25 de dez. de 2018

Vamos a cidade de Davi, chamada Belém

Juntamente com Maria sua esposa, José subiu "à cidade de Davi, chamada Belém" (Lc 2, 4). Nesta noite, também nós subimos a Belém, para lá descobrir o mistério do Natal.

Jesus, nosso pão de cada dia

1. Belém: o nome significa casa do pão. Hoje, nesta casa, o Senhor marca encontro com a humanidade. Sabe que precisamos de alimento para viver. Mas sabe também que os alimentos do mundo não saciam o coração. Na Sagrada Escritura, o pecado original da humanidade aparece associado precisamente com o ato de tomar alimento: "…agarrou do fruto, comeu" – diz o livro do Génesis (3, 6). Agarrou e comeu. O homem tornou-se ávido e voraz. Para muitos, o sentido da vida parece ser possuir, estar cheio de coisas. Uma ganância insaciável atravessa a história humana, chegando ao paradoxo de hoje em que alguns se banqueteiam lautamente enquanto muitos não têm pão para viver.

Belém é o ponto de viragem no curso da história. Lá Deus, na casa do pão, nasce numa manjedoura; como se quisesse dizer-nos: Estou aqui ao vosso dispor, como vosso alimento. Jesus não agarra, mas oferece de comer; não dá uma coisa, mas dá-Se a Si mesmo. Em Belém, descobrimos que Deus não é alguém que agarra a vida, mas Aquele que dá a vida. Ao homem, habituado desde os primórdios a agarrar e comer, Jesus começa a dizer: "Tomai, comei. Este é o meu corpo" (Mt 26, 26). O corpo pequenino do Menino de Belém lança um novo modelo de vida: não devorar e acumular, mas partilhar e dar. Deus faz-Se pequeno, para ser nosso alimento. Nutrindo-nos d’Ele, Pão de vida, podemos renascer no amor e romper a espiral da avidez e da ganância. A partir da casa do pão, Jesus traz o homem de regresso a casa, para que se torne familiar do seu Deus e irmão do seu próximo. Diante da manjedoura, compreendemos que não são os bens que alimentam a vida, mas o amor; não a voracidade, mas a caridade; não a abundância ostentada, mas a simplicidade que devemos preservar.

O Senhor sabe que precisamos de alimento todos os dias. Por isso, ofereceu-nos todos os dias da sua vida, desde a manjedoura de Belém até ao cenáculo de Jerusalém. E ainda hoje, no altar, faz-Se pão partido para nós: bate à porta, para entrar e cear conosco (cf. Ap 3, 20). No Natal, recebemos Jesus, Pão do céu na terra: trata-se de um alimento cuja validade é ilimitada, fazendo-nos saborear já agora a vida eterna.

Em Belém, descobrimos que a vida de Deus corre nas veias da humanidade. Se a acolhermos, a história muda a partir de cada um de nós; com efeito, quando Jesus muda o coração, o centro da vida já não é o meu "eu" faminto e egoísta, mas Ele, que nasce e vive por amor. Nesta noite, chamados a ir até Belém, casa do pão, interroguemo-nos: 

Qual é o alimento de que não posso prescindir na minha vida? É o Senhor ou outra coisa qualquer?

Depois, entrando na gruta, ao vislumbrar na terna pobreza do Menino uma nova fragrância de vida, a da simplicidade, perguntemo-nos: 

Será verdade que preciso de tantas coisas, de receitas complicadas para viver? Quais são os contornos supérfluos de que consigo prescindir para abraçar uma vida mais simples? 

Em Belém, ao pé de Jesus, vemos pessoas que caminharam, como Maria, José e os pastores. Jesus é o Pão do caminho. Não Se compraz com as digestões lentas, longas e sedentárias, mas pede que nos levantemos rapidamente da mesa a fim de servir como pães partidos para os outros. Perguntemo-nos: No Natal, reparto o meu pão com aqueles que estão sem ele?

Não temais, o Senhor te ama
Depois de Belém, casa do pão, reflitamos sobre Belém, cidade de Davi. Lá Davi, na sua adolescência, era pastor e, como tal, foi escolhido por Deus, para ser pastor e guia do seu povo. No Natal, na cidade de David, são precisamente os pastores que acolhem Jesus. Naquela noite, quando "a glória do Senhor refulgiu em volta deles" – diz o Evangelho –, "tiveram muito medo" (Lc 2, 9), mas o anjo disse-lhes: "Não temais" (2, 10). 

Reaparece muitas vezes no Evangelho esta frase "não temais": parece o refrão de Deus à procura do homem. Porque o homem desde o princípio, por causa do pecado, tem medo de Deus: "…por que tive medo, escondi-me" (Gn 3, 10) – diz Adão, depois do pecado. Belém é o remédio para o medo, porque lá, não obstante os "nãos" do homem, Deus diz para sempre "sim": será para sempre Deus connosco. E, para que a sua presença não provoque medo, faz-Se um terno menino. A frase "não temais" não é dirigida a santos, mas a pastores, pessoas simples que então não primavam por inteligência nem devoção. O Filho de Davi nasceu no meio dos pastores, para nos dizer que doravante ninguém estará sozinho; temos um Pastor que vence os nossos medos e nos ama a todos, sem exceção.

Os pastores de Belém mostram-nos também como ir ao encontro do Senhor. Velam durante a noite: não dormem, mas fazem aquilo que Jesus nos pedirá várias vezes: vigiar (cf. Mt 25, 13; Mc 13, 35; Lc 21, 36). Permanecem vigilantes; aguardam, acordados, na escuridão; e a glória de Deus "refulgiu em volta deles" (Lc 2, 9). O mesmo vale para nós. A nossa vida pode ser uma esperança, em que a pessoa, mesmo nas noites dos problemas, se confia ao Senhor e O deseja; então receberá a sua luz. Ou então uma pretensão, na qual contam apenas as próprias forças e meios; mas, neste caso, o coração permanece fechado à luz de Deus. 

O Senhor gosta de ser aguardado e não é possível aguardá-Lo no sofá, dormindo. De fato, os pastores movem-se: "foram apressadamente" – diz o texto (2, 16). Não ficam parados como quem sente ter chegado a casa e não precisa de nada; mas partem, deixam o rebanho indefeso, arriscam por Deus. E depois de terem visto Jesus, embora sem grande habilidade para falar, vão anunciá-Lo, de modo que "todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores" (2, 18).

Esperar acordado, ir, arriscar, contar a beleza são gestos de amor. O bom Pastor, que vem no Natal para dar a vida às ovelhas, na Páscoa dirigirá a Pedro, e através dele a todos nós, a pergunta determinante: "Tu Me amas?" (Jo 21, 15). Da resposta, dependerá o futuro do rebanho. Nesta noite, somos chamados a responder, dizendo-Lhe também nós: "Sou deveras teu amigo". A resposta de cada um é essencial para todo o rebanho.

"Vamos a Belém…" (Lc 2, 15): assim disseram e fizeram os pastores. Também nós, Senhor, queremos vir a Belém. O caminho, ainda hoje, é difícil: é preciso superar os cumes do egoísmo, evitar escorregar nos precipícios da mundanidade e do consumismo. Quero chegar a Belém, Senhor, porque é lá que me esperas. E dar-me conta de que Tu, colocado numa manjedoura, és o pão da minha vida. Preciso da terna fragrância do teu amor, a fim de tornar-me, por minha vez, pão repartido para o mundo. Toma-me sobre os teus ombros, bom Pastor: amado por Ti, conseguirei também eu amar tomando pela mão os irmãos. Então será Natal, quando Te puder dizer: "Senhor, Tu sabes tudo; Tu sabes que eu sou deveras teu amigo!" (Jo 21, 17).

Papa Francisco, noite de Natal, 2018.

17 de dez. de 2018

O mistério de nossa reconciliação

De nada serve afirmar que nosso Senhor, filho da Virgem Maria, é verdadeiro e perfeito homem, se não se acredita que ele também pertence a essa descendência proclamada no Evangelho.

