22 de jun. de 2018

Nós, filhos de Deus, permaneçamos na paz de Deus

Cristo acrescentou claramente uma lei que nos obriga a determinada condição: que peçamos a remissão das dívidas, se nós mesmos perdoarmos aos nossos devedores, sabendo que não podemos alcançar o perdão pedido a não ser que façamos o mesmo em relação aos que nos ofendem. Por esta razão, diz em outro lugar: Com a mesma medida com que medirdes, sereis medidos. E aquele servo que, perdoado de toda a dívida por seu senhor, mas não quis perdoar o companheiro, foi lançado ao cárcere. Por não ter querido ser indulgente com o companheiro, perdeu a indulgência com que fora tratado por seu senhor.
Caim matando Abel, de Peter Paul Rubens

Cristo propõe o perdão com preceito mais forte e censura ainda mais vigorosa: Quando fordes orar, perdoai se tendes algo contra outro, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe os pecados. Se, porém, não perdoardes, também vosso Pai, que está nos céus, não vos perdoará os pecados. Não te restará a menor desculpa no dia do juízo, quando serás julgado de acordo com tua própria sentença e o que tiveres feito, o mesmo sofrerás.

Deus ordenou que sejamos pacíficos, concordes e unânimes em sua casa. Mandou que sejamos tais como nos tornou pelo segundo nascimento; assim também ele nos quer renascidos e perseverantes. Deste modo nós, filhos de Deus, permaneçamos na paz de Deus e os que possuem um só Espírito tenham uma só alma e um só coração.

Deus não aceita o sacrifício do que vive em discórdia e ordena deixar o altar e ir primeiro reconciliar-se com o irmão, para que, com preces pacíficas, possa Deus ser aplacado. Maior serviço para Deus é a nossa paz e concórdia fraterna e o povo que foi feito uno pela unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Nos sacrifícios que Abel e Caim foram os primeiros a oferecer, Deus não olhava os dons, mas os corações, de forma que lhe agradava pelo dom aquele que lhe agradava pelo coração. Abel, pacífico e justo, sacrificando com inocência a Deus, ensinou os outros a depositar seus dons no altar com temor de Deus, simplicidade de coração, empenho de justiça e de concórdia. Aquele que assim procedeu no sacrifício de Deus tornou-se merecidamente sacrifício para Deus. Sendo o primeiro a dar a conhecer o martírio, iniciou pela glória de seu sangue a paixão do Senhor, por ter mantido a justiça e a paz do Senhor. Esses serão, no fim, coroados pelo Senhor; esses, no dia do juízo, triunfarão com o Senhor.

Quanto aos discordantes, aos dissidentes, aos que não mantêm a paz com os irmãos, mesmo que sejam mortos pelo nome de Cristo, não poderão, conforme o testemunho do santo Apóstolo e da Sagrada Escritura, escapar do crime de desunião fraterna, pois está escrito: Quem odeia seu irmão é homicida. Não chega ao reino dos céus nem vive com Deus um homicida. Não pode estar com Cristo quem preferiu a imitação de Judas à de Cristo.

-- Do Tratado sobre a Oração do Senhor, de São Cipriano, bispo e mártir (século III)

10 de jun. de 2018

Mórmons são cristãos? Não, mas é complicado.

Após Lutero e o Rei Henrique VIII surgiram diversas igreja saídas da Católica, com menores ou maiores diferenças doutrinárias e teológicas em relação à Católica. Este processo continuou, com mais e mais novas divisões, até a situação atual com milhares de igrejas que podem ser chamadas cristãs, acreditam em Deus Pai, seu filho Jesus Cristo e o Espírito Santo, e utilizam traduções da Bíblia que encontram suas raízes no trabalho de São Jerônimo. 

Uma diferença prática importante: a ISUD não batiza
recém-nascidos, apenas pessoas com um mínimo de
compreensão dos seus ensinamentos. marcado pela
idade de oito anos e sem deficiências mentais.
A Igreja Católica aceita plenamente o Batismo de outras igrejas cristãs, isto é, caso uma pessoa que tenha sido batizada, digamos, na Igreja Luterana converta-se a Igreja Católica, não será necessário batizá-la novamente por que o Batismo é feito com a mesma forma e intenção. Diferenças de natureza doutrinária não são suficientes para invalidar o Batismo, e isto é uma posição muito anterior à Lutero, com raízes numa decisão do Papa Estevão I no ano de 256, quando já ocorriam as primeiras separações da Católica.  

A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (ISUD), popularmente como  mórmons, surgiu a partir de um movimento liderado por Joseph Smith em torno de 1830. No início, o Batismo ministrado pelos mórmons foi aceito pela Igreja Católica, mas conforme seus ensinamentos foram alterados pelos seus líderes e melhor compreendidos por todos, tornou-se óbvio que esta decisão deveria ser revista. Hoje a Igreja Católica não aceita o Batismo ministrado pelos mórmons, ou seja, basicamente afirma que são tão diferentes do Cristianismo que já não podem ser chamados cristãos.

