29 de mai. de 2017

Santa Julia Billiart

Muitos católicos foram contrários à Revolução Francesa, que perseguiu a Igreja e destruiu muitos templos. Talvez a mais surpreendente destes católicos seja Santa Julia Billiart que, mesmo paralítica, desafiou as autoridades de sua cama.

A juventude com sua família

Ela nasceu em 12 de Julho de 1751, em Cuvilly, França, foi a sexta filha do casala Jean-François e Marie-Louise. Aos sete anos já conhecia o catecismo e ensinava-o às suas amigas da mesma idade. Passou poucos anos na escola do vilarejo, pois logo teve que trabalhar para ajudar a família. Com a permissão especial do pároco, recebeu primeira Eucaristia e Crisma aos nove anos e aos 14 fez um voto de castidade.

Aos 22 anos enquanto trabalhava, a loja dos pais foi assaltada, um dos ladrões atirou em seu pai. Traumatizada, ela rapidamente perdeu o comando das pernas, tornando-se paralítica, o que na época consistia em ficar confinada a sua cama. E da sua cama, ela continuou catequisando as crianças da cidade.

A revolta contra a Igreja cismática

E da sua cama, ela continuou catequisando as crianças da cidade. Em 1789 a Revolução Francesa começou a modificar o país e perseguir a Igreja. Em 1790, um padre que havia jurado obediência à Revolução, não ao Papa, foi nomeado pelo governo para o vilarejo de Cuvilly. Tal padre logo percebeu como Julia era reconhecida por todos e avisou que iria visitar-lhe, mas ela recusou-se a recebê-lo, e aos poucos convenceu toda população a boicotá-lo. Nesta época, ela escreveu a uma amiga:

Eu te felicito por teres a oportunidade de ser útil à salvação das alamas, mas ande com cuidado pois a circunstâncias atuais fazem o trabalho ser particularmente difícil. Dizes que te parece melhor ser cismática que estar sem nenhuma religião. Pois pense bem sobre o assunto, pois nãoo devemos conduzir nosso rebanho ao erro. Se conduzirmos nossas ovelhas a um invasor, as colocaremos longe da salvação.

Todas estas boas pessoas que estão impossibilitadas de ouvir seus verdadeiros pastores, não serão punidas por isso. É melhor que continuem sua vida sem receber instrução adequada, até mesmo sem Missas. Deus irá enviar um anjo dos céus para auxilia-las, Ele não deixará que pereçam.  

As autoridades decidiram então prender Júlia, que teve que fugir escondida numa carroça de feno para a cidade de Compiègne. Em 1793 teve um visão. Aos pés de uma cruz, ela viu um grupo de mulheres vestindo roupas estranhas e escutou uma voz que dizia: "Eis as filhas que te darei num Instituto que será marcado com a minha cruz."

As irmãs de Nossa Senhora

No fim do tempo do Terror, mudou-se para Amiens, onde conheceu Maria Luísa Francisca Blin de Boudon, Viscondessa de Gizaincourt, mulher muito inteligente e culta que seria sua amiga íntima e colaboradora. Ela também havia sido perseguida pelo governo e sua família salvou-se da morte quando o líder revolucionário Robespierre foi morto e o governo mudou de rumo. A viscondessa e algumas amigas começaram a reunir-se em torno da cama de Júlia, que lhes ensinou como aprofundar sua vida interior, dedicar-se seriamente à uma vida em comunidade e auxílio aos pobres.

Em 1803, sob o patrocínio do Bispo de Amiens, uma fundação foi organizada com o objetivo de auxiliar crianças pobres, em especial as meninas. Foi o início do Instituto das Irmão de Nossa Senhora (Notre Dame). Iniciaram cuidando de oito órfãs, Júlia e Françoise lidarevam o grupo. No anos seguinte, as três primeira irmãs fizeram seus votos.

Tendo Júlia como sua superiora, a nova ordem estabeleceu uma boa reputação graças a dedicação das irmãs. Madre Josefina, ex-vincondessa, garantia que todas irmãs tivessem boa formação para poder ensinar adequadamente as crianças, além de gerenciar as finanças da ordem. Um aspecto original para a época foi não diferenciar irmãs ordenadas e leigas, colocando todas a trabalhar de maneira igual em favor das crianças. Isto quebrava uma tradição de muitos séculos, que reservava às irmãs ordenadas os cargos superiores da ordem e relegava os trabalhos diários às irmãs leigas. 

As irmãs abriam escolas para as crianças pobres, que nada podiam pagar, e academias para as crianças ricas, que pagavam em dobro em para sustentar as mais pobres. Rapidamente tinham centenas de crianças pobres que foram retiradas das ruas, lnde estariam sujeitas as muitas crueldades do mundo. 

