30 de set. de 2012

Eles te guardem em todos os teus caminhos


* Dia 2 de Outubro é a Festa dos Santos Anjos da Guarda. Esta é a leitura da Liturgia da Palavra. 

A teu respeito ordenou a seus anjos que te guardem em todos os teus caminhos (Sl 90,11). Louvem o Senhor por sua misericórdia e suas maravilhas para com os filhos dos homens. Louvem e proclamem às nações que o Senhor agiu de modo magnífico a favor deles. Senhor, que é o homem para que assim o conheças? Ou por que inclinas para ele teu coração? Aproximas dele teu coração, enches-te de solicitude por sua causa, cuidas dele. Enfim, a ele envias o teu Unigênito, infundes o teu Espírito, prometes até a visão de tua face. E para que nas alturas nada falte no serviço a nosso favor, envias os teus santos espíritos a servir-nos, confias-lhes nossa guarda, ordenas que se tornem nossos pedagogos.

A teu respeito, ordenou a seus anjos que te guardem em todos os teus caminhos. Esta palavra quanta reverência deve despertar em ti, aumentar a gratidão, dar confiança. Reverência pela presença, gratidão pela benevolência, confiança pela proteção. Estão aqui, portanto, e estão junto de ti, não apenas contigo, mas em teu favor. Estão aqui para proteger, para te serem úteis. Na verdade, embora enviados por Deus, não nos é lícito ser ingratos para com eles, que com tanto amor lhe obedecem e em tamanhas necessidades nos auxiliam.

Sejamos-lhes fiéis, sejamos gratos a tão grandes protetores; paguemos-lhes com amor; honremo-los tanto quanto pudermos, quanto devemos. Prestemos, no entanto, todo o nosso amor e nossa honra àquele que é tudo para nós e para eles; de quem recebemos poder amar e honrar, de quem merecemos ser amados e honrados.

Assim, irmãos, nele amemos com ternura seus anjos como futuros co-herdeiros nossos, e enquanto esperamos nossos intendentes e tutores dados pelo Pai como nossos guias. Porque agora somos filhos de Deus, embora não se veja, pois ainda estamos sob tutela quais meninos que em nada diferem dos servos.

Aliás, mesmo assim tão pequeninos e restando-nos ainda uma tão longa, e não só tão longa, mas ainda tão perigosa caminhada, que temos a temer com tão poderosos protetores? Eles não podem ser vencidos, nem seduzidos, e ainda menos seduzir, aqueles que nos guardam em todos os nossos caminhos. São fiéis, são prudentes, são fortes; por que trememos de medo? Basta que os sigamos, unamo-nos a eles e habitaremos sob a proteção do Deus do céu.

-- Dos Sermões de São Bernardo, abade (século XII)

28 de set. de 2012

Castelo de Sant'Angelo - Roma

Castelo de Sant'Angelo. No topo está a imagem de São Miguel

No ano de 590 uma grande praga estava a matar muitíssimas pessoas em Roma. Os cristãos, em desespero, colocaram um ídolo no altar da Igreja de Santa Ágata. O Papa Gregório teve uma visão e organizou uma procissão pela cidade até a Igreja. Ao entrarem na Igreja, o ídolo caiu no chão, desfazendo-se em muitos pedaços. No retorno da procissão até o Vaticano, após atravessarem a Ponte Aelia, o Papa avistou São Miguel sobre um castelo, cuja espada pingando sangue apontava sobre a cidade, colocando-a na bainha da cintura. Conta-se que a praga afastou-se e ninguém mais caiu doente ou morreu.  
A imagem de São Miguel, obra do escultor
Peter Anton von Verschaffelt.

O Castelo foi aprimorado pelo Papa Nicolau III no século 14, quando foi conectado por um corredor à residência dos papas. Em 1527, quando o Rei Carlos V invadiu Roma, o Papa Clemente VII refugiou-se no castelo. Em 1667, o Papa Clemente IX fez colocar uma imagemd e São Miguel no alto do prédio, de modo que quem estiver atravessando a ponte, veja a imagem de frente. 

Ao longo dos séculos, o Castelo nunca foi derrotado. No século XIX foi utilizado como prisão. Restaurado no início do século XX, hoje é um museu bastante interessante. 

* 29 de Setembro é Festa dos Arcanjos Miguel, Rafael e Gabriel. O texto litúrgico é de São Gregório Magno.

27 de set. de 2012

Amar a Palavra de Deus na Sagrada Escritura

* Dia de 30 de Setembro celebramos a Festa de São Jerônimo. A leitura proposta pela Liturgia intitula-se Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo. Aqui coloco um comentário feito pelo Bento XVI, na audiência de 7 de Novembro de 2007.


Que podemos nós aprender de São Jerônimo? Sobretudo, penso, o seguinte: amar a Palavra de Deus na Sagrada Escritura. Diz São Jerônimo: Ignorar as Escrituras é ignorar Cristo. Por isso é importante que cada cristão viva em contato e em diálogo pessoal com a palavra de Deus, que nos é dada na Sagrada Escritura. Este nosso diálogo com ela deve ter sempre duas dimensões: por um lado, deve ser um diálogo realmente pessoal, porque Deus fala com cada um de nós através da Sagrada Escritura e cada um tem uma mensagem. Devemos ler a Sagrada Escritura não como palavra do passado, mas como Palavra de Deus que se dirige também a nós e procurar compreender o que o Senhor nos quer dizer. Mas para não cair no individualismo devemos ter presente que a Palavra de Deus nos é dada precisamente para construir comunhão, para nos unir na verdade no nosso caminho para Deus. Portanto, ela, mesmo sendo sempre uma palavra pessoal, é também uma Palavra que constrói comunidade, que constrói a Igreja. Por isso, devemos lê-la em comunhão com a Igreja viva. O lugar privilegiado da leitura e da escuta da Palavra de Deus é a liturgia, na qual, celebrando a Palavra e tornando presente no Sacramento o Corpo de Cristo, atualizamos a Palavra na nossa vida e tornamo-la presente entre nós. Nunca devemos esquecer que a Palavra de Deus transcende os tempos. As opiniões humanas vão e voltam. O que hoje é muito moderno, amanhã será velhoA Palavra de Deus, ao contrário, é Palavra de vida eterna, tem em si a eternidade, ou seja, é válida para sempre. Trazendo em nós a Palavra de Deus, trazemos também em nós o eterno, a vida eterna.
E concluo com uma palavra de São Jerônimo a São Paulino de Nola. Nela o grande exegeta expressa precisamente esta realidade, isto é, que na Palavra de Deus recebemos a eternidade, a vida eterna. Diz São Jerônimo: “Procuremos aprender na terra aquelas verdades cuja consistência persistirá também no céu” (Ep. 53, 10).

Capítulo 15 - Das obras feitas com caridade



A Caridade - Schedoni
  1. Por nenhuma coisa do mundo, nem por amor de pessoa alguma, se deve praticar qualquer mal; mas, em prol de algum necessitado, pode-se, às vezes, omitir uma boa obra, ou trocá-la por outra melhor. Desta sorte, a boa obra não se perde, mas se converte em outra melhor. Sem a caridade, nada vale a obra exterior; tudo, porém, que da caridade procede, por insignificante e desprezível que seja, produz abundantes frutos, porque Deus não atende tanto à obra, como à intenção com que a fazemos.
  2. Muito faz aquele que muito ama. Muito faz quem bem faz o que faz. Bem faz quem serve mais ao bem comum que à sua própria vontade. Muitas vezes parece caridade o que é mero amor-próprio, porque raras vezes nos deixa a inclinação natural, a própria vontade, a esperança da recompensa, o nosso interesse.
  3. Aquele que tem verdadeira e perfeita caridade em nada se busca a si mesmo, mas deseja que tudo se faça para a glória de Deus. De ninguém tem inveja, porque não deseja proveito algum pessoal, nem busca sua felicidade em si, mas procura sobre todas as coisas ter alegria e felicidade em Deus. Não atribui bem algum à criatura, mas refere tudo a Deus, como à fonte de que tudo procede, e em que, como em fim último, acham todos os santos o deleitoso repousar. Oh! Quem tivera só uma centelha de verdadeira caridade logo compreenderia a vaidade de todas as coisas terrenas!

