mesma Escritura vos faz doce e suave, não sómente querendo que vos acomodeis a ela com amor, mas ordenando a vossos maridos que a exerçam com grande afeto, ternura e suavidade. Maridos, diz São Pedro, portai-vos discretamente com vossas mulheres, como com um vaso mais frágil, honrando-as.

Mas assim como vos exorto a afervorar cada vez mais este recíproco amor que vos deveis, estai alerta para que não se converta em nenhuma espécie de ciúme: porque acontece muitas vêzes que, como o verme se cria na maçã mais delicada e madura, também o ciúme nasce no amor mais ardente e afetuoso dos casados, cuja substância aliás estraga e corrompe: porque pouco a pouco acarreta os desgostos, desavenças e divórcios. Por certo que o ciúme nunca chega aonde a amizade está de parte a parte fundada na verdadeira virtude: e eis a razão por que ela é um sinal indubitável de um amor sensual, grosseiro, e que se dirigiu a objeto em que encontrou uma virtude defeituosa, inconstante e exposta a desconfianças. É pois uma pretensão tola querer dar a entender com os zelos a grandeza da amizade: porque o ciúme na verdade é um sinal da magnitude e corpolência da amizade, mas não da sua bondade, pureza e perfeição; pois que a perfeição da amizade pressupõe a firmeza da virtude da coisa que se ama, e o ciúme pressupõe a incerteza.

Se quereis, maridos, que as vossas mulheres vos sejam fiéis, ensinai-lhes a lição com o vosso exemplo: Com que cara, diz S. Gregório Nazianzeno, quereis exigir honestidade de vossas mulheres, se vós próprios viveis na desonestidade? Como lhes pedis o que não lhes daís? Quereís que elas sejam castas? Vivei castamente com elas, e como diz São Paulo, saiba cada um possuir o seu vaso em santiticação. Mas, se pelo contrário vós mesmos lhes ensinais as dissoluçöes, não é de admirar que sofrais a desonra da sua perda.

Mas vós, Ó mulheres, cuja honra está inseparàvelmente aliada com a pureza e honestidade, conservai zelosamente a vossa glória, e não permitais que nenhuma espécie de dissolucão empane a brancura da vossa reputação. Temei toda a sorte de ataques, por pequenos que sejam: nunca permítais que andem em volta de vós os galanteios. Todo aquele que vem elogiar a vossa formosura e a vossa graça deve ser-vos suspeito. Porque quem gaba uma mercadoria que não pode comprar, ordinariamente é muito tentado a roubá-la. Mas se ao vosso elogio alguém adicionar o desprezo de vosso marido. ofende-vos sobremaneira, porque a coisa é clara, que não somente quer perder-vos, mas já vos tem na conta de meio perdida, pois que metade do contrato é feito com o segundo comprador, quando se está desgostoso do primeiro.

As senhoras, tanto antigas como modernas, acostumaram-se a levar pendentes das orelhas muitas pérolas, pelo prazer, diz Plinio, que têm em as ouvir tílintar e chocalhar, tocando umas nas outras. Mas quanto a mim, sei que o grande amigo de Deus, Isaac, enviou à casta Rebeca pendentes de orelhas como os primeiros penhôres do seu amor: eu creio que este ornamento místico significa que a primeira coisa que um marido deve ter de uma mulher, e que a mulher lhe deve fielmente guardar, é a orelha, para que nenhuma linguagem ou ruido possa ai entrar, senão o doce e amigável gorjeio das palavras castas e pudicas, que são as pérolas orientais do Evangelho. Porque é preciso lembrar-se sempre de que as almas se envenenam pelo ouvido, como o corpo pela bôca.

O amor e a fidelidade juntas trazem sempre consigo a familiaridade e confiança: é por isso que os Santos e as Santas usaram de muitas carícias reciprocas em seu matrimônio, carícias verdadeiramente amorosas, mas castas; ternas, mas sinceras. Assim Isaac e Rebeca, o casal mais casto dos casados do tempo antigo, foram vistos à janela a acariciar-se de tal sorte que, embora nada nisso houvesse de desonesto, Abimelec conheceu bem que êles não podiam ser senão marido e mulher. O grande São Luis, tão rigoroso com a sua carne, como terno no amor a sua mulher. foi quase censurado de ser pródigo em.tais carícias: embora na verdade antes merecesse elogio por saber despojar-se do seu espirito marcial e corajoso para praticar estas ligeiras obrigações necessárias para a conservação do amor conjugal; porque ainda que estas pequenas mortíficações de pura e franca amizade não prendam os corações, contudo aproximam-nos, e servem de agradável isca para a mútua conversação.

-- Do livro Filotéia, de São Francisco de Sales (século XVI)

22 de jun. de 2011

Ó precioso e admirável banquete!



A Última Ceia, Tintoretto - Igreja San Giorgio Maggiore, Veneza
 
O unigênito Filho de Deus, querendo fazer-nos participantes da sua divindade,assumiu nossa natureza, para que, feito homem, dos homens fizesse deuses.

Assim, tudo quanto assumiu da nossa natureza humana, empregou-o para nossa salvação. Seu corpo, por exemplo, ele o ofereceu a Deus Pai como sacrifício no altar da cruz, para nossa reconciliação; seu sangue, ele o derramou ao mesmo tempo como preço do nosso resgate e purificação de todos os nossos pecados.

Mas, a fim de que permanecesse para sempre entre nós o memorial de tão imenso benefício, ele deixou aos fiéis, sob as aparências do pão e do vinho, o seu corpo como alimento e o seu sangue como bebida.

Ó precioso e admirável banquete, fonte de salvação e repleto de toda suavidade! Que há de mais precioso que este banquete? Nele, já não é mais a carne de novilhos e cabritos que nos é dada a comer, como na antiga Lei, mas é o próprio Cristo, verdadeiro Deus, que se nos dá em alimento. Poderia haver algo de mais admirável que este sacramento?

De fato,nenhum outro sacramento é mais salutar do que este;nele os pecados são destruídos,crescem as virtudes e a alma é plenamente saciada de todos os dons espirituais.

É oferecido na Igreja pelos vivos e pelos mortos, para que aproveite a todos o que foi instituído para a salvação de todos.

Ninguém seria capaz de expressar a suavidade deste sacramento; nele se pode saborear a doçura espiritual em sua própria fonte; e torna-se presente a memória daquele imenso e inefável amor que Cristo demonstrou para conosco em sua Paixão.

Enfim, para que a imensidade deste amor ficasse mais profundamente gravada nos corações dos fiéis, Cristo instituiu este sacramento durante a última Ceia, quando, ao celebrar a Páscoa com seus discípulos, estava prestes a passar deste mundo para o Pai. A Eucaristia é o memorial perene da sua Paixão, o cumprimento perfeito das figuras da Antiga Aliança e o maior de todos os milagres que Cristo realizou. É ainda singular conforto que ele deixou para os que se entristecem com sua ausência.

-- Das Obras de Santo Tomás de Aquino, presbítero (século XIII)

O casamento é um grande sacramento

 
As Bodas de Cana.
* Primeira parte do livro Filotéia, capítulo 38
O casamento é um grande sacramento, eu digo, em Jesus Cristo e na sua lgreja. É honroso para todos, em todos, e em tudo, isto é, em todas as suas partes. Para todos: porque as próprias virgens o devem honrar com humildade. Em todos: porque é tão santo entre os pobres como entre os ricos. Em tudo porque a sua origem, o seu fim, as suas vantagens, a sua forma e matéria são santas. É o viveiro do Cristianismo, que enche a terra de fiéis, para tornar completo no céu o número dos eleitos, de sorte que a conservação do bem do casamento é sobremaneira útil para a republica; porque é a raiz e o manancial de todos os seus arroios.

