26 de ago. de 2011

FAQ: O Primeiro Mandamento: Amar a Deus sobre todas as coisas

* índice da lista de mandamentos


Deus Todo Poderoso, parte do Altar de Ghent,
(Ghent Alterpiece), de Jan Van Eick, 1492. 
350) Por que disse o Senhor antes de ditar os Mandamentos: Eu sou o Senhor teu Deus ?

Antes de promulgar os seus Mandamentos, Deus disse: Eu sou o Senhor teu Deus , para que saibamos que Deus, sendo o nosso Criador e Senhor, podemandar o que quiser, e nós, criaturas suas, somos obrigados a obedecer-Lhe.


351) Que nos ordena Deus com as palavras do primeiro Mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas?

Com as palavras do primeiro Mandamento: amar a Deus sobre todas as coisas, Deus nos ordena que o reconheçamos, adoremos, amemos e sirvamos a Ele só, como nosso Soberano Senhor.

352) Como se cumpre o primeiro Mandamento?

Cumpre-se o primeiro Mandamento com o exercício do culto interno e externo.

353) Que é o culto interno?

O culto interno é a honra que se presta a Deus só com as faculdades da alma, isto é, com a inteligência e com a vontade.

354) Que é o culto externo?

O culto externo é a homenagem que se presta a Deus por meio de atosexteriores e de objetos sensíveis.

355) Não basta adorar a Deus interiormente, só com o coração?

Não basta adorar a Deus interiormente, só com o coração, mas é necessário adorá-Lo também exteriormente, com a alma e com o corpo juntamente, porque Ele é Criador e Senhor absoluto de uma e de outro.

356) Poderá haver culto externo sem o interno?

Não pode de forma alguma haver culto externo sem o interno, porque aquele, desacompanhado deste, fica privado de vida, de merecimento e de eficácia, como corpo sem alma.

357) Que nos proíbe o primeiro Mandamento?

O primeiro Mandamento proíbe-nos a idolatria, a superstição, o sacrilégio, a heresia, e todo e qualquer outro pecado contra a religião.

358) Que é a idolatria?

Chama-se idolatria o prestar a alguma criatura, por exemplo a uma estátua, a uma imagem, a um homem, o culto supremo de adoração, devido só a Deus.

359) Como está expressa na Sagrada Escritura esta proibição?

Na Sagrada Escritura está expressa esta proibição com as palavras: Não farás para ti imagem de escultura, nem figura alguma de tudo o que há em cima, no céu, e do que há embaixo, na terra. E não adorarás tais coisas, nem lhes darás culto.


360) Proíbem estas palavras toda a espécie de imagens?

Não, por certo. Mas só as das falsas divindades, feitas com intuito de adoração, como faziam os idólatras. E tanto isto é verdade, que o próprio Deus deu ordem a Moisés para fazer algumas, como as duas estátuas de querubins que estavam sobre a arca, e a serpente de bronze no deserto.

361) Que é a superstição?

Chama-se superstição toda e qualquer devoção contrária à doutrina e ao uso da Igreja, bem como o atribuir a urna ação ou alguma coisa uma virtude sobrenatural que ela não tem.

362) Que é o sacrilégio?

O sacrilégio é a profanação de um lugar, de uma pessoa ou de uma coisa consagrada a Deus ou destinada ao seu culto.

363) Que é a heresia?

A heresia é um erro culpável de inteligência, pelo qual se nega com pertinácia alguma verdade de fé.

364) Que mais coisas proíbe o primeiro Mandamento?

O primeiro Mandamento proíbe também todo o comércio ou trato com o demônio, e o filiar-se às seitas anticristãs.

365) Quem recorresse ao demônio e o invocasse, cometeria pecado grave?

Quem recorresse ao demônio e o invocasse, cometeria um pecado enorme, porque o demônio é o mais perverso inimigo de Deus e do homem.

366) É lícito interrogar asmesas chamadas falantes ou escreventes, ou consultar de algum modo as almas dos mortos, por meio de espiritismo?

Todas as práticas do espiritismo são proibidas, porque são supersticiosas, e muitas vezes não estão isentas de intervenção diabólica, e por isso foram justamente interditas pela Igreja.

367) O primeiro Mandamento proíbe acaso honrar e invocar os Anjos e os Santos?

Não. Não é proibido honrar e invocar osAnjose osSantos, e até o devemos fazer, porque é coisa boa e útil, e altamente recomendada pela Igreja, já que eles são amigos de Deus e nossos intercessores junto dEle.

368) Sendo Jesus Cristo o nosso único mediador junto de Deus, por que recorremos também à intercessão da Santíssima Virgem e dos Santos?

Jesus Cristo é o nosso mediador junto deDeus, enquanto, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, só Ele, em virtude dos próprios merecimentos, nos reconciliou com Deus e dEle nos obtém todas as graças. Mas, a Santíssima Virgem e os Santos, em virtude dos merecimentos de Jesus Cristo, e pela caridade que os une a Deus e a nós, auxiliam-nos com a sua intercessão a alcançar as graças que pedimos. E este é um dos grandes bens da comunhão dos Santos.


369) Podemos honrar também as sagradas imagens de Jesus Cristo e dos Santos?

Sim, porque a honra que se tributa às sagradas imagens de JesusCristo e dos Santos, refere-se às suas mesmas pessoas.

370) E as relíquias dos Santos, podem honrar-se?

Sim, também as relíquias dos Santos podem e devem honrar-se porque os seus corpos foram membros vivos de Jesus Cristo e templos do Espírito Santo, e devem ressurgir gloriosos para a vida eterna.

371) Que diferença há entre o culto que prestamos a Deus, e o culto que prestamos aos Santos?

Entre o culto que prestamos a Deus e o culto que prestamos aosSantos há esta diferença: que a Deus adoramo-Lo pela sua infinita excelência, ao passo que aos Santos não os adoramos, mas só os honramos e veneramos como amigos de Deus e nossos intercessores junto dEle. O culto que prestamos a Deus chama-se latria, isto é, de adoração, e o culto que prestamos aos Santos chama-se dulia, isto é, de veneração aos servos de Deus; enfim o culto especial que prestamos a Maria Santíssima chama-se hiperdulia, isto é, de essencialíssima veneração, como Mãe de Deus.


* sobre o segundo mandamento: Não usar o nome de Deus em vão

-- Catecismo de São Pio X, 1905.  

* O catecismo é todo organizado em perguntas e respostas. Aqui mantive a numeração original.



23 de ago. de 2011

As cinco vias da penitência



Queres que cite as vias da penitência? São muitas, é certo, variadas e diferentes; todas levam ao céu.

É a seguinte a primeira via da penitência: a reprovação dos pecados: Sê tu o primeiro a dizer teus pecados para seres justificado (cf. Is 43,25-26). O profeta também dizia: Disse, confessarei contra mim mesmo minha injustiça ao Senhor, e tu perdoaste a impiedade de meu coração (Sl 31,5). Reprova também tu aquilo em que pecaste; basta isto ao Senhor para desculpar-te. Quem reprova aquilo em que pecou, custará mais a recair. Excita o acusador interno, tua consciência, não venhas a ter acusador lá, diante do tribunal do Senhor.

Esta primeira é ótima via da penitência. A seguinte não lhe é nada inferior: não guardemos lembrança das injúrias recebidas dos inimigos, dominemos a cólera, perdoemos as faltas dos companheiros. Com isso, aquilo que se cometeu contra o Senhor será perdoado. Eis outra expiação dos pecados. Se perdoardes a vossos devedores, também vos perdoará vosso Pai celeste (Mt 6,16).

Queres saber a terceira via da penitência? Oração ardente e bem feita, que brote do fundo do coração.

Se ainda uma quarta desejas conhecer, chamá-la-ei de esmola. Possui muita e poderosa força.

E ser modesto no agir e humilde, isto, não menos que tudo o mais, destrói os pecados. Testemunha é o publicano que não podia citar nada feito com retidão, mas em lugar disto ofereceu a humildade e depôs pesada carga de pecados.

Indicamos cinco vias da penitência: primeira, a reprovação dos pecados; segunda, o perdão das faltas do próximo; terceira, a oração; quarta, a esmola; quinta, a humildade.

Não sejas preguiçoso, mas caminha todos os dias por elas; são fáceis, não podes nem mesmo objetar a pobreza; pois ainda que pela indigência leves vida dura, renunciar à ira e mostrar humildade está em teu poder, bem como orar assiduamente e condenar os pecados; em parte alguma a pobreza é impedimento. O que digo aqui, naquela via da penitência que consiste em dar dinheiro (falo de esmola) ou em observar os mandamentos, será obstáculo a pobreza? A viúva que deu dois tostões já respondeu.