-- Do livro "Imitação de Cristo"(século XV)

26 de set. de 2012

Salmo 149: Festa dos amigos de Deus

1. "Regozijem-se os justos na glória e cantem jubilosos em seus leitos". Este apelo do Salmo 149 (v. 5), que acaba de ser proclamado, remete para uma aurora que está prestes a despontar e vê os fiéis prontos a entoar os seus louvores matutinos. Com uma expressão significativa, este louvor é definido como "um cântico novo" (v. 1), ou seja, um hino solene e perfeito, propício para os últimos dias, quando o Senhor reunir os justos num mundo renovado. Todo o Salmo  está  impregnado  de  uma  atmosfera festiva, inaugurada já pelo aleluia inicial e depois cadenciada com cânticos, louvores, alegria, danças e sons de tímpanos e de cítaras. A oração que este Salmo inspira é a ação de graças de um coração repleto de exultação religiosa.




2. Os protagonistas deste Salmo são chamados, no original hebraico do hino, com dois termos característicos da espiritualidade do Antigo Testamento. Por três vezes são definidos como"hasidim" (vv. 1.5 e 9), ou seja, "os piedosos, os fiéis", aqueles que respondem com fidelidade e amor (hesed) ao amor paternal do Senhor.

A segunda parte deste Salmo surpreende, porque está repleta de expressões bélicas. Parece-nos estranho que no mesmo versículo o Salmo fale dos "louvores de Deus a plena voz" e da "espada de dois gumes nas suas mãos" (v. 6). Refletindo, podemos compreender o motivo:  o Salmo foi composto para os "fiéis" que estavam empenhados numa luta de libertação; combatiam para libertar o seu povo oprimido e para lhe dar a possibilidade de servir a Deus. Durante a época dos Macabeus, no século II a.C., os combatentes pela liberdade e pela fé, submetidos a uma dura repressão por parte do poder helenista, chamavam-se precisamente hasidim, "os fiéis" à Palavra de Deus e às tradições dos Padres.

3. Na perspectiva actual da nossa oração, esta simbologia bélica torna-se uma imagem do nosso compromisso de crentes e, depois de termos cantado a Deus os louvores matutinos, podemos partir pelas estradas do mundo, no meio do mal e da injustiça. Infelizmente, as forças que se opõem ao Reino de Deus são imponentes:  o Salmista fala "de povos, de nações, de chefes e de nobres". Todavia, está confiante porque sabe que ao seu lado se encontra o Senhor, que é o verdadeiro Rei da história (cf. v. 2). Por conseguinte, a sua vitória sobre o mal é certa e será o triunfo do amor. É neste combate que participam todos os hasidim, todos os fiéis e os justos que, com o poder do Espírito, completam a obra admirável que tem o nome do Reino de Deus.

4. Partindo das referências do Salmo ao "coro" e aos "tímpanos e cítaras", Santo  Agostinho  comenta:   "O  que  é que representa um coro? [...] O coro é um grupo de cantores que cantam em conjunto. Se cantarmos num coro, devemos cantar em harmonia. Quando se canta em coro, uma única voz desafinada fere o ouvinte e semeia confusão no próprio coro" (Enarr. in Ps., 149: CCL 40, 7, 1-4).

Depois, referindo-se aos instrumentos utilizados pelo Salmista, pergunta-se:  "Por que motivo o Salmista pega no tímpano e no saltério?". Em seguida, responde:  "A fim de que não só a voz louve ao Senhor, mas também as suas obras. Quando se tocam o tímpano e o saltério, as mãos harmonizam-se com a voz. Assim deve ser também para ti. Quando cantares o aleluia, deves oferecer o pão ao faminto, vestir aquele que está nu e hospedar o peregrino. Se fizeres isto, não só a voz cantará, mas com voz se hão-de harmonizar as mãos, enquanto com as palavras concordarão as obras" (Ibid., 8, 1-4).

5. Há outro vocábulo, com que os orantes deste Salmo são definidos:  trata-se dos "anawim", isto é, "os pobres, os humildes" (v. 4) Esta expressão é muito frequente no Saltério e indica não só os oprimidos, os miseráveis e os que são perseguidos por causa da justiça, mas inclusivamente aqueles que, sendo fiéis aos compromissos morais da Aliança com Deus, são marginalizados por quantos escolhem a violência, a riqueza e a prepotência. É nesta luz que se compreende que a classe dos "pobres" não é apenas uma categoria social, mas uma opção espiritual. Este é o sentido da primeira, célebre, Bem-Aventurança:  "Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus" (Mt 5, 3). Já o profeta Sofonias se dirigia com a seguinte expressão aos anawim: "Procurai o Senhor, vós todos, os humildes da terra, que cumpris a sua lei. Procurai a justiça, buscai a humildade:  talvez assim acheis abrigo no dia da cólera do Senhor" (2, 3).


6. Pois bem, o "dia da cólera do Senhor" é precisamente aquele que se descreve na segunda parte do Salmo, quando os "pobres" se põem ao lado de Deus a fim de lutar contra o mal. Sozinhos, eles não têm a força suficiente, nem os instrumentos, nem as estratégias necessárias para se opor à irrupção do mal. Contudo, a frase do Salmista não admite hesitações:  "O Senhor, de verdade, ama o seu povo e adorna os humildes (anawim) com a vitória" (v. 4). Representa-se espiritualmente aquilo que o Apóstolo Paulo declara aos Coríntios:  "O que é vil e desprezível no mundo é que Deus escolheu, como também aquelas coisas que nada são, para destruir as que são" (1 Cor 1, 28).

É com esta confiança que "os filhos de Sião" (v. 2), os hasidim e os anawim, ou seja os fiéis e os pobres, se preparam para viver o seu testemunho no mundo e na história. O cântico de Maria, contido no Evangelho de Lucas o canto do Magnificat constitui o eco dos melhores sentimentos presentes nos "filhos de Sião":  o louvor de exultação a Deus Salvador, a acção de graças pelas grandes  coisas  que  lhe  fez  o  Omnipotente, o combate contra as forças do mal,  a  solidariedade  para  com  os  pobres e a fidelidade ao Deus da Aliança (cf. Lc 1, 46-55).

-- Papa João Paulo II, na audência de 23 de maio de 2011

25 de set. de 2012

Sobre os primeiros mandamentos


Relíquia contendo o sangue de
São Lourenço. Em 10 de Agosto de
cada ano e em algumas festas cristãs,
o sangue se liquefaz.
Porque diz no princípio: Eu sou o teu Senhor e Deus?
- Para que conheçamos que Deusm sendo o nosso criador e Senhor, pode mandar-nos o que quer; e nós criaturas suas somos obrigados a obedecer-lhe.

Que nos ordena com aquelas palavras do Primeiro mandamento: Não terás outro Deus diante de mim?
- Ordena que reconheçamos, adoremos e sirvamos a ele somente, como nosso supremo Senhor.

Como se satisfaz este mandamento?
- Exercitando os atos de fé, esperança, caridade e religião.

E que coisa nos proíbe?
- A idolatria e toda espécie de superstição.

Proíbe também o honrar os santos?
- Isto não é proibido, antes devemos fazê-lo, porque não veneramos os Santos, como a Deus, mas como amigos de Deus.

É proibido dar a honra às imagens de Jesus Cristo e dos santos?
- Não, porque se refere a Jesus Cristo ou aos santos, é em honra a eles que se faz as imagens.

E as relíquias dos santos?
- Com semelhante honra se venera as relíquias, porque os seus corpos foram membros vivos de Jesus Cristo e templo do Espírito Santo e hão de ressuscitar gloriosos à vida eterna.

Que nos proíbe o segundo Mandamento: não uses do nome de Deus em vão?
- Proibe-nos todo desacato que se faça em nome de Deus com palavras, como o nomeá-lo sem respeito e sem devoção. Proíbe-nos de juramentos falsos ou não necessários, ou de qualquer modo ilícitos; e proíbe as blasfêmias contra Deus e os santos.

E que coisa nos ordena?
- Que demos honra ao seu Santo Nome e cumpramos os votos e juramentos.

Que nos determina o terceiro mandamento: lembra-te de santificar as festas?
- Determina-nos honrar a Deus com obras de piedade cristã nos dias de festa dedicados ao seu culto.