Prouvera a Deus que o seu Filho muito amado fosse chamado para todas as bodas como o foi para as de Caná; nunca faltaria lá o vinho das consolações e das bençãos: porque se não as há senão um pouco ao princípio, é porque, em vez de Nosso Senhor, se fez vir a elas Adônis e, em lugar de Nossa Senhora, se faz vir a Vénus. Quem quer ter cordeirinhos bonitos e malhados, como Jacó, precisa como ele de apresentar as ovelhas quando se juntam para conceber umas lindas varinhas de diversas cores; e quem quer ser bem sucedido no casamento. deveria em suas bodas representar a si mesmo a santidade e dignidade deste Sacramento; mas em lugar disso dão-se ai mil abusos e excessos em passatempos, festins e palavras. Não é pois de admirar que os efeitos sejam desordenados.

Exorto sobretudo os casados ao amor reciproco que o Espirito Santo tanto lhes recomenda na Sagrada Escritura: ó casados, não se deve dizer: amai-vos um ao outro com o amor natural, porque os casais de rolas fazem isto muito bem; nem se deve dizer: amai-vos com amor humano, porque também os pagãos praticaram esse amor; mas digo·vos, encostado ao grande Apóstolo: Maridos, amai as vossas mulheres, como Jesus Cristo ama a sua lgreja; ó mulheres, amai os vossos maridos, como a lgreja ama o seu Salvador. Foi Deus quem levou Eva a nosso primeiro pai Adão, e lha deu por mulher; foi tambem Deus, meus amigos, que com a sua mão invisível fez o nó do sagrado laço do vosso matrimônio, e que vos deu uns nos uutros: por que não haveis então de amar—vos com amor todo santo, todo sagrado, todo divino?

O primeiro efeito deste amor é a união indissolúvel dos vossos corações. Se se grudam duas peças de pinho, uma vez que a cola seja fina, a união fica tão forte, que será mais fácil quebrar as peças noutros pontos do que na junção; mas Deus junta o marido e a mulher em seu próprio sangue: e por isso é que esta união é tão forte que antes se deve separar a alma do corpo de um e de outro do que separar-se o marido da mulher. Ora esta união não se entende principalmente do corpo, mas sim do coração, do afeto e do amor.

O segundo efeito deste amor deve ser a fidelidade inviolável de um ao outro: antigamente gravavam-se os selos nos anéis que se traziam nos dedos, como a própria santa Escritura testifica. Aqui esta o segredo da cerimônia que se faz nas bodas: a Igreja pela mão do sacerdote benze um anel, e dando-o primeiramente ao homem, dá a entender que sela e cerra o seu coração por este Sacramento, para que nunca mais nem o nome, nem o amor de qualquer outra mulher possa nesse coração entrar, enquanto viver aquela que lhe foi dada: depois o esposo coloca o anel na mão da própria esposa, para que ela reciprocamente saiba que nunca o seu coração deve conceber afeto por qualquer outro homem, enquanto viver sobre a terra aquéle, que Nosso Scnhor acaba de Ihe dar.

O terceiro fruto do casamento é a geração e a legitima criação e educação dos filhos. Grande honra é esta para vós, ó casados, que Deus. querendo multiplicar as almas que possam bendize-l`O e louva-l‘O por toda a eternidade, vos torna cooperadores de obra tão digna, por meio da produção dos corpos, em que Ele reparte, como gotas celestes, as almas, criando-as e infundindo-as nos corpos.

-- Do livro Filotéia, de São Francisco de Sales (século XVI)

21 de jun. de 2011

Manisfestemos a Cristo em nossas vidas

Tríptico de São Pedro de Verona, Fra Angelico.
Ao centro está Nossa Senhora, segurando o Menino Jesus.
Ao seu lado, São Domingos, São João Batista, São Pedro
de Verona e São Tomás de Aquino.
São três as coisas que manifestam e distinguem a vida cristã: a ação, a palavra e o pensamento. Das três, tem o primeiro lugar o pensamento. Em seguida, a palavra, que nos revela o pensamento concebido e impresso no espírito. Depois do pensamento e da palavra vem, na ordem, a ação, realizando por fatos o que o espírito pensou. Portanto, se alguma coisa na vida nos induz a agir ou a pensar ou a falar, é necessário que o nosso pensamento, a nossa palavra e a nossa ação sejam orientados para a regra divina daqueles nomes que descrevem a Cristo, de modo a nada pensarmos, nada dizermos e nada fazermos que se afaste do seu alto significado.

Então, o que terá de fazer aquele que se tornou digno do grande nome de Cristo, a não ser examinar diligentemente os próprios pensamentos, palavras e ações, julgando se cada um deles tende para Cristo ou se lhe são estranhos? De muitas maneiras operamos este magnífico discernimento. Tudo quanto fazemos, pensamos ou falamos com alguma perturbação, de nenhum modo está de acordo com Cristo, mas traz a marca e a figura do inimigo, que mistura a lama das perturbações à pérola da alma para deformar e apagar o
esplendor da jóia preciosa.

O que, porém, está livre e puro de toda afeição desordenada, relaciona-se como Autor e Príncipe da tranqüilidade, o Cristo. Quem dele bebe, como de fonte pura e não poluída, as suas idéias e os seus sentimentos, revelará em si a semelhança com o princípio e a origem, tal como a água na própria fonte é igual à que corre no límpido regato e à que brilha na jarra.

De fato, é uma só e mesma a pureza de Cristo e a que se encontra em nossos espíritos. Mas a pureza de Cristo brota da fonte, enquanto que a nossa dela flui e chega até nós, trazendo consigo a beleza dos pensamentos para a vida. Portanto, a coerência do homem interior e do exterior aparece harmoniosa, quando os pensamentos que provêm de Cristo guiam e movem a modéstia e a honestidade de nossa vida.

-- Do Tratado sobre a verdadeira imagem do cristão, de São Gregório de Nissa, bispo (século IV)

20 de jun. de 2011

O cristão, o outro Cristo

Paulo sabe quem é Cristo, mais acuradamente do que todos. Com efeito, por suas atitudes mostrou como deve ser quem recebe o nome do Senhor, porque o imitou tão exatamente que revelou em si mesmo o próprio Senhor. Por tal imitação cheia de amor, transferiu seu espírito para o Exemplo, de modo que não mais parecia ser Paulo e sim Cristo, como ele mesmo bem o diz, reconhecendo a graça em si: Quereis uma prova daquele que em mim fala, o Cristo. E mais: Vivo eu, já não eu, mas é Cristo quem vive em mim.

Manifestou então para nós que força possui este nome de Cristo, ao dizer que Cristo é a Virtude de Deus, a Sabedoria de Deus e deu-lhe os nomes de Paz, Luz inacessível onde Deus habita, Expiação, Redenção, máximo Sacerdote e Páscoa, Propiciação pelas almas, Esplendor da glória e Figura de sua substância, Criador dos séculos, Alimento e Bebida espirituais, Pedra e Água, Fundamento da fé e Pedra angular, Imagem do Deus invisível, grande Deus, Cabeça do Corpo da Igreja, Primogênito da nova criação, Primícias dos que adormeceram, Primogênito entre os mortos, Primogênito entre muitos irmãos, Mediador entre Deus e os homens, Filho unigênito coroado de glória e de honra, Senhor da glória, Princípio das coisas e Rei da justiça, e ainda de Rei da paz, Rei de tudo, Possuidor do domínio sobre o reino que não tem limites.