Escreve São Mateus: Livro da origem de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão (Mt 1,1). E, a seguir, apresenta a série de gerações desde os primórdios da humanidade até José, com quem estava desposada a Mãe do Senhor.

São Lucas, porém, percorrendo em sentido inverso a ordem dos descendentes, chega ao começo do gênero humano, para mostrar que o primeiro e o último Adão têm a mesma natureza.

Com efeito, seria possível à onipotência do Filho de Deus, para ensinar e justificar os homens, manifestar-se do mesmo modo que aparecera aos patriarcas e profetas, como, por exemplo, quando travou uma luta ou manteve uma conversa, ou quando aceitou os serviços da hospitalidade a ponto de tomar o alimento que lhe apresentaram.

Mas essas aparições eram imagens, sinais misteriosos, que anunciavam a realidade humana do Cristo, assumida da descendência daqueles antepassados.

Nenhuma daquelas figuras, entretanto, poderia realizar o mistério da nossa reconciliação, preparado desde a eternidade, porque o Espírito Santo ainda não tinha descido sobre a Virgem Maria, nem o poder do Altíssimo a tinha envolvido com a sua sombra; a Sabedoria eterna não edificara ainda a sua casa no seio puríssimo de Maria para que o Verbo se fizesse homem; o Criador dos tempos ainda não tinha nascido no tempo, unindo a natureza divina e a natureza humana numa só pessoa, de modo que aquele por quem tudo foi criado fosse contado entre as suas criaturas.

Se o homem novo, revestido de uma carne semelhante à do pecado (cf. Rm 8,3), não tivesse assumido a nossa condição, envelhecida pelo pecado; se ele, consubstancial ao Pai, não se tivesse dignado ser também consubstancial à Mãe e unir a si nossa natureza, com exceção do pecado, a humanidade teria permanecido cativa sob o jugo do demônio; e não poderíamos nos beneficiar do triunfo do Vencedor, se esta vitória fosse obtida numa natureza diferente da nossa.

Dessa admirável união, brilhou para nós o sacramento da regeneração, para que renascêssemos espiritualmente pelo mesmo Espírito por quem o Cristo foi concebido e nasceu.

Por isso diz o Evangelista, referindo-se aos que crêem: Estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus mesmo (Jo 1,13).

-- São Leão Magno, Papa (século V) 

8 de dez. de 2018

São Vicente Romano

Vincenzo Romano nasceu em 3 de Junho de 1751, filho de Nicola Luca e Maria Grazia, na nascida de Torre del Greco, nas imediações de Nápoles. Foi batizado no dia seguinte na Igreja de Santa Cruz. Tinha dois irmãos, Pietro e Goiseppe. Seus pais eram simples trabalhadores, muito piedosas, e incentivaram seus filhos a seguirem o caminho sacerdotal. 

São Vecente Romano, um retrato feito em torno de 1800.
Está carregando a Liturgia das Horas, pois costumava
rezá-las em qualquer lugar que estivesse.
Ainda criança apaixonou-se por Santo Alfonso Ligório, cujos sermões assistia pessoalmente, e desenvolveu grande devoção pelo Santíssimo Sacramento. Ao quatorze anos decidiu-se pelo seminário, sendo ajudado pelo irmão mais velho, Pietro, que já era padre. Devido a algumas normas rígidas de admissão que o Cardeal de Nápoles havia imposto, sua entrada foi mais difícil. Inicialmente procurou a Ordem dos Jesuítas, mas foi recusado. Apenas com a ajuda do Duque Di Martino, que pediu em seu favor, foi admitido ao exame para entrada no Seminário Diocesano, onde saiu-se muito bem. 

No Seminário demonstrava um fervor e fé acima dos seus companheiros. Dom Mariano Arciero, sacerdote de grande virtude, que viria a ser declarado Venerável, foi o responsável pela sua formação. No sábado 10 de Junho de 1775 foi ordenado sacerdote na antiga basílica de Santa Restituta. Celebrou sua primeira missa no dia seguinte, domingo da Santíssima Trindade, na Igreja de Santa Cruz, onde fora batizado 24 anos antes e para a qual fora designado.

Em 15 de Junho de 1794, uma erupção do Monte Vesúvio causou enorme destruição da cidade, inclusive a Igreja foi perdida devido a um incêndio. Preocupado com a situação de desespero da comunidade, providenciou toda forma de aceitável de celebrar a Santa Missa, para trazer conforto àqueles que haviam perdido sua casa e trabalho. Quanto a reconstrução da Igreja, iniciou os trabalhos tão logo pode, sendo que ele mesmo ajudava no trabalho, carregando pedras, limpando, ajudando no que era possível. Este viria a ser, basicamente, o trabalho de sua vida. 

No plano pastoral, o ministério da palavra e o Evangelho da Caridade foram as bases de sua atividade. Incentivou que a oração do Rosário, escreveu um folheto para que todos acompanhassem a Santa Missa e desenvolveu uma estratégia missionária chamada "Sciabica", um tipo de rede de pescador, que consistia em aproximar-se de uma pessoa caminhando na rua, perguntar se poderia acompanhá-la, e daí ir pregando o Evangelho. Se aceitassem, convidava a entrar numa Igreja próxima, confessar-se e rezar. Mantinha também uma escola para meninos pobres e era regularmente visto com bandidos, pois sabia que sua presença evitava que cometessem maldades. Nos fins de semana, além das missas, organizava pregações (catequeses) para seus paroquianos. Segundo testemunhos, falava de maneira simples e clara, para que todos pudessem entender, inclusive aqueles que não tinham estudo. 
Igreja da Santa Cruz, em Torre del Greco.

Em 1 de Janeiro de 1825 caiu, quebrando o fêmur, fato que iniciou o declínio de sua saúde. Ainda viu sua Igreja ser concluída e re-inaugurada em 1827. Morreu santamente em 20 de Dezembro de 1831, tendo levado uma vida exemplar. Seu corpo repousa em uma urna na própria Igreja da Santa Cruz e sua memória é celebrada em 29 de Novembro. 

O processo de canonização foi aberto em 1843, seus dois irmãos, um sobrinho também padre e uma sobrinha, assim como vários contemporâneos foram testemunhas no processo. Em 25 de Março de 1895, o Papa Leão XIII declarou Vicenzo como Venerável. O primeiro milagre reconhecido oficialmente foi a cura de Maria Carmela Restucci, que em 1891 desenvolveu um câncer no seio, que cusava feridas e muitas dores. Após pedir a intervenção do santo, amanheceu curada, o que foi confirmado pelo seu médico. O segundo milagre ocorreu em 1940, quando Maria Carmela Cozzolino já preparava-se para a morte, pois um câncer na garganta que quase lhe impidia de respirar. Seu médico iniciou uma novena em honra ao santo; Maria também amanheceu curada na manhã do terceiro dia, pois o câncer havia simplesmente desaparecido. Com o testemunho de tais milagres, foi beatificado em 17 de Novembro de 1963. O terceiro milagre foi também o desaparecimento de um tumor, neste caso, uma massa de mais de quatro quilos que se formou no abdômen de Raimondo Formisano, em 1989. Por fim, São Vicente Romano foi canonizado em 14 de Outubro de 2018 pelo Papa Francisco.  

-- autoria própria

30 de nov. de 2018

Encontramos o Messias

Santo André, o primeiro a ser chamado por Cristo.
Foi ele que disse ao irmão Pedro: Encontramos
ao Messias.
André, tendo permanecido com Jesus e aprendido com ele muitas coisas, não escondeu o tesouro só para si mas correu depressa à procura de seu irmão, para fazê-lo participar da sua descoberta. Repara o que lhe disse: Encontramos o Messias (que quer dizer Cristo) (Jo 1,41). Vede como logo revela o que aprendera em pouco tempo! Demonstra assim o valor do Mestre que o persuadira, bem como a aplicação e o zelo daqueles que, desde o princípio, já estavam atentos. Esta expressão, com efeito, é de quem deseja intensamente a sua vinda, espera aquele que deveria vir do céu, exulta de alegria quando ele se manifestou, e se apresa em comunicar aos outros a grande notícia.

