23 de set. de 2020

Homília sobre o Padre Pio de Pietralcina


 

 1. "O Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve" (Mt 11, 30).

As palavras dirigidas por Jesus aos discípulos, que acabamos de ouvir, ajudam-nos a compreender a mensagem mais importante desta solene celebração. De fato, podemos considerá-las, num certo sentido, como uma magnífica síntese de toda a existência do Padre Pio de Pietrelcina, hoje proclamado santo.

A imagem evangélica do "jugo" recorda as numerosas provas que o humilde capuchinho de San Giovanni Rotondo teve que enfrentar. Hoje contemplamos nele como é suave o "jugo" de Cristo e verdadeiramente leve o seu fardo quando é carregado com amor fiel. A vida e a missão do Padre Pio testemunham que as dificuldades e os sofrimentos, se forem aceitos por amor, transformam-se num caminho privilegiado de santidade, que abre perspectivas de um bem maior, que só Deus conhece.

2. "Quanto a mim, Deus me livre de me gloriar a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Gl 6, 14).

Não é porventura precisamente a "glorificação da Cruz" o que mais resplandece em Padre Pio? Como é atual a espiritualidade da Cruz vivida pelo humilde Capuchinho de Pietrelcina! O nosso tempo precisa de redescobrir o valor para abrir o coração à esperança.

Em toda a sua existência, ele procurou conformar-se cada vez mais com o Crucificado, tendo clara consciência de ter sido chamado para colaborar de modo peculiar na obra da redenção. Sem esta referência constante à Cruz não se compreende a sua santidade.

No plano de Deus, a Cruz constitui o verdadeiro instrumento de salvação para toda a humanidade e o caminho proposto explicitamente pelo Senhor a todos aqueles que desejam segui-l'O (cf. Mc 16, 24). O Santo Frade do Gargano compreendeu isto muito bem, e na festa da Assunção de 1914 escreveu: "Para alcançar a nossa única finalidade é preciso seguir o Chefe divino, o qual, unicamente pelo caminho que ele percorreu deseja conduzir a alma eleita; isto é, pelo caminho da abnegação e da Cruz" (Epistolário II, pág. 155).

3. "Eu sou o Senhor, que exerço a misericórdia" (Jer 9, 23).

Padre Pio foi um generoso dispensador da misericórdia divina, estando sempre disponível para todos através do acolhimento, da direção espiritual, e sobretudo da administração do sacramento da Penitência. O ministério do confessionário, que constitui uma das numerosas características que distinguem o seu apostolado, atraía numerosas multidões de fiéis ao Convento de San Giovanni Rotondo. Mesmo quando aquele singular confessor tratava os peregrinos com severidade aparente, eles, tomando consciência da gravidade do pecado e arrependendo-se sinceramente, voltavam quase sempre atrás para o abraço pacificador do perdão sacramental.

Oxalá o seu exemplo anime os sacerdotes a realizar com alegria e assiduidade este ministério, muito importante também hoje, como desejei recordar na Carta aos Sacerdotes por ocasião da passada Quinta-Feira Santa.

4. "Senhor, és tu o meu único bem".

Cantamos assim no Salmo Responsorial. Através destas palavras o novo Santo convida-nos a colcoar Deus acima de tudo, a considerá-lo como o nosso único e sumo bem.

De fato, a razão última da eficácia apostólica do Padre Pio, a raiz profunda de tanta fecundidade espiritual encontra-se na íntima e constante união com Deus de que eram testemunhas eloquente as longas horas passadas em oração. Gostava de repetir: "Sou um pobre frade que reza", convencido de que "a oração é a melhor arma que possuímos, uma chave que abre o coração de Deus". Esta característica fundamental da sua espiritualidade continua nos "Grupos de Oração" por ele fundados, que oferecem à Igreja e à sociedade o admirável contributo de uma oração incessante e confiante. O Padre Pio unia à oração também uma intensa atividade caritativa, da qual é uma extraordinária expressão a "Casa Alívio do Sofrimento". Oração e caridade, eis uma síntese muito concreta do ensinamento do Padre Pio, que hoje é proposto a todos.

5. "Bendigo-Te, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque... estas coisas... as revelaste aos pequeninos" (Mt 11, 25).

Como se mostram apropriadas estas palavras de Jesus, quando as pensamos referindo-as a ti, humilde e amado Padre Pio.

Nós pedimos-te que nos ensines também a nós a humildade do coração, para sermos conservados entre os pequeninos do Evangelho, aos quais o Pai prometeu revelar os mistérios do seu Reino.