Com esses e outros nomes do mesmo gênero designou o Cristo, nomes tão numerosos que não se pode contá-los com facilidade. Se forem combinadas e enfeixadas as significações de cada um, eles nos mostrarão o admirável valor e majestade deste nome, Cristo, que é impossível de traduzir-se por palavras, mas pode ser demonstrado, na medida em que conseguimos entendê-lo com nosso espírito.

Por ter a bondade de nosso Senhor nos concedido o primeiro, o maior e o mais divino de todos os nomes, o nome de Cristo, nós somos chamados “cristãos”. É necessário, então, que se vejam expressos em nós todos os outros nomes que explicam o nome do Senhor, para não sermos falsamente ditos “cristãos”; mas o testemunhemos com nossa vida.

-- Do Tratado sobre a verdadeira imagem do cristão, de São Gregório de Nissa, bispo (século IV)

18 de jun. de 2011

O amor eterno de Deus por nós

Considera o amor eterno que Deus tem tido por nós. Antes da encarnação e da morte de Jesus Cristo, a Majestade divina te amava infinitamente e te predestina para o seu amor. Mas quando é que ele começou a te amar? Começou a fazê-lo quando começou a ser Deus. E quando começou a ser Deus? Nunca, porque sempre o foi sem começo nem fim; e seu amor por ti, que nunca teve começo, preparou-te desde todo a eternidade às graças e favores que tens recebido.

Diz éle à nós todos pelo profeta Jeremias: com um amor perpétuo eu tenho te amado e te atrai a mim, tendo misericórdia de ti. Ele o diz a ti, como a todos os outros; deves, pois, ao seu amor todas as boas resoluções que tens tomado.

Ó Deus, quão preciosos devem ser essas resoluções que desde toda a eternidade a divina Sabedoria e Bondade tinha em vista! Quão caras e preciosas devem elas ser para nós! Que não deveríamos sofrer antos que perdê-las, embora todo o mundo tivesse que perecer! Porque todo o mundo junto não vale uma alma e uma alma não vale nada sem estas resoluções.

-- Do Livro Filotélia (Introdução a Vida Devota), de São Francisco de Sales (século XVI)

17 de jun. de 2011

Luz, esplendor e graça na Trindade e da Trindade

Adoração da Santíssima Trindade, de Albrecth Durer, 1511,
Painel à óleo, Viena, Kunshistorisches Museum
Não devemos perder de vista a tradição, a doutrina e a fé da Igreja Católica, tal como o Senhor ensinou, tal como os apóstolos pregaram e os Santos Padres transmitiram. De fato, a tradição constitui o alicerce da igreja, e todo aquele que dela se afasta deixa de ser cristão e não merece mais usar este nome.

Ora, a nossa fé é esta: cremos na Trindade Santa e perfeita, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela não há mistura alguma de elemento estranho; não se compõe de Criador e criatura; mas toda ela é potência e força operativa; uma só é a sua natureza, uma só é a sua eficiência e ação. O Pai cria todas as coisas por meio do Verbo, no Espírito Santo; e deste modo, se afirma a unidade da Santíssima Trindade. Por isso, proclama-se na Igreja um só Deus, que reina sobre tudo, age em tudo e permanece em todas as coisas (cf. Ef 4,6). Reina sobre tudo como Pai, princípio e origem; age em tudo, isto é, por meio do Verbo; e permanece em todas as coisas no Espírito Santo.

São Paulo, escrevendo aos coríntios acerca dos dons espirituais, tudo refere a Deus Pai como princípio de todas as coisas, dizendo: Há diversidade de dons, mas um mesmo é o Espírito. Há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor. Há diferentes atividades, mas um mesmo Deus que realiza todas as coisas em todos (lCor 12,4-6 ).

Os dons que o Espírito distribui a cada um vem do Pai por meio do Verbo. De fato, tudo o que é do Pai é do Filho; por conseguinte, as graças concedidas pelo Filho, no Espírito Santo, são dons do Pai. Igualmente, quando o Espírito está em nós, está em nós o Verbo, de quem recebemos o Espírito; e, como o Verbo, está também o Pai. Assim se cumpre o que diz a Escritura: Eu e o Pai viremos a Ele e nele faremos a nossa morada (Jo 14,23). Pois onde está a luz, aí também está o esplendor da luz; e onde está o esplendor, aí também está a sua graça eficiente e esplendorosa.

São Paulo nos ensina tudo isto na segunda Carta aos coríntios, com as seguintes palavras: A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós (2Cor 13,13). Com efeito, toda a graça que nos é dada em nome da Santíssima Trindade, vem do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. Assim como toda a graça nos vem do Pai por meio do Filho, assim também não podemos receber nenhuma graça senão do Espírito Santo. Realmente, participantes do Espírito Santo, possuímos o amor do Pai, a graça do Filho e a comunhão do mesmo Espírito.

-- Das Cartas de Santo Atanásio, bispo (século IV)

16 de jun. de 2011

Jesus, revelador do Pai

O escudo de armas do Vaticano é composto pelas
chaves de São Pedro, que abrem as portas do céu,
a tiara e coroa papal, símbolo do governo da Igreja.
 
Na base de toda a reflexão feita pela Igreja, está a consciência de ser depositária duma mensagem, que tem a sua origem no próprio Deus (cf. 2 Cor 4, 1-2). O conhecimento que ela propõe ao homem, não provém de uma reflexão sua, nem sequer da mais alta, mas de ter acolhido na fé a palavra de Deus (cf. 1 Tes 2, 13). Na origem do nosso ser crentes existe um encontro, único no seu género, que assinala a abertura de um mistério escondido durante tantos séculos (cf. 1 Cor 2, 7; Rom 16, 25-26), mas agora revelado: Aprouve a Deus, na sua bondade e sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf. Ef 1, 9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado, têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza divina. Trata-se de uma iniciativa completamente gratuita, que parte de Deus e vem ao encontro da humanidade para a salvar. Enquanto fonte de amor, Deus deseja dar-Se a conhecer, e o conhecimento que o homem adquire d'Ele leva à plenitude qualquer outro conhecimento verdadeiro que a sua mente seja capaz de alcançar sobre o sentido da própria existência.

 Retomando quase literalmente a doutrina presente na constituição Dei Filius do Concílio Vaticano I e tendo em conta os princípios propostos pelo Concílio de Trento, a constituição Dei Verbum do Vaticano II continuou aquele caminho plurissecular de compreensão da fé, reflectindo sobre a Revelação à luz da doutrina bíblica e de toda a tradição patrística. No primeiro Concílio do Vaticano, os Padres tinham sublinhado o carácter sobrenatural da revelação de Deus. A crítica racionalista que então se fazia sentir contra a fé, baseada em teses erradas mas muito difusas, insistia sobre a negação de qualquer conhecimento que não fosse fruto das capacidades naturais da razão. Isto obrigara o Concílio a reafirmar vigorosamente que, além do conhecimento da razão humana, por sua natureza, capaz de chegar ao Criador, existe um conhecimento que é peculiar da fé. Este conhecimento exprime uma verdade que se funda precisamente no facto de Deus que Se revela, e é uma verdade certíssima porque Deus não Se engana nem quer enganar.