Quais são as obras de piedade cristã que se deve fazer em tais dias?
- São essas: assistir com sincera devoção ao Santo Sacrifício da Missa, como expressamento nos manda a Igreja; receber frequentemente os sacramentos da Penitência e da Eucaristia, instituídos para a nossa salvação; concorrer a ouvir a doutrina cristã, os sermões e ofícios divinos; exercitar-se na oração e nas obras de caridade para com o próximo.


Não basta pois para santificar a festa participar da Missa?
- Certo que não basta para santificá-la completamente e não livra da culpa contra a exata observância deste preceito quem sem causa legítima não faz mais no dia de Festa que ouvir a Missa.

E que coisa nos proíbe?
- O fazer qualquer obra servil.

Que dizeis vós por "obras servis"?
- Os trabalhos corporais que são próprios dos servos, dos oficiais mecânicos e dos jornaleiros.

Não há obra servil alguma que nesses dias seja permitida?
- São permitidas aquelas que são necessárias para a vida humana ou para o serviço de Deus, ou que se fazem por algum grave e urgente motivo, com licença, se pode haver-se, de legítimos superiores.

Que obras devemos, sobretudo, evitar nos dias de festas?
- Sobretudo devemos evitar o pecado e tudo que conduz ao pecado, como as tavernas, bailes e outras coisas semelhantes perigosas.

-- Do Compêndio da Doutrina Cristã, por São Roberto Belarmino, bispo (século XVI)



24 de set. de 2012

Capítulo 14 - Como se deve evitar o juízo temerário


O Juízo Final - Francisco Pacheco
  1. Relanceia sobre ti o olhar e guarda-te de julgar as ações alheias. Quem julga os demais perde o trabalho, quase sempre se engana e facilmente peca; mas, examinando-se e julgando-se a si mesmo, trabalha sempre com proveito. De ordinário, julgamos as coisas segundo a inclinação do nosso coração, pois o amor-próprio facilmente nos altera a retidão do juízo. Se Deus fora sempre o único objetivo dos nossos desejos, não nos perturbaria tão facilmente qualquer oposição ao nosso parecer.
  2. Muitas vezes existe, dentro ou fora de nós, alguma coisa que nos atrai e em nós influi. Muitos buscam secretamente a si mesmos em suas ações, e não o percebem. Parecem até gozar de boa paz, enquanto as coisas correm à medida de seus desejos; mas, se de outra sorte sucede, logo se inquietam e entristecem. Da discrepância de pareceres e opiniões freqüentemente nascem discórdias entre amigos e vizinhos, entre religiosos e pessoas piedosas.
  3. É custoso perder um costume inveterado, e ninguém renuncia, de boa mente, a seu modo de ver. Se mais confias em tua razão e talento que na graça de Jesus Cristo, só raras vezes e tarde serás iluminado; pois Deus quer que nos sujeitemos perfeitamente a ele e que nos elevemos acima de toda razão humana, inflamados do seu amor.

-- Do livro "Imitação de Cristo"(século XV)

22 de set. de 2012

Os cristãos enfermos


Ao enfermo, diz o Senhor, não fortificastes (Ez 34,4). Diz aos maus pastores, aos pastores falsos, que buscam seu interesse, não o de Jesus Cristo. Aos que se alegram com as dádivas do leite e da lã, mas descuram totalmente as ovelhas e não cuidam das doentes. Parece-me haver diferença entre enfermo e doente – pois costuma-se chamar de enfermos os doentes; enfermo quer dizer não firme, e doente o que se sente mal.

Na verdade, irmãos, esforçamo-nos de algum modo por distinguir estas coisas, mas talvez com maior aplicação poderíamos nós ou outro mais entendido e com o coração mais cheio de luz discernir melhor. À espera disto, para que não sejais privados em relação às palavras da Escritura, falo o que penso. É de se temer sobrevenha uma tentação ao enfermo que o debilite. O doente, ao contrário, já adoeceu por alguma ambição e por esta ambição se vê impedido de entrar no caminho de Deus, de submeter-se ao jugo de Cristo.

Observai esses homens que desejam viver bem, já decididos a viver bem. São, no entanto, menos capazes de suportar os males do que fazer o bem. Pertence à firmeza do cristão não apenas fazer o bem, mas também tolerar os males. Aqueles, pois, que parecem ardentes nas boas obras, mas não querem ou não podem suportar as provações iminentes, estes são enfermos. Por outro lado, aqueles que amam o mundo e por qualquer desejo mau se afastam até das obras boas, jazem gravemente doentes, visto que pela doença, sem forças, nada de bom podem realizar.

O paralítico era um destes, na alma. Os que o carregavam, não podendo levá-lo até junto do Senhor, descobriram o teto e fizeram-no descer. É isto que terias de fazer: descobrir o teto e colocar junto do Senhor a alma paralítica, com todos os membros frouxos, e vazia de obras boas, curvada sob o peso dos pecados e doente com o mal de sua cobiça. Portanto, se todos os seus membros estão frouxos e há paralisia interior para levá-la ao médico – talvez o médico esteja escondido no teu interior: seria este um sentido oculto nas Escrituras– se queres descobrir-lhe o que está oculto, descobre o teto e faze descer diante dele o paralítico.

A quem assim não procede e desdenha fazê-lo, ouvistes o que lhe dizem: Aos doentes não fortalecestes, ao fraturado não pensastes (Ez 34,4); já explicamos esta passagem. Estava alquebrado pelo terror das provações. Mas surge algo que restaura a fratura, estas palavras de consolo: Fiel é Deus que não permitirá serdes tentados além do que podeis suportar, mas com a tentação vos dará o meio de sair dela para que a possais suportar (1Cor 10,13).

-- Do Sermão sobre os pastores, de Santo Agostinho, bispo (século V)

Cântico de Daniel - Toda criatura louve ao Senhor

Queridos irmãos e irmãs,


1. "Obras do Senhor, bendizei todas o Senhor" (Dn 3, 57). Uma serenidade cósmica invade este Cântico tirado do livro de Daniel, que a Liturgia das Horas propõe para as Laudes do Domingo na primeira e terceira semanas. E esta maravilhosa oração de ladainha condiz bem com o Dies Domini, o Dia do Senhor, que em Cristo ressuscitado nos faz contemplar o ápice do desígnio de Deus sobre o cosmos e a história. Com efeito, n'Ele, Alfa e Ómega, Princípio e Fim da história (cf.Ap 22, 13), a própria criação adquire o sentido completo porque, como recorda João no prólogo do seu Evangelho "tudo começou a existir por meio d'Ele" (Jo 1, 3). Na Ressurreição de Cristo encontra-se o vértice da história da salvação, abrindo a vicissitude humana para o dom do Espírito e da adopção filial, à espera do retorno do Esposo divino, que entregará o mundo a Deus Pai (cf. 1 Cor 15, 24).

2. Neste trecho em forma de ladainha, são como que passadas em revista todas as coisas. O olhar volta-se para o sol, a lua e os astros; detém-se na imensidão das águas, eleva-se rumo às montanhas e contempla as várias situações atmosféricas; passa do calor ao frio, da luz às trevas; considera o mundo mineral e vegetal, analisando as diversas espécies animais. Depois, o apelo torna-se universal:  chama ao princípio os anjos de Deus, atinge todos os "filhos do homem", mas empenha de forma especial o povo de Deus, Israel, os seus sacerdotes, os justos. É um coro imenso, uma sinfonia em que as várias vozes elevam o seu cântico a Deus, Criador do universo e Senhor da história. Recitado à luz da revelação cristã, ele dirige-se a Deus trinitário, como a liturgia nos convida a fazer, acrescentando ao Cântico uma fórmula trinitária:  "Bendigamos ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo".

3. De certa forma, neste Cântico reflete-se a alma religiosa universal, que no mundo vislumbra os vestígios de Deus, elevando-se à contemplação do Criador. Mas no contexto do livro de Daniel, o hino apresenta-se como ação de graças recitado por três jovens israelitas Ananias, Azarias e Misael condenados a morrer queimados numa fornalha, por se terem recusado a adorar a estátua de ouro de Nabucodonosor, mas milagrosamente preservados das chamas. Por detrás deste acontecimento há a singular história de salvação, em que Deus escolhe Israel como seu povo e com ele faz uma aliança. Os três jovens israelitas desejam ser fiéis precisamente a esta aliança, mesmo ao preço de irem ao encontro do martírio na fornalha ardente. A sua fidelidade encontra-se com a  fidelidade  de  Deus,  que  envia  um anjo  para  afastar  deles  as  chamas (cf. Dn 3, 49).