Tendo, pois, aprendido o meio de curar nossas chagas, usemos deste remédio. E com isso, recuperada a saúde, fruiremos com confiança da mesa sagrada, correremos gloriosos ao encontro de Cristo, Rei da glória, e alcançaremos os eternos bens, por graça, misericórdia e benignidade de nosso Senhor Jesus Cristo.

-- Das Homílias de São João Crisóstomo (Homília do Diabo Tentador), bispo (século V)

22 de ago. de 2011

Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?


* Homília do Papa Bento XVI durante a Celebração Eucarística da XXVI Jornada Mundial da Juventude, Madri, em 21 de Agosto de 2011

Queridos jovens,


Com a celebração da Eucaristia, chegamos ao momento culminante desta Jornada Mundial da Juventude. Ao ver-vos aqui, vindos em grande número de todas as partes, o meu coração enche-se de alegria, pensando no afecto especial com que Jesus vos olha. Sim, o Senhor vos quer bem e vos chama seus amigos (cf. Jo 15, 15). Ele vem ter convosco e deseja acompanhar-vos no vosso caminho, para vos abrir as portas duma vida plena e tornar-vos participantes da sua relação íntima com o Pai. Pela nossa parte, conscientes da grandeza do seu amor, desejamos corresponder, com toda a generosidade, a esta manifestação de predileção com o propósito de partilhar também com os demais a alegria que recebemos. Na atualidade, são certamente muitos os que se sentem atraídos pela figura de Cristo e desejam conhecê-Lo melhor. Pressentem que Ele é a resposta a muitas das suas inquietações pessoais. Mas quem é Ele realmente? Como é possível que alguém que viveu na terra há tantos anos tenha algo a ver comigo hoje?

No evangelho que ouvimos (cf. Mt 16, 13-20), vemos representadas, de certo modo, duas formas diferentes de conhecer Cristo. O primeiro consistiria num conhecimento externo, caracterizado pela opinião corrente. À pergunta de Jesus: Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?, os discípulos respondem: Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas. Isto é, considera-se Cristo como mais um personagem religioso junto aos que já são conhecidos. Depois, dirigindo-se pessoalmente aos discípulos, Jesus pergunta-lhes: E vós, quem dizeis que Eu sou?. Pedro responde formulando a primeira confissão de fé: Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo. A fé vai mais longe que os simples dados empíricos ou históricos, e é capaz de apreender o mistério da pessoa de Cristo na sua profundidade.

A fé, porém, não é fruto do esforço do homem, da sua razão, mas é um dom de Deus: És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. Tem a sua origem na iniciativa de Deus, que nos desvenda a sua intimidade e nos convida a participar da sua própria vida divina. A fé não se limita a proporcionar alguma informação sobre a identidade de Cristo, mas supõe uma relação pessoal com Ele, a adesão de toda a pessoa, com a sua inteligência, vontade e sentimentos, à manifestação que Deus faz de Si mesmo. Deste modo, a pergunta de Jesus: E vós, quem dizeis que Eu sou?, no fundo está impelindo os discípulos a tomarem uma decisão pessoal em relação a Ele. Fé e seguimento de Cristo estão intimamente relacionados.

E, dado que supõe seguir o Mestre, a fé tem que se consolidar e crescer, tornar-se mais profunda e madura, à medida que se intensifica e fortalece a relação com Jesus, a intimidade com Ele. Também Pedro e os outros apóstolos tiveram que avançar por este caminho, até que o encontro com o Senhor ressuscitado lhes abriu os olhos para uma fé plena.

Queridos jovens, Cristo hoje também se dirige a vós com a mesma pergunta que fez aos apóstolos: E vós, quem dizeis que Eu sou? Respondei-Lhe com generosidade e coragem, como corresponde a um coração jovem como o vosso. Dizei-Lhe: Jesus, eu sei que Tu és o Filho de Deus que deste a tua vida por mim. Quero seguir-Te fielmente e deixar-me guiar pela tua palavra. Tu conheces-me e amas-me. Eu confio em Ti e coloco nas tuas mãos a minha vida inteira. Quero que sejas a força que me sustente, a alegria que nuca me abandone.

Na sua reposta à confissão de Pedro, Jesus fala da sua Igreja: Também Eu te digo: Tu é Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja. Que significa isto? Jesus constrói a Igreja sobre a rocha da fé de Pedro, que confessa a divindade de Cristo.

Sim, a Igreja não é uma simples instituição humana, como outra qualquer, mas está intimamente unida a Deus. O próprio Cristo Se refere a ela como a sua Igreja. Não se pode separar Cristo da Igreja, tal como não se pode separar a cabeça do corpo (cf. 1 Cor 12, 12). A Igreja não vive de si mesma, mas do Senhor. Ele está presente no meio dela e dá-lhe vida, alimento e fortaleza.

Queridos jovens, permiti que, como Sucessor de Pedro, vos convide a fortalecer esta fé que nos tem sido transmitida desde os apóstolos, a colocar Cristo, Filho de Deus, no centro da vossa vida. Mas permiti também que vos recorde que seguir Jesus na fé é caminhar com Ele na comunhão da Igreja. Não se pode, sozinho, seguir Jesus. Quem cede à tentação de seguir «por conta sua» ou de viver a fé segundo a mentalidade individualista, que predomina na sociedade, corre o risco de nunca encontrar Jesus Cristo, ou de acabar seguindo uma imagem falsa d’Ele.

Ter fé é apoiar-se na fé dos teus irmãos, e fazer com que a tua fé sirva também de apoio para a fé de outros. Peço-vos, queridos amigos, que ameis a Igreja, que vos gerou na fé, que vos ajudou a conhecer melhor Cristo, que vos fez descobrir a beleza do Seu amor. Para o crescimento da vossa amizade com Cristo é fundamental reconhecer a importância da vossa feliz inserção nas paróquias, comunidades e movimentos, bem como a participação na Eucaristia de cada domingo, a recepção frequente do sacramento do perdão e o cultivo da oração e a meditação da Palavra de Deus.

E, desta amizade com Jesus, nascerá também o impulso que leva a dar testemunho da fé nos mais diversos ambientes, incluindo nos lugares onde prevalece a rejeição ou a indiferença. É impossível encontrar Cristo, e não O dar a conhecer aos outros. Por isso, não guardeis Cristo para vós mesmos. Comunicai aos outros a alegria da vossa fé. O mundo necessita do testemunho da vossa fé; necessita, sem dúvida, de Deus. Penso que a vossa presença aqui, jovens vindos dos cinco continentes, é uma prova maravilhosa da fecundidade do mandato de Cristo à Igreja: Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura (Mc 16, 15). Incumbe sobre vós também a tarefa extraordinária de ser discípulos e missionários de Cristo noutras terras e países onde há multidões de jovens que aspiram a coisas maiores e, vislumbrando em seus corações a possibilidade de valores mais autênticos, não se deixam seduzir pelas falsas promessas dum estilo de vida sem Deus.

Queridos jovens, rezo por vós com todo o afeto do meu coração. Encomendo-vos à Virgem Maria, para que Ela sempre vos acompanhe com a sua intercessão materna e vos ensine e fidelidade à Palavra de Deus. Peço-vos também que rezeis pelo Papa, para que, como Sucessor de Pedro, possa continuar confirmando na fé os seus irmãos. Que todos na Igreja, pastores e fiéis, nos aproximemos de dia para dia sempre mais do Senhor, para crescermos em santidade de vida e darmos assim um testemunho eficaz de que Jesus Cristo é verdadeiramente o Filho de Deus, o Salvador de todos os homens e a fonte viva da sua esperança. Amen.


 

20 de ago. de 2011

Homília na Festa da Assunção de Nossa Senhora, São João Paulo II


Maria foi elevada ao céu (citada na Aclamação ao Evangelho) / Alegremo-nos todos no Senhor (na Antífona da Entrada).