E por que isto é complicado? O problema é que a ISUD também batiza em nome do Pai, Filho e o Espírito Santo utilizando a água como sinal do batismo, ou seja, na aparência externa, seria um Batismo cristão, mas as semelhanças terminam aí, na exterioridade.

A invocação não é realmente da Santíssima Trindade por que o Pai, Filho e Espírito Santo são considerados não como as três pessoas de Deus, mas três deuses separados que existiam da maneira separada e, livremente, decidiram formar uma divindade. Ou seja, até mesmo a idéia de divindade só começaria  a existir a partir do momento em que os três deuses decidiram se unir. E ainda mais, Deus trata-se um ser nativo de outro planeta que se transformou em um ser humano e morreu de uma maneira humana, sendo esea um modo válido de transformar-se em Deus, também acessível a todos outros homens. Deus Pai tem ancestrais e uma esposa, a Mãe Celestial, com quem dividiu a responsabilidade da criação. Jesus Cristo é o primeiro filho desta união, assim como o Espírito Santo, nascidos após a criação do mundo. Para os mórmos há, no mínimo, quatro deuses, sendo que três deles decidiram unir-se para formar a divindade. Ou seja, as diferenças são tão profundas que não podem nem mesmo ser consideradas como uma heresia, mas como vindas de uma matriz teológica separada do cristianismo. 

Além disso há outras distinções importantes: para a Igreja Católica, o Batismo cancela não apenas os pecados pessoais, como também o pecado original. Já a ISUD sequer aceita a existência do pecado original e o pecado de Adão e Eva teria sido parte do plano de Deus. Também é possível batizar os antepassados já mortos e que isto conduz a salvação de suas almas. Na prática, isto leva os mórmons a cuidadosamente investigarem a história familiar em busca de pessoas a serem salvas. 

Joseph Smith, que iniciou o ISUD, acreditava na Bíblia mas afirmava que ela havia sido degenerada pela Igreja Católica que teria omitido livros e introduzido erros no texto. A partir daí completou uma revisão da Bíblia em 1833, incluindo o que considerou correções e seus próprios comentários. Também escreveu o Livro dos Mórmons, que explica seus ensinamentos e fundamenta sua teologia, sendo que este tem um status igual ao da Bíblia. 

Em síntese, embora na forma o Batismo da ISUD pareça ser cristão, as diferenças são muito grandes a ponto de não ser aceito pela Igreja Católica. Se algum mórmom se converter ao catolicismo, terá que ser batizado e declarar sua adesão ao Credo Niceno-Constantinopolitano: Cremos em um só Deus, Pai todo-poderoso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis.

-- autoria própria, com base em um documento publicado pela Congregação da Doutrina da Fé escrito por Pe. Luis Ladaria em 1o. de Agosto de 2011. 

4 de jun. de 2018

A Teologia da Libertação, seus erros e o ensinamento da Igreja

A expressão "Teologia da Libertação" designa primeiramente uma preocupação privilegiada, geradora de compromisso pela justiça, voltada para os pobres e para as vítimas da opressão. A aspiração pela libertação, como o próprio termo indica, refere-se a um tema fundamental do Antigo e do Novo Testamento. Por isso, tomada em si mesma, a expressão "Teologia da Libertação" é uma expressão perfeitamente válida: designa, neste caso, uma reflexão teológica centrada no tema bíblico da libertação e da liberdade e na urgência de suas incidências práticas.
Na época, Papa João Paulo e Cardeal Joseph Ratzinger

A experiência radical da liberdade cristã constitui aqui o principal ponto de referência. Cristo, nosso Libertador, libertou-nos do pecado e da escravidão da lei e da carne, que constitui a marca da condição do homem pecador. Ê pois a vida nova da graça, fruto da justificação, que nos torna livres. Isto significa que a mais radical das escravidões é a escravidão do pecado. As demais formas de escravidão encontram pois, na escravidão do pecado, a sua raiz mais profunda. É por isso que a liberdade, no pleno sentido cristão, caracterizada pela vida no Espírito, não pode ser confundida com a licença de ceder aos desejos da carne.

A libertação é antes de tudo e principalmente libertação da escravidão radical do pecado. Seu objetivo e seu termo é a liberdade dos filhos de Deus, que é dom da graça. Ela exige, por uma consequência lógica, a libertação de muitas outras escravidões, de ordem cultural, econômica, social e política, que, em última análise, derivam todas do pecado e constituem outros tantos obstáculos que impedem os homens de viver segundo a própria dignidade. Discernir com clareza o que é fundamental e o que faz parte das consequências, é condição indispensável para uma reflexão teológica sobre a libertação.

Na verdade, diante da urgência dos problemas, alguns são levados a acentuar unilateralmente a libertação das escravidões de ordem terrena e temporal, dando a impressão de relegar ao segundo plano a libertação do pecado e portanto de não atribuir-lhe praticamente a importância primordial que lhe compete. A apresentação dos problemas por eles proposta torna-se por isso confusa e ambígua.