Desta forma, este Cântico coloca-se na linha dos cantos de louvor por um perigo evitado, contidos no Antigo Testamento. Entre eles, é famoso o cântico de vitória que aparece no capítulo 15 do Êxodo, onde os antigos hebreus exprimem o seu reconhecimento ao Senhor por aquela noite em que seriam inevitavelmente aniquilados pelo exército do faraó, se o Senhor não lhes tivesse aberto um caminho entre as águas, fazendo precipitar "no mar o cavalo e o cavaleiro" (v. 1).

4. Não é por acaso que, na solene vigília pascal, a liturgia nos faz repetir todos os anos o hino cantado pelos israelitas no Êxodo. Aquele caminho que lhes foi aberto anunciava profeticamente a nova senda que Cristo ressuscitado inaugurou para a humanidade na noite santa da sua Ressurreição dos mortos. A nossa passagem simbólica através das águas baptismais permite-nos reviver uma experiência análoga de passagem da morte para a vida, graças à vitória sobre a morte, que Jesus alcançou em favor de todos nós.

Ao repetirmos na liturgia dominical das Laudes o Cântico dos três jovens israelitas, nós discípulos de Cristo queremos colocar-nos na mesma onda de gratidão pelas grandes obras realizadas por Deus, tanto na criação como, sobretudo, no mistério pascal.

Com efeito, o cristão vislumbra aqui uma relação entre a libertação dos três jovens, de quem nos fala o Cântico, e a Ressurreição de Jesus. Nesta última, os Atos dos Apóstolos vêem realizada a oração dos fiéis que, como o Salmista, cantam com confiança:  "Tu não abandonarás a minha alma na habitação dos mortos, nem permitirás que o teu Santo conheça  a  decomposição"  (At 2, 27;Sl 15, 10).

A relação deste Cântico com a Ressurreição é bastante tradicional. Existem antiquíssimos testemunhos da presença deste hino na oração do Dia do Senhor, que é a Páscoa semanal dos cristãos. Além disso, as catacumbas romanas conservam restos iconográficos em que se aparecem os três jovens que rezam incólumes no meio das chamas, testemunhando desta maneira a eficácia da oração e a certeza da intervenção do Senhor.

5. "Bendito sois Vós no firmamento dos céus, digno de louvor e glória eternos!" (Dn 3, 56). Ao entoar este hino na manhã de Domingo, o cristão sente-se grato não só pelo dom da criação, mas também porque é destinatário do cuidado paterno de Deus, que em Cristo o elevou à dignidade de filho.

Um cuidado paternal que nos faz considerar com um novo olhar a própria criação e apreciar a sua beleza, na qual se entrevê, como que em filigrana, o amor de Deus. É com estes sentimentos que Francisco de Assis contemplava a criação e elevava o seu louvor a Deus, nascente última de toda a beleza. Torna-se espontâneo imaginar que a exaltação deste texto bíblico ecoava na sua alma quando, em São Damião, depois de ter alcançado o vértice do sofrimento no corpo  e  no  espírito,  compôs  o " Cântico  do  irmão  sol"  (cf. Fontes Franciscanas, 263).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 2 de Maio de 2001

19 de set. de 2012

Os Mandamentos de Deus


* Começo a publicar a terceira parte do Compêndio escrito por São Roberto Belarmino, agora falando dos Mandamentos de Deus e da Igreja. Apenas para embrar, as duas primeiras partes tratam da oração do Creio e das orações em geral, respectivamente. 

Qual a terceira parte da doutrina cristã?
- Os mandamentos de Deus

Quantos são os mandamentos de Deus?
- São dez, a saber:
1. Eu sou o teu Senhor e Deus, não terás outro Deus diante de mim.
2. Não uses o nome de Deus em vão.
3. Lembra-te de santificar as festas.
4. Honra ao teu pai e mãe para que tenhas prolongada vida na tera.
5. Não matarás.
6. Não fornicarás.
7. Não furtarás.
8. Não dirás falso testemunho.
9. Não desejarás a mulher do teu próximo.
10. Não cobiçarás as coisa alheias.

Quem deu estes mandamentos?
- O mesmo Deus os deu na lei velha, esculpidos em duas tábuas de pedra; e Jesus Cristo os confirmou na nova lei.

Quais são os mandamentos da primeira tábua?
- Os três primeiros, que dizem respeito a Deus.

E quais são os mandamentos da segunda tábua?
- Os últimos sete, que tocam o próximo.

Podemos nós guardar estes preceitos?
- Certamente podemos guardá-los com o auxílio da graça divina, a qual Deus é pronto a dar a uem lhe pede como se deve pedir.

Que contem, em suma, estes mandamentos?
- Contêm a obrigação da caridade para com Deus e com o próximo.

Que coisa se deve considerar geralmente em cada um destes preceitos?
- Que alguam coisa se nos manda e alguma outra se nos proíbe.

-- Do Compêndio da Doutrina Cristã, por São Roberto Belarmino, bispo (século XVI)

18 de set. de 2012

O exemplo de São Paulo

O túmulo de São Pedro encontra-se diretamente abaixo
do altar principal da Basílica Vaticana,

Estando Paulo, certa ocasião, em grande indigência e preso pela proclamação da verdade, alguns irmãos enviaram-lhe com que acudir a suas necessidades. Agradecido, responde-lhes: Fizestes bem provendo-me do necessário. Eu, porém, aprendi a bastar-me em qualquer situação. Sei ter muito e sei passar privações. Tudo posso naquele que me dá forças. No entanto fizestes bem em enviar-me aquilo de que preciso (cf. Fl 4,10-14).

Mas desejando mostrar o que é que lhe interessava neste gesto em seu favor – não houvesse acaso entre eles algum dos que se apascentam a si e não as ovelhas – não se alegra tanto por ter sido socorrido em sua necessidade, quanto se congratula com eles por sua liberalidade. O que procurava então? Diz: Não porque espero dádivas para mim, mas porque busco frutos para vós (Fl 4,17). Não para que me sacie eu, mas para que não fiqueis vazios vós.

Que aqueles que não podem, como Paulo, sustentar-se com o trabalho de suas mãos, aceitem o leite das ovelhas, supram as suas necessidades, mas não descuidem a fraqueza das ovelhas. Não procurem isto para o próprio proveito, como se anunciassem o Evangelho só para atender a sua penúria, mas tenham em mira a luz da palavra da verdade a fim de iluminar os homens. Pois parecem-se com lâmpadas, como foi dito: Estejam vossos rins cingidos e lâmpadas acesas (Lc 12,35); e: Ninguém acende uma lâmpada e a põe debaixo da vasilha, mas sobre o candelabro a fim de iluminar aqueles que estão em casa; assim brilhe vossa luz diante dos homens para que vejam vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus (Mt 5,15-16).

Se para teu uso acendessem em casa uma lâmpada, não lhe porias mais óleo para não se extinguir? Todavia, se mesmo com óleo a lâmpada não brilhasse, não seria de modo algum digna de ser posta no candelabro, mas logo quebrada. O bastante para viver, por necessidade se aceita, por caridade se dá. Não seja o Evangelho um objeto venal, como se fosse o preço que recebem os que o anunciam para terem com que viver. Se assim o vendem, por uma ninharia vendem uma coisa preciosa. Do povo recebem o sustento necessário; do Senhor, a recompensa de seu ministério. Não é o povo o indicado para dar a recompensa àqueles que servem ao Evangelho na caridade. Estes esperam sua recompensa da mesma fonte de que os outros aguardam a sua salvação.

Por que então são repreendidos? Por que censurados? É que, bebendo o leite e cobrindo-se com a lã, descuravam as ovelhas. Procuravam apenas seu interesse, não o de Jesus Cristo.

-- Do Sermão sobre os pastores, de Santo Agostinho, bispo (século V)

17 de set. de 2012

Salmo 62: a alma sedenta do Senhor


Salmo 62 proclamado durante uma celebração na Canção Nova.


O Salmo 62, no qual nos detemos para reflectir, é o Salmo do amor místico que celebra a adesão total a Deus, partindo de um anseio quase físico e chegando à sua plenitude num abraço íntimo e perene. A oração faz-se desejo, sede e fome, porque envolve a alma e o corpo.