Por isso, o Concílio Vaticano I ensina que a verdade alcançada pela via da reflexão filosófica e a verdade da Revelação não se confundem, nem uma torna a outra supérflua: existem duas ordens de conhecimento, diversas não apenas pelo seu princípio, mas também pelo objecto. Pelo seu princípio, porque, se num conhecemos pela razão natural, no outro fazêmo-lo por meio da fé divina; pelo objecto, porque, além das verdades que a razão natural pode compreender, é-nos proposto ver os mistérios escondidos em Deus, que só podem ser conhecidos se nos forem revelados do Alto. A fé, que se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da graça, pertence efectivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do conhecimento filosófico. De facto, este assenta sobre a percepção dos sentidos, sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto. A filosofia e as ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a plenitude de graça e de verdade » (cf. Jo 1, 14) que Deus quis revelar na história, de maneira definitiva, por meio do seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo 5, 9; Jo 5, 31-32).

No Concílio Vaticano II, os Padres, fixando a atenção sobre Jesus revelador, ilustraram o carácter salvífico da revelação de Deus na história e exprimiram a sua natureza do seguinte modo: em virtude desta revelação, Deus invisível (cf. Col 1, 15; 1 Tim 1, 17), na riqueza do seu amor, fala aos homens como amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15, 14-15) e convive com eles (cf. Bar 3, 38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta economia da Revelação realiza-se por meio de ações e palavras intimamente relacionadas entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério nelas contido. Porém, a verdade profunda tanto a respeito de Deus como a respeito da salvação dos homens manifesta-se-nos, por esta Revelação, em Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude de toda a revelação.

Assim, a revelação de Deus entrou no tempo e na história. Mais, a encarnação de Jesus Cristo realiza-se na plenitude dos tempos (Gal 4, 4). À distância de dois mil anos deste acontecimento, sinto o dever de reafirmar intensamente que, no cristianismo, o tempo tem uma importância fundamental. Com efeito, é nele que tem lugar toda a obra da criação e da salvação, e sobretudo merece destaque o fato de que, com a encarnação do Filho de Deus, vivemos e antecipamos desde já aquilo que se seguirá ao fim dos tempos (cf. Heb 1, 2).

A verdade que Deus confiou ao homem a respeito de Si mesmo e da sua vida insere-se, portanto, no tempo e na história. Sem dúvida, aquela foi pronunciada uma vez por todas no mistério de Jesus de Nazaré. Afirma-o, com palavras muito expressivas, a constituição Dei Verbum: depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos Deus nestes nossos dias, que são os últimos, através de seu Filho (Heb 1, 1-2). Com efeito, enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina todos os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima de Deus (cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado como homem para os homens, "fala, portanto, as palavras de Deus" (Jo 3, 34) e consuma a obra de salvação que o Pai Lhe mandou realizar (cf. Jo 5, 36; 17, 4). Por isso, Ele — vê-l'O a Ele é ver o Pai (cf. Jo 14, 9) —, com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição, e enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho divino a Revelação.

Assim, a história constitui um caminho que o Povo de Deus há-de percorrer inteiramente, de tal modo que a verdade revelada possa exprimir em plenitude os seus conteúdos, graças à acção incessante do Espírito Santo (cf. Jo 16, 13). Ensina-o também a constituição Dei Verbum, quando afirma que a Igreja, no decurso dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus.

A história torna-se, assim, o lugar onde podemos constatar a ação de Deus em favor da humanidade. Ele vem ter conosco, servindo-Se daquilo que nos é mais familiar e mais fácil de verificar, ou seja, o nosso contexto quotidiano, fora do qual não conseguiríamos entender-nos.

A encarnação do Filho de Deus permite ver realizada uma síntese definitiva que a mente humana, por si mesma, nem sequer poderia imaginar: o Eterno entra no tempo, o Tudo esconde-se no fragmento, Deus assume o rosto do homem. Deste modo, a verdade expressa na revelação de Cristo deixou de estar circunscrita a um restrito âmbito territorial e cultural, abrindo-se a todo o homem e mulher que a queira acolher como palavra definitivamente válida para dar sentido à existência. Agora todos têm acesso ao Pai, em Cristo; de fato, com a sua morte e ressurreição, Ele concedeu-nos a vida divina que o primeiro Adão tinha rejeitado (cf. Rom 5, 12-15). Com esta Revelação, é oferecida ao homem a verdade última a respeito da própria vida e do destino da história: Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente, afirma a constituição Gaudium et spes. Fora desta perspectiva, o mistério da existência pessoal permanece um enigma insolúvel. Onde poderia o homem procurar resposta para questões tão dramáticas como a dor, o sofrimento do inocente e a morte, a não ser na luz que dimana do mistério da paixão, morte e ressurreição de Cristo?

-- Da Carta Encíclica Fides et Ratio do Beato João Paulo II, em 14 de Setembro de 1998

15 de jun. de 2011

Cristo que a misericórdia

Deus entregou seu Filho, e tu nem sequer dás pão àquele que por ti foi entregue e morto.

O Pai, por teu amor, não poupou seu verdadeiro Filho; tu, ao contrário, vendo-o desfalecer de fome, não o socorres, mas te aproprias do que é dele só para teu próprio benefício.

Haverá maior iniqüidade? Por tua causa foi entregue, por tua causa morreu, por tua causa anda faminto. O que tu deres é dele e para teu lucro, mas nem assim lhe dás nada.

Não serão mais insensíveis que as pedras aqueles que, apossando-se de tantas coisas, permanecem na sua diabólica desumanidade? Não bastou Cristo sofrer a cruz e a morte, mas quis também ser pobre e peregrino, errante e nu, ser lançado na prisão e suportar o cansaço, tudo isso para te chamar.

Se não retribuis o que sofri por ti, compadece-te ao menos da minha pobreza. Se não queres compadecer-te da pobreza, comovam-te ao menos meus sofrimentos ou a prisão. Se nem estas coisas te inspiram sentimentos de humanidade, atende à insignificância do meu pedido. Não te peço nada de suntuoso, mas pão, teto e uma palavra de conforto.

Se depois disto permaneceres ainda flexível, decide tornar-te melhor ao menos por causa do reino dos céus, ao menos por causa do que prometi. Mas nenhuma destas coisas te convence?

Se te comoveres naturalmente ao ver um nu, lembra-te da nudez que sofri na cruz por tua causa. Se não aceitares aquele motivo, aceita pelo menos este: ainda estou pobre e nu.

Estive outrora preso por tua causa, e agora de novo, para que, movido por aqueles e estes grilhões tenhas por mim algum sentimento de compaixão. Jejuei por causa de ti e ainda passo fome por tua causa: tive sede quando estava suspenso na cruz e ainda tenho sede na pessoa dos pobres; a fim de que esta ou aquela razão possam atrair-te a mim e tornar-te misericordioso para tua salvação.

Rogo-te, pois, cumulado que foste por mil benefícios, que por tua vez me pagues. Não exijo como de um devedor, mas quero recompensar-te como a um doador. Pelo pouco que me deres te darei o reino.

Não te peço: “Põe fim à minha pobreza”; nem “Cumule-me de riquezas, embora seja por ti que esteja pobre”. Só te peço pão, roupa e esmola.