Ícone bizantino da Festa da Assunção da Virgem Maria

Com estas palavras da liturgia eucarística de hoje, saúdo a paróquia de Castel Gandolfo, dentro de cujos confins me é dado passar os dias do verão, longe, de certo modo, da minha quotidiana mesa de trabalho em Roma, e ao mesmo tempo em contínuo contacto com ela. Nesta ocasião desejo agradecer, uma vez mais, a todos os habitantes de Castel Gandolfo: os pastores das almas, os paroquianos, e também os hóspedes que vêm aqui ver-nos durante as férias; desejo agradecer tanta cordialidade e compreensão que me é demonstrada neste período. Assim também eu me sinto cordialmente ligado com a vossa comunidade — e hoje aproveito a circunstância para dar testemunho disso, por ocasião desta vossa festa que é, ao mesmo tempo, grande solenidade de toda a Igreja. Venho pois tributar — na celebração do Santíssimo Sacrifício no meio de vós — uma particular veneração ao mistério da Assunção da Mãe de Deus: mistério tão querido ao coração de cada cristão, tão «a largo raio» e ao mesmo tempo tão carregado de promessas, tão capaz de estimular os nossos corações à esperança.

Verdadeiramente, difícil seria encontrar um momento em que Maria pudesse pronunciar com maior elevação as palavras proferidas uma vez depois da anunciação, quando, tornada Mãe virginal do Filho de Deus, visitou a casa de Zacarias, para prestar serviços a Isabel: A minha alma enaltece o Senhor... / O Todo-poderoso fez em mim grandes coisas, / e o Seu nome é santo (Lc. 1, 46, 49).

Se estas palavras tiveram a sua motivação plena e superabundante na boca de Maria, quando Ela, Imaculada, se tornou a Mãe do Verbo Eterno, atingem hoje o cume definitivo. Maria que, graças à sua fé (tão exaltada por Isabel) naquele momento ainda sob o véu do mistério, entrou no tabernáculo da Santíssima Trindade, hoje entra na Morada eterna, em plena intimidade com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo, na visão beatífica face a face. E esta visão, como inexaurível fonte do amor perfeito, enche todo o seu Ser com a plenitude da glória e da felicidade. Assim pois a Assunção e, ao mesmo tempo, a «coroação» de toda a vida de Maria, da sua vocação única, entre todos os membros da humanidade, a ser a Mãe de Deus. É a coroação da fé que Ela, cheia de graça, demonstrou durante a anunciação e que Isabel, sua parente, assim sublinhou e exaltou durante a visitação.

Verdadeiramente podemos repetir hoje, seguindo o Apocalipse: O Templo de Deus abriu-se no Céu, e a Sua Arca da aliança foi vista no Templo... Depois ouvi no Céu uma voz potente: 'Eis agora a salvação, o poder e o reinado do nosso Deus, e a autoridade do Seu Cristo' (Ap. 11, 19; 12, 10).

O reino de Deus n'Aquela que sempre desejou ser apenas a escrava do Senhor. O poder do seu Ungido, isto é de Cristo, o poder do amor que Ele trouxe à Terra como um fogo (cf. Lc. 12, 49); o poder revelado na glorificação d'Aquela que, mediante o seu fiat, Lhe tornou possível vir a esta terra, tornar-se homem; o poder revelado na glorificação da Imaculada, na glorificação da Sua própria Mãe.

3. ...Cristo ressuscitou dos mortos, surgiu dentre os que morreram, como os primeiros frutos da seara. Uma vez que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dentre os mortos. Pois, assim como em Adão todos morrem, assim também em Cristo todos serão restituídos à vida. Cada qual, porém, na sua ordem: Primeiro, Cristo, como os primeiros frutos da seara; a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da Sua vinda (1 Cor. 15, 20-23).

A Assunção de Maria é dom particular do Ressuscitado à Sua Mãe. Se, de fato, aqueles que são de Cristo receberão a vida à Sua vinda, então é justo e compreensível que esta participação na vitória sobre a morte, a experimente precisamente Ela em primeiro lugar, Ela a Mãe; Ela que é de Cristo da maneira mais plena: com efeito também Ele pertence a Ela como o Filho à Mãe. E Ela pertence-Lhe a Ele: é, de modo particular, de Cristo, porque foi amada e remida de modo completamente singular. Aquela que, na sua mesma conceição humana, foi imaculada — isto é, livre do pecado, cuja consequência é a morte — pelo mesmo facto, não devia acaso ser livre da morte, que é a consequência do pecado? Aquela vinda de Cristo, de que fala o Apóstolo na segunda leitura de hoje, não «devia» acaso realizar-se, neste único caso de modo excepcional, por assim dizer de repente, isto é no momento da conclusão da vida terrestre? Por isso, aquele termo da vida que para todos os homens é a morte, no caso de Maria, a Tradição justamente lhe chama antes dormição.

Assumpta est Maria in coelum, gaudent Angeli! Et gaudet Ecclesia!

4. Para nós a solenidade de hoje é quase uma continuação da Páscoa: da Ressurreição e da Ascensão do Senhor. E é, ao mesmo tempo, o sinal e a fonte da esperança da vida eterna e da ressurreição futura. Deste sinal lemos no Apocalipse de João: Apareceu no Céu um sinal grandioso: uma Mulher revestida com o Sol, a Lua debaixo dos Pés; na cabeça, uma coroa de doze estrelas (Ap 12, 1).

E embora a nossa vida sobre a terra decorra, constantemente, na tensão daquela luta entre o Dragão e a Mulher, de que fala o mesmo livro da Sagrada Escritura; embora nós estejamos quotidianamente submetidos à luta entre o bem e o mal, na qual o homem participa desde o pecado original — quer dizer, desde o tempo em que comeu da árvore do conhecimento do bem e do mal, como lemos no livro do Génesis (2, 17; 3, 12); embora esta luta assuma por vezes formas perigosas e tremendas, todavia aquele Sinal da esperança permanece e renova-se constantemente na fé da Igreja.

E a festividade de hoje permite-nos olhar para este Sinal, o Grande Sinal da Economia Divina da Salvação, com confiança e alegria tanto maior.

Permite-nos esperar, deste Sinal, vencer, não sucumbir definitivamente ao mal e ao pecado — na expectativa do dia em que será tudo completado por Aquele que alcançou a vitória sobre a morte: o Filho de Maria; então Ele deporá nas mãos de Deus Pai o Seu poder real, depois de aniquilar todos os chefes, autoridades e dominadores inimigos (1 Cor. 15, 24) e porá todos os inimigos debaixo de Seus pés. E o último inimigo a ser aniquilado será a morte (cf. 1 Cor. 15, 25).

Caros Irmãos e Irmãs, participemos com alegria na Eucaristia de hoje. Recebamos confiadamente o Corpo de Cristo, recordando-nos das Suas palavras: Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia (Jo. 6, 54).

E veneremos hoje Aquela que deu a Cristo o nosso corpo humano: a Imaculada e a Assunta, que é a Esposa do Espírito Santo e a nossa Mãe.

-- Homília proferida na Festa da Assunção de Nossa Senhora pelo Papa João Paulo II em 15 de Agosto de 1980.

19 de ago. de 2011

Constituição Apostólica Munificentissimus Deus


* Esta constituição é um dos textos que definem um dogma essencial para a Igreja Católica, escrito pelo Papa Pio XII em uso de sua infalibilidade papal, acerca do dogma da Assunção de Nossa Senhora em Corpo e Alma.



Introdução 

1. Deus munificentíssimo, que tudo pode, e cujos planos de providência são cheios de sabedoria e de amor, nos seus imperscrutáveis desígnios, entremeia na vida os povos e dos indivíduos as dores com as alegrias, para que por diversos caminhos e de várias maneiras tudo coopere para o bem dos que o amam (cf. Rm 8,28).

2. O nosso pontificado, assim como os tempos atuais, tem sido assediado por inúmeros cuidados, preocupações e angústias, devido às grandes calamidades e por muitos que andam afastados da verdade e da virtude. Mas é para nós de grande conforto ver como, à medida que a fé católica se manifesta publicamente cada vez mais ativa, aumenta também cada dia o amor e a devoção para com a Mãe de Deus, e quase por toda parte isso é estímulo e auspício de uma vida melhor e mais santa. E assim sucede que, por um lado, a santíssima Virgem desempenha amorosamente a sua missão de mãe para com os que foram remidos pelo sangue de Cristo, e por outro, as inteligências e os corações dos filhos são estimulados a uma mais profunda e diligente contemplação dos seus privilégios.