Como escreve Santa Teresa de Ávila, "a sede exprime o desejo de algo, mas um desejo tão intenso que perecemos se dele nos privamos" (Caminho de perfeição, c. XIX). Deste Salmo, a liturgia propõe-nos as primeiras duas estrofes, que estão centradas precisamente nos símbolos da sede e da fome, enquanto a terceira estrofe faz oscilar um horizonte obscuro, do juízo divino sobre o mal, em contraste com a luminosidade e a candura do resto do Salmo.

Então, iniciemos a nossa meditação com o primeiro cântico, o da sede de Deus (cf. vv. 2-4). É a aurora, o sol que está a nascer no céu obscuro da Terra Santa, e o orante começa o seu dia, indo ao templo para buscar a luz de Deus. Ele tem necessidade daquele encontro com o Senhor de maneira quase instintiva, dir-se-ia "física". Assim como a terra árida é morta, enquanto não for irrigada pela chuva, e assim como nas fendas do terreno ela se parece com uma boca dessedentada e seca, assim o fiel aspira por Deus para ser por Ele saciado e poder assim existir em comunhão com Ele.

O profeta Jeremias já tinha proclamado:  o Senhor é "fonte de águas vivas", reprovando o povo por ter cavado "cisternas rotas, que não podem reter as águas" (2, 13). O próprio Jesus exclamará em voz alta:  "Se alguém tem sede venha a mim e beba... que acredite em mim" (Jo 7, 37-38). Em plena tarde de um dia ensolarado e silencioso, Ele promete à mulher samaritana:  "Quem beber da água que Eu lhe der, jamais terá sede, porque a água que Eu lhe der se tornará nele uma nascente de água a jorrar para a vida eterna" (Jo 4, 14).

No que diz respeito a este tema, a oração do Salmo 62 relaciona-se com o cântico de outro Salmo maravilhoso:  "Assim como a corça suspira pelas correntes de água, assim também a minha alma suspira por Vós, ó meu Deus. A minha alma tem sede do Senhor, do Deus vivo" (41, 2-3). Pois bem, na língua do Antigo Testamento o hebraico a "alma" é expressa com o termo nefesh, que nalguns textos designa a "garganta" e em muitos outros chega a indicar todo o ser da pessoa.

Compreendido nesta acepção, o vocábulo ajuda a entender como é essencial e profunda a necessidade de Deus; sem Ele faltam a respiração e a própria vida. Por isso, o Salmista chega a pôr em segundo plano a própria existência física, se vier a faltar a união com Deus:  "O vosso amor é mais precioso do que a vida" (62, 4). Inclusivamente no Salmo 72, repetir-se-á ao Senhor:  "Além de Vós, nada mais anseio sobre a terra. A minha carne e o meu coração já desfalecem, mas o Senhor é para sempre a rocha do meu coração e a minha herança... o meu bem é estar perto de Deus" (vv. 25-26 e 28).

Depois do cântico da sede, eis que se modula nas palavras do Salmista o cântico da fome (cf.Sl 62, 6-9). Provavelmente, com as imagens do "lauto banquete" e da saciedade, o orador remete para um dos sacrifícios que se celebravam no templo de Sião:  o sacrifício chamado "de comunhão", ou seja, um banquete sagrado em que os fiéis comiam a carne das vítimas imoladas. Outra necessidade fundamental da vida é aqui utilizada como símbolo da comunhão com Deus:  a fome é saciada quando se escuta a Palavra divina e se encontra o Senhor. Com efeito, "o homem não vive somente de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor" (Dt 8, 3; cf. Mt 4, 4). E aqui o pensamento do cristão corre para aquele banquete que Cristo preparou na última noite da sua vida terrestre, e cujo profundo valor Ele já tinha explicado durante o discurso de Cafarnaum:  "A minha carne é, em verdade, comida e o meu sangue é, em verdade, bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue fica em mim e eu nele" (Jo 6, 55-56).

Através do alimento místico da comunhão com Deus, "a alma une-se a Ele", como declara o Salmista. Uma vez mais, a palavra "alma" refere-se a todo o ser humano. Não é sem motivo que se fala de um abraço, de um abraço quase físico:  Deus e o homem já estão em plena comunhão, e dos lábios da criatura não pode brotar senão o louvor jubiloso e agradecido. Mesmo quando estamos na noite escura, sentimo-nos protegidos sob as asas de Deus, como a arca da aliança é coberta pelas asas dos querubins. E então floresce a expressão extática da alegria:  "Exulto à sombra das vossas asas". O medo dissolve-se, o abraço não se aperta ao vazio, mas ao próprio Deus, enquanto a nossa mão se entrelaça com o poder da Sua direita (cf. Sl 62, 8-9).

A partir de uma leitura do Salmo à luz do mistério pascal, a sede e a fome que nos impelem para Deus encontram a sua satisfação em Cristo crucificado e ressuscitado, de Quem chega até nós, mediante o dom do Espírito e dos Sacramentos, a vida nova e o alimento que a sustém.

É o que nos recorda João Crisóstomo que, comentando a anotação joanina: do lado "saiu sangue e água" (cf. Jo 19, 34), afirma:  "Aquele sangue e aquela água são símbolos do Batismo e dos Mistérios", ou seja, da Eucaristia. E conclui:  "Vedes como Cristo atraiu a si mesmo a esposa? Vedes com que alimento Ele nos nutre a todos nós? Fomos formados e somos nutridos pelo mesmo alimento. Com efeito, assim como a mulher nutre aquele que ela gerou com o próprio sangue e leite, assim também  Cristo  alimenta  continuamente com o seu sangue aquele que Ele mesmo gerou" (Homilia III, destinada aos neófitos).

-- Papa João Paulo II, na audiência de 25 de Abril de 2001.

12 de set. de 2012

O bispo de Roma, centro da unidade visível

Centro e sustentáculo de toda a unidade visível da Igreja católica é o bispo de Roma, como sucessor de São Pedro e vigário de Jesus Cristo. As afirmações de São Leão outra coisa não são senão o eco fidelíssimo dos textos evangélicos e da perene tradição católica, como ressalta do passo seguinte: "Em todo o mundo só Pedro é eleito, para ser preposto à evangelização de todas as nações, a todos os apóstolos e a todos os Padres da Igreja; de modo que, embora no meio do povo de Deus haja muitos pastores e muitos sacerdotes, todos porém são governados propriamente por Pedro, como principalmente são governados por Cristo. De maneira grande e admirável, ó diletíssimos, Deus se dignou fazer este homem participante do seu poder; e, se quis que também os outros chefes tivessem algo de comum com ele, tudo o que concedeu aos outros sempre o concedeu por meio dele". Sobre esta verdade, que é fundamental para a unidade católica, isto é, a verdade do vínculo divino, indissolúvel entre o poder de Pedro e o dos outros apóstolos, São Leão julga oportuno insistir: "Certamente também aos outros apóstolos estendeu-se esse poder (isto é, de desligar e ligar] e foi transmitido a todos os chefes da Igreja; mas não é em vão que se recomenda a uma só pessoa aquilo que a todos os outros deve ser comunicado. Com efeito, este poder é confiado singularmente a Pedro, justamente porque a figura de Pedro está acima de todos aqueles que governam a Igreja".


Mas o santo pontífice não esquece o outro vínculo essencial da unidade visível da Igreja, isto é, o magistério supremo e infalível, reservado pelo Senhor pessoalmente a Pedro e aos seus sucessores: "O Senhor toma cuidado, de modo especial, de Pedro, e roga em particular pela fé de Pedro, como que se a perseverança dos outros estivesse mais garantida se o ânimo do chefe não fosse vencido. Em Pedro, por isso, a fortaleza de todos é protegida, e o auxílio da graça divina segue esta ordem: a firmeza que a Pedro é dada por meio de Cristo é conferida aos apóstolos através de Pedro".