Ajuda-nos a rezar sem nunca nos cansarmos, com a certeza de que Deus conhece aquilo de que precisamos, ainda antes que nós o peçamos.

Obtém-nos um olhar de fé capaz de reconhecer imediatamente nos pobres e nos que sofrem o próprio rosto de Jesus.

Ampara-nos no momento do combate e da prova e, se cairmos, faz com que conheçamos a alegria do sacramento do Perdão.

Transmite-nos a tua terna devoção a Maria, Mãe de Jesus e nossa mãe.

Acompanha-nos na peregrinação terrena rumo à Pátria bem-aventurada, onde também nós esperamos chegar para contemplar eternamente a Glória do Pai, do Filho e do EspíritoSanto.

Amém!

-- Homília do Papa São João Paulo II na Missa de Canonização do Santo Padre Pio celebrada em 16 de Junho de 2002.

20 de set. de 2020

A avareza, o terceiro dos pensamentos pecaminosos

Os bens amarram a Alma à Terra 

A avareza é a raiz de todos os males e nutre arbustos malignos e perigosos a todas as demais paixões e não permite que floresçam outras virtudes.

Quem deseja controlar as paixões, que extirpe a raiz, se efetivamente cortar os ramos mas deixar a avareza crescer, de nada servirá o esforço, por que os demais pecados, apesar de reduzidos, rapidamente retornarão com força.

O monge rico é como um navio com excesso de carga que é atingido por uma tempestade, assim como o navio que ruma para o mar se põe a prova a cada onda que enfrenta, assim se vê o rico submergido com muitas preocupações.

O monge que não possui nada é, ao contrário, como um viajante ágil que encontra refúgio em qualquer lugar. É como a águia que voa alto e desce apenas para buscar seu alimento. 

Está acima das tempestades, se alegra com o presente, se eleva com as coisas do alto, se afasta das terrenas, está junto das coisas celestes. Tem asas leves, nunca está pesado com preocupações. Sai de um lugar e vai para outro sem tristezas, a morte chega e a enfrenta com ânimo; a alma, de fato, não está amarrada a nenhum tipo de atadura.

Quem, ao contrário, possui muitas coisas, também possui muitas preocupações, é como um cachorro amarrado pela coleira. Se for obrigado a abandonar seus bens, leva consigo, como grave peso e uma aflição inútil, as lembranças de suas riquezas e atormenta em tristeza.

E quando chega a morte se aproxima, deixa seus bens com tristeza, pode entregar-se a morte, mas nunca perde o olho para seus negócios; é arrastado como um escravo fugitivo, se separa do corpo, mas não de seus interesses, por que a paixão aos bens o amarra a esta vida.

Muita preocupação com bens materiais afasta da oração


O mar jamais transborda apesar de receber uma grande quantidade de água de todos os rios, da mesma maneira, o desejo por riquezas jamais é satisfeito para o ávaro. Ele duplica seus bens, então quer quadruplicar, e continuar a multiplicá-la, jamais cessa de trabalhar, até que a morte coloca um fim a tudo.

O monge deve ter cuidado com as necessidades do corpo, se alimentar com água e pão, mas não adulará os ricos para o prazer de seus apetites, nem se submeterá a muitos; de fato, as mãos são sempre suficientes para satisfazer as necessidades naturais,

Um monge que não possui nada é como um pugilista que não pode ser golpeado, é como um atleta veloz que alcança rapidamentes os prêmios celestes. O monge rico se alegra com suas muitas rendas, enquanto que aquele que nada possui se alegra com em ter coisas obtidas honestamente.

O monge ávaro trabalha duramente enquanto que o pobre tem tempo para a oração e leitura. O ávaro é apreciado pelos homens, enquanto o pobre junta tesouros nos céus.

Maldito seja aquele que forja um ídolo e o adora, também seja maldito aquele que é afeito à avareza. O primeiro, com efeito, se postra frente ao falso e inútil; o segundo leva em si a imagem da riqueza, que é uma falsidade.

 

-- Evágrio, monge (século IV), tradução própria

 -- A imagem é uma gravura de James Todd, chamada Greed, parte de uma série sobre os sete pecados capitais. Pode ser adquirida na Annex Galleries.

 

16 de set. de 2020

Fé generosa e firme

 Cipriano a Cornélio, seu irmão. Tive notícias, irmão caríssimo, dos gloriosos testemunhos de vossa fé e fortaleza. Recebemos com tanta exultação a honra de vossa confissão que também nos julgamos participantes e companheiros de vossos merecidos louvores. Pois se em nós e na Igreja só há um modo de pensar e indivisa concórdia, qual o sacerdote que não se rejubilaria como próprios com os louvores dados a seu irmão no sacerdócio? Ou que fraternidade não se alegraria com o júbilo de todos os irmãos?