3. De fato, Deus, que desde toda a eternidade olhou para a virgem Maria com particular e pleníssima complacência, quando chegou a plenitude dos tempos (Gl 4,4) atuou o plano da sua providência de forma que refulgissem com perfeitíssima harmonia os privilégios e prerrogativas que lhe concedera com sua liberalidade. A Igreja sempre reconheceu esta grande liberalidade e a perfeita harmonia de graças, e durante o decurso dos séculos sempre procurou estudá-la melhor. Nestes nossos tempos refulgiu com luz mais clara o privilégio da assunção corpórea da Mãe de Deus.

4. Esse privilégio brilhou com novo fulgor quando o nosso predecessor de imortal memória, Pio IX, definiu solenemente o dogma da Imaculada Conceição. De fato esses dois dogmas estão estreitamente conexos entre si. Cristo com a própria morte venceu a morte e o pecado, e todo aquele que pelo batismo de novo é gerado, sobrenaturalmente, pela graça, vence também o pecado e a morte. Porém Deus, por lei ordinária, só concederá aos justos o pleno efeito desta vitória sobre a morte, quando chegar o fim dos tempos. Por esse motivo, os corpos dos justos corrompem-se depois da morte, e só no último dia se juntarão com a própria alma gloriosa.

5. Mas Deus quis excetuar dessa lei geral a bem-aventurada virgem Maria. Por um privilégio inteiramente singular ela venceu o pecado com a sua concepção imaculada; e por esse motivo não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro, nem teve de esperar a redenção do corpo até ao fim dos tempos.

6. Quando se definiu solenemente que a virgem Maria, Mãe de Deus, foi imune desde a sua concepção de toda a mancha, logo os corações dos fiéis conceberam uma mais viva esperança de que em breve o supremo magistério da Igreja definiria também o dogma da assunção corpórea da virgem Maria ao céu.

Petições para a definição dogmática

7. De fato, sucedeu que não só os simples fiéis, mas até aqueles que, em certo modo, personificam as nações ou as províncias eclesiásticas, e mesmo não poucos Padres do concílio Vaticano pediram instantemente à Sé Apostólica esta definição.

8. Com o decurso do tempo essas petições e votos não diminuíram, antes foram aumentando de dia para dia em número e insistência. Com esse fim fizeram-se cruzadas de orações; muitos e exímios teólogos intensificaram com ardor os seus estudos sobre este ponto, quer em privado, quer nas universidades eclesiásticas ou nas outras escolas de disciplinas sagradas; celebraram-se em muitas partes congressos marianos nacionais e internacionais. Todos esses estudos e investigações mostraram com maior realce que no depósito da fé cristã, confiado à Igreja, tatmbém se encontrava a assunção da virgem Maria ao céu. E de ordinário a conseqüência foi enviarem súplicas em que se pedia instantemente a definição solene desta verdade.

9. Acompanhavam os fiéis nessa piedosa insistência os seus sagrados pastores, os quais dirigiram a esta cadeira de S. Pedro semelhantes petições em número muito considerável. Quando fomos elevado ao sumo pontificado, já tinham sido apresentadas a esta Sé Apostólica muitos milhares dessas súplicas, vindas de todas as partes do mundo e de todas as classes de pessoas: dos nossos amados filhos cardeais do Sacro Colégio, dos nossos veneráveis irmãos arcebispos e bispos, das dioceses e das paróquias.

10. Por esse motivo, ao mesmo tempo que dirigíamos a Deus intensas súplicas, para que concedesse à nossa mente a luz do Espírito Santo para decidirmos tão importante causa, estabelecemos normas especiais em que determinamos que se procedesse com todo o cuidado a um estudo mais rigoroso da matéria, e se reunissem e examinassem todas as petições relativas à assunção da santíssima virgem, enviadas à Sé Apostólica desde o tempo do nosso predecessor de feliz memória, Pio IX, até ao presente.(1)

Consulta ao episcopado

11. Mas como se tratava de assunto de tanta importância e transcendência, julgamos oportuno rogar direta e oficialmente a todos os nossos veneráveis irmãos no episcopado, que nos quisessem manifestar explicitamente a sua opinião. Para tal fim, no dia 1° de maio de 1946, dirigimos-lhes a carta encíclica "Deiparae Virginis Mariae" em que fazíamos esta pergunta: "Se vós, veneráveis irmãos, na vossa exímia sabedoria e prudência, julgais que a assunção corpórea da santíssima Virgem pode ser proposta e definida como dogma de fé, e se desejais que o seja, tanto vós como o vosso clero e fiéis".

Doutrina concorde do magistério da Igreja

12. E aqueles que "o Espírito Santo colocou como bispos para reger a Igreja de Deus" (At 20, 28) quase unanimemente deram resposta afirmativa a ambas as perguntas. Essa "singular concordância dos bispos e fiéis" (2) em julgar que a assunção corpórea ao céu da Mãe de Deus podia ser definida como dogma de fé, mostra-nos a doutrina concorde do magistério ordinário da Igreja, e a fé igualmente concorde do povo cristão - que aquele magistério sustenta e dirige - e por isso mesmo manifesta, de modo certo e imune de erro, que tal privilégio é verdade revelada por Deus e contida no depósito divino que Jesus Cristo confiou a sua esposa para o guardar fielmente e infalivelmente o declarar. (3) De fato, esse magistério da Igreja, não por estudo meramente humano, mas pela assistência do Espírito de verdade (cf. Jo 14,26), e portanto absolutamente sem nenhum erro, desempenha a missão que lhe foi confiada de conservar sempre puras e íntegras as verdades reveladas; e pelo mesmo motivo transmite-as sem contaminação e sem lhes ajuntar nem subtrair nada. "Pois - como ensina o concílio Vaticano - o Espírito Santo foi prometido aos sucessores de Pedro não para que, por sua revelação, expressem doutrinas novas, mas para que, com sua assistência, guardassem com cuidado e expusessem fielmente a revelação transmitida pelos apóstolos, ou seja o depósito da fé". (4) Por essa razão, do consenso universal do magistério da Igreja, deduz-se um argumento certo e seguro para demonstrar a assunção corpórea da bem-aventurada virgem Maria. Esse mistério, pelo que respeita à glorificação celestial do corpo da augusta Mãe de Deus, não podia ser conhecido por nenhuma faculdade da inteligência humana só com as forças naturais. É, portanto, verdade revelada por Deus, e por essa razão todos os filhos da Igreja têm obrigação de a crer firme e fielmente. Pois, como afirma o mesmo concílio Vaticano, "temos obrigação de crer com fé divina e católica, todas as coisas que se contêm na palavra de Deus escrita ou transmitida oralmente, e que a Igreja, com solene definição ou com o seu magistério ordinário e universal, nos propõe para crer, como reveladas por Deus".(5)

Testemunhos da crença na assunção

13. Desde tempos remotíssimos, pelo decurso dos séculos, aparecem-nos testemunhos, indícios e vestígios desta fé comum da Igreja; fé que se manifesta cada vez mais claramente.

14. Os fiéis, guiados e instruídos pelos pastores, souberam por meio da Sagrada Escritura que a virgem Maria, durante a sua peregrinação terrestre, levou vida cheia de cuidados, angústias e sofrimentos; e que, segundo a profecia do santo velho Simeão, uma espada de dor lhe traspassou o coração, junto da cruz do seu divino Filho e nosso Redentor. E do mesmo modo, não tiveram dificuldade em admitir que, à semelhança do seu unigênito Filho, também a excelsa Mãe de Deus morreu. Mas essa persuasão não os impediu de crer expressa e firmemente que o seu sagrado corpo não sofreu a corrupção do sepulcro, nem foi reduzido à podridão e cinzas aquele tabernáculo do Verbo divino. Pelo contrário, os fiéis iluminados pela graça e abrasados de amor para com aquela que é Mãe de Deus e nossa Mãe dulcíssima, compreenderam cada vez com maior clareza a maravilhosa harmonia existente entre os privilégios concedidos por Deus àquela que o mesmo Deus quis associar ao nosso Redentor. Esses privilégios elevaram-na a uma altura tão grande, que não foi atingida por nenhum ser criado, excetuada somente a natureza humana de Cristo.

15. Patenteiam inequivocamente esta mesma fé os inumeráveis templos consagrados a Deus em honra da assunção de nossa Senhora, e as imagens neles expostas à veneração dos fiéis, que mostram aos olhos de todos este singular triunfo da santíssima Virgem. Muitas cidades, dioceses e regiões foram consagradas ao especial patrocínio e proteção da assunção da Mãe de Deus. Do mesmo modo, com aprovação da Igreja, fundaram-se Institutos religiosos com o nome deste privilégio. Nem se deve passar em silêncio que no rosário de nossa Senhora, cuja reza tanto recomenda esta Sé Apostólica, há um mistério proposto à nossa meditação, que, como todos sabem, é consagrado à assunção da santíssima Virgem ao céu. 