Tudo o que com tanta clareza e insistência São Leão afirma a respeito de São Pedro assevera-o também de si mesmo, não por estímulo de ambição humana, mas pela íntima persuasão que ele tem de si não menos que o príncipe dos apóstolos, ser o vigário do próprio Jesus Cristo, como se depreende deste trecho dos seus sermões: "Não é para nós motivo de orgulho a solenidade com que, cheio da gratidão a Deus pelo seu dom, festejamos o aniversário do nosso sacerdócio; porquanto com toda sinceridade confessamos que todo o bem por nós praticado no desenvolvimento do nosso ministério é obra de Cristo; e não de nós, que nada podemos sem ele, mas que dele nos gloriamos, de quem deriva toda a eficácia do nosso operar"

Com isto, longe de pensar que já agora São Pedro seja estranho ao governo da Igreja, São Leão, pelo contrário, gosta de associar à confiança na perene assistência do seu divino Fundador a confiança na proteção de São Pedro, de quem se professa herdeiro e sucessor, "substituindo-o no encargo". Por isto, aos méritos do apóstolo, mais do que aos seus, atribui ele os frutos do seu ministério universal. O que, entre outras coisas, é claramente provado pela seguinte expressão: "Portanto, se algo de bom operamos ou vemos, se algo obtemos da misericórdia de Deus com as nossas orações cotidianas, isto se deve às obras e aos méritos dele; na sua Sé perdura ainda o seu poder, domina a sua autoridade"

Na realidade, São Leão não ensina nada de novo. Igualmente aos seus predecessores Santo Inocêncio I e São Bonifácio I, e em perfeita harmonia com os bem conhecidos textos evangélicos, por ele mesmo comentados (Mt 16, 17-18; Lc 22, 31-32; Jo 21, 15-17), ele está convencido de haver recebido do próprio Cristo o mandato do supremo ministério pastoral. Afirma, com efeito: "A solicitude que devemos ter para com todas as Igrejas tem origem principalmente num mandato divino".

-- Carta Encíclica Aeterna Dei Sapientia, do Papa João XXIII, publicada em 11 de Novembro de 1961 - na ocasião dos 1500 anos de falecimento do de São Leão Magno.

9 de set. de 2012

A unidade da Igreja no pensamento de São Leão Magno


Antes de tudo São Leão nos ensina que a Igreja é una, porque um é o seu esposo, Jesus Cristo: "Tal é, com efeito, a Igreja virgem, unida a um só esposo, Cristo, a ponto de não admitir erro algum; de modo que, em todo o mundo, nós gozamos de uma só união, casta, integra". O santo acha, outrossim, que essa admirável unidade da Igreja teve início com o nascimento do Verbo encarnado, como resulta destas expressões: "É, com efeito, o nascimento de Cristo que determina a origem do povo cristão: o natal da Cabeça é também o natal do corpo. Mesmo se cada um dos chamados [à fé] tem a sua vez, se todos os filhos da Igreja estão distribuídos na sucessão dos tempos, todavia o conjunto dos fiéis, nascidos da fonte batismal, assim como com Cristo são crucificados na sua paixão, são ressuscitados na sua ressurreição, são postos à destra do Pai na sua ascensão, assim também com ele são congerados neste nascimento". Desse misterioso nascimento do "corpo da Igreja" (Cl 1,18) participou intimamente Maria, graças à sua virgindade, tornada fecunda por obra do Espírito santo. Com efeito, São Leão exalta Maria como "Virgem, serva e mãe do Senhor""Genitora de Deus" e "Virgem perpétua".

Além disto, observa ainda São Leão, o sacramento do batismo não só torna cada cristão membro de Cristo, mas o faz também participante da sua realeza e do seu sacerdócio espiritual: "Com efeito, todos aqueles que foram regenerados em Cristo foram também feitos reis com o sinal da cruz, e sagrados sacerdotes com a unção do Espírito Santo". O sacramento da Confirmação, chamado "santificação dos crismas", corrobora tal assimilação a Cristo Cabeça, enquanto na eucaristia ela acha o seu remate: "Com efeito, a participação no Corpo e no Sangue de Cristo não faz senão transformar-nos naquilo que tomamos; e em tudo, tanto na carne como no espírito, trazemos aquele mesmo no qual fomos mortos, sepultados e ressuscitados".

Mas, note-se bem, para São Leão não pode haver perfeita união dos fiéis com Cristo Cabeça e entre si, como membros de um mesmo organismo vivo e visível, se aos vínculos espirituais das virtudes, do culto e dos sacramentos não se juntar a profissão externa da mesma fé: "Grande sustentáculo é a fé íntegra, a fé verdadeira, à qual nada pode ser acrescentado ou tirado por quem quer que seja; pois que a fé, se não é única, então absolutamente não existe". Entretanto, à unidade da fé é indispensável a união entre os mestres das verdades divinas, isto é, a concórdia dos bispos entre si em comunhão com o pontífice romano e em submissão a ele. "A compacidade de todo o corpo é que dá origem à sua sanidade e à sua beleza; e essa mesma compacidade, se reclama a unanimidade, exige entretanto sobretudo a concórdia dos sacerdotes. Estes têm em comum a dignidade sacerdotal, mas não o mesmo grau de poder; já que, mesmo entre os apóstolos, houve igualdade de honra, mas diferença de poder, enquanto a todos foi comum a graça da eleição, mas a um só foi concedido o direito de preeminência sobre os outros".

-- Carta Encíclica Aeterna Dei Sapientia, do Papa João XXIII, publicada em 11 de Novembro de 1961 - na ocasião dos 1500 anos de falecimento do de São Leão Magno.

8 de set. de 2012

A sabedoria cristã


* Este é um texto escrito a mais de 1500 anos, mas o primeiro parágrafo é direto ao ponto quanto a um dos principais problemas de certas teologias modernas, cuja prática é excessivamente desejosa de reparações terrenas. 
São Leão Magno,  doutor da Igreja, que governou
de 29 de Setembro de 440 até 10 de Novembro de 461.

Em seguida diz o Senhor: Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça porque serão saciados (Mt 5,6). Esta fome nada tem de corpóreo. Esta sede não busca nada de terreno. Mas deseja ser saciada com a justiça e, introduzida no segredo mais oculto, anseia por ser repleta do próprio Senhor.

Feliz espírito, faminto do pão da justiça e que arde por tal bebida. Na verdade não teria disso nenhuma cobiça, se não lhe houvesse provado a doçura. Ouvindo o espírito profético que lhe diz: Provai e vede como é suave o Senhor (Sl 33,9), tomou uma porção da altíssima doçura e inflamou-se pelo amor das castíssimas delícias. Abandonando todo o criado, acendeu-se-lhe o desejo de comer e beber a justiça e experimentou a verdade do primeiro mandamento: Amarás o Senhor Deus de todo o teu coração, com toda a tua mente, com todas as tuas forças (Dt 6,5; cf. Mt 22,37). Porque não são coisas diferentes amar a Deus e amar a justiça.

Por fim, como o interesse pelo próximo se une ao amor de Deus, também aqui o desejo da justiça é acompanhado pela virtude da misericórdia, e se diz: Bem-aventurados os misericordiosos porque deles terá Deus misericórdia (Mt 5,7).

Reconhece, ó cristão, a dignidade de tua sabedoria e entende de que modo engenhoso foste chamado ao prêmio. A misericórdia te quer misericordioso, a justiça, justo, para que em sua criatura transpareça o Criador e no espelho do coração do homem refulja a imagem de Deus expressa pelas linhas da imitação. Firme é a fé dos que assim agem, teus desejos te acompanham e daquilo que amas gozarás sem fim.

Já que pela esmola tudo se faz puro para ti, chegas à bem-aventurança que é prometida como conseqüência. Diz o Senhor: Bem-aventurados os puros de coração porque verão a Deus (Mt 5,8). Imensa felicidade, caríssimos, para quem se prepara tão grande prêmio. Que é, então, ter o coração puro? Entregar-se às virtudes acima descritas. Que inteligência poderá conceber e que língua proclamar quão grande seja a felicidade de ver a Deus? E, no entanto, isto acontecerá quando a natureza humana for transformada, de sorte que não mais em espelho ou enigma, mas face a face (1Cor 13,12), verá aquela Divindade que homem algum pôde ver tal qual é. E obterá o que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem subiu ao coração do homem (1Cor 2,9), pelo gáudio indizível da eterna contemplação.

-- Do Sermão sobre as Bem-aventuranças, de São Leão Magno, papa (século V)


6 de set. de 2012

Homília na Festa da Natividade de Nossa Senhora


* Homília proferida pelo Papa João Paulo II, em 8 de Setembro de 1979, Festa da natividade de Nossa Senhora, celebrada na Basílica de Loreto. No interior da Basílica está a casa de Nossa Senhora, que foi transportada pelos cruzados de Isael até a Itália. 