Repara também a docilidade e a prontidão de espírito de Pedro. Acorre imediatamente. E conduziu-o a Jesus (Jo 1,42), afirma o Evangelho. Mas ninguém condene a facilidade com que, não sem muita reflexão, aceitou a notícia. É provável que o irmão lhe tenha falado pormenorizadamente mais coisas. Na verdade, os evangelistas sempre narram muitas coisas resumidamente, por razões de brevidade. Aliás, não afirma que acreditou logo, mas: E conduziu-o a Jesus (Jo 1,42), e a ele o confiou para que aprendesse com Jesus todas as coisas.Estava ali, também, outro discípulo que viera com os mesmos sentimentos.

Se João Batista, quando afirma: Eis o Cordeiro e batiza no Espírito Santo (cf. Jo 1,29.33), deixou mais clara, sobre esta questão, a doutrina que seria dada pelo Cristo, muito mais fez André. Pois, não se julgando capaz de explicar tudo, conduziu o irmão à própria fonte da luz, tão contente e pressuroso, que não duvidou sequer um momento.

-- Das Homilias sobre o Evangelho de João, de São João Crisóstomo, bispo (século IV)

22 de nov. de 2018

Santo Oscar Romero

Oscar Romero nasceu em 15 de Agosto de 1917, em El Salvador, tinha cinco irmãos e duas irmãs. Frequentou a escola pública até a terceira série, depois começou a aprender carpintaria com seu pai, que planejava que esta seria sua futura profissão. Mas aos treze anos, pediu para entrar no Seminário Menor onde poderia completar seus estudos. Depois foi admitido no Seminário Nacional e enviado para a Universidade Gregoriana em Roma, onde estava quando iniciou a II Guerra Mundial. 
Santo Oscar Romero, no Vaticano em 1942.

Foi ordenado em 4 de Abril de 1942,e permaneceu na cidade estudando Teologia. Em 1943 foi chamado de volta a seu país, mas devido a guerra, esta era uma viagem difícil e perigosa. Em Cuba, que apoiava os aliados, foi detido pelo governo que desconfiava dele por que vinha da Itália. Permaneceu em campos de internamento por meses, até que meses depois padres redentoristas conseguiram sua passagem até o México. Dali seguiu de ônibus para seu país, sem dúvida um longo caminho.

Por vinte anos serviu como pároco em São Miguel, onde promovia a devoção a Nossa Senhora da Paz e ajudou na construção da catedral. Em 1965 pediu um afastamento temporário de suas atividades, pois estava estressado. Depois de um retiro e um tempo de descanso, retomou sua rotina e foi nomeado secretário da Conferência dos Bispos de El Salvador em 1966 e editor do jornal arquidiocesano, onde forçou uma linha editorial conservativa, alinhada ao magistério tradicional da Igreja. 

Em 1970 foi apontado Bispo Auxiliar de San Salvador e em 1974 Bispo da Diocese de Santiago de Maria. Finalmente 23 de Fevereiro de 1977 tornou-se Arcebispo de San Salvador, capital do país, e o cargo mais importante da Igreja salvadorenha. Considerado um conservador que combatia a Teologia da Libertação, foi bem aceito pelo governo.

Três semanas depois, o padre jesuita Rutillo Grande, seu amigo pessoal foi assassinado por grupos de extrema-direita. Romero pediu que o governo investigasse, mas o apelo foi inútil. A imprensa, censurada, nada noticiou sobre a morte. Neste período, escolas católicas foram fechadas e outros padres perseguidos. Em 1979 uma junta militar assumiu o governo, o que apenas aumentou a perseguição. Em 2 de Fevereiro de 1980, Arcebispo Romero fez um discurso na Universidade de Louvian, Bélgica:

"Nos últimos três anos, mais de 50 padres foram atacados, ameaçados e caluniados. Seis deles foram mártires, assassinados pela sua fé. Outros foram torturados ou expulsos do país. Irmãs foram perseguidas, a rádio da arquidiocese e escolas católicas ou outras cristãs foram atacadas, intimidadas e, até mesmo, bombardeadas. Várias paróquias foram invadidas.

Se tudo isto tem acontecido com pessoas reconhecidas, representantes da Igreja, podem imaginar o que está acontecendo com os pequenos, os camponeses, catequistas, ministros leigos. Eles tem sido ameaçados, presos, torturados, mortos, centenas ou até milhares deles. 

É importante pensar por que a Igreja tem sido perseguida, a igreja tem sido atacada por estar com os pobres, estar defendendo o povo." 

Embora possa parecer que apoiava a Teologia da Libertação, continuou falando contra ela: "A libertação de Cristo e de sua Igreja não pode ser reduzida a um projeto puramente temporal, seus objetivos não são puramente voltados para o bem-estar material das pessoas, ou iniciativas de ordem popular, social ou política. Uma Teologia não pode justificar ou apoiar a violência". Em uma homília em 1979, afirmou: "Dividir a Igreja em duas, uma dos ricos, outra dos pobres é uma forma de demagogia que eu nunca aceitarei. Há somente uma Igreja, uma Igreja de Cristo, uma Igreja que adora a deus vivo e que sabe relativizar os bens materiais." 

Sua vida pessoal era baseada na ascese, mortificação e penitência. O carisma da Opus Dei lhe influenciou profudamente, seu diretor espiritual era um padre justamente da Opus Dei. Como bispo, entendia que sua missão era ser "um só coração com a Igreja", uma frase tirada dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola.  
Oscar Romero, obra de Puig Reixach (2013)

Em 1979-80, manteve um programa dominical na Rádio da Arquidiocese que basicamente transmitia suas homílias. Mas foi nestes programas que começou a denunciar desaparecimentos, torturas e assassinatos de católicos. O programa era a maior audiência do país, 73% na zona rural, 37% nas cidades. Para a maioria da população era a única forma de saber o que realmente estava acontecendo no país. Em 23 de Março de 1980, ele pediu que os soldados católicos parassem de obedecer a ordens deste tipo, pois eram contrárias aos ensinamentos de Cristo. O dia seguinte passou num retiro para padres, promovido pela Opus Dei, e dali saiu para rezar a missa na capela do Hospital da Divina Providência. Durante a celebração, homens entraram na capela, atiraram no arcebispo e fugiram em um carro. Seus assassinos nunca foram presos e o funeral transformou-se numa manifestação contra o governo, o que resultou em mais repressão. 

Em 2014, o Papa Francisco declarou que o Arcebispo Oscar Romero havia morrido como mártir, enquanto celebrava a Santa Missa, e sua morte era fruto de uma perseguição contra a Igreja. Isto permitiu a sua beatificação, pois mártires podem ser beatificadossem a necessidade de milagres que confirmem seu estado. Em 2018 um milagre de cura foi reconhecido e atribuído ao Beato, que foi canonizado em 14 de Outubro de 2018.

-- autoria própria

21 de nov. de 2018

Maria acreditou em virtude da fé, também pela fé concebeu

Prestai atenção, rogo-vos, naquilo que Cristo Senhor diz, estendendo a mão para seus discípulos: Eis minha mãe e meus irmãos. Quem faz a vontade de meu Pai que me enviou, este é meu irmão, irmã e mãe (Mt 12,49-50). Acaso a Virgem Maria, que creu pela fé, pela fé concebeu, foi escolhida dentre os homens para que dela nos nascesse a salvação e que foi criada por Cristo antes que Cristo nela fosse criado, não fez a vontade do Pai? Sim! Ela o fez! Santa Maria fez totalmente a vontade do Pai e por isto mais valeu para ela ser discípula de Cristo do que mãe de Cristo; maior felicidade gozou em ser discípula do que mãe de Cristo. Assim Maria era feliz porque, já antes de dar à luz o Mestre, trazia-o na mente.