Testemunho da liturgia

16. De modo ainda mais universal e esplendoroso se manifesta esta fé dos pastores e dos fiéis, com a festa litúrgica da assunção celebrada desde tempos antiquíssimos no Oriente e no Ocidente. Nunca os santos padres e doutores da Igreja deixaram de haurir luz nesta solenidade, pois, como todos sabem, a sagrada liturgia, "sendo também profissão das verdades católicas, e estando sujeita ao supremo magistério da Igreja, pode fornecer argumentos e testemunhos de não pequeno valor para determinar algum ponto da doutrina cristã".(6)

17. Nos livros litúrgicos em que aparece a festa da Dormição ou da Assunção de santa Maria, encontram-se expressões que de uma ou outra maneira concordam em referir que, quando a virgem Mãe de Deus passou deste exílio para o céu, por uma especial providência divina, sucedeu ao seu corpo algo de consentâneo com a dignidade de Mãe do Verbo encarnado e com os outros privilégios que lhe foram concedidos. É o que se afirma, para apresentarmos um exemplo elucidativo, no Sacramentário enviado pelo nosso predecessor de imortal memória Adriano I, ao imperador Carlos Magno. Nele se diz: "É digna de veneração, Senhor, a festividade deste dia, em que a santa Mãe de Deus sofreu a morte temporal; mas não pode ficar presa com as algemas da morte aquela que gerou no seu seio o Verbo de Deus encarnado, vosso Filho, nosso Senhor".(7)

18. Aquilo que aqui se refere com a sobriedade de palavras costumeiras na Liturgia romana, exprime-se mais difusamente nos outros livros das antigas liturgias orientais e ocidentais. OSacramentário Galicano, por exemplo, chama a esse privilégio de Maria, "inexplicável mistério, tanto mais digno de ser proclamado, quanto é único entre os homens, pela assunção da virgem". E na liturgia bizantina a assunção corporal da virgem Maria é relacionada diversas vezes não só com a dignidade de Mãe de Deus, mas também com os outros privilégios, especialmente com a sua maternidade virginal, decretada por um singular desígnio da Providência divina: "Deus, Rei do universo, concedeu-vos privilégios que superam a natureza; assim como no parto vos conservou a virgindade, assim no sepulcro vos preservou o corpo da corrupção e o conglorificou pela divina translação".(8)

A festa da Assunção

19. A Sé Apostólica, herdeira do múnus confiado ao Príncipe dos apóstolos de confirmar na fé os irmãos (cf. Lc 22,32), com sua autoridade foi tornando cada vez mais solene esta celebração. Esse fato estimulou eficazmente os fiéis a irem-se apercebendo mais e mais da importância deste mistério. E assim, a festa da assunção, que ao princípio tinha o mesmo grau de solenidade que as restantes festas marianas, foi elevada ao rito das festas mais solenes do ciclo litúrgico. O nosso predecessor S. Sérgio I, ao prescrever as ladainhas, ou a chamada procissão estacional, nas festas de nossa Senhora, enumera simultaneamente a Natividade, a Anunciação, a Purificação e a Dormição.(9) A festa já se celebrava com o nome de assunção da bem-aventurada Mãe de Deus, no tempo de S. Leão IV Esse papa procurou que se revestisse de maior esplendor, mandando ajuntar-lhe a vigília e a oitava. E o próprio pontífice quis participar nessas solenidades, acompanhado de imensa multidão. (10) Na vigília já de há muito se guardava o jejum, como se prova com evidência do que afirma o nosso predecessor S. Nicolau I, ao tratar dos principais jejuns "que... desde os tempos antigos observava e ainda observa a santa Igreja romana".(11)

20. A Liturgia da Igreja não cria a fé católica, mas supõe-na; e é dessa fé que brotam os ritos sagrados, como da árvore os frutos. Por isso os santos Padres e doutores nas homilias e sermões que nesse dia fizeram ao povo, não foram buscar essa doutrina à liturgia, como a fonte primária; mas falaram dela aos fiéis como de coisa sabida e admitida por todos. Declararam-na melhor, explicaram o seu significado e o fato com razões mais profundas, destacando e amplificando aquilo a que muitas vezes os livros litúrgicos apenas aludiam em poucas palavras, a saber, que com esta festa não se comemora somente a incorrupção do corpo morto da santíssima Virgem, mas principalmente o triunfo por ela alcançado sobre a morte e a sua celeste glorificação à semelhança do seu Filho unigênito, Jesus Cristo.

Testemunho dos santos Padres

21. S. João Damasceno, que entre todos se distingue como pregoeiro dessa tradição, ao comparar a assunção gloriosa da Mãe de Deus com as suas outras prerrogativas e privilégios, exclama com veemente eloqüência: "Convinha que aquela que no parto manteve ilibada virgindade conservasse o corpo incorrupto mesmo depois da morte. Convinha que aquela que trouxe no seio o Criador encarnado, habitasse entre os divinos tabernáculos. Convinha que morasse no tálamo celestial aquela que o Eterno Pai desposara. Convinha que aquela que viu o seu Filho na cruz, com o coração traspassado por uma espada de dor de que tinha sido imune no parto, contemplasse assentada à direita do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse o que era do Filho, e que fosse venerada por todas as criaturas como Mãe e Serva do mesmo Deus".(12)

22. Condizem com essas palavras de s. João Damasceno as de muitos outros que afirmam a mesma doutrina. E não são menos expressivas, nem menos exatas, as palavras que se encontram nos sermões proferidos pelos santos Padres mais antigos ou da mesma época, ordinariamente por ocasião dessa festividade. Assim, para citar outro exemplo, s. Germano de Constantinopla julgava que a incorrupção do corpo da virgem Maria Mãe de Deus, e a sua assunção ao céu são corolários não só da sua maternidade divina, mas até da santidade singular daquele corpo virginal: "Vós, como está escrito, aparecestes 'em beleza'; o vosso corpo virginal é totalmente santo, totalmente casto, totalmente domicílio de Deus de forma que até por este motivo foi isento de desfazer-se em pó; foi, sim, transformado, enquanto era humano, para viver a vida altíssima da incorruptibilidade; mas agora está vivo, gloriosíssimo, incólume e participante da vida perfeita".(13) Outro escritor antiquíssimo assevera por sua vez: "A gloriosíssima Mãe de Cristo, Deus e Salvador nosso, dador da vida e da imortalidade, foi glorificada e revestida do corpo na eterna incorruptibilidade, por aquele mesmo que a ressuscitou do sepulcro e a chamou a si duma forma que só ele sabe".(14)

23. À medida que a festa litúrgica se foi espalhando, e celebrando mais devotamente, maior foi o número de bispos e oradores sagrados que julgaram de seu dever explicar com toda a clareza o mistério que se venerava nesta solenidade e mostrar como ela estava intimamente relacionada com as outras verdades reveladas.

Testemunho dos teólogos

24. Entre os teólogos escolásticos, não faltaram alguns, que, pretendendo penetrar mais profundamente nas verdades reveladas, e mostrar o acordo entre a chamada razão teológica e a fé católica, notaram a estreita conexão existente entre este privilégio da assunção da santíssima Virgem e as demais verdades contidas na Sagrada Escritura.

25. Partindo desse pressuposto, apresentam diversas razões para corroborar esse privilégio mariano. A razão primária e fundamental diziam ser o amor filial de Cristo para o levar a querer a assunção de sua Mãe ao céu. E advertiam mais, que a força dos argumentos se baseava na incomparável dignidade da sua maternidade divina e em todas as graças que dela derivam: a santidade altíssima que excede a santidade de todos os homens e anjos, a íntima união de Maria com o seu Filho, e sobretudo o amor que o Filho consagrava a sua Mãe digníssima.