São Cornélio foi Papa for 2 anos,
até morrer martirizado em 253.
Seu irmão, São Cipriano,
também morreu mártir em 258.
Impossível expressar como foi grande esta exultação e alegria, quando fui informado de vossas vitórias e atos de coragem. Nisto foste o primeiro, durante o interrogatório dos irmãos. O testemunho do chefe ainda foi acrescido pela confissão dos irmãos. Enquanto vais à frente na glória, fazes muitos companheiros nesta glória e estimulas o povo a dar testemunho por estares preparado, primeiro que todos, a confessar em nome de todos. Não sabemos o que primeiro elogiar em vós: se vossa fé decidida e estável, se o indefectível amor fraterno. Aí se provou de público a virtude do bispo indo à frente, e se revelou a união da fraternidade que o seguia. Já que em vós só há um coração e uma só voz, foi toda a Igreja Romana que testemunhou.

Tornou-se evidente, irmão caríssimo, a fé que o Apóstolo já tinha louvado em vós. Já então ele previa a virtude louvável e a firmeza da coragem, atestando com isso vossos méritos futuros. O elogio aos pais era estímulo aos filhos. Por serdes assim unânimes, assim fortes, destes exemplo de unanimidade e de fortaleza aos outros irmãos. Sinais da providência do Senhor nos avisam, e palavras salutares da divina misericórdia nos advertem de que já se aproxima o dia de nossa grande luta.


Por isto, como podemos irmão caríssimo, pela mútua caridade que nos une, nós vos exortamos a não esmorecer. Nos jejuns, nas vigílias e orações com todo o povo. São estas armas celestes que fazem ficar de pé e perseverar com denodo; são estas as defesas espirituais, as lanças, que protegem.  

Lembremo-nos um do outro, concordes e unânimes, mutuamente oremos sempre por nós, suavizando as tribulações e angústias pela caridade recíproca.

 --  Das Cartas de São Cipriano, bispo e mártir (século III)

12 de set. de 2020

A luxúria, o segundo dos pensamentos pecaminosos.

 O perigo da mulher insinuante

A temperança gera o controle, enquanto a gula é a mãe do descontrole; o azeite alimenta a luz na lâmpada, mas frequentar mulheres atiça o chamado ao prazer.

A violência das ondas pode quebrar um barco mal amarrado assim como a luxúria pode fazer com a mente do destemperado. A Luxúria parecerá aliada da satisfação, mas lhe dará liberdade, depois se unirá aos adversários e combaterá ao lado dos inimigos da alma. Permanece invulnerável às flechas do inimigo aquele que ama a tranquilidade, mas aquele que se mistura com a multidão recebe golpes continuamente.

Mirar uma mulher é como um dardo venenoso, fere a alma, que inocula um veneno e, quanto mais perdura, mais profunda é a infecção. Aquele que busca defender-se destas flechas se mantém distante de aglomerações e não fica de boca aberta em dias de festas, é muito melhor permanecer em casa orando que fazer a obra do inimigo nas festas.

Evite a intimidade com as mulheres se desejas ser sábio e não lhes dê a liberdade de falar-te com confiança. Com efeito, muitas ao início simulam uma certa cautela, porém acabam por atacá-lo descaradamente; num primeiro momento tem o olhar baixo, falam docilmente, choram comovidas, agem com seriedade, suspiram com amargura, fazem perguntas sobre a castidade e escutam atentamente. Quando as vês pela segunda vez, ela levanta um pouco mais a cabeça; na terceira vez já se aproximam com menos pudor; tu já terás sorrido e elas se põem-se a rir; seguidamente se embelezam e e vestem com ostentação, seu olhar se transforma com o desejo, levantam as sobrancelhas, desnudam o colo e abandonam o corpo à languidez, pronunciam frases temperadas pela paixão e te falam com voz fascinante até se apoderar de tua alma.

Acontece que estes truques te encaminham para a morte e estas redes estendidas te arrastam à perdição, portanto não te deixes seque enganar por aquelas que se servem de discursos discretos, pois mesmo nelas se oculta o veneno maligno das serpentes.

A beleza da mulher pode levar um homem até a perder a vida

É melhor se aproximar do fogo ardente do que de uma mulher jovem, sobretudo se tu também és jovem. De fato, quando te aproximas da chama e sentes o calor, rapidamente te afastas, mas quando és seduzido pelas belezas de uma mulher, dificilmente conseguirás fugir delas.