Se fui lançado na prisão, não te obrigo a me libertares e retirar-me as algemas. Peço somente que venhas visitar o que está preso por tua causa. Isto será bastante para que eu te dê o céu. Embora eu te haja libertado de pesadíssimos grilhões, dar-me-ei por satisfeito se vieres visitar-me em minha prisão.

Na realidade eu poderia, mesmo sem nada disso, dar-te o prêmio; mas quero ser teu devedor para que, com a coroa, te seja dado também meu afeto.

-- Das Homílias sobre a Carta aos Romanos, de São João Crisóstomo, bispo (século IV)
 

14 de jun. de 2011

Cristo, rei e sacerdote para sempre

Nosso Salvador tornou-se, segundo a carne, verdadeiro Cristo, por ser verdadeiro rei e verdadeiro sacerdote. Ele é ambas as coisas, para que não viesse a faltar algo ao Salvador. Ouvi como é rei: Eu, porém, fui por ele constituído rei sobre Sião, seu santo monte (Sl 2,6). Ouvi como também é sacerdote, pelo testemunho do Pai: Tu és sacerdote eternamente, segundo a ordem de Melquisedec (Sl 109,4; Hb 5,6).  O primeiro na lei a tornar-se sacerdote pela unção do crisma foi Aarão. Contudo não se diz: “segundo a ordem de Aarão”, para que não se julgasse provir de sucessão o sacerdócio do Salvador. Com efeito, o sacerdócio de Aarão mantinha-se pela sucessão. O sacerdócio do Salvador, porém, não passa a outro por sucessão porque ele é o sacerdote que permanece para sempre, conforme o que está escrito: Tu és sacerdote, segundo a ordem de Melquisedec.

Portanto o Salvador, segundo a carne, é rei e sacerdote ao mesmo tempo. Não foi ungido rei e sacerdote corporal mas espiritualmente. Entre os israelitas, os reis e sacerdotes, ungidos corporalmente com a unção do óleo, eram ou reis ou sacerdotes. Não ambos em um só: mas um era rei e outro, sacerdote. Unicamente a Cristo se devia a perfeição e plenitude de ambos, a ele que viera consumar a lei.

Embora não possuísse cada um deles as duas regalias ao mesmo tempo, por serem ungidos corporalmente com o óleo real ou o óleo sacerdotal, ambos eram chamados cristos. O Salvador, porém, o verdadeiro Cristo, foi ungido pelo Espírito Santo, a fim de cumprir-se o que dele se escreveu: Por isso Deus, o teu Deus, te ungiu com o óleo da alegria de preferência a teus companheiros (Hb 1,9). Foi ungido mais que os companheiros de seu nome, quando recebeu o óleo da alegria, que outro não é senão o Espírito Santo.

Sabemos que isto é verdade pelo próprio Salvador. De fato, quando tomou e abriu o livro de Isaías, leu: O Espírito do Senhor está sobre mim porque me ungiu (Lc 4,19) declarou estar-se realizando esta profecia ali aos ouvidos dos presentes. Pedro, o príncipe dos apóstolos, também afirma ser o próprio Espírito Santo aquele crisma com que é ungido o Salvador, quando, nos Atos dos Apóstolos, fala ao fidelíssimo e misericordioso centurião. Entre outras coisas, ele diz: Começando da Galiléia depois do batismo, pregado por João, Jesus Nazareno, a quem Deus ungiu com o Espírito Santo e poder, passou fazendo portentos e maravilhas e libertando todos os possessos do demônio.

Prestai pois atenção! Diz Pedro que esse Jesus, segundo a humanidade, foi ungido pelo Espírito Santo e poder. Por isto, com toda a verdade esse Jesus, segundo a carne, é Cristo, pois pela unção do Espírito Santo foi feito rei e sacerdote para sempre.

-- Do Tratado sobre a Santíssima Trindade, de Faustino Luciferano, presbítero

13 de jun. de 2011

A palavra é viva quando as obras falam

Santo Antônio de Paula, frei franciscano, foi
professor de Teologia na Ordem.
Quem está repleto do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, a saber: a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência;falamos estas línguas quando os outros as vêem em nós mesmos. A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras. Por este motivo o Senhor nos amaldiçoa, como amaldiçoou a figueira em que não encontrara frutos, mas apenas folhas. Diz São Gregório: “Há uma lei para o pregador: que faça o que prega”. Em vão pregará o conhecimento da lei quem destrói a doutrina por suas obras.

Os apóstolos, entretanto, falavam conforme o Espírito Santo os inspirava (cf. At 2,4). Feliz de quem fala conforme o Espírito Santo lhe inspira e não conforme suas idéias! Pois há alguns que falam movidos pelo próprio espírito e, usando as palavras dos outros, apresentam-nas como suas, atribuindo-as a si mesmos. Destes e de outros semelhantes, diz o Senhor por meio do profeta Jeremias: Terão de se haver comigo os profetas que roubam um do outro as minhas palavras. Terão de se haver comigo os profetas, diz o Senhor, que usam suas línguas para proferir oráculos. Eis que terão de haver-se comigo os profetas que profetizam sonhos mentirosos, diz o Senhor, que os contam, e seduzem o meu povo com suas mentiras e seus enganos. Mas eu não os enviei, não lhes dei ordens, e não são de nenhuma utilidade para este povo – oráculo do Senhor (Jr 23,30-32).

Falemos, portanto, conforme a linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe humilde e devotamente que derrame sobre nós a sua graça, a fim de podermos celebrar o dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e na observância do decálogo. Que sejamos repletos de um profundo espírito de contrição e nos inflamemos com essas línguas de fogo que são os louvores divinos. Desse modo, ardentes e iluminados pelos esplendores da santidade, mereceremos ver o Deus Uno e Trino.

Quem está repleto do Espírito Santo fala várias línguas. As várias línguas são os vários testemunhos sobre Cristo, a saber: a humildade, a pobreza, a paciência e a obediência;falamos estas línguas quando os outros as vêem em nós mesmos. A palavra é viva quando são as obras que falam. Cessem, portanto, os discursos e falem as obras. Estamos saturados de palavras, mas vazios de obras. Por este motivo o Senhor nos amaldiçoa, como amaldiçoou a figueira em que não encontrara frutos, mas apenas

folhas. Diz São Gregório: “Há uma lei para o pregador: que faça o que prega”. Em vão pregará o conhecimento da lei quem destrói a doutrina por suas obras.

Os apóstolos, entretanto, falavam conforme o Espírito Santo os inspirava (cf. At 2,4). Feliz de quem fala conforme o Espírito Santo lhe inspira e não conforme suas idéias! Pois há alguns que falam movidos pelo próprio espírito e, usando as palavras dos outros, apresentam-nas como suas, atribuindo-as a si mesmos. Destes e de outros semelhantes, diz o Senhor por meio do profeta Jeremias: Terão de se haver comigo os profetas que roubam um do outro as minhas palavras. Terão de se haver comigo os profetas, diz o Senhor, que usam suas línguas para proferir oráculos. Eis que terão de haver-se comigo os profetas que profetizam sonhos mentirosos, diz o Senhor, que os contam, e seduzem o meu povo com suas mentiras e seus enganos. Mas eu não os enviei, não lhes dei ordens, e não são de nenhuma utilidade para este povo – oráculo do Senhor (Jr 23,30-32).