26. Muitas vezes os teólogos e oradores sagrados, seguindo os passos dos santos Padres,(15) para explicarem a sua fé na assunção, serviram-se com certa liberdade de fatos e textos da Sagrada Escritura. E assim, para mencionar só alguns mais empregados, houve quem citasse a este propósito as palavras do Salmista: "Erguei-vos, Senhor, para o vosso repouso, vós e a Arca de vossa santificação" (Sl 131, 8); e na Arca da Aliança, feita de madeira incorruptível e colocada no templo de Deus, viam como que uma imagem do corpo puríssimo da virgem Maria, preservado da corrupção do sepulcro, e elevado a tamanha glória no céu. Do mesmo modo, ao tratar desta matéria, descrevem a entrada triunfal da Rainha na corte celeste, e como se vai sentar a direita do divino Redentor (Sl 44,10.14-16); e recordam a propósito a esposa dos Cantares "que sobe pelo deserto, como uma coluna de mirra e de incenso" para ser coroada (Ct 3,6; cf. 4,8; 6,9). Ambas são propostas como imagens daquela Rainha e Esposa celestial, que sobe ao céu com o seu divino Esposo.

27. Os doutores escolásticos vislumbram igualmente a assunção da Mãe de Deus não só em várias figuras do Antigo Testamento, mas também naquela mulher, revestida de sol, que o apóstolo s. João contemplou na ilha de Patmos (Ap 12, ls.). Porém, entre os textos do Novo Testamento, consideraram e examinaram com particular cuidado aquelas palavras: "Ave, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres" (Lc 1,28), pois viram no mistério da assunção o complemento daquela plenitude de graça, concedida à santíssima Virgem, e uma singular bênção contraposta à maldição de Eva. 

Na teologia escolástica

28. Por esse motivo, nos primórdios da teologia escolástica, o piedosíssimo varão Amadeu, bispo de Lausana, afirmava que a carne da virgem Maria permaneceu incorrupta - nem se pode crer que o seu corpo padecesse a corrupção -, porque se uniu de novo à alma, e juntamente com ela penetrou na corte celestial. "Pois ela era cheia de graça e bendita entre as mulheres (Lc 1,28). Só ela mereceu conceber o Deus verdadeiro do Deus verdadeiro, e sendo virgem deu-o à luz, amamentou-o, trouxe-o no regaço, e prestou-lhe todos os cuidados maternos".(16)

29. Entre os escritores sagrados que naquele tempo com vários textos, comparações e analogias tiradas das divinas Letras, ilustraram e confirmaram a doutrina da assunção em que piamente acreditavam, ocupa lugar primordial o doutor evangélico s. Antônio de Pádua. Na festa da assunção, ao comentar aquelas palavras de Isaías: "glorificarei o lugar dos meus pés" (Is 60,13), afirmou com segurança que o divino Redentor glorificou de modo mais perfeito a sua Mãe amantíssima, da qual tomara carne humana. "Daqui, vê-se claramente", diz, "que o corpo da santíssima Virgem foi assunto ao céu, pois era o lugar dos pés do Senhor". Pelo que, escreve o Salmista: "Erguei-vos, Senhor, para o vosso repouso, vós e a Arca da vossa santificação". E assim como, acrescenta ainda, Jesus Cristo ressuscitou triunfante da morte e subiu para a direita do Pai, assim também "ressuscitou a Arca da sua santificação, quando neste dia a virgem Mãe foi assunta ao tálamo celestial".(17)

No período áureo

30. Quando, na Idade Média, a teologia escolástica atingiu o maior esplendor, s. Alberto Magno, para demonstrar essa verdade, apresenta vários argumentos fundados na Sagrada Escritura, na tradição, na liturgia e em razões teológicas, e conclui: "Por estas e outras muitas razões e autoridades, é evidente que a bem-aventurada Mãe de Deus foi assunta ao céu em corpo e alma sobre os coros dos anjos. E cremos que isto é absolutamente verdadeiro".(18) E num sermão pregado em dia da Anunciação de nossa Senhora, ao explicar aquelas palavras do anjo: "Ave, cheia de graça...", o doutor universal compara a santíssima Virgem com Eva, e afirma clara e terminantemente que Maria foi livre das quatro maldições que caíram sobre Eva.(19)

31. O Doutor Angélico, seguindo as pisadas do mestre, ainda que nunca trate expressamente do assunto, no entanto sempre que se oferece a ocasião fala dele, e com a Igreja católica afirma que o corpo de Maria juntamente com a alma foi levado ao céu.(20)

32. É da mesma opinião, entre outros muitos, o Doutor Seráfico, o qual tem como certo que, assim como Deus preservou Maria santíssima da violação do pudor e da integridade virginal ao conceber e dar à luz o seu Filho, assim não permitiu que o seu corpo se desfizesse em podridão e cinzas.(21) Aplica a santíssima Virgem, em sentido acomodatício, aquelas palavras da Sagrada Escritura: "Quem é esta que sobe do deserto, cheia de gozo, e apoiada no seu amado?" (Ct 8,5), e raciocina desta forma: "Daqui pode concluir-se que ela está ali corporalmente (na glória celeste)... Porque... a sua felicidade não seria plena se ali não estivesse em pessoa; ora a pessoa não é só a alma, mas o composto; logo é claro que está ali segundo o composto, isto é, em corpo e alma; de outro modo não gozaria de felicidade plena".(22)

Na escolástica posterior

33. Na escolástica posterior, ou seja no século XV, são Bernardino de Sena, resumindo e ponderando cuidadosamente tudo quanto os teólogos medievais tinham escrito a esse propósito, não julgou suficiente referir as principais considerações que os antigos doutores tinham proposto, mas acrescentou outras novas. Por exemplo, a semelhança entre a divina Mãe e o divino Filho, no que respeita à perfeição e dignidade de alma e corpo - semelhança que nem sequer nos permite pensar que a Rainha celestial possa estar separada do Rei dos céus - exige absolutamente que Maria "só deva estar onde está Cristo".(23) Portanto, é muito conveniente e conforme à razão que tanto o corpo como a alma do homem e da mulher tenham alcançado já a glória no céu; e, finalmente, o fato de nunca a Igreja ter procurado as relíquias da santíssima Virgem, nem as ter exposto à veneração dos fiéis, constitui um argumento que é "como que uma experiência sensível" da assunção.(24)

Nos tempos modernos

34. Em tempos mais recentes, as razões dos santos Padres e doutores, acima aduzidas, foram usadas comumente. Seguindo o comum sentir dos cristãos, recebido dos tempos antigos s. Roberto Belarmino exclamava: "Quem há, pergunto, que possa pensar que a arca da santidade, o domicílio do Verbo, o templo do Espírito Santo tenha caído em ruínas? Horroriza-se o espírito só com pensar que aquela carne que gerou, deu a luz, alimentou e transportou a Deus, se tivesse convertido em cinza ou fosse alimento dos vermes".(25)
35. De igual forma s. Francisco de Sales afirma que não se pode duvidar que Jesus Cristo cumpriu do modo mais perfeito o divino mandamento que obriga os filhos a honrar os pais. E a seguir faz esta pergunta: "Que filho haveria, que, se pudesse, não ressuscitava a sua mãe e não a levava para o céu?"(26) E s. Afonso escreve por sua vez: "Jesus não quis que o corpo de Maria se corrompesse depois da morte, pois redundaria em seu desdouro que se transformasse em podridão aquela carne virginal de que ele mesmo tomara a própria carne".(27)

36. Quando já tinha aparecido em toda a sua luz o mistério que se celebra nesta festa, não faltaram doutores que, em vez de tratar das razões teológicas pelas quais se demonstrasse a absoluta conveniência de crença na assunção corpórea da Virgem santíssima, voltaram o pensamento para a fé da Igreja, mística esposa de Cristo, sem mancha nem ruga (cf. Ef 5,27), que o Apóstolo chama "coluna e sustentáculo da verdade" ( 1Tm 3,15). E apoiados nesta fé comum pensaram que seria temerária, para não dizer herética, a opinião contrária. S. Pedro Canísio, como outros muitos, depois de declarar que o termo assunção se referia à glorificação não só da alma mas também do corpo, e que a Igreja há muitos séculos venerava e celebrava solenemente este mistério mariano, observa: "Esta opinião é admitida há vários séculos e tão impressa na alma dos fiéis, é tão recomendada pela Igreja, que quem negasse a assunção ao céu do corpo de Maria santíssima nem sequer seria ouvido com paciência, mas seria vaiado como pertinaz, ou mesmo temerário, e imbuído mais de espírito herético do que católico".(28)

37. Pela mesma época, o Doutor Exímio estabelecia esta regra para a mariologia: "Os mistérios da graça que Deus operou na virgem Maria não se devem medir pelas leis ordinárias, senão pela onipotência divina, suposta a conveniência do fato e a não contradição ou repugnância com as Escrituras".(29) E apoiado na fé de toda a Igreja, podia concluir que o mistério da assunção devia crer-se com a mesma firmeza que o da imaculada conceição, e já então julgava que ambas as verdades podiam ser definidas. 