A erva cresce quando está perto da água, assim como germina o descontrole frequentando mulheres.

Aquele que enche sua barriga e faz profissão de sabedoria se parece a quem afirma controlar a força de um fogo com palha. Assim como efetivamente é impossível apagar um fogo com palha, também é impossível controlar os desejos inflamados pela intemperança.

Uma coluna se apoia em uma base e a paixão pela luxúria se assenta nos cimentos da abundância.

Um navio surpreendido por uma tempestade se apressa em chegar a um porto e alma do sábio busca a solidão; um foge das ameaçadoras ondas do mar, o outro das formas femininas que trazem dor e ruína.

O semblante belo de uma mulher afunda o homem mais que as ondas do mar afundam um navio; ainda assim os marinheiros podem tentar nadar para salvar a vida, enquanto a beleza feminina traz o engano que pode levar até a desprezar a sua própria vida.

A sarça ardente se manteve intacta mesmo que estivesse queimando, o sábio mantém distância das mulheres e não se perde na intemperança. A lembrança do fogo não queima, nem a paixão tem vigor se não houver matéria.

Cuidado com as lembranças de uma mulher

Se te entregas ao teu inimigo,  ele continua sendo teu inimigo; se te entregas a paixão, ela se revelará. A vista das mulheres excita o intemperante, mas conduz o sábio a glorificar a Deus. Se alguém que vive entre mulheres  diz estar tranqüilo, não acredites, pois não pode alcançar a paz interior.

Um cachorro no meio da multidão abaixa a sua cauda, porém quando está sozinho, mostra sua maldade. Somente quando a lembrança de uma mulher surgir sem acender as paixões, podes te considerar nas portas da sabedoria. Quando, no entanto, esta lembrança te levar a procurá-la e seus dardos atingem tua alma, considera-te longe da virtude.

Porém não deves manter-te ocupado com estes pensamentos nem familiarizar-se muito com as formas femininas pois a paixão pode, de fato, se reacender e conduzir ao perigo.

A prata para ser purificada deve ficar no forno por um tempo adequado, por que se prolongar o processo a prata é destruída; da mesma forma uma fantasia insistente com mulheres pode destruir a sabedoria adquirida. Não te familiarizes demais com uma certa mulher na tua imaginação para que não reacender o fogo da paixão e não queimar a auréola que circunda tua alma. Assim como a fagulha no meio da palha pode reacender o fogo, assim as lembranças de uma mulher reacendem o desejo.

 -- Evágrio, monge (século IV), tradução própria

 -- A imagem é uma gravura de James Todd, chamada Lust, parte de uma série sobre os sete pecados capitais. Pode ser adquirida na Annex Galleries.

5 de set. de 2020

A gula, o primeiro dos pensamentos pecaminosos

 


1. Jejum prepara para a oração; barriga cheia, o sono

A origem do fruto é a flor ea origem da vida ativa [na oração] é a temperança, quem domina o próprio estômago faz diminuir as paixões, ao contrário, que é subjugado pela comida aumenta os prazeres.

Como Amalec é a origem dos povos, assim a gula é a origem das paixões. Como a lenha é o alimento do fogo, assim a comida é o alimento do estômago. Muita lenha resulta em uma grande chama e a abundância de comida nutre a concupiscência. A chama se extingue quando há pouca lenha e a penúria de comida elimina os pecados.

Aquele que tem domínio sobre sua boca desbarata aos estrangeiros e dissolve facilmente as ataduras de suas mãos. De uma boca controlada nasce uma fonte de água e controle da gula resulta em uma prática de contemplação,

Com a vara da tenda podes matar o inimigo, com a sabedoria da temperança podes matar as paixões. O desejo da comida conduz à desobediência e uma degustação deleitosa afasta do paraíso. Saciar o corpo com comidas raras é nutrir a intemperança que nunca descansa.

Uma barriga vazia prepara para oração vigilante, ao contrário, barriga cheia convida a dormir muito. Uma mente sóbria se alcança com jejum, enquanto uma vida cheia de delícias conduz ao abismo.

A oração daquele que jejua é como um pássaro que voa mais alto que a águia, enquanto que a oração de um glutão está envolta em sombras. A nuvem esconde os raios do sol e uma digestão pesada ofusca a mente.

2. O jejuante alcançará a cidade eterna, o guloso jamais terá paz interior

Um espelho sujo não reflete claramente a forma de um objeto a sua frente, um intelecto obtuso pela vaidade não busca o conhecimento de Deus. Uma terra sem cultivar gerar espinhos e uma mente corrompida pela gula germina pensamentos malignos.