Em 1809, o Bispo de Amiens, instigado por um abade mais tradicionalista, resolveu que a ordem deveria restringir-se a atuar na sua diocese e alterar a regra para a maneira mais tradicional das ordens monásticas. Sabendo que havia crianças pobres em todo país e que não fazia sentido restringir o chamado de Deus a uma diocese, ela não aceitou as condições do Bispo, que decidiu por expulsá-las de Amiens. Júlia teve que transferir a sede do Instituto para a Diocese de Namur, na Bélgica. 

A cura da paralisia

No ano seguinte, Padre Varin que assistia as necessidades espirituais do grupo, ordenou que fizessem uma novena em honra do Sagrado Coração de Jesus, mas não lhes disse a intenção. No último dia da novena, o padre dirigiu-se à Júlia e ordenou que se pusesse de pé, pois era necessário que ela andasse para que a obra prosseguisse. Obediente, ela deu seus primeiros passos depois de 22 anos de paralisia.

Nos anos seguintes, Madre Júlia fundou 15 conventos, fez 120 viagens e manteve intensa correspondência com suas irmãs. Em uma destas cartas escreveu:

Embora Deus possa nos parecer severo, lembre-se que é sempre um Pai infinitamente bom, inteligente e amoroso. Ele nos guia por diferentes caminhos para que possamos alcançar Seus objetivos. E sejamos honestas, minha querida amiga, não é verdade que muitas vezes atribuímos à nós o que é obra de Deus? Então é para nosso bem que experimentemos um certo abandono de Deus. Assim podemos agir como crianças no escuro, pegamos firme na mão do Pai e nos deixamos guiar por Ele. 

Em 1815, a Bélgica foi o centro da Guerra Napoleônica, mas os conventos das irmãs de Notre-Dame salvaram-se ilesos. Em janeiro de 1616, Irmã Júlia caiu doente, falecendo em 8 de Abril de 1816, em Namur. 

Canonização

Santa Júlia Ballart foi canonizada em 13 de Maio de 1906 pelo Papa Pio X e canonizada em 22 de Junho de 1969 pelo Papa Paulo VI. Atualmente as irmãs estão presentes em 17 países, 5 continentes. incluindo o estado do Pará, no Brasil. 

Site da ordem (em inglês): http://www.sndden.org/

* autoria própria


21 de mai. de 2017

Cristo verdadeiramente ressuscitou?

Há cinco diferentes argumentos que são utilizados para questionar a Ressurreição de Cristo: 

1. Os anjos poderiam ter feito o mesmo que Cristo fez
Depois da sua ressurreição, Cristo não manifestou nada aos discípulos que também não pudessem os anjos manifestar ou fazer, quando aparecem aos homens, pois os anjos frequentemente se mostravam aos homens em forma humana, com eles falavam, conviviam e comiam como se verdadeiramente fossem homens. Tal o lemos na Escritura quando refere que Abraão deu hospitalidade a anjos; e que um anjo levou e reconduziu a Tobias. E contudo não tem corpo real a que estejam unidos naturalmente. o que é necessário para a ressurreição. 

RESPOSTA: Embora cada uma das provas, em particular, não bastasse para manifestar a ressurreição de Cristo, contudo todas tomadas simultaneamente a manifestam de modo perfeito, sobretudo pelo testemunho da Escritura, pelas palavras dos anjos e também pela afirmação mesma de Cristo confirmada por milagres. Quanto aos anjos que apareceram, não afirmavam que fossem homens como Cristo se afirmou verdadeiramente homem. O anjo disse a Tobias: Quando eu estava convosco, a vós parecia-vos que eu comia e bebia convosco, mas eu sustento-me de um manjar invisível. Segundo Santo Agostinho, o corpo ressucitado fica isento não do poder, mas da necessidade de comer. E São Beda completa: Cristo comeu por poder e não por necessidade.

2. Cristo parecia humano
Certas manifestações de Cristo foram contrárias a um corpo glorioso, como comer, beber e conservar as cicatrizes das chagas. Logo, não parce que Cristo tenha ressuscitado de forma gloriosa e perfeita, pois seu corpo ainda guardava fraquezas humanas.