Fundamento escriturístico

38. Todos esses argumentos e razões dos santos Padres e teólogos apóiam-se, em último fundamento, na Sagrada Escritura. Esta nos apresenta a Mãe de Deus extremamente unida ao seu Filho, e sempre participante da sua sorte. Pelo que parece quase que impossível contemplar aquela que concebeu, deu à luz, alimentou com o seu leite, a Cristo, e o teve nos braços e apertou contra o peito, estivesse agora, depois da vida terrestre, separada dele, se não quanto à alma, ao menos quanto ao corpo. O nosso Redentor é também filho de Maria; e como observador perfeitíssimo da lei divina não podia deixar de honrar a sua Mãe amantíssima logo depois do Eterno Pai. E podendo ele adorná-la com tamanha honra, preservando-a da corrupção do sepulcro, deve crer-se que realmente o fez.

39. E convém sobretudo ter em vista que, já a partir do século II, os santos Padres apresentam a virgem Maria como nova Eva, sujeita sim, mas intimamente unida ao novo Adão na luta contra o inimigo infernal. E essa luta, como já se indicava no Protoevangelho, acabaria com a vitória completa sobre o pecado e sobre a morte, que sempre se encontram unidas nos escritos do apóstolo das gentes (cf. Rm 5; 6; lCor 15,21-26; 54-57). Assim como a ressurreição gloriosa de Cristo constituiu parte essencial e último troféu desta vitória, assim também a vitória de Maria santíssima, comum com a do seu Filho, devia terminar pela glorificação do seu corpo virginal. Pois, como diz ainda o apóstolo, "quando... este corpo mortal se revestir da imortalidade, então se cumprirá o que está escrito: a morte foi absorvida na vitória" (1Cor 15,14).

40. Deste modo, a augustíssima Mãe de Deus, associada a Jesus Cristo de modo insondável desde toda a eternidade "com um único decreto" (30) de predestinação, imaculada na sua concepção, sempre virgem, na sua maternidade divina, generosa companheira do divino Redentor que obteve triunfo completo sobre o pecado e suas conseqüências, alcançou por fim, como suprema coroa dos seus privilégios, que fosse preservada da corrupção do sepulcro, e que, à semelhança do seu divino Filho, vencida a morte, fosse levada em corpo e alma ao céu, onde refulge como Rainha à direita do seu Filho, Rei imortal dos séculos (cf. 1Tm 1,17).

Oportunidade da definição

41. Considerando que a Igreja universal - que é assistida pelo Espírito de verdade, que a dirige infalivelmente para o conhecimento das verdades reveladas - no decurso dos séculos manifestou de tantas formas a sua fé; considerando que os bispos de todo o mundo quase unanimemente pedem que seja definida como dogma de fé divina e católica a verdade da assunção corpórea da santíssima Virgem ao céu; considerando que esta verdade se funda na Sagrada Escritura, está profundamente gravada na alma dos fiéis, e desde tempos antiquíssimos é comprovada pelo culto litúrgico, e concorda, inteiramente, com as outras verdades reveladas, e tem sido esplendidamente explicada e declarada pelos estudos, sabedoria e prudência dos teólogos - julgamos chegado o momento estabelecido pela providência de Deus, para proclamarmos solenemente este privilégio insigne da virgem Maria. 

42. Nós, que colocamos o nosso pontificado sob o especial patrocínio da santíssima Virgem, à qual recorremos em tantas circunstâncias tristes, nós, que consagramos publicamente todo o gênero humano ao seu imaculado Coração, e que experimentamos muitas vezes o seu poderoso patrocínio, confiamos firmemente que esta solene proclamação e definição será de grande proveito para a humanidade inteira, porque reverte em glória da Santíssima Trindade, a qual a virgem Mãe de Deus está ligada com laços muito especiais. É de esperar também que todos os fiéis cresçam em amor para com a Mãe celeste, e que os corações de todos os que se gloriam do nome de cristãos se movam a desejar a união com o corpo místico de Jesus Cristo, e que aumentem no amor para com aquela que tem amor de Mãe para com os membros do mesmo augusto corpo. E também é lícito esperar que, ao meditarem nos exemplos gloriosos de Maria, mais e mais se persuadam todos do valor da vida humana, se for consagrada ao cumprimento integral da vontade do Pai celeste e a procurar o bem do próximo. Enquanto o materialismo e a corrupção de costumes que dele se origina ameaçam subverter a luz da virtude, e destruir vidas humanas, suscitando guerras, é de esperar ainda que este luminoso e incomparável exemplo, posto diante dos olhos de todos, mostre com plena luz qual o fim a que se destinam a nossa alma e o nosso corpo. E, finalmente, esperamos que a fé na assunção corpórea de Maria ao céu torne mais firme e operativa a fé na nossa própria ressurreição.

43. E é para nós motivo de imenso regozijo que este fato, por providência de Deus, se realize neste Ano santo que está a decorrer, e que assim possamos, enquanto se celebra este jubileu maior, adornar com esta pedra preciosa a fronte da Virgem santíssima, e deixar um monumento, mais perene que o bronze, da nossa ardente devoção para com a Mãe de Deus.

Definição solene do dogma

44. "Pelo que, depois de termos dirigido a Deus repetidas súplicas, e de termos invocado a paz do Espírito de verdade, para glória de Deus onipotente que à virgem Maria concedeu a sua especial benevolência, para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e triunfador do pecado e da morte, para aumento da glória da sua augusta mãe, e para gozo e júbilo de toda a Igreja, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos s. Pedro e s. Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que: a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial".

45. Pelo que, se alguém, o que Deus não permita, ousar, voluntariamente, negar ou pôr em dúvida esta nossa definição, saiba que naufraga na fé divina e católica.

46. Para que chegue ao conhecimento de toda a Igreja esta nossa definição da assunção corpórea da virgem Maria ao céu, queremos que se conservem esta carta para perpétua memória; mandamos também que, aos seus transuntos ou cópias, mesmo impressas, desde que sejam subscritas pela mão de algum notário público, e munidas com o selo de alguma pessoa constituída em dignidade eclesiástica, se lhes dê o mesmo crédito que à presente, se fosse apresentada e mostrada.

47. A ninguém, pois, seja lícito infringir esta nossa declaração, proclamação e definição, ou temerariamente opor-se-lhe e contrariá-la. Se alguém presumir intentá-lo, saiba que incorre na indignação de Deus onipotente e dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo.

Dado em Roma, junto de São Pedro, no ano do jubileu maior, de 1950, no dia 1 ° de novembro, festa de todos os santos, no ano XII do nosso pontificado.

Eu PIO, Bispo da Igreja Católica assim definindo, subscrevi

* para as referências, sugiro acessar o texto no site do Vaticano

17 de ago. de 2011

Bendito é o fruto de vosso ventre

À saudação angélica com que todos os dias, segundo a devoção de cada um, saudamos a santíssima Virgem, costumamos acrescentar: E bendito o fruto de vosso ventre. Após ter sido saudada pela Virgem, Isabel, como a retomar o final da saudação do anjo, acrescentou estas expressões: Bendita sois entre as mulheres e bendito o fruto de vosso ventre (Lc 1,42). É este o fruto de que fala Isaías: Naquele dia será o germe do Senhor em magnificência e glória e o fruto da terra, sublime (Is 4,2). Quem é este fruto senão o santo de Israel, a semente de Abraão, o germe do Senhor, a flor que se eleva da raiz de Jessé, o fruto da vida com quem entramos em comunhão?

Bendito, sim, na semente, bendito no germe, bendito na flor, bendito no dom,bendito, enfim na ação de graças e no louvor. Cristo, semente de Abraão, feito da semente de Davi segundo a carne.

Só ele, dentre os homens, se encontrou perfeito em todo o bem, só a ele foi dado sem medida o Espírito, ele, o único a poder cumprir toda a justiça. Sua justiça basta à totalidade das nações, como está escrito: Como a terra produz seu germe e o jardim germina sua semente, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça e o louvor diante de todas as nações (Is 61,11). É este o germe da justiça que, desabrochado pela bênção, a flor da glória adorna. Que glória? Aquela que é impossível imaginar-se mais sublime, ou antes, que de modo algum se pode imaginar. A flor elevou-se da raiz de Jessé. Até aonde? Até ao máximo, porque Jesus Cristo está na glória de Deus Pai (cf. Fl 2,11). Elevou-se sua magnificência para além dos céus, de modo a ser o germe do Senhor em magnificência e em glória, e o fruto da terra, sublime.