Vede se não é assim como digo. O Senhor passava acompanhado pelas turbas, fazendo milagres divinos, quando certa mulher exclamou: Bem-aventurado o seio que te trouxe. Feliz o ventre que te trouxe! (Lc 11,27) O Senhor, para que não se buscasse a felicidade na carne, que respondeu então? Muito mais felizes os que ouvem a palavra de Deus e a guardam (Lc 11,28). Por conseguinte, também aqui é Maria feliz, porque ouviu a palavra de Deus e a guardou. Guardou a verdade na mente mais do que a carne no seio. Verdade, Cristo; carne, Cristo; a verdade-Cristo na mente de Maria; a carne-Cristo no seio de Maria. É maior o que está na mente do que o trazido no seio.

Santa Maria, feliz Maria! Contudo, a Igreja é maior que a Virgem Maria. Por quê? Porque Maria é porção da Igreja, membro santo, membro excelente, membro supereminente, mas membro do corpo total. Se ela pertence ao corpo total, logo é maior o corpo que o membro. A cabeça é o Senhor; e o Cristo total, é a cabeça e o corpo. Que direi? Temos cabeça divina, temos Deus por cabeça!

Portanto, irmãos, dai atenção a vós mesmos. Também vós sois membros de Cristo, também vós sois corpo de Cristo. Vede de que modo o sois. Diz: Eis minha mãe e meus irmãos (Mt 12,49). Como sereis mãe de Cristo? Todo aquele que ouve e faz a vontade de meu Pai que está nos céus, este é meu irmão e irmã e mãe (cf. Mt 12,50). Pensai: entendo irmão, entendo irmã; é uma só a herança, e é essa a misericórdia de Cristo que, sendo único, não quis ficar sozinho; quis que fôssemos herdeiros do Pai, co-herdeiros seus.

-- Santo Agostinho, bispo (s;eculo V)

17 de nov. de 2018

Os doutores da Igreja

Doutor da Igreja é um título dado pela Igreja Católica a alguns poucos santos reconhecidos pela sua significativa contribuição para a Teologia ou doutrina através de seus escritos. Duas condições são necessárias para se tornar um doutor da Igreja: grande qualidade doutrinária, refletida em escritos que influenciaram a Igreja; e alto grau de santidade na vida pessoal. 

Os quatro doutores da Igreja Ocidental, quadro de Pier Francesco
Sachi. Começando da esquerda, temos Agostinho,
Gregório Magno, Jerônimo e Ambrósio.  
A forma dos escritos pode variar bastante, como as cartas de Santa Catarina de Sena, as poesias de Santa Hildegarde de Bingen, a auto-biografia de Santa Teresinha do Menino Jesuus e os livros de Santo Agostinho. As funções que exerceram na Igreja também são bastante variadas: Santo Éfrem era diácono, Santa Teresa de Ávila era irmã carmelita, São João da Cruz foi monge, São Roberto Belarmino foi bispo, São Leão Magno chegou a ser Papa. 

Formalmente, um decreto da Congregação para Causas dos Santos deve proclamar o santo como doutor da Igreja, o que implicará em alterações na liturgia, como utilizar Mateus 5, 13-19 ("Tu és o sal da terra") como Evangelho do Dia e Eclesiástico 15, 5 ("No meio da assembléia abriste tua boca e Deus a encheu de sabedoria") na Oração da Manhã. Mártires não são proclamados doutores da Igreja, pois seu testemunho é de outra ordem, embora alguns mártires também tenham escritos que foram fundamentais na Igreja, como Santo Inácio de Antioquia, Santo Irineu de Lion e São Cipriano de Cártigo. 

Na Igreja Ocidental, quatro santos eram tradicionalmente reconhecidos como doutores, o que foi formalizado em 1298 alterando a liturgia para explicitamente mencionar o título. Eles eram São Gregório Magno, Santo Ambrósio, Santo Agostinho e São Jerônimo. Distinção semelhante, mas não título, era dada pela Igreja oriental para três outros: São João Crisóstomo, São Basílio Magno e São Gregório Nazianzeno, que foram reconhecidos como doutores pelo Papa Pio V em 1568.

A lista atual de doutores da Igreja é composta por 36 nomes. ao lado de cada nome está data de nascimento e morte, principal função na Igreja e o ano da proclamação do título de doutor:

  1. Santo Ambrósio (340-397), bispo de Milão, proclamado doutor em 1298.
  2. Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona, 1298.
  3. São Jerônimo (347-420), monge, 1298.
  4. São Gregório Magno (540-604), papa, 1298.
  5. São Tomás de Aquino (1225-1274), padre e fundador dos jesuítas, 1567.
  6. Santo Atanásio (298-373), bispo de Alexandria, 1568.
  7. São Gregório Nazianzeno (329-389), arcebispo de Coonstantinopla, 1568.
  8. São João Crisóstomo (347-407), arcebispo de Constantinopla, 1568.
  9. São Basílio Magno (330-379), bispo da Cesaréia, 1568.
  10. São Boaventura (1221-1274), bispo de Albano, 1588.
  11. Santo Anselmo (1033-1109), arcebispo de Canterbury, 1720.
  12. Santo Inácio de Sevilha (560-636), bispo de Sevilha, 1722.
  13. São Pedro Crisólogo (406-450), bispo de Ravena, 1729.
  14. São Leão Magno (400-461), papa, 1754.
  15. São Pedro Damião (1007-1072), cardeal de Óstia, 1828.
  16. São Bernardo (1090-1153), monge cisterciense, 1830.
  17. Santo Hilário de Poitiers (300-367), bispo de Poitiers, 1851
  18. Santo Alfonso Ligório (1696-1787), bispo de Santa Ágata e fundador da Ordem dos Redendoristas, 1871
  19. São Francisco de Sales (1567-1622), bispo de Genova, 1877.
  20. São Cirilo de Alexandria (376-444), bispo de Alexandria, 1883.
  21. São Cirilo de Jerusalem (315-386), arcebispo de Jerusalém, 1883.
  22. São João Damasceno (676-749), monge, 1890.
  23. São Beda Venerável (672-735), monge, 1899.
  24. Santo Éfrem (306-373), diácono, 1920.
  25. São Pedro Canísio (1521-1597), padre, 1925.
  26. São João da Cruz (1542-1591), monge, 1926.
  27. São Roberto Belarmino (1542-1621), Arcebispo de Cápua, 1931.
  28. São Alberto Magno (1193-1280), bispo de Regensburg, 1931.
  29. Santo Antônio de Pádua (1195-1231), padre, 1946.
  30. São Lourenço de Brindisi (1559-1619), padre, 1959.
  31. Santa Teresa de Ávila (1515-1582), monja carmelita, 1970.
  32. Santa Catarina de Sena (1347-1380), irmã domenicana, 1970.
  33. Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), monja carmelita, 1997.
  34. São João de Ávila (1500-1569), padre, 2012.
  35. Santa Hildegarde de Bingen (1098-1179), abadessa beneditina, 2012.
  36. São Gregório de Narek (951-1003), monge, 2015.

Os santos que viveram antes do cisma em 1054 também são reconhecidos pelas Igrejas Ortodoxas orientais. A Igreja Anglicana utiliza o termo "Professores da fé", mas a lista é bastante idêntica à Católica. Há alguns, como o Beato Ramon Llul que é popularmente conhecido como "Doutor Iluminado", mas este é apenas um título popular; até mesmo o Papa Bento XVI chamou, de maneira informal, São Máximo Confessor de "grande doutor da Igreja Grega".

Para nós, é certo que ler os textos dos doutores da Igreja é estar seguro de que os ensinamentos são inspirados pelo Espírito Santo e de grande proveito espiritual. Com todo respeito aos padres atuais, esta é uma lista de apenas 36 santos em 2000 anos de história, portanto são textos muito especiais que merecem a nossa leitura atenta. 