O podre não pode emanar perfumes, tampouco não sentimos o perfume suave da contemplação no guloso. O olho do guloso olha com curiosidade os banquetes, enquanto o olhar do jejuante observa os ensinamentos dos sábios.

A alma do guloso recorda os feitos dos mártires, enquanto o jejuante imita seus exemplos. Um soldado teme o som da trombeta que anuncia a batalha, igualmente o guloso teme os chamados à temperança.

Um monge guloso, submetido às exigências de seu ventre, quer sua parte diariamente. O caminhante que busca com afinco alcançará a cidade eterna mais cedo, o monge guloso não chegará a paz interior.

O perfume das flores se espalha no ar, assim como a oração do jejuador deleita o olfato divino.

Se te abandonas ao desejo da comida, nada te bastará para te satisfazer: o desejo da comida é, com efeito, como um fogo que sempre se inflama, todos os dias. Uma medida adequado pode encher um vaso, mas a barriga de glutão jamais dirá “basta!”.

Estender as mãos colocava em fuga aos amalequitas e uma vida ativa submete as paixões carnais.

3. Domina tua carne com jejuns e vigílias

Extermina tudo que seja inspirado pelos vícios e mortifica fortemente tua carne. Se, de qualquer maneira, o inimigo for morto, não produzirá mais medo, assim um corpo mortificado não perturbará a alma. Um cadáver não nota o calor do fogo, menos ainda um jejuante sente prazer nos desejos que extinguiu.

Se matas um egípcio, enterre o corpo; se controlares teus desejos, não voltes a alimentá-los. Assim como a terra adubada germina também as sementes da erva daninha, assim um corpo satisfeito reviverá as paixões.

Uma chama que está se apagando, reacenderá se colocares lenha seca; o prazer do corpo também reacenderá se voltares a buscar a saciedade da comida; não te compadeças se teu corpo reclama do jejum, nem busques comidas suntuosas; se fizeres o contrário te envolverás em uma batalha sem trégua, até que os pecados escravizem tua alma e faças servo da luxúria.

O corpo sob controle é como um cavalo dócil que jamais se revoltará contra o cavaleiro, o cavalo é dominado pelo freio, se submete e obedece as mãos de quem lhe sujeita. Um corpo dominado por jejuns e vigílias, não busca os pensamentos ruins nem relincha excitado pelo ímpeto das paixões.

 -- Evágrio, monge (século IV)

-- A imagem é uma gravura de James Todd, chamada Gluttony, parte de uma série sobre os sete pecados capitais. Pode ser adquirida na Annex Galleries. 

2 de set. de 2020

Cristo falava do templo do seu corpo


 Destruí este templo e em três dias o reedificarei (Jo 2,19). Os apegados ao corpo e às coisas sensíveis, creio, parecem indicar os judeus, que irritados por terem sido expulsos por Jesus, acusando-os de transformarem a casa do Pai em mercado de seus produtos, pedem um sinal. Por esse sinal devia Jesus justificar o seu procedimento e provar que era o Filho de Deus, o que eles na sua incredulidade não queriam admitir. Mas o Salvador ajuntou uma palavra sobre seu corpo, como se falasse daquele templo; aos que interrogavam: Que sinal mostras para assim fazeres?, responde: Destruí este templo e em três dias o reedificarei.  

Todavia ambos, tanto o templo como o corpo de Jesus, compreendidos como unidade, parecem-me ser figura da Igreja. Por ter sido edificada com pedras vivas; feita casa espiritual para o sacerdócio santo (1Pd 2,5). Edificada sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, sendo sua máxima pedra angular o Cristo Jesus (Ef 2,20), existindo em verdade, como templo. Se, porém, por causa da palavra: Vós sois o corpo de Cristo e membros uns dos outros (1Cor 12,27), se entender serem destruídas e deslocadas as junturas e disposições das pedras do templo, como se lê no Salmo 21 sobre os ossos de Cristo, pelas ciladas das perseguições e tribulações e por aqueles que combatem a unidade do templo por contradições, levantar-se-á o templo e ressuscitará o corpo ao terceiro dia. Após o dia da maldade que pesa sobre ele, e após o dia da consumação que se seguir.  

Seguirá de perto o terceiro dia do novo céu e da terra nova, quando esses ossos, quero dizer, toda a casa de Israel, serão reerguidos, no grande domingo, em que a morte é vencida. Assim a ressurreição de Cristo depois da paