16 de nov. de 2020

Beato Juliano Nakaura, um samurai japonês

Viagem a Roma

Juliano Nakaura durante sua visita a Europa.

Em 1582, a Igreja Católica estava crescendo em algumas partes do Japão, especialmente na ilha de Kyushu. Os jesuítas haviam aberto uma escola em Arima, ao sul de Nagasaki, para ensinar jovens samurais a se tornarem professores, catequistas e padres. A escola foi criada pelo Padre Alessandro Valiganano, enviado por Roma para catequisar os japoneses. Certo dia, ele teve a inspiração de escolher alguns jovens da escola e enviá-los para Roma, uma viagem que teria dois objetivos: mostrar a nobreza européia esta nova região que estava sendo conquistada para o Catolicismo e ter testemunhas da grandeza da Igreja quando os jovens retornassem ao Japão. Omura Sumitada, que foi o primeiro senhor feudal japonês a converter-se ao catolicismo, concordou com a idéia e prometeu financiá-la. Outros dois senhores feudais, Arima Haronobu e Otomo Sorin também decidiram ajudar na viagem.

Os quatro jovens escolhidos foram Juliano, Mancio, Martim e Miguel. Mas a viagem não era um passeio agradável. No estreito de Singapura sobreviveram ao naufrágio do navio. Na Índia encontraram um homem que tentou dar algumas ordens para eles, mas como não compreendiam uma só palavra, não fizeram nada. O tal homem puxou a espada e atacou-os, mas eles conseguiram sobreviver.

Chegaram a Lisboa em 1584, tornando celebridades nas cortes européias. Eram esperados no porto por uma multidão, guardas de honra, fanfarras, saudações de canhão e a realeza. Foram recebidos pelos reis de Portugal, Espanha, Nápoles até alcançarem Roma.

No dia da audiência com o Papa, Juliano amanheceu ardendo em febre e embora mal conseguisse caminhar, não deixou de ir. O Papa Gregório XIII vendo o rapaz enfraquecido, foi at;e ele, abraçou-o e prometeu ajudá-lo. Este momento seria lembrado por Juliano por toda a sua vida.

O Papa enviava-lhes presentes e um emissário diariamente para perguntar se estavam todos bem. Certo dia, o Papa caiu doente e mesmo de sua cama, fazia questão de saber como estavam, aliás este foi um de seus últimos gestos, perguntavam como os japoneses estavam, duas horas antes de falecer. Quando o sucessor Sixto V foi entronizado, os rapazes foram os convidados especiais, que assistiram à Missa na primeira fila, a frente da realeza européia. 

Retorno ao Japão

Retornaram ao Japão em 1590, desembarcando em Nagasaki, mas após oito anos e meio longe, o país havia mudado dramaticamente. Ao invés de senhores feudais, alguns ardentemente católicos, o novo Japão era dominado por Toyotomi Hideyoshi, que decidiu banir o Cristianismo de terra japonesas, ordenando todos padres a saírem do país. Este foi início de três séculos de perseguições, umas das piores perpetradas contra o Cristianismo.

Arima Haronobu, um dos senhores feudais católicos que havia financiado a viagem, estava mantendo os jesuítas em suas terras, na cidade-fortaleza de Arima. Porém ele estava sobre constante ataque e os jesuítas transferiram a escola para outra cidade dos domínios de Arima, e depois, para uma outra cidade no interior da ilha de Amakusa-Shimo.

Ainda em Roma os rapazes haviam pedido para entrarem na Ordem dos Jesuítas, sua admissão ocorreu em 25 de Julho de 1591, e depois de dois anos, fizeram seus votos de pobreza, castidade e obediência. Durante este periodo, espiões enviados por Hideyoshi estavam procurando por católicos, por serem japoneses, eles conseguiam se misturar aos camponeses da região e escapar da vigilância.

Em 5 de Fevereiro de 1597, Hideyoshi crucificou 26 franciscanos, jesuítas e leigos católicos em Nagasaki pelo crime de serem cristãos. No ano seguinte, Hideyoshi faleceu e a perseguição diminuiu, mas os sucessores mantiveram a proibição à Igreja Católica. Em 1612, Tokugawa Ieyasu promulgou um novo decreto contra o Cristianismo. Arima Harunobu foi executado e a região que ele controlava, uma área segura para a Igreja, tornou-se preferencial para perseguição à Igreja e o plano de exterminar a fé.