Falemos, portanto, conforme a linguagem que o Espírito Santo nos conceder; e peçamos-lhe humilde e devotamente que derrame sobre nós a sua graça, a fim de podermos celebrar o dia de Pentecostes com a perfeição dos cinco sentidos e na observância do decálogo. Que sejamos repletos de um profundo espírito de contrição e nos inflamemos com essas línguas de fogo que são os louvores divinos. Desse modo, ardentes e iluminados pelos esplendores da santidade, mereceremos ver o Deus Uno e Trino.

-- Dos Sermões de Santo Antônio de Pádua, presbítero (século XII)

Blog no celular e outras notícias

Caros leitores, algumas notícias importantes em relação a este blog:

- durante a semana passada adaptei a forma de visualização do blog para ser diferente quando acessado através de celulares;
- pela primeira vez o número de acessos ultrapassou 200 pessoas diariamente e sustentou-se neste nível;
- minha intenção é publicar uma versão traduzida da homília do Papa Bento XVI na solenidade de Pentecostes. Espero que hoje, durante o dia, o Vaticano publique a tradução oficial.

11 de jun. de 2011

A Divindade do Espírito Santo

Por que todo esse desvario? Em que lugar das Escrituras acharam a designação de anjo dada ao Espírito? Não é preciso que repita agora o que já disse alhures. Ele foi chamado Consolador, Espírito de filiação, Espírito de Deus, Espírito do Cristo. Em parte alguma, anjo, arcanjo, espírito ministrante - como o são os anjos; ao contrário, é ele mesmo ministrado por Gabriel, que disse a Maria: o Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com sua sombra (Lc 1,35). Se as Escrituras não chamam o Espírito um anjo, que excusa invocam aqueles tais para dizerem tal temeridade? Mesmo Valentim, que lhes inspirou a nefasta idéia, dava distintamente a um o nome de Paráclito e a outros o de anjos, ainda se atribuindo a todos a mesma "idade".

O sentido das palavras divinas refuta absolutamente a linguagem herética dos que desatinam contra o Espírito. Eles porém, sempre hostilizando a verdade, tiram - conforme dizes - não mais das Escrituras, onde nada achariam, mas de seu próprio coração, o que eructam dizendo: se o Espírito não é criatura, nem um dentre os anjos, mas procede do Pai, é então filho, e neste caso ele e o Verbo são irmãos. Mas se é irmão, como o Verbo é unigênito? e como não são iguais, pois um é designado após o Pai e outro após o Filho? Se o Espírito provém do Pai, como não é também engendrado, e Filho, mas simplesmente "Espírito Santo"? Enfim, se é o Espírito do Filho, ter-se-á que o Pai é avô do Espírito...

O Espírito é chamado vivificante, pois a Escritura diz: Aquele que ressuscitou a Jesus Cristo dentre os mortos, vivificará também vossos corpos mortais por meio de seu Espírito, que habita em vós (Rm 8,11). O Senhor é a vida em si e "o autor da vida", conforme Pedro (At 3,15); ora, o mesmo Senhor dizia: a água que eu darei ao fiel se tornará nele uma fonte de água que jorra para a vida eterna, e ele dizia isto do Espírito, que deveriam receber os que crêem nele (Jo 7,39). As criaturas são vivificadas pelo Espírito; como então se aparentam a Ele, que não tem a vida por participação, mas é fonte de participação e vivifica as criaturas? Como poderia ser do número das criaturas, vivificadas nele pelo Verbo?

É também por meio do Espírito que nós participamos de Deus. Por isto diz s. Paulo: "não sabeis que sois  templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo' de Deus, Deus o destruirá; pois templo de Deus, que sois vós, é santo (1Cor 3,16). Se o Espírito fosse criatura, nós não teríamos, por meio dele, participação de Deus, estaríamos sempre associados à criatura, sempre estranhos à natureza divina, não participando dela em nada. Mas, se somos ditos participantes do Cristo e participantes de Deus, tem-se que a unção, o sigilo, que está em nós, não é de natureza criada, é da natureza do Filho, o qual, por meio do Espírito que nele está, nos une ao Pai. Foi o que João ensinou, já o dissemos, ao escrever: Sabemos que permanecemos em Deus e ele permanece em nós, pois nos deu de seu Espírito (1Jo 4,13). Ora, se pela participação do Espírito nós nos tornamos participantes da natureza divina, insensato será dizer que o Espírito pertence à natureza criada e não à de Deus.

-- De Santo Atanásio, carta Sobre a Divindade do Espírito Santo (século IV)

-- Texto completo da carta

10 de jun. de 2011

Homilia na Solenidade de Pentecostes

Queridos irmãos e irmãs!

No dia de Pentecostes o Espírito Santo desceu com poder sobre os Apóstolos; teve assim início a missão da Igreja no mundo. O próprio Jesus tinha preparado os Onze para esta missão aparecendo-lhes várias vezes depois da sua ressurreição (cf. At 1, 3). Antes da ascensão ao Céu, ordenou que não se afastassem de Jerusalém, mas que aguardassem que se cumprisse a promessa do Pai (cf. At 1, 4-5); isto é, pediu que permanecessem juntos para se prepararem para receber o dom do Espírito Santo. E eles reuniram-se em oração com Maria no Cenáculo à espera do acontecimento prometido (cf. At 1,14).

Permanecer juntos foi a condição exigida por Jesus para receber o dom do Espírito Santo; pressuposto da sua concórdia foi uma oração prolongada. Desta forma, encontramos delineada uma formidável lição para cada comunidade cristã. Por vezes pensa-se que a eficiência missionária dependa principalmente de uma programação atenta e da sucessiva inteligente realização mediante um empenho concreto. Sem dúvida, o Senhor pede a nossa colaboração, mas antes de qualquer resposta nossa é necessária a sua iniciativa: é o seu Espírito o verdadeiro protagonista da Igreja. As raízes do nosso ser e do nosso agir estão no silêncio sábio e providente de Deus.
Pentecostes (1320-25), de Giotto de Bondone, National
Gallery, Londres.

As imagens que São Lucas usa para indicar o irromper do Espírito Santo o vento e o fogo recordam o Sinai, onde Deus se tinha revelado ao povo de Israel e lhe tinha concedido a sua aliança (cf. Êx 19, 3ss). A festa do Sinai, que Israel celebrava cinquenta dias depois da Páscoa, era a festa do Pacto. Falando de línguas de fogo (cf. Ac 2, 3), São Lucas quer representar o Pentecostes como um novo Sinai, como a festa do novo Pacto, na qual a Aliança com Israel se alarga a todos os povos da Terra. A Igreja é católica e missionária desde a sua origem. A universalidade da salvação é significativamente evidenciada pelo elenco das numerosas etnias a que pertencem todos os que ouvem o primeiro anúncio dos Apóstolos (cf. At 2, 9-11).

O Povo de Deus, que tinha encontrado no Sinai a sua primeira configuração, hoje é ampliado a ponto de não conhecer qualquer fronteira de raça, cultura, espaço ou tempo. Diferentemente do que tinha acontecido com a torre de Babel (cf. Jo 11, 1-9), quando os homens, intencionados a construir com as suas mãos um caminho para o céu, tinham acabado por destruir a sua própria capacidade de se compreenderem reciprocamente. No Pentecostes o Espírito, com o dom das línguas, mostra que a sua presença une e transforma a confusão em comunhão. O orgulho e o egoísmo do homem geram sempre divisões, erguem muros de indiferença, de ódio e de violência.