Não se pode tampouco situar o mal unicamente ou principalmente nas estruturas econômicas, sociais ou políticas, como se todos os outros males derivassem destas estruturas como de sua causa: neste caso a criação de um "homem novo" dependeria da instauração de estruturas econômicas e socio-políticas diferentes. Há, certamente, estruturas iníquas e geradoras de iniquidades, e é preciso ter a coragem de mudá-las. Fruto da ação do homem, as estruturas boas ou más são consequências antes de serem causas. A raiz do mal se encontra pois nas pessoas livres e responsáveis, que devem ser convertidas pela graça de Jesus Cristo, para viverem e agirem como criaturas novas, no amor ao próximo, na busca eficaz da justiça, do auto-domínio e do exercício das virtudes.

O sentimento angustiante da urgência dos problemas não pode levar a perder de vista o essencial, nem fazer esquecer a resposta de Jesus ao Tentador (Mt 4, 4):  "Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus" (Dt 8, 3). Assim, sucede que alguns, diante da urgência de repartir o pão, são tentados a colocar entre parênteses e a adiar para amanhã a evangelização: primeiro o pão, a Palavra mais tarde. É um erro fatal separar as duas coisas, até chegar a opô-las. O senso cristão, aliás, espontaneamente sugere a muitos que façam uma e outra. A alguns parece até que a luta necessária para obter justiça e liberdade humanas, entendidas no sentido econômico e político, constitua o essencial e a totalidade da salvação. Para estes, o Evangelho se reduz a um evangelho puramente terrestre.

Aplicados à realidade econômica, social e política de hoje, certos esquemas de interpretação tomados de correntes do pensamento marxista podem apresentar, à primeira vista, alguma verosimilhança na medida em que a situação de alguns países oferece analogias com aquilo que Marx descreveu e interpretou, em meados do século passado. No entanto, lembremos que o ateísmo e a negação da pessoa humana, de sua liberdade e de seus direitos, encontram-se no centro da concepção marxista. Esta contém de fato erros que ameaçam diretamente as verdades de fé sobre o destino eterno das pessoas. O desconhecimento da natureza espiritual da pessoa, aliás, leva a subordiná-la totalmente à coletividade e deste modo a negar os princípios de uma vida social e política em conformidade com a dignidade humana.

As Teologias da Libertação fazem um amálgama pernicioso entre o pobre da Escritura e o proletariado de Marx. Perverte-se deste modo o sentido cristão do pobre e o combate pelos direitos dos pobres transforma-se em combate de classes na perspectiva ideológica da luta de classes. A Igreja dos pobres significa então Igreja classista, que tomou consciência das necessidades da luta revolucionária como etapa para a libertação e que celebra esta libertação na sua liturgia. A partir de semelhante concepção da Igreja, elabora-se uma crítica das próprias estruturas da Igreja. Não se trata apenas de uma correção fraterna dirigida aos pastores da Igreja, trata-se, sim, de pôr em xeque a estrutura sacramental e hierárquica da Igreja, tal como a quis o próprio Senhor. Teologicamente, esta posição equivale a afirmar que o povo é a fonte dos ministérios e portanto pode dotar-se de ministros à sua escolha, de acordo com as necessidades de sua missão revolucionária histórica. A doutrina social da Igreja é rejeitada com desdém. Esta procede, afirma-se, da ilusão de um possível compromisso, próprio das classes médias, destituídas de sentido histórico.

Para a Igreja, uma defesa eficaz da justiça deve apoiar-se na verdade do homem, criado à imagem de Deus e chamado à graça da filiação divina. O reconhecimento da verdadeira relação do homem com Deus constitui o fundamento da justiça, enquanto regula as relações entre os homens. Esta é a razão pela qual o combate pelos direitos do homem, que a Igreja não cessa de promover, constitui o autêntico combate pela justiça.

A verdade do homem exige que este combate seja conduzido por meios que estejam de acordo com a dignidade humana. Por isso o recurso sistemático e deliberado à violência cega, venha essa de um lado ou de outro, deve ser condenado. Pôr a confiança em meios violentos na esperança de instaurar uma maior justiça é ser vítima de uma ilusão fatal. Violência gera violência e degrada o homem. Rebaixa a dignidade do homem na pessoa das vítimas e avilta esta mesma dignidade naqueles que a praticam. É pois igualmente ilusão fatal crer que novas estruturas construídas de maneira violenta darão origem por si mesmas a um "homem novo". O cristão não pode desconhecer que o Espírito Santo que nos foi dado é a fonte de toda verdadeira novidade e que Deus é o senhor da história.

* partes do documento Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, publicado pela Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, em 6 de Agosto de 1984, na Festa da Transfiguração do Senhor, assinado pelo então Cardeal Joseph Ratzinger e sebscrito por São João Paulo II, papa. 

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