RESPOSTA: Como dissemos Cristo se serviu de várias provas para manifestar a sua verdadeira natureza humana; e de outras para mostrar a sua natureza gloriosa. É certo que a condição da natureza humana, considerada em si mesma, no estado da vida presente, contraria à condição da glória, segundo o Apóstolo: Semeia-se em vileza, ressuscitará em glória. Por isso diz São Gregório, há dois fatos muito contraditórios aos olhos da razão humana: Cristo conservar, depois da ressurreição, o seu corpo simultaneamente incorruptível e capaz de ser tocado. Mas não há razão para aceitar apenas os aspectos humanos do corpo ressucitado de Cristo e não aceitar os aspectos gloriosos do mesmo corpo.

3. Nem todos podiam tocar a Cristo
O corpo de Cristo depois da ressurreição não era tal que pudesse se tocado pelos mortais; por isso ele próprio disse a Madalena: Não me toques porque ainda não subi a meu Pai. Logo, não era conveniente que, para manifestar a verdade da .sua ressurreição, se deixasse tocar por todos.

RESPOSTA: Como adverte Santo Agostinho, o Senhor disse: Não me toques porque ainda não subi a meu Pai, por que Madalena, chorando-o como homem, só carnalmente cria nele, enquanto Cristo preferia que fosse considerado na sua unidade com o Pai, para que quem nEle tocasse, acreditasse nEle de modo espitual. Ou como o explica São Crisóstomo, essa mulher queria tratá-lo como o Cristo antes da Paixão, esquecia-se da grandeza do seu Salvador; pois, o corpo de Cristo tinha-se revestido de uma glória incomparável. Era como se lhe dissesse: Não penses que ainda vivo uma vida mortal. Se ainda na terra me vês, é porque ainda não subi a meu Pai; mas dentro em pouco para ele subirei. 

Também disse para que essa mulher figurasse a Igreja formada pelos gentios, que só acreditou em Cristo quando ele subiu ao Pai. Porque, no seu senso íntimo, quem assim o considera, crê que de certo modo Cristo, subindo ao Pai, subiu a quem o reconhece como seu igual.  

4. O corpo de Cristo não era glorioso
Dentre os dotes do corpo glorificado o mais importante é a luminosidade. Ora, desse não tem Cristo não nenhuma prova nos Evangelhos desta luz especial. 

RESPOSTA: Como diz Santo Agostinho, o Senhor ressurgiu com seu corpo glorificado; mas não quis aparecer assim glorioso aos discípulos, porque os olhos a ele não podiam suportar a grande glória. Pois, antes de ter morrido por nós e ressurgido, quando foi da transfiguração no monte, já os discípulos não puderam contemplá-lo; com maior razão não poderiam fitar o corpo do Senhor glorificado. 

Devemos também considerar que, depois da ressurreição, o Senhor queria sobretudo mostrar que era o mesmo que tinha morrido. O que poderia ficar grandemente impedido se lhes manifestasse a glória do seu corpo. Antes da Paixão a fim de que os discípulos não o desprezassem pelas humilhações dela, quis Cristo mostrar-lhes a glória da sua majestade, revelada principalmente pela glória do corpo, Por isso, antes da Paixão, manifestou aos discípulos a sua glória refulgente; depois da ressurreição, por outros indícios.


5. Os Evangelhos se contradizem quanto ao testemunho dos anjos
Os anjos são apresentados como testemunhas da ressurreição, mas os Evangeliistas contam histórias diferentes. Assim, Mateus nos mostra o anjo sobre a pedra revolvida e Marcos, no interior mesmo do túmulo, quando as mulheres nele entraram. Além disso, esses dois evangelistas nos falam de um só anjo; ao passo que João, de dois, sentados; e Lucas, de dois também, mas de pé. Logo, parecem inconvenientes os testemunhos da ressurreição.

RESPOSTA: Como diz Agostinho, podemos, com Mateus e Marcos, entender que as mulheres viram um anjo, supondo que o foi quando entraram no túmulo, isto é, num certo espaço cercado por um muro de pedras, e aí viram o anjo sentado na pedra revolvida do sepulcro, como refere Mateus; isto é, sentado à direita, como requer Marcos. Em seguida, enquanto examinavam o lugar onde tinha colocado o corpo do Senhor, viram os dois anjos, primeiro, sentados, no dizer de João, e depois levantados, de modo que pareciam estar de pé, como relata Lucas.

-- adaptado da Suma Teológica, Tertia Pars, questão 54, artigo 6, de São Tomás de Aquino.

As provas de que Cristo verdadeiramente ressuscitou

Cristo manifestou a sua ressurreição de dois modos: pelo testemunho e por provas ou sinais. 

Primeiro serviu-se de duplo testemunho para manifestar a ressurreição aos discípulos, e nenhum deles pode ser recusado. 