O Espírito Santo, ao contrário, torna os corações capazes de compreender as línguas de todos, porque restabelece a ponte da comunicação autêntica entre a Terra e o Céu. O Espírito Santo é Amor.

Mas como entrar no mistério do Espírito Santo, como compreender o segredo do Amor? A página evangélica conduz-nos hoje ao Cenáculo onde, tendo terminado a última Ceia, um sentido de desorientação entristece os Apóstolos. A razão é que as palavras de Jesus suscitam interrogativos preocupantes: Ele fala do ódio do mundo para com Ele e para com os seus, fala de uma sua misteriosa partida e há muitas outras coisas ainda para dizer, mas no momento os Apóstolos não são capazes de carrregar o seu peso (cf. Jo 16, 12). Para os confortar explica o significado do seu afastamento: irá mas voltará; entretanto não os abandonará, não os deixará órfãos. Enviará o Consolador, o Espírito do Pai, e será o Espírito que dará a conhecer que a obra de Cristo é obra de amor: amor d'Ele que se ofereceu, amor do Pai que o concedeu.

É este o mistério do Pentecostes: o Espírito Santo ilumina o espírito humano e, revelando Cristo crucificado e ressuscitado, indica o caminho para se tornar mais semelhantes a Ele, isto é, ser "expressão e instrumento do amor que d'Ele promana" (Deus caritas est 33). Reunida com Maria, como na sua origem, a Igreja hoje reza: Veni Sancte Spiritus! Vem, Espírito Santo, enche os corações dos teus fiéis e acende neles o fogo do teu amor!.

Amém.

-- Homília na Solenidade de Pentecostes, papa Bento XVI, em 4 de Junho de 2006.

9 de jun. de 2011

Se eu não for, o Espírito não virá a vós

Cristo tinha cumprido a sua missão sobre a terra, e para nós havia chegado o momento de entrarmos em comunhão com a natureza divina do Verbo. Era preciso que a nossa vida anterior fosse transformada em outra diferente, come­çando um novo estilo de vida em santidade. Ora, isto só podia ser realizado pela participação do Espírito Santo.

O tempo mais oportuno para o envio do Espírito Santo e sua descida sobre nós foi o que se seguiu à ascensão de Cristo nosso Salvador.

De fato, enquanto Cristo vivia visivelmente entre os seus fiéis, ele mesmo, segundo julgo, dispensava-lhes todos os bens. Mas quando chegou o momento estabelecido para subir ao Pai celeste, era necessário que ele continuasse presente no meio de seus fiéis por meio do Espírito e habitasse pela fé em nossos corações, a fim de que pudésse­mos clamar com toda confiança: Aba - ó Pai! (Rm 8,15). E ainda nos tornássemos capazes de progredir sem demora no caminho da perfeição, superando com fortaleza invencível as ciladas do demônio e as perseguições dos homens, graças à assistência do Espírito todo-poderoso.

Não é difícil demonstrar, com o testemunho das Escri­turas, tanto do Antigo como do Novo Testamento, que o Espírito transforma e comunica uma vida nova àqueles em quem habita.

O servo de Deus Samuel, dirigindo-se a Saul, diz: O Espírito do Senhor virá sobre ti e tu te tornaras outro homem (cf. ISm 10,6). E São Paulo afirma: Todos nós, porém, com o rosto descoberto, contemplamos e refletimos a glória do Senhor, e assim seremos transformados à sua imagem, pelo seu Espírito. Pois o Senhor é Espírito (2Cor 3,18.17).

Vês como o Espírito transforma noutra imagem aqueles em quem habita? Facilmente ele os faz passar do amor das coisas terrenas à esperança das realidades celestes, e do temor e da indecisão à firme e generosa fortaleza de alma. Foi o que sucedeu com os discípulos: animados e fortaleci­dos pelo espírito, nunca mais se deixaram intimidar pelos seus perseguidores, permanecendo inseparavelmente uni­dos e fiéis ao amor de Cristo.

É verdade, portanto, o que diz o Salvador: É bom para vós que eu volte para os céus (cf. Jo 16,7), porque tinha chegado o tempo de o Espírito Santo descer sobre eles.

-- Do Comentário sobre o Evangelho de João, de São Cirilo de Alexandria, bispo (século V)

8 de jun. de 2011

A missão do Espírito Santo na Igreja

Terminada na terra a obra que o Pai confiou ao Filho, O Espírito Santo foi enviado no dia de Pentecostes a fim do santificar continuamente a Igreja e, por Cristo, no único Espírito, terem os fiéis acesso junto ao Pai. Ele é o Espírito da vida, a fonte de água que jorra para a vida eterna. Por ele, o Pai dá vida aos homens mortos pelo pecado, até ressuscitar em Cristo seus corpos mortais.

O Espírito habita na Igreja e nos corações dos fiéis como em um templo. Neles ora e dá testemunho da adoção de filhos. Conduz a Igreja ao conhecimento da verdade total, unifica-a na comunhão e nos ministérios, ilumina-a com diversos dons carismáticos e hierárquicos e enriquece-a com seus frutos.

Pela força do evangelho, rejuvenesce a Igreja, renovan­do-a constantemente e a conduz à perfeita união com seu Esposo. Pois o Espírito e a Esposa dizem ao Senhor Jesus: "Vem!"

Assim se apresenta a Igreja inteira como um povo reunido pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

O conjunto dos fiéis, consagrado pela unção do Espírito Santo, não pode enganar-se na fé. Esta peculiaridade se exprime através do sentido sobrenatural da fé, quando na sua totalidade, a hierarquia e os fiéis leigos, manifestam um consenso universal em matéria de fé e costumes.

Com este senso de fé, formado e sustentado pelo Espí­rito da verdade, o povo de Deus, guiado pelo sagrado ma­gistério a que obedece com fidelidade, acolhe não mais como palavras dos homens, mas, na realidade, a palavra de Deus, e adere sem esmorecimento à fé que, uma vez para sempre, foi transmitida aos santos (Jd 3). Nela penetra sempre mais profundamente, com reto julgamento, e cada vez mais plenamente a põe em prática em sua vida.

Além disso, por meio dos sacramentos e ministérios, o Espírito Santo não apenas santifica e conduz o povo de Deus e o adorna com virtudes, mas ainda distribui a cada um seus dons conforme quer (1Cor 12,11), e concede também graças especiais aos fiéis de todas as condições. Torna-os assim aptos e disponíveis para assumir deveras obras ou funções, em vista de uma séria renovação e mais ampla edificação da Igreja, conforme foi dito: A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (ICor 12,5).

Estes carismas devem ser recebidos com ação de graças e consolação. Pois todos, desde os mais extraordinários aos mais simples e comuns, são perfeitamente apropriados e úteis às necessidades da Igreja.

-- Da Constituição dogmática Lumen gentium sobre a Igreja, do Concílio Vaticano II (século XX)

7 de jun. de 2011

Desígnio salvador de Deus

Deus, Senhor e Criador, que fez todas as coisas e as distinguiu segundo a sua ordem, não apenas demonstrou amar aos homens, também foi magnânimo com eles. Em verdade sempre foi assim, segue sendo e sempre será: benévolo, sem ira e verdadeiro: somente Ele é o verdadeiro bem. Havendo concebido um desígnio tão grande e inefável, comunicou-lhe somente ao seu Filho. Pois bem, enquanto sua vontade cheia de sabedoria mantinha-se em segredo,  parecia que Deus não se preocupava nem cuidava dos homens. Mas, depois que se revelou por meio de seu Filho amado e manifestou o que tinha preparado desde o princípio, nos deu tudo de uma vez, não apenas receber seus benefícios, mas também ouvir e compreender o que nenhum de nós jamais havia esperado.