Basílica de Nossa Senhora de Loreto
1. "O teu nascimento, ó Virgem Mãe de Deus; anunciou a alegria ao mundo inteiro". Hoje é o dia desta alegria. A Igreja, a 8 de Setembro, nove meses depois da solenidade da Imaculada Conceição da Mãe do Filho de Deus, celebra a recordação do seu nascimento. O dia da natividade da Mãe faz voltar os nossos corações para o Filho: "De ti nasceu o Sol da Justiça, Cristo nosso Deus: Ele levantou a maldição e trouxe a graça, venceu a morte e deu-nos a vida eterna" (Ant. do Benedictus).

Assim pois, a grande alegria da Igreja passa do Filho para a Mãe. O dia da sua natividade e verdadeiramente um prenúncio e o inicio do mundo melhor ("origo mundi melioris"), como proclamou de modo esplêndido o Papa Paulo VI.

E por isso a liturgia de hoje confessa e anuncia que o nascimento de Maria esparge a própria luz sobre todas as Igrejas que há no orbe.

2. A festividade do nascimento de Maria dir-se-ia que projeta a sua luz, de modo especial, sobre a Igreja da terra italiana, precisamente aqui, em Loreto, no admirável santuário, que hoje é a meta da nossa peregrinação comum. Desde o princípio do meu pontificado desejei ardentemente vir a este local; esperei  porém exatamente este dia, esta festividade de hoje. 

3. O culto da Mãe de Deus nesta terra anda ligado, segundo antiga e viva tradição, à casa de Nazaré. A casa em que, segundo recorda o Evangelho de hoje, Maria habitou, a seguir aos desposórios com José. A casa da Sagrada Família. Cada casa é sobretudo santuário da mãe. Esta cria-o, de modo especial, com a sua maternidade. E necessário que os filhos da família humana, ao virem ao mundo, encontrem um teto sobre a cabeça; que tenham uma casa. A casa de Nazaré, como sabemos, não foi todavia o lugar do nascimento do Filho de Maria e Filho de Deus. Provavelmente, todos os predecessores de Cristo, de que fala a genealogia do Evangelho de hoje, segundo Mateus, vieram ao mundo debaixo do tecto duma casa. Isto porém não lhe foi concedido a Ele. Nasceu como um exilado em Belém, num estábulo. E não pôde voltar à casa de Nazaré, porque foi obrigado a fugir à crueldade de Herodes, indo de Belém para o Egipto, e só depois da morte do rei, se atreveu José a levar Maria com o Menino para a casa de Nazaré.

Desde então, aquela casa foi o local da vida quotidiana, o local da vida oculta do Messias; a casa da Sagrada Família. Foi o primeiro templo, a primeira igreja, sobre a qual a Mãe de Deus irradiou a própria luz com a sua Maternidade. Irradiou-a com a sua luz, a emanar do grande mistério da Encarnação; do mistério do seu Filho.

4. Abrangidas por esta luz crescem, em todo o vosso país de sol, as casas familiares. E tantas são elas. Dos picos dos Alpes e das Dolomitas — de que me pude aproximar no domingo 26 de Agosto visitando os lugares natalícios do Papa João Paulo I — até à Sicília. Tantas, tantas casas; as casas familiares. E tantas, tantas famílias; cada uma delas mantém-se, graças à tradição cristã e mariana da vossa pátria, em certa ligação espiritual com aquela luz que promana da casa de Nazaré, particularmente hoje: no dia da natividade da Mãe de Cristo.

Talvez essa luz, que procede da tradição da casa nazaretana em Loreto, realize alguma coisa ainda mais profunda: faça que todo este país, que a vossa pátria, se torne uma como grande casa familiar. Grande casa, habitada por grande comunidade, cujo nome é "Itália". É necessário retroceder na realidade histórica, mesmo talvez até à realidade pré-histórica, para chegar às suas raízes longínquas. Um estrangeiro como eu, que tem consciência da realidade "que forma a história da própria nação, interna-se nesta realidade com especial respeito e com atenção cheia de recolhimento. Mas como se desenvolve, a partir das suas raízes antiquíssimas, esta grande comunidade humana, cujo nome é "Itália"? Com que laço, os homens, que hoje a constituem, estão unidos hoje àquelas gerações que passaram através da terra, desde os tempos da antiga Roma até aos tempos presentes? O Sucessor de Pedro, cujo lugar se mantém nesta terra desde os tempos da Roma imperial, sendo testemunha de tantas mudanças e, ao mesmo tempo, de toda a história da vossa terra, tem o direito e o dever de se propor tais perguntas.

E tem o direito de assim perguntar o Papa que é filho doutra terra, o Papa cujos compatriotas jazem aqui em Loreto, no cemitério de guerra. Sabe todavia porque é que eles caíram aqui. O antigo adágio romano "pro aris et focis" explica-o no melhor dos modos. Caíram por cada altar da fé e por cada família na terra natal, que desejavam preservar da destruição. Pois, em meio de todas as alternativas da história, cujos protagonistas são os homens, e sobretudo os povos e as nações, permanece sempre a casa, como arca da aliança das gerações e garantia dos valores mais profundos: dos valores humanos e divinos. Por isso, a família e a pátria, a fim de preservarem estes valores, não poupam nem sequer os próprios filhos.
Casa de Nossa Senhora no interior da Basílica. As pedras originais
estão recobertas por obras artísticas.

5. Como vedes, caros Irmãos e Irmãs, venho aqui a Loreto para reler o misterioso destino do primeiro santuário mariano na terra italiana. Na verdade, a presença da Mãe de Deus no meio dos filhos da família humana, e no meio de cada nação da terra em particular, diz-nos tanta coisa das nações e mesmo das comunidades!

E venho, ao mesmo tempo, no período de preparação para um importante encargo, que me convém tomar, a seguir ao convite do Secretário-Geral da ONU, diante do alto foro da mais representativa Organização do mundo contemporâneo. Venho procurar aqui neste Santuário, pela intercessão de Maria, nossa Mãe, a luz. Já no domingo último pedi em Castel Gandolfo, durante o encontro do Angelus, que se ore pelo Papa e pela sua missão cheia. de responsabilidades no foro da ONU. Hoje repito e renovo uma vez mais essa petição.

Trata-se, na verdade, de trabalhar e colaborar para que na terra, que a Providência destinou a ser a habitação dos homens, a casa de família, símbolo da unidade e do amor, ela vença tudo quanto ameaça esta unidade e o amor entre os homens: o ódio, a crueldade, a destruição e a guerra. Para esta casa familiar se tornar a expressão das aspirações dos homens, dos povos, das nações e da humanidade — apesar de tudo, o que lhe é contrário, que a elimina da vida dos homens, das nações e da humanidade, que abala os seus fundamentos, quer sócio-económicos quer éticos, porque sobre uns e sobre outros é que se baseia cada casa: seja a que para si constrói cada família, seja também a que, com o esforço de gerações inteiras, para si constróem os povos e as nações: a casa da própria cultura, da própria história; a casa de todos e a casa de cada um.

6. Eis a inspiração que encontro aqui, em Loreto. Eis o imperativo moral que daqui desejo levar comigo. Eis, ao mesmo tempo, o problema, que exatamente diante da tradição da Casa de Nazaré e diante do rosto da Mãe de Cristo em Loreto, desejo recomendar e confiar, de modo especial, ao seu maternal Coração, à sua omnipotência de intercessão ("omnipotentia supplex").

Assim como já fiz em Guadalupe, no México, e depois na polaca Jasna Gora (Monte Claro) em Czestochowa, desejo neste encontro de hoje em Loreto recordar aquela consagração ao Coração Imaculado de Maria que, há vinte anos, fizeram os Pastores da Igreja italiana, em Catânia, a 13 de Setembro de 1959, no encerramento do 16° Congresso Eucarístico Nacional. E desejo referir as palavras que, naquela ocasião, dirigiu aos fiéis o meu Predecessor João XXIII de venerada memória, na sua mensagem radiofónica: "Nós confiamos que, em virtude desta homenagem à Virgem Santíssima, os Italianos todos, com renovado fervor, venerem n'Ela a Mãe do Corpo Místico, de que é a Eucaristia símbolo e centro vital; imitem n'Ela o modelo mais perfeito da união com Jesus, nossa Cabeça; a Ela se unam na oferta da Vítima divina, e da sua maternal intercessão implorem, para a Igreja, os dons da unidade e da paz, sobretudo mais viçoso e fiel florescer de vocações sacerdotais. Deste modo, a consagração tornar-se-á motivo de empenho cada vez mais sério na prática das virtudes cristãs, que é defesa eficacíssima contra os males que as ameaçam e fonte de prosperidade mesmo temporal, segundo as promessas de Cristo" (João XXIII).