  • Os anjos anunciaram a ressurreição às mulheres, como o narram todos os evangelistas.  
  • Outro é o seu próprio testemunho, pois Ele afirma sua ressurreição.

Quanto às provas, também foram suficientes para declarar a sua verdadeira ressurreição, mesmo enquanto gloriosa. Ora, que a sua ressurreição foi verdadeira ele o demostrou com seu corpo que:

Cristo comendo com seus apóstolos após a pesca milagrosa. 
  • era um corpo verdadeiro e real, e não um corpo fantástico ou rarefeito, como o ar. E isso o mostrou deixando que o tocassem. Por isso, ele próprio o disse: Apalpai e vede, que um espírito não tem carne nem ossos, como vós vedes que eu tenho
  • tinha um corpo humano. deixando verem os discípulos a sua verdadeira figura. que contemplavam com os olhos. 
  • era o corpo identicamente o mesmo que antes tinha, mostrando-lhes as cicatrizes das chagas. Cristo diz, no Evangelho: Olha para as minhas mãos e pés, porque sou eu mesmo

De outro modo, mostrou-lhes a verdade da sua ressurreição quanto à alma, de novo unida ao corpo, de três maneiras diferentes:

  • pela nutrição, comendo e bebendo com os discípulos, como lemos no Evangelho. 
  • pelos sentidos, quando respondia às interrogações dos discípulos e saudava os presentes, mostrando assim que via e ouvia. 
  • pela inteligência, pois os discípulos com ele falavam e Cristo explicava suas dúvidas falando sobre as Escrituras. 

E para nada faltar a essa perfeita manifestação, revelou também a sua natureza divina pelo milagre feito na pesca maravilhosa e, além disso, por ter subido ao céu à vista dos discípulos. Pois, como diz o Evangelho, ninguém subiu ao céu senão aquele que desceu do céu, a saber, o Filho do homem,que está no céu. 

E também manifestou a glória da sua ressurreição aos discípulos por ter entrado numa sala estando as portas fechadas. Tal o que diz Gregório: "O Senhor deu a tocar o seu corpo, que entrava estando as portas fechadas, para mostrar que, depois da ressurreição, tinha a mesma natureza mas com uma glória diferente". Semelhantemente, também foi por uma propriedade da glória, que de súbito desapareceu-Ihes de diante dos olhos, na frase do Evangelho; pois, assim mostrava que tinha o poder de deixar-se ver ou não, e isso é uma propriedade do corpo glorioso, como dissemos.

* No próximo post, Santo Agostinho rebate as dúvidas que ainda possam existir acerca da ressurreição de Cristo.

-- adaptado da Suma Teológica, Tertia Pars, questão 54, artigo 6, de São Tomás de Aquino.


17 de mai. de 2017

Os cristãos no mundo

São Paulo pregando em Atenas, de Rafael (1515)
Os cristãos não se diferenciam dos outros homens nem pela pátria nem pela língua nem por um gênero de vida especial. De fato, não moram em cidades próprias, nem usam linguagem peculiar, e a sua vida nada tem de extraordinário. A sua doutrina não procede da imaginação fantasista de espíritos exaltados, nem se apoia em qualquer teoria simplesmente humana, como tantas outras.

        Moram em cidades gregas ou bárbaras, conforme as circunstâncias de cada um; seguem os costumes da terra, quer no modo de vestir, quer nos alimentos que tomam, quer em outros usos; mas o seu modo de viver é admirável e passa aos olhos de todos por um prodígio. Habitam em suas pátrias, mas como de passagem; têm tudo em comum como os outros cidadãos, mas tudo suportam como se não tivessem pátria. Todo país estrangeiro é sua pátria e toda pátria é para eles terra estrangeira. Casam-se como toda gente e criam seus filhos, mas não rejeitam os recém-nascidos. Têm em comum a mesa, não o leito.

        São de carne, porém, não vivem segundo a carne. Moram na terra, mas sua cidade é no céu. Obedecem às leis estabelecidas, mas com seu gênero de vida superam as leis. Amam a todos e por todos são perseguidos. Condenam-nos sem os conhecerem; entregues à morte, dão a vida. São pobres, mas enriquecem a muitos; tudo lhes falta e vivem na abundância. São desprezados, mas no meio dos opróbrios enchem-se de glória; são caluniados, mas transparece o testemunho de sua justiça. Amaldiçoam-nos e eles abençoam. Sofrem afrontas e pagam com honras. Praticam o bem e são castigados como malfeitores; ao serem punidos, alegram-se como se lhes dessem a vida. Os judeus fazem-lhes guerra como a estrangeiros e os pagãos os perseguem; mas nenhum daqueles que os odeiam sabe dizer a causa do seu ódio.