A cruz circundada pela inscrição em latim: "In hoc signo vinces"
(Neste sinal serás vitorioso). Este símbolo foi utilizado por
 Constantino,  o primeiro imperador romano convertido ao
Cristianismo.
Assim, pois, tendo preparado tudo em si mesmo e com seu Filho, permitiu que nos guiássemos por nossos desordenados impulsos, sendo arrastados por prazeres e concupisciências. Não que tivesse, de alguma maneira, complacência com nossos pecados, porém lhes tolerava. Nem tão pouco aprovava aquele tempo de iniquidade, pois já ia preparando o tempo atual de justiça, para que, havendo nós caidos, convencidos por nossas próprias obras, envergonhados por nossas próprias obras de que somos indignos da vida, fomos feitos dignos da vida eterna pela bondade de Deus. Sendo patente que nós, por nossos méritos, não podemos entrar no Reino de Deus, Ele nos concede esta capacidade pelo poder deste mesmo Deus.
Quando nossa iniquidade chegou ao seu ápice e tornou-se plenamente manifesto que a paga que podíamos esperar era o castigo e a morte, chegou aquele momento que Deus havia disposto de antemão a partir do qual mostraria sua bondade e poder. Ó maravilhoso amor de Deus e benignidade para com os homens! Não nos odiou, não nos separou dEle, não guardou rancor, mas mostrou-se magnânimo, nos apoiou e compadecido carregou sobre si nossos próprios pecados. Ele mesmo entregou seu próprio Filho (Rm 8, 32) como resgate, o santo pelos pecadores, o inocente pelos malvados, o justo pelos injustos (1 Pe 3,18), o incorruptível pelos corrompidos, o imortal pelos mortais. Que outra coisa poderia cobrir nossos pecados, longe de sua justiça? Em quem poderíamos nós, malvados e ímpios, sermos justificados, senão somente no Filho de Deus? Ó doce troca! Ó obra insondável! Ó benefícios insuperáveis! A iniquidade de muitos foi sepultada por um justo apenas, a justiça de um bastou para justificar a muitos malvados.

Deste modo, sabendo Deus que por nossa própria natureza não éramos capazes de alcançar a vida e havendo agora mostrado o Salvador capaz de salvador o impossível, deseja que creiamos em sua bondade e o tenhamos como sustento, pai, mestre, conselheiro, médico, inteligência, luz, honra, glória, força e vida, sem que nos preocupemos com roupas ou comida.  Se desejas alcançar esta fé, procura primeiro alcançar o conhecimento do Pai. Porque Deus amou aos famintos, para os quais amou o mundo, a quem submeteu todas as coisas, a quem deu a razão e inteligência, os únicos a quem concedeu olhar para o alto para que Lhe possam ver, a quem modelou a sua própria imagem, a quem envio seu Filho unigênito (1Jo 4,9), a quem prometeu o reino dos céus, que dará àqueles que Lhe amarem.

Não tens idéia da alegria que terás quando chegares a alcançar este conhecimento ou do amor que podes sentir por aquele que primeiro te amou até tal extremo. E quando chegares a amar-Lhe, te converterás em imitador de sua bondade. Não te maravilhes de que o homem possa chegar a ser imitador de Deus; sim podes se assim desejar Deus. A felicidade não está em dominar tiranicamente o  próximo, nem estar sempre acima dos mais débeis, nem na riqueza, nem na violência contra os mais necessitados: nisto tudo não está o amor de Deus, tudo isto está longe de sua grandeza. Melhor faz aquele que toma sobre si a carga do próximo, de modo que o superior está disposto a fazer o bem ao seu inferior. Quem provê ao próximo o que recebeu de Deus, este é imitador de Deus.

Então, ainda morando na terra, poderás contemplar como Deus é o senhor dos céus; passarás a falar dos mistérios de Deus, amarás e admirarás aos que recebem castigo de morte por não negar a Deus; condenarás o engano e a perdição do mundo; conhecerás a verdadeira vida dos céus, chegarás a depreciar o que temos aqui por morte; temerás a morte verdadeira, reservada aos condenados ao fogo eterno que castigará até o fim os condenados. Quando tiveres conhecido o fogo eterno admirarás os que por causa da justiça suportam o fogo temporal e os terá por bem-aventurados.
-- Da Carta a Diogneto (século II). Aqui, para o texto completo em espanhol - tradução própria.

6 de jun. de 2011

A água viva do Espírito Santo

A água que eu lhe der se tornará nele fonte de água viva, que jorra para a vida eterna (Jo 4,14). Água diferente, esta que vive e jorra; mas jorra apenas sobre os que são dignos dela. Por que motivo o Senhor dá o nome de "água" à graça do Espírito Santo? Certamente porque tudo tem necessidade de água; ela sustenta as ervas e os animais. A água das chuvas cai dos céus; e embora caia sempre do mesmo modo e na mesma forma, produz efeitos muito variados. De fato, o efeito que produz na palmeira não é o mesmo que produz na videira; e assim em todas as coisas, apesar de sua natureza ser sempre a mesma e não poder ser diferente de si própria. Na verdade, a chuva não se modifica a si mesma em qualquer das suas manifestações. Contudo, ao cair sobre a terra, acomoda-se às estruturas dos seres que a recebem, dando a cada um deles o que necessita.

Com o Espírito Santo acontece o mesmo. Sendo único, com uma única maneira de ser e indivisível, distribui a graça a cada um conforme lhe apraz. E assim como a árvore ressequida, ao receber água, produz novos rebentos, assim também a alma pecadora, ao receber do Espírito Santo o dom do arrependimento, produz frutos de justiça. O Espírito tem um só e o mesmo modo de ser; mas, por vontade de Deus e pelos méritos de Cristo, produz efeitos diversos.

Serve-se da língua de uns para comunicar o dom da sabedoria; ilumina a inteligência de outros com o dom da profecia. A este dá o poder de expulsar os demônios; àquele concede o dom de interpretar as Sagradas Escrituras. A uns fortalece na temperança, a outros ensina a misericórdia; a estes inspira a prática do jejum e como suportar as austeridades da vida ascética; e àqueles o domínio das tendências carnais; a outros ainda prepara para o martírio. Enfim, manifesta-se de modo diferente em cada um, mas permanece sempre igual a si mesmo, como está escrito: A cada um é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum (ICor 12,5).

Branda e suave é a sua aproximação; benigna e agradá­vel é a sua presença; levíssimo é o seu jugo! A sua chegada é precedida por esplêndidos raios de luz e ciência. Ele vem com o amor entranhado de um irmão mais velho: vem para salvar, curar, ensinar, aconselhar, fortalecer, consolar, ilu­minar a alma de quem o recebe, e, depois, por meio desse, a alma dos outros.

Quem se encontra nas trevas, ao nascer do sol recebe nos olhos a sua luz, começando a enxergar claramente coisas que até então não via. Assim também, aquele que se tornou digno do Espírito Santo, recebe na alma a sua luz e, elevado acima da inteligência humana, começa a ver o que antes ignorava.

-- Das Catequeses de São Cirilo de Jerusalém, bispo (século IV)

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