-- autoria própria

6 de nov. de 2018

São Francisco Spinelli

Francisco Spinelli nasceu em Milão em 14 de Abril de 1853 e no dia seguinte foi batizado na Catedral de Santo Ambrósio. Seus pais, Bartolomeu e Emilia, vinham da região de Bérgamo e trabalhavam como mordomo e camareira na casa do Marquês Emiliano Stanga.  Devido à situação política, com a população se revoltando contra o marquês, seus pais resolveram mandar o menino para a cidade de Verdello, onde morava uma tia. Francisco passou três anos morando com ela, foi ali que começou a frequentar a missa. 

Quando pode retornar a viver com seus pais, foi matriculado na escola em Cremona. Em 19 de Maio de 1861 recebeu a Crisma na paróquia de Santa Ágata, em Cremona. Nesta época acompanhava sua mãe quando ela ia ajudar os pobres da cidade e frequentava muito a paróquia de Santo Alessandro, onde um tio materno era pároco. 

Devido a uma queda da cama, sofreu uma lesão da coluna vertebral que lhe impedia de caminhar normalmente. Certo dia foi rezar em frente à imagem de Nossa Sra de Salette quando sentiu um impulso de levantar-se da cadeira de rodas e, milagrosamente, pode caminhar. 

Ordenação
No outuno de 1871, Francisco entrou no Seminário Diocesando de Bérgamo como aluno "externo", isto é, ele morava com seu tio sacerdote e apenas frequentava as aulas de teologia e latim. No seu tempo livre, começou a ajudar um sacerdote chamado Luigi Palazollo, que viria a ser beatificado em 1963, e estava começando uma escola para pobres analfabetos, um oratório para jovens, e um grupo da Obra de Santa Dorotéa para moças. Francisco ajudava como professor e na orientação dos rapazes do oratório.

Progrediu rapidamente no Seminário, foi ordenado diácono em 22 de Maio de 1875 e sacerdote em 17 de Outubro do mesmo ano, pelo Bispo de Bérgamo, que pulou uma parte da liturgia de ordenação. Ao explicar seu erro para o Vaticano, foi ordenado que completasse a celebração em caráter privado. A Francisco, pediu: "Você tem o dever de ser duplamente bom,  pois foi duplamente ordenado". 

As Irmãs da Adoração
No Natal de 1875 foi em peregrinação para Roma. Na Catedral de Santa Maria Maior, em frente ao presépio, sentiu-se inspirado pela Virgem Maria, que teve a oportunidade única de adorar a Cristo na manjedoura, a convidar mulheres para adorar a Cristo na Eucaristia. Segundo ele, guardou isto no coração e retornou a Bérgamo, onde trabalhava com seu tio e Dom Luigi Palazollo. 

No inverno de 1882 encontrou uma jovem chamada Catarina Comessoli, que desejava fundar uma congregação dedicada à Adoração Eucarística. Catarina era camareira da Condessa Hipólita Fé, que disse que financiaria uma casa. Com a aprovação do bispo, fundaram um novo instituto religioso, as Irmãs da Adoração do Santíssimo Sacramento, que deveria dedicar-se à Adoração Permanente e ajudar os pobres. Nas suas palavras, deveriam "adorar perpetuamente o Santíssimo Sacramento, fonte de força para nosso trabalho e reparação às ofensas feitas a Deus nestes tempos e, também, reunir todos que não fossem aceitos nos hospitais e casas de saúde, especialmente os pobres". Em sete anos, a ordem já tinham nove casas de acolhida, onde tratavam doentes e deficientes mentais.

Nesta época Francisco, com apoio da diocese, comprou terrenos para o novo instituto e escolas para os pobres. Mas as doações não eram suficientes para ajudar os pobres e pagar as dívidas, um novo bispo retirou o apoio financeiro da diocese e Francisco foi forçado a declarar a falência do instituto em 18 de Janeiro de 1889. Também foi destituído da administração do instituto.

Ordem das Irmãs Sacramentinas
Foi transferido para a Diocese de Cremona, onde chegou em 4 de Março de 1889. O Bispo lhe orientou apenas a fazer o bem e ajudar os pobres. Na nova diocese, após saber do fechamento do instituto, decidiu fundar uma nova obra sob a mesma inspiração. Em 8 de Setembro de 1891, com autorização do bispo, foi erigida a Ordem das Irmãs Sacramentinas. As irmãs pediu que "adorassem a Santíssima Eucaristia com o amor mais ardente e que fossem caridosas com os pobres"

Francisco e as irmãs costumavam visitar os doentes mais pobres da cidade. Certo dia entraram na casa de um rapaz que sofria de epilepsia, tremia muito, se debatia e babava pelo canto da boca. Percebeu que uma irmã queria sair dali, pois estava enojada. Então ele lhe corrigiu: "Nesse infeliz deveis ver a Jesus Cristo. Será feliz se no dia do teu juízo puderes responder que sim quando Cristo perguntar: o que fizeste por mim?"

Certo dia conheceu o abade beneditino Jacques Gauthey, que havia saído da França quando o governo expulsou todas as ordens do país. Ao conhecer melhor a congregação, pediu para entrar na ordem, tendo sido consagrado frade em 15 de Setembro de 1907, e passou a morar na Abadia de Acguafredda, dedicando-se à oração e terminar os estatutos das Irmãs. 

Morte, milagres e canonização
Em 1910 escreveu seu testamento: "Dou graças aos sacerdotes que com sacrifícios e zelo me ajudaram ao longo da vida. Aqueles que voluntariamente ou não contribuíram para os meus sofrimentos e tristeza, digo que amo a todos, não tenho o menor rancor de ninguém e rezo ao Senhor Deus que lhes retribua com muitas graças na mesma proporção com que me fizeram sofrer, ou ainda mais graças do que isto".

Ao final de 1912 foi diagnosticado com câncer no estômago, celebrou sua última missa no Dia de Natal e faleceu em 6 de Fevereiro de 1913, enquanto fazia o sinal da cruz. 

Para sua beatificação, foi considerada milagrosa a cura de uma postulante da ordem que caiu em um caldeirão de água fervente que resultou em queimaduras de terceiro grau e coma profundo. Duas religiosas, irmãs Dorina e Cristina colocaram uma imagem do Padre Francisco sobre o corpo da moça, que no dia seguinte acordou-se, disse sentir fome e pediu que avisassem sua mãe que estava curada. 

O segundo milagre que conduziu a canonização ocorreu com um menino recém-nascido no hospital da ordem em Kinshasa, Congo. Sua mãe já estava levando-o para casa quando uma hemorragia fortíssima fez com que sangrasse intensamente. A mãe correu de volta ao hospital, mas os médicos disseram que não sabiam o que fazer, pois nada parava a hemorragia e já não havia sangue suficiente. Irmã Adelina correu a capela e começou a rezar pelo menino, que imediatamente parou de sangrar e recuperou-se. Francisco foi canonizado pelo Papa Francisco, em 14 de Outubro de 2018.

--autoria própria

Links:
Santos e beatos (em italiano)
Irmãs Adoradoras do Santíssimo Sacramento (italiano, inglês e francês)

27 de out. de 2018

São Núncio Sulpízio, o menino pobre que sofreu por Jesus Cristo

Infância

Núncio nasceu um dia após a Páscoa, em 13 de Abril de 1817, durante um grande fome que atingia a província de Pescara, seu nome é uma homenagem ao avô paterno. Foi batizado no mesmo dia, pois seus pais temiam por sua saúde. Quando tinha apenas três anos, seu pai morreu. Quatro meses após. morreu também sua irmã Domenica. 

Sua mãe casou novamente com um homem mais velho, mas que podia sustentar a todos. Núncio apenas mais um pela casa, a quem ele não precisava dar atenção, nunca demonstrou carinho pelo menino, pelo contrário, tratava-o sempre as gritos, reclamando e recriminando por tudo. 