Padre Nakaura

Juliano fora ordenado padre em 1608, quando novas deportações de padres foram ordenadas, ele decidiu permanecer levando uma vida clandestina. Ele morava na cidade porto de Kuchinotsu, onde mantinha um barco sempre pronto para uma eventual fuga. Em 1622 escreveu uma carta para o Padre Nuno Mascarenha, um jesuíta que havia conhecido em Roma e que estava em Macau:

A perseguição continua sem descanso, por causa dela não podemos relaxar um minuto sequer. Até escrever esta carta para Vossa Excelência é difícil porque notícias chegaram que o senhor destas terras decidiu por uma nova e especial perseguição. Um dos fiéis veio até aqui para contar que deve ir para outro lugar mais seguro. O senhor feudal que exterminar o ensino do Evangelho de seus domínios e diz que vai perseverar até que não haja um único fiel em suas terras.

Esta perseguição especial já matou 21 fiéis em Kuchinotsu. Graças a Deus ainda tenho forças para continuar cuidando do rebanho que Deus me confiou. 

Do servo inútil de Deus, Padre Nakaura.

O método de persuasão era extremo: quando encontravam um cristão, amarravam-no de ponta cabeça, com cordas muito apertadas ao redor do peito para que não pudessem respirar direito. Depois abaixavam a cabeça em uma latrina cheia de dejetos e fechavam a latrina na altura do pescoço, ou seja a cabeça ficava dentro da latrina, respirando todo fedor. Se gritassem renunciando a fé, eram retirados e deixados livres.

Após muitos anos vivendo como clandestino, viajando durante a noite para não encontrar guardas do governo, dormindo na mata ou de casa em casa, Juliano já era um velho meio alquebrado pelo tempo, com dificuldades para caminhar, quando foi preso. Após quase um ano de prisão, em 18 de Outubro de 1633, foi levado ao pátio onde sua tortura estava preparada. Ao ser amarrado, declarou que era o Padre Nakaura, que fora recebido pelo Papa. Após quatro dias, gritou  “Senhor, eu aceito este sofrimento por amor a Ti” e faleceu.

Ele foi beatificado em 24 de Novembro de 2008 em Nagasaki durante uma cerimônia assistida por mais de 30.000 japoneses.


-- autoria própría

15 de nov. de 2020

A vaidade, o sétimo pensamento pecaminoso


 1. A vaidade desmancha a virtude de todas boas obras

A vaidade é uma paixão irracional que facilmente se enreda em todas as obras virtuosas.

Um desenho feito com água facilmente desaparece assim como a virtude em uma alma vaidosa. A mão escondida demonstra ser inocente e ação que permanece oculta resplandece como a luz mais forte.

A erva se adere a árvore e, quando chega no mais alto, seca a raiz, assim a vaidade se origina nas virtudes e não se afasta até que a tenha consumido toda sua força. Um cacho de uvas que cai no chão apodrece facilmente, a virtude que se apóia na vaidade, também perece.

O monge vaidoso, é um trabalhador sem salário, se esforça no trabalho mas não recebe nenhuma paga; o bolso furado não guarda seu conteúdo e a vaidade destrói toda sua recompensa.

A continência do vaidoso é como a névoa da manhã, ambos de desaparecem no ar. O vento apaga a bondade do homem assim como a esmola do vaidoso. A pedra lançada acima não chega aos céus e oração de deseja agradar aos homens não chega até Deus.

2. A vaidade torna inútil o jejum, a oração e a esmola.

A vaidade é como uma pedra no caminho, se tropeças nela, corres o risco de perder todas carga. O homem prudente esconde seu tesouro tanto como o monge sábio não fala de suas boas obras. A vaidade aconselha rezar nas praças, mas aquele que combate reza em seu quarto. 

O homem pouco prudente exibe sua riqueza para deixar aos outros com inveja. Tu, porém, deves esconder tuas coisas, durante o caminho podes até cruzar com assaltantes, mas chegarás na cidade em paz e poderás desfrutar de teus bens tranquilamente.

A virtude do vaidoso é um sacrifício que não está ofertado no altar de Deus. A preguiça consome o vigor da alma, enquanto a vaidade fortalece a mente daquele que se esquece de Deus, faz robusto o fraco e até o mais velho parece vigoroso. A vaidade torna inútil o jejum, a oração e a esmola, por que é a aprovação pública que excita tal zelo. 

Não troques tuas boas obras pela fama, nem renuncies a glória futura para ser aclamado na terra. Com efeito, a glória humana habita a terra e na terra se extingue tua fama, mas a glória de tuas virtudes permanecem para sempre.

-- Evágrio, monge (século IV), tradução própria

-- A imagem é uma gravura de James Todd, chamada Vanity, parte de uma série sobre os sete pecados capitais. Pode ser adquirida na Annex Galleries. 



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