        Numa palavra: os cristãos são no mundo o que a alma é no corpo. A alma está em todos os membros do corpo; e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, mas não provém do corpo; os cristãos estão no mundo, mas não são do mundo. A alma invisível é guardada num corpo visível; todos veem os cristãos, pois habitam no mundo, contudo, sua piedade é invisível. A carne, sem ser provocada, odeia e combate a alma, só porque lhe impede o gozo dos prazeres; o mundo, sem ter razão para isso, odeia os cristãos precisamente porque se opõem a seus prazeres.

        A alma ama o corpo e seus membros, mas o corpo odeia a alma; também os cristãos amam os que os odeiam. Na verdade, a alma está encerrada no corpo, mas é ela que contém o corpo; os cristãos encontram-se detidos no mundo como numa prisão, mas são eles que abraçam o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; os cristãos vivem como peregrinos em moradas corruptíveis, esperando a incorruptibilidade dos céus. A alma aperfeiçoa-se com a mortificação na comida e na bebida; os cristãos, constantemente mortificados, veem seu número crescer dia a dia. Deus os colocou em posição tão elevada que lhes é impossível desertar.

-- Da Carta a Diogneto, autor desconhecido (século II)

9 de mai. de 2017

Como era o Corpo Ressuscitado de Cristo?

O corpo ressuscitado de Cristo teve a mesma natureza do corpo humano, tudo o que pertence à natureza do corpo humano existiu totalmente no corpo de Cristo ressuscitado. Ora, é manifesto que da natureza do corpo humano fazem parte as carnes, os ossos, o sangue e atributos semelhantes. Tudo isso existiu no corpo de Cristo ressuscitado pois do contrário a ressurreição não seria perfeita, se não se reintegrasse tudo o que se desagregou pela morte. Considere que o Senhor fez aos seus fiéis a seguinte promessa: Até os mesmos cabelos da vossa cabeça, todos eles estão contados (Mt 10,30; Lc 12,7). E noutro lugar: Não se perderá um cabelo da vossa cabeça (Lc 21,8).

Quanto a afirmar que o corpo de Cristo não tinha carne nem ossos nem as demais partes naturais ao corpo humano, isso constitui o erro de Entíquio, bispo da cidade de Constantinopla. Dizia ele que o nosso corpo, na glória da ressurreição, será impalpável e mais leve que o vento e o ar. E que o Senhor, depois de ter confirmado o coração de seus discípulos, fazendo-os lhe apalpar o corpo, tornou então imaterial tudo o que antes nele podia ser tocado. 

São Gregório Magno refutou esta doutrina argumentando que o corpo de Cristo não sofreu depois da ressurreição nenhuma mudança, pois, se é inadmissível que Cristo tivesse recebido, na sua concepção, um corpo não-humano, digamos, celeste, como Valentiniano afirmava, muito mais inadmissível é que, na ressurreição, reassumisse um corpo de natureza diferente, pois que o corpo reassumido na ressurreição, para a vida imortal, foi o mesmo que assumiu, na concepção, para a vida mortal. Reconhecendo seu erro, Entíquio retratou-se antes de morrer.

Alguns persistem achando que Cristo ressuscitado era um espírito imaterial, sem carne nem ossos. Esta dúvida foi esclarecida pelo próprio Cristo: Observai as minhas mãos e meus pés e vede que Eu Sou o mesmo! Tocai-me e comprovai o que vos afirmo. Por que um espírito não tem carne nem ossos, como percebeis que Eu tenho (Lc 24, 39). Mas como a corpo de Cristo não sofreu a decadência natural, mas foi visto por cinquenta dias após sua morte? Para explicar este milagre, São Paulo afirma: Nem a corrupção herdará a incorruptibilidade (1Cor 15,50). É fato que Deus todo-poderoso, com relação às propriedades visíveis e palpáveis dos corpos, pode manter algumas e privar os corpos de outras, conforme quiser; de sorte que guardem a sua forma exterior sem nenhuma falha ou corrupção, o movimento sem a fadiga, o poder de comer sem a necessidade. de nutrir-se, como relatam os evangelistas.

Por fim, cabe dizer quanto ao sangue conservado por certas Igrejas como relíquias, esse não correu do lado de Cristo; mas é considerado como tendo jorrado milagrosamente de alguma imagem sua, objeto de qualquer violência, não afetando, portanto a integridade do corpo ressuscitado. 

-- adaptado da Suma Teológica, Tertia Pars, questão 54, artigo 2, de São Tomás de Aquino.

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