Em 5 de Março de 1823, sua mãe morreu, ele ainda não havia completado seis anos. O padrasto imediatamente mandou-o para a avó, Rosária Rossi. Ela teve uma acolhida carinhosa e erra tratado adequadamente. Acompanhva sua avó às missas, rezando o rosário juntos e ajudava nos afazeres da casa. Frequentava a escola do Padre Fantacci, que lhe ensinou a adorar o Santíssimo Sacramento.

Em 4 de Abril de 1826, sua avó morreu, antes dele completar nove anos. Seu tio Domenico Luciani, um ferreiro, levou-o para casa, tirou-o da escola e começou a ensinar a profissão. Na verdade, tratava-o como um funcionário, ou menos. Quando o menino errava, era punido com surras ou não recebia comida. Usava-o para buscar material ou levar entregas, as vezes ítens muito pesados ou muito longe. Eram tarefas difíceis para um adulto, terríveis para uma criança. 

Neste tempo. Núncio começou a associar seus sofrimentos aos de Cristo. Sabia que Jesus fora humilhado e tratado como a escória da humanidade, assim como acontecia com ele. Começou a oferecer seus sofrimentos pelos pecados do mundo, rezava para fazer a vontade de Deus e apenas pedia o descanso eterno. 

Doença

Num dia de inverno, seu tio mandou-o ir muito longe para buscar algumas ferramentas novas. Sem um sapato adequado, no frio, seu pé ficou em feridas, que infectaram. Estava tão fraco que não podia levantar da cama. Seu tio avisou-o que se não trabalhasse, não seria alimentado. Por falta de cuidado, seu pé transformou-se em gangrena, das feridas corria pus. Alguém aconselhou-o a ir num riacho próximo pra lavar suas feridas, mas chegando lá uma mulher o expulsou por que temia que ele infectasse a água que bebiam. Começou a ir a outro riacho, mais longe da sua casa, o que lhe obrigava a caminhar ainda mais. 

Depois de algum tempo, finalmente seu tio lhe internou num hospital em Áquila. Neste tempo, um outro tio que era soldado, irmão do pai dele, ficou sabendo do que estava acontecendo. Ele contou o caso para seu comandante, Coronel Felice, homem muito caridoso, que praticamente adotou à Núncio e providenciou sua transferência para o hospital em Nápoles, onde poderia ser melhor tratado. 

Certo dia um padre foi visitar os doentes. Segundo ele, perguntou ao menino:
- Estás sofrendo muito?
- Não padre, estou fazendo a vontade de Deus.
- E o que posso fazer por você?
- Gostaria de me confessar e receber a primeira comunhão.
Surpreso, o padre exclamou:
- Mas seus pais não lhe levaram à Igreja?
- Meus pais morreram quando eu tinha apenas cinco anos.
- E quem cuida de você desde então?
- A providência divina!

Este padre começou a preparar-lhe para a receber os sacramentos. Segundo ele era visível que o menino estava recebendo graças extraordinárias, crescendo em todas virtudes e no amor a Jesus Cristo. Outro padre napolitano, que viria a ser canonizado também, São Gaetano Errico, conheceu a Núncio e prometeu-lhe que aceitaria-o na sua ordem tão logo tivesse idade suficiente. 

Núncio permaneceu dois anos no hospital e numa casa de recuperação em Ischia, sempre aos custos do Coronel Felice. Ocupava seu temppo indo rezar na capela ou ensinando o catecismo às outras crianças. A todos doentes encorajava a aceitar os sofrimentos com alegria. 

Sua saúde estava melhor, mas então foi diagnosticado com câncer nos ossos. Os médicos decidiram por amputar a perna, mas o câncer já estava se espalhando pelo corpo. Seu corpo todo era apenas dor. A todos dizia: Jesus sofreu muito mais por nós, em troca recebeu a vida aterna, é através destas dores que estou ganhando o Paraíso" ou "Espero que meu sofrimento hoje tenha salvado uma alma de um pecador que iria para o Inferno". Ao Coronel escreveu: "Fique contente, dos céus estarei sempre lhe ajudando e orando por ti". 

Falecimento e canonização

Em 5 de Maio de 1836, Núncio morreu após receber os últimos sacramentos. O povo pediu para ir rezar em seu velório, que acabou se estendendo por cinco dias. Do caixão exalava um cheiro de rosas e seu corpo permaneceu em perfeitas condições. 

Dez anos após sua morte foi aberto o processo de canonização, que se arrastou por mais de cem anos. São Núncio Sulpício foi beatificado em 1o. de Dezembro de 1963 pelo Papa Paulo VI e canonizado em 14 de Outubro de 2018 pelo Papa Francisco. O milagre que confirmou sua santidade foi a cura de um jovem que se acidentara ao cair de uma motocicleta e estava em coma. Seus familiares pediram que uma relíquia do santo fosse colocada ao lado da leito hospitalar. Uma semana após, o rapaz despertou do coma em perfeitas condições, sem nenhuma seqüela. 

Os restos mortais de São Núncio Sulpício estão na Igreja de São Domingos Soriano, em Nápoles. Na Igreja de São Cirilo de Alexandria, em Pittsburgh, há um santuário em sua honra.

-- autoria própria.

Em 14 de Outubro, o Papa Francisco canonizou sete novos santos: Papa Paulo VI, Dom Oscar Romero, Francisco Spinelli, Vicente Romano, Maria Catarina Kasper, Nazária Inácia de Santa Teresa de Jesus e Núncio Sulprizio. MInha intenção é escrever sobre cada um deles nos próximos dias.

23 de out. de 2018

Santa Maria Catarina Kasper

Em 14 de Outubro, o Papa Francisco canonizou sete novos santos. Destes, dois são conhecidos no Brasil e a imprensa falou sobre eles, mesmo que brevemente: Papa Paulo VI e Dom Oscar Romero. Os outros cinco santos nem foram citados: Francisco Spinelli, Vicente Romano, Maria Catarina Kasper, Nazária Inácia de Santa Teresa de Jesus e Núncio Sulprizio. Aqui vou começar uma pequena série de biografias, um texto para cada dos sete, começando por Santa Maria Catarina Kasper.

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Maria Catarina nasceu em 26 de Maio de 1820 na cidade de Dernbach, que fica na Alemanha, próxima a fronteira coma França, foi a terceira filha de quatro irmãos, seus pais eram Heinrich e Katharina. O pai tinha ainda outras quatro filhas de um primeiro casamento. 

Desde pequena gostava de ler, em especial a Bíblia e o livro A Imitaçãoo de Cristo, de Thomas Kempis. Aos seis anos começou a ir para escola, mas nunca se destacou pois costumava passar longos períodos ausente por doença ou tendo que ajudar na colheita e afazeres domésticos. Quando ficou um pouco maior, quebrava pedras para construção de estradas. Segundo ela, desde muito cedo sentiu um chamado à vida religiosa, mas sabia que os pais necessitavam do seu trabalho. Quando podia, viajava até um santuário mariano para rezar, muitas vezes servindo como líder de um grupo de meninas da cidade.

Em 1841 seu pai morreu, no ano seguinte um dos irmãos. Ela e a mãe tiveram que sair da casa onde moravam e Maria começou a trabalhar como costureira, ganhando 10 centavos por dia. Sua mãe morreu pouco depois, deixando-a livre para seguir sua vocação. Devido à perseguição religiosa em décadas anteriores, na região havia apenas monges Franciscanos e Cistercienses, nenhuma ordem feminina. Maria, com o auxílio da comunidade, coonseguiu construir uma pequena casa na sua cidade. Suas amigas de infância começaram a ajudá-la nos trabalhos aos pobres, algumas ainda morando com suas famílias. O Bispo da região, Dom Joseph Blum, ficou sabendo do trabalho e as incentivou a persistirem.