Tudo quanto, há vinte anos, foi expresso no ato de consagração a Maria, realizado pelos Pastores da Igreja italiana, hoje desejo eu não só recordar, mas também, com todo o coração, repetir, renovar e fazer propriedade minha, em certo modo, já que, em virtude dos imperscrutáveis decretos da Providência, me tocou aceitar o património dos Bispos de Roma na Sé de São Pedro.

7. E faço-o com a mais profunda convicção da fé, da inteligência e do coração juntamente. Porque na nossa difícil época, e também nos tempos que virão, só pode salvar o homem o verdadeiro e grande Amor.

Só graças a ele esta terra, habitação da humanidade, pode tornar-se uma casa: a casa das famílias. a casa das nações e a casa da humanidade inteira. Sem amor, sem o grande e verdadeiro Amor, não há casa para o homem na terra. O homem seria condenado a viver privado de tudo, mesmo que erguesse os mais esplêndidos edifícios e os mobilasse o mais modernamente possível.

Aceitai, ó Senhora de Loreto, ó Mãe da Casa de Nazaré, esta minha e nossa peregrinação, que é grande oração comum pela casa do homem da nossa época: pela casa que prepara os filhos da terra inteira para a eterna casa do Pai, no céu. Ámen.

100.000 acessos

Chegamos hoje a 100.000 acessos. Sei, tem gente com 100.000 acessos por dia, mas, enfim, vale anotar o número. Só nos cabe agradecer a audiência e lembrar que estamos cumprindo a nossa missão de propagar os ensinamentos da Igreja, a Palavra de Deus e o exemplo dos santos.


4 de set. de 2012

Sobre as orações (Compêndio da Doutrina Católica)


Que outra oração costumamos dizer depois do Pai Nosso?
- A Ave maria, com a qual recorrermos à Virgem Santíssima.

Por que razão depois do Pai Nosso rezamos mais vezes a Ave Maria do que qualquer outra oração?
- Porque a Virgem Santíssima é a mais poderosa advogada para com seu Filho Jesus Cristo; e por isso depois de rezarmos a Oração que nos ensinou o mesmo Senhor, rogamos à Virgem Santíssima, que nos alcance as graças que a Ele tínhamos pedido.

Repete essa oração:
- Ave Maria cheia de graças, o Senhor é contigo. Bendita és tu entre as mulheres; bendito é o fruto do teu ventre Jesus. Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e na hora de nossa morte. Amém.

É bom e proveitoso pedirmos também aos outros santos?
- É coisa utilíssima e o deve fazer todo cristão. Devemos particularmente orar aos nossos Santos Anjos da Guarda, aos santos, especialmente de quem temos o nome, e aos protetores do bispado e da freguesia* (cidade).

Em que se diferem as orações que fazemos a Deus das que fazemos aos Santos?
- Em que nós rogamos a Deus, que nos dê os bens e nos livre dos males, e aos Santos lhes pedimos que roguem e intercedem por nós.

Que queremos dizer, quando dizemos que tal Santo fez aquela graça?
- Que aquele Santo alcançou de Deus aquela graça.

Com que oração haveis de implorar a proteção do Anjo da Guarda?
- Com aquela que comumente chamamos de Angele Dei.

Dizei em língua portuguesa?
- Anjo do Senhor, que foste dado para minha guarda por ordem da piedosa providência de meu Deus, guardai-me nesse dia, ilustrai o meu entendimento, dirigi os meus afetos e governai os meus sentidos para não ofender ao meu Senhor. Amém.

Que outro objetivo tendes em dizer esta oração?
- De render as graças ao anjo da guarda pelo amoroso cuidado, que continuamente tem de mim. 

NT: A versão mais popular do Angele Dei no Brasil é diferente: Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, me guarda, me governa me ilumina. Amém

-- Compêndio da Doutrina Cristã, por São Roberto Belarmino (século XVI)

3 de set. de 2012

A cura de traumas sexuais com a ajuda dos santos

Acabei de ler um livro muito interessante, entitulado My Peace I Give You - Healing Sexual Wounds with the Help of the Saints (Minha paz vos dou - curando traumas sexuais coma ajuda dos santos), escrito por Dawn Eden. A autora sofreu abusos sexuais quando criança, primeiro de uma pessoa que cuidava das crianças enquanto havia uma celebração na sinagoga quea família participava, depois por parte de um namorado da mãe. Ela conta que começou a mudar de rumo quando percebeu que nós católicos temos uma mãe que nos ama e ao conhecer o exemplo de muitos santos. 

No processo de cura, o primeiro ponto é a memória, as lembranças dos fatos ocorridos, que ficam a perturbar a existência. Uma oração de Santo Inácio de Loyola pode ser de grande ajuda:

Recebe, ó Senhor, toda minha liberdade, minha memória, compreensão e desejos. Qualquer coisa que eu tenha ou possua poss ser retirado de mim. Eu dou de volta para Ti e me rendo completamente para ser governado por Tua Vontade. Dê-me seu Amor e Graça e já serei rico o suficiente, não pedirei nada mais.

Após oferecer sua liberdade, Santo Inácio oferece a sua memória, que no sentido mais amplo inclui tudo aquilo que recebemos pelos nossos sentidos, tenhamos ou não consciência. Isto é especialmente importante quanto referimo-nos a traumas, de qualquer tipo, pois o cérebro faz um esforço organizado não lembrar-se dos fatos, mantê-los no inconsciente, mas ainda assim eles afetam a vida da pessoa. 

Oferecer a memória para Deus significa que o santo entende que fatos passados não podem ser alterados, mas há esperança que Deus, por seu amor, pode alterar completamente a forma como compreendemos. Memórias não são, nem devem ser inimigos. Como disse o Papa Bento XVI: Memória e esperança são inseparáveis. Envenenar o passado não nos dá esperança, apenas destrói os fundamentos emocionais da pessoa.

E então vem um segundo ponto importante: pedir a Deus que purifique a memória, cure os traumas do passado, não requer, necessariamente, trazer todos fatos para o nível consciente, mas sim oferecer para Deus aqueles fatos que forem lembrados. Deus é poderoso suficiente para curar todos fatos, os conscientes e os inconscientes. Alguns fatos são tão perturbadores que sua simples lembrança coloca a pessoa num estado em que não consegue perceber o amor o Deus

Outro ponto fundamental é resgatar as boas lembranças associadas à época do trauma. No caso da autora, as noites de Páscoa, com a família reunida, a atenção às crianças e a lembrança dos judeus sendo resgatados da escravidão no Egito eram momentos especiais. Estas lembranças sãi importantes para purificar a memória, ver que mesmo na tristeza há um fio de esperança. Como lembra Santa Baquita, que de tão traumatizada esqueceu seu próprio nome, quão deslubrantes e felizes eram os dias e noites na África: Vendo o sol, a lua, as estrelas, estas maravilhas, diz para mim: quem criou estas maravilhas? Ainda quero encontrá-lo para agradecer

Enquanto lia o livro, muitas vezes lembrei de pessoas que destruiam seu passado, presente e futuro apenas criticando pais, mães e ex-maridos, ou seja, envenenando seu passado, tirando a esperança do seu próprio futuro, inclusive dos seus filhos, como adverte o Papa. Hoje, depois do livro, eu pediria para lembrar alguns fatos bons da mesma época, se possível com a mesma pessoa. Acho que ajudaria a lembrar que todos somos humanos, com virtudes e pecados. 

Não vou alongar, muito, o livro é bastante interessante. Espero que um dia seja publicado em português. A autora tem outro entitulado A aventura da castidade, já traduzido para espanhol. Mantém um blog, cujo endereço é http://dawneden.blogspot.com/ . 




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