E para nós, quem é o fruto deste fruto? Quem, a não ser o fruto da bênção oriundo do fruto bendito? Dele, como semente, germe, flor, provém o fruto da bênção; e chega até nós. Primeiro, como em semente pela graça do perdão, depois como em germe pelo aumento da justiça, e por fim como em flor pela esperança ou pose da glória. Bendito por Deus e em Deus, isto é, para que Deus seja glorificado nele. Para nós também é bendito para que, benditos por ele, nele sejamos glorificados, já que pela promessa feita a Abraão, Deus o fez a bênção de todos os povos.

-- Do Tratado sobre a Saudação Evangélica, de Balduíno de Cantuária, bispo (século XII)

Sermão sobre a Anunciação, por Santo Antonio de Pádua


Evangelho da Festa da Anunciação (Lc 1,26-38):

Naquele tempo, o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia, chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da Virgem era Maria. O anjo entrou onde ela estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!”

Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim”.

Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?” O anjo respondeu: “O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra. Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus. Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível”. Maria, então, disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” E o anjo retirou-se.

Acabamos de ouvir de que maneira a Virgem Maria concebeu o Filho de Deus Pai. Vamos ver agora, brevemente, de que jeito a alma concebe o espírito da salvação. Na Virgem Maria vemos representada a alma fiel:“virgem” pela integridade da fé. Com efeito, diz o Apóstolo: “Eu vos prometi a um único esposo, para apresentar-vos como virgem casta a Cristo” (2Cor 11,2). “Maria”, isto é, estrela do mar, pela profissão da própria fé. “Crê-se com o coração para obter a justiça”, eis a virgem. “Com a boca faz-se a profissão de fé para obter a salvação” (Rm 10,10): eis a estrela que da amargura do mundo guia ao porto da salvação eterna. Essa virgem mora em Nazaré da Galiléia, quer dizer, “na flor da emigração”.

A flor é a esperança do fruto. Com efeito, a alma fiel espera “emigrar”, passar da fé à visão, da sombra à verdade, da promessa à realidade, da flor ao fruto, do visível ao invisível. Dizem os pastores: “Vamos até Belém, porque ali encontraremos bons pastos, o pão dos anjos, o Verbo Encarnado”. Lemos em Isaías: “Alegria dos burros selvagens, pastagem dos rebanhos” (32,14). Nos burros selvagens estão simbolizados os justos, cuja alegria será a pastagem dos rebanhos, quer dizer, o esplendor e a felicidade dos anjos, porque junto com os anjos pastarão, isto é, gozarão da visão do Verbo Encarnado. A essa virgem é enviado o anjo Gabriel, cujo nome significa “Deus me confortou”. Nele é indicada a infusão da graça divina e sem o seu conforto a alma desfalece. Por isso diz Judite: “Dai-me forças, ó Senhor, Deus de Israel, nesta hora”“E, com o punhal, golpeou duas vezes o pescoço de Holofernes e cortou-lhe a cabeça” (13,9-10). Holofernes significa “enfraquece o boizinho engordado”. Nele é representado o pecador que, engordado com a gordura das coisas temporais, é despojado pelo diabo das virtudes e assim se enfraquece e fica doente. A cabeça de Holofernes é a soberba do diabo.

Diz Gênesis: “Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (3,15). No calcanhar é indicado o fim da vida. A Virgem Maria esmigalhou a soberba do diabo por meio da humildade, mas ele a tentou, no calcanhar, durante a paixão de seu Filho. Quem quiser arrancar de si mesmo a soberba do diabo, deve golpeá-lo duas vezes. Esse duplo golpe é a lembrança do nosso nascimento e o pensamento da nossa morte. Quem medita assiduamente sobre esses dois momentos da sua vida arranca de si a soberba do diabo, mas antes é preciso que implore o sustento da graça divina. “Agi virilmente e o vosso coração será confortado” (Sl 30,25).

“Entrando o anjo onde ela estava”.

Aqui é colocada em evidência a solidão da alma que mora em si mesma, lendo no livro da própria miséria e indo à busca da doçura divina: por isso ela merece ouvir dizer: “Ave!” O nome de Eva que quer dizer “ai” ou "desgraça". Lido ao contrário fica Ave. A alma que se encontra no pecado mortal é Eva, ou seja, “ai” e desgraça, mas se ela se converte à penitência e ouve dizer-lhe Ave, quer dizer “sem ai”. “Cheia de graça”. Quem derrama ainda alguma coisa numa vasilha cheia perde tudo aquilo que nela coloca. Assim também na alma, se ela for cheia de graça, não pode entrar nela a sujeira do pecado. A graça penetra todos os espaços e não deixa nenhum pedacinho vazio em que possa entrar e ficar aquilo que lhe é contrário. Quem tudo compra, tudo quer possuir. E a alma é tão grande que ninguém pode preenchê-la a não ser somente Deus que, como diz São João, “é infinitamente maior que o nosso coração e conhece todas as coisas” (1Jo 3,20).

Uma vasilha bem cheia derrama em todas as partes. Da plenitude da alma recebem todos os sentidos porque, como diz o profeta Isaías, “será de sábado a sábado” (66), quer dizer, da paz interior virá a paz dos sentidos e dos membros. “O Senhor é contigo”. Ao contrário, lemos no Êxodo: “Não irei contigo, porque tu és um povo de cabeça dura” (33,3), isto é, desobediente e soberbo. É como se dissesse: “Eu iria contigo se fosses humilde!” Por isso ao humilde ele promete: “Tu és o meu servo: mesmo que tiveres que atravessar as águas eu estarei contigo e os rios não te submergirão. Se tiveres que atravessar o fogo, não te queimarás, a chama não poderá te queimar” (Is 43,2). Nas águas é simbolizada a sugestão do diabo, nos rios a gula e a luxúria; no fogo, o dinheiro e a abundância das coisas materiais; na chama, a vanglória. O servo, isto é, a pessoa humilde com quem está o Senhor, passa ileso através das sugestões do diabo, porque nem a gula nem a luxúria o cobrem. Quem está com a cabeça totalmente coberta não pode ver, cheirar, falar e ouvir distintamente. Assim, também quem estiver totalmente coberto pela gula e pela luxúria fica privado da faculdade de contemplar, discernir, reconhecer o seu pecado e obedecer. O humilde, mesmo que caminhe através do fogo das coisas temporais, não se queima com a avareza ou com a vanglória.

“Tu és bendita entre as mulheres”.

Lê-se na História Natural que as mulheres sentem compaixão bem mais intensamente do que os homens, derramam lágrimas bem mais do que os homens e possuem uma memória muito mais duradoura do que os homens (Aristóteles). Nessas três qualidades são indicadas a piedade com o próximo, a devoção das lágrimas, a lembrança da paixão do Senhor. Lemos no Cântico dos Cânticos: “Coloca-me como um selo em teu coração, uma tatuagem em teu braço, porque forte como a morte é o amor!” (8,6): o teu amor pelo qual morreste! Bem-aventuradas aquelas almas que possuem essas três qualidades. Entre elas é bendita, com o privilégio de uma bênção especial, a alma fiel e humilde, rica de obras de caridade. E em mérito a essa bênção, continua: “Eis que conceberás e darás à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus”. Lemos ainda na História Natural que as mulheres grávidas sentem dores, perdem o apetite, a vista fica anuviada. Outras mulheres grávidas não gostam de vinho, porque bebendo-o perdem as forças. Isso acontece também com a alma. Quando, sob a ação do Espírito Santo, concebe o espírito da salvação: começa a arrepender-se de seus pecados, sente repugnância pelas coisas temporais, desagrada-se a si mesma, (este é o significado do anuviamento da vista); acostumada a admirar-se com gosto, não gosta do vinho da luxúria.

Por estes sinais poderás julgar se a alma concebeu o espírito da salvação que em seguida dará à luz quando der fruto na luz das obras boas. E a esse fruto dará o nome de “salvação” (Jesus), porque tudo o que faz é em vista da salvação. É a intenção - foi dito - que qualifica a obra. A alma fiel age para agradar a Deus, para obter o perdão dos pecados, edificar o próximo e alcançar a salvação. Digne-se conceder a salvação também a nós Aquele que é bendito pelos séculos dos séculos. Amém.

-- Dos Sermões de Santo Antônio de Pádua (século XIII)

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