Em 15 de Agosto de 1851, o Bispo Blum recebeu os primeiros votos do pequeno grupo, iniciando a Ordem da Servas Pobres de Jesus Cristo. A ordem cresceu rapidamente e várias casas se formaram na Alemanha, em 1854 abriram a primeira escola, em 1859 fundaram a primeira casa na Holanda e, em 9 de Março de 1860, o Papa Pio IX assinou um carta apoiando as irmãs, que foram oficialmente reconhecidas em 21 de Maio de 1890 pelo Papa Leão XIII. 

Maria serviu como superiora da Ordem por cinco períodos, faleceu em 02 de Fevereiro de 1898 na sua cidade natal, devido a um infarto. Seus restos mortais estão no altar da casa principal da Ordem, em Dernbach. O processo de beatificação começou em 1928, foi interompido várias vezes, até ser beatificada em 16 de Abril de 1978, pelo Papa Paulo VI. A cura completa e imediata da irmã Maria Herluka, que já sofria gravemente de tuberculose, foi confirmada como um milagre e serviu como justificativa final para a canonização. 

A ordem das Servas Pobres de Jesus Cristo está presente no Piauí e Ceará, além de vários países, inspiradas por sua fundadora a servir aoos pobres, seguindo o exemplo de Maria e vivendo na dependência da providência de Deus. 

-- autoria própria

13 de set. de 2018

Deus, nesta noite compreendi que existes

Escuta Deus, eu nunca falei contigo
mas agora quero te dizer: olá, como estás?
Sabes Deus, me diziam que tu não existias
e eu, cheio de mim, acreditava nisto.

Nesta noite, desde uma cratera de bomba, vi teu firmamento,
então compreendi que me haviam mentido.
Se tivesse contemplado tuas coisas
teria compreendido que estavam me enganando.

Deus, gostaria de saber se pegarás na minha mão,
não sei, ma sinto que me compreenderás.
É curioso que eu tenha vindo a este inferno
para achar um momento para contemplar teu rosto.

Creio que não há muito a dizer,
apenas quue estou feliz de te ter conhecido.
Parece que logo chegará a hora zero,
mas não temo, depois de saber que estás tão próximo.

Já deram o sinal, Deus, agora tenho que marchar.
Quero que saibas que te amo sinceramente.
Esta batalha será tremenda, algo espantoso,
e, quem sabe, esta noite talvez chegue na tua casa.

Mesmo que até agora não tenha sido teu amigo,
Deus, estarás me esperando na tua porta?
Estou chorando, logo eu, derramando lágrimas!
Isto por que me gostaria ter Te conhecido a muitos anos.

Deus, agora tenho que ir, cumprir minhas ordens. Adeus!
Que estranho! Desde que Te encontrei, já não temo a morte.

-- escrito por soldado da II Guerra

25 de ago. de 2018

A Igreja é um espaço sagrado

O que pode ser feito dentro da Igreja, que não seja missa?
Um concerto na igreja - isto está certo?

  • Reunião de condomínio? Não!
  • E a reunião da escola com os pais? Quase certo que não.
  • Uma peça de teatro? Depende: se for Shakespeare, não; uma peça sobre a vida de Nossa Senhora,  provavelmente sim!
  • Um concerto de música  clássica? Mozart compôs missas, mas também compôs outras não religiosas. Qual delas será tocada?
  • Show de rock? Não é por que a banda é formada pelo grupo de jovens que pode tocar qualquer coisa na igreja.  
Quem prestar atenção no que acontece nas igrejas fora do horário das missas, provavelmente já soube de, no mínimo, uns três exemplos acima. Eu já assiti dois deles: concerto e peça de teatro; e ouvi falar sobre todos os outros. Em geral as igrejas são prédio grandes, tem um formato de auditório e já tem lugar para todos sentarem. As mais antigas tem uma acústica ótima e são lindas. Além disso, estão vazias a maior parte do tempo, então é fácil ser "criativo" e querer utilizá-las para várias atividades.

Mas quase nada dos exemplos acima deveria acontecer dentro de uma igreja e o critério não é ser antigo, clássico ou amigo do padre. Há regras, e é melhor seguirmos as regras, mas para segui-las é necessário conhecê-las. Então vamos ao Código Canônico, onde dois artigos são relevantes:

Cân. 1205 -- Lugares sagrados são aqueles que, mediante a dedicação ou a bênção prescrita pelos livros litúrgicos, se destinam ao culto divino e à sepultura dos fiéis.  

Cân. 1210 -- No lugar sagrado apenas se admita aquilo que serve para exercer ou promover o culto, a piedade e a religião; e proíbe-se tudo o que seja discordante da santidade do lugar. Porém, o Ordinário pode permitir acidentalmente outros atos ou usos, que não sejam contrários à santidade do lugar.

O cânon 1205 define quais são os espaços sagrados e é fácil entendê-los na prática: igrejas, capelas e cemitérios católicos são espaços sagrados, pois é ali que se realizam missas, batismos, casamentos e sepultamentos. Quando inaugurados, o bispo, ou quem ele delegar, consagra o local, isto é, torna-o sagrado.  

Como toda paróquia precisa de outros espaços para fins não-litúrgicos, normalmente há um salão paroquial e a secretaria da igreja, que não são espaço sagrados e dedicados exclusivamente para fins litúrgicos. 

O cânon 1210 define que igrejas devem ser utilizadas apenas para celebrações litúrgicas e outros atos que promovam o culto, piedade e religião; e o tudo o que não promover à santidade esta proibido.  É importante entender que o cânon não restringe o uso à apenas missas ou outros sacramentos, mas abre espaço para, por exemplo, catequeses. Mas neste "abrir espaço", não se deve ir muito longe.

Por que Shakespeare não pode? Pense em Hamlet: o tio mata o pai para ficar a esposa, mãe de Hamlet, e assumir o reino. Nada edificante! Quem sabe MacBeth, com suas bruxas e vários assassinatos. Esta também não edifica. Já a vida de Nossa Senhora apresentada no Tempo de Natal é perfeito.

E só por que é música clássica, não quer dizer automaticamente que é religiosa. Mozart compôs a Missa de Coroação, com Glória, Kyrie, Creio, Santo, Cordeiro de Deus e Benedictus. Impossível algo mais litúrgico e adequado para ser tocada em uma igreja. Mas também compôs a Sinfonia de Paris quando estava na corte do rei francês, inspirado pelo luxo, beleza e outros acontecimentos não cristãos.

Se meu texto estiver cansativo, ouça o Agnus Dei de Mozart, no vídeo acima, sendo tocado durante uma missa celebrada pelo Santo João Paulo II. Certamente vai elevar sua alma!

Nem vou explicar por que a reunião do condomínio não deve ser realizada dentro da igreja, espero que já seja óbvio. E a reunião com os pais da escola? Talvez o objetivo seja convidar os pais a virem frequentemente na missa, e isto seria um bom uso da igreja, mas se for para discutir o valor da mensalidade, por favor, não!

É importante dizer que mesmo que o tema da ocasião seja adequado, deve se manter o espaço como algo sagrado, manter o altar no lugar, se possível levar o Santíssimo para uma capela lateral, evitar o máximo possível o uso do altar e não cobrar ingressos. Há um documento da Congregação Para o Culto Divino sobre isto, publicado em 1988. O texto original está no site da Congregação, em vários idiomas, mas não o português. Uma tradução não oficial, como outras que faço aqui, mas de boa qualidade, foi publicado no site Meloteca. Vale a leitura.

Por fim, caso algo indevido seja anunciado na sua paróquia ou igreja próxima, procure conversar com o padre e explicar os motivos de sua preocupação. Seja educado e caridoso, as vezes os padres erram ou simplesmente não tiveram tempo para examinar atentamente o que estava sendo proposto. 

-- autoria própria. 



28 de jul. de 2018

Evangelho não é auto-ajuda

No Rio Grande do Sul, pelos anos 80/90, Pe. Schneider ficou bastante conhecido pelos seus livros e palestras que misturavam auto-ajuda e cristianismo. Ele era bom palestrante e, não posso negar, algumas idéias e técnicas eram positivas e ajudaram-me. Lembrei dele quando nas últimas semanas vi no Twitter algumas mensagens de um outro padre, muito idênticas ao que o Pe. Scheneider dizia 30 anos atrás:
Jesus Cristo ajudando a mulher adúltera.

  • Assuma hoje sua história nas mãos e construa o ser humano melhor e mais feliz que você deseja ser.
  • Saiba aprender com seus problemas e desafios, e saiba que eles oferecem uma grande oportunidade de crescimento e madurecimento para você
  • Invista na virtude e no bem que existe dentro de você

É claro, Twitter não é lugar para pensamentos elaborados e, de fato, há  pessoas que precisam de um incentivo na vida, de um "vai dar certo", "força e confiança, você consegue". Mas estas frases estão mais para auto-ajuda do que anúncio do Evangelho, que são duas coisas diferentes.

Auto ajuda, baseada em qualquer filosofia, cristã, oriental ou agnóstica, tem algumas características claras:

1. A pessoa é o agente da mudança
A auto-ajuda baseia-se na idéia que a pessoa pode mudar, adquirir hábitos mais saudáveis ou produtivos, e isto trará uma melhora para a sua vida. Cada pessoa é totalmente capaz de alterar sua vida, apenas pela sua iniciativa e força de vontade.

2. É centrada em si mesmo
A auto ajuda busca a melhoria do indivíduo, nos seus objetivos imediatos, para ter uma vida melhor enquanto estamos, por aqui, vivos. Estabelecer objetivos e esforçar-se por alcança-los é saudável, mas há o risco de esquecer que os seus desejos particulares podem não ser adequados para seus familiares, amigos, sociedade ou a sua própria alma.

3. A oração é dispensável ou secundária 
Sendo centrada nos eus prórpios objetivos e na capacidade inata e, quase infinita, do ser humana de se daptar e modificar, muitas vezes a auto-ajuda dispensa a oração ou a mantém a serviço da pessoa e de suas necessidades.

4. A auto-ajuda não limitada pela realidade
Sendo centrada nas possibilidades da uma pessoa, a auto-ajuda é limitada, não contando adequadamente para a realidade que cerca as pessoas. As vezes os planos não funcionam por motivos fora do controle da pessoa, como uma doença, um acidente ou as condições da sociedade. 

Agora comparemos com o Evangelho:

1. Deus é o agente da mudança
Ao se deixar conduzir por Deus, a pessoa modificará seus hábitos para algo mais saudável para a sua alma. É Deus que age na pessoa, respeitando seus limites, mas é Deus que converterá a pessoa. O poder é de Deus, de sua Palavra transformadora, nunca da iniciativa pessoal. 

Pense na Aliança que Deus fez com Abraão: a promessa é toda de Deus, Ele não permite que Abraão se comprometa por que entende que cometerá erros, se afastará do Caminho de Deus. A promessa de Deus é que irá perdoar a Abraão quando este errrar e lhe dará filhos e uma terra. Deus cumpriu a promessa, Abraão foi ter relações com a escrava, não com sua esposa. 

2. O plano é de Deus
Uma pessoa ao receber o anúncio do Evangelho irá se converter, isto é, mudar de vida. Como diz o Profeta Ezequiel, Deus tirará o coração de pedra e dará um coração novo, de carne, capaz de amar ao próximo, sem egoísmo. Conheço muitas pessoas que planejavam serem professores, doutores ou advogados, mas ao receber a palavra de Deus, perceberam que eram chamados ao sacerdócio, a uma vida no monastério ou de missão em terras estrangeiras. Converter-se é deixar-se guiar por Deus, nunca tentar submetê-lo a sua própria vontade.    

3. A oração é essencial
Jesus Cristo já deu o exemplo, é necessário orar, estar em diálogo com Deus, mas não uma oração pedindo apenas pelos seus próprios planos. É importante entrar em oração e dizer: Pai, afasta de mim este cálice, mas se for tua vontade, que eu beba até a última gota.  

4. Deus te ama, mesmo quando teus planos são diferentes
Ninguém planeja ter uma doença, viver na pobreza ou estar desempregado; no entanto esta é a realidade para milhões de pessoas. Neste momento, em que nossos planos são diferentes, em que experimentamos nossas fraquezas, limitações e frustações, quando a auto-ajuda não funciona e expõe seus limites, quando, no fundo, enfrentamos nossa morte, é Jesus Cristo que vem e te diz: Eu enfrentei a morte, eu venci a morte, eu ressucitei, morri na Cruz por que te amo. 

O Evangelho é maior que qualquer auto-ajuda, o Evangelho é ilimitado, a auto-ajuda é restrita a uma pessoa. A Palavra de Deus é para aqueles que não podem se auto ajudar; o método não é estabelecer metas e adotar certos hábitos, mas oração habitual e arrependimento dos seus pecados. O objetivo não é tornar-se uma pessoa de sucesso, mas uma pessoa aberta ao serviço e amor ao próximo. 

-- autoria própria

22 de jun. de 2018

Nós, filhos de Deus, permaneçamos na paz de Deus

Cristo acrescentou claramente uma lei que nos obriga a determinada condição: que peçamos a remissão das dívidas, se nós mesmos perdoarmos aos nossos devedores, sabendo que não podemos alcançar o perdão pedido a não ser que façamos o mesmo em relação aos que nos ofendem. Por esta razão, diz em outro lugar: Com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos. E aquele servo que, perdoado de toda a dívida por seu senhor, mas não quis perdoar o companheiro, foi lançado ao cárcere. Por não ter querido ser indulgente com o companheiro, perdeu a indulgência com que fora tratado por seu senhor.
Caim matando Abel, de Peter Paul Rubens

Cristo propõe o perdão com preceito mais forte e censura ainda mais vigorosa: Quando fordes orar, perdoai se tendes algo contra outro, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe os pecados. Se, porém, não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, não vos perdoará os pecados. Não te restará a menor desculpa no dia do juízo, quando serás julgado de acordo com tua própria sentença e o que tiveres feito, o mesmo sofrerás.

Deus ordenou que sejamos pacíficos, concordes e unânimes em sua casa. Mandou que sejamos tais como nos tornou pelo segundo nascimento; assim também ele nos quer renascidos e perseverantes. Deste modo nós, filhos de Deus, permaneçamos na paz de Deus e os que possuem um só Espírito tenham uma só alma e um só coração.

Deus não aceita o sacrifício do que vive em discórdia e ordena deixar o altar e ir primeiro reconciliar-se com o irmão, para que, com preces pacíficas, possa Deus ser aplacado. Maior serviço para Deus é a nossa paz e concórdia fraterna e o povo que foi feito uno pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Nos sacrifícios que Abel e Caim foram os primeiros a oferecer, Deus não olhava os dons, mas os corações, de forma que lhe agradava pelo dom aquele que lhe agradava pelo coração. Abel, pacífico e justo, sacrificando com inocência a Deus, ensinou os outros a depositar seus dons no altar com temor de Deus, simplicidade de coração, empenho de justiça e de concórdia. Aquele que assim procedeu no sacrifício de Deus tornou-se merecidamente sacrifício para Deus. Sendo o primeiro a dar a conhecer o martírio, iniciou pela glória de seu sangue a paixão do Senhor, por ter mantido a justiça e a paz do Senhor. Esses serão, no fim, coroados pelo Senhor; esses, no dia do juízo, triunfarão com o Senhor.

Quanto aos discordantes, aos dissidentes, aos que não mantêm a paz com os irmãos, mesmo que sejam mortos pelo nome de Cristo, não poderão, conforme o testemunho do santo Apóstolo e da Sagrada Escritura, escapar do crime de desunião fraterna, pois está escrito: Quem odeia seu irmão é homicida. Não chega ao reino dos céus nem vive com Deus um homicida. Não pode estar com Cristo quem preferiu a imitação de Judas à de Cristo.

-- Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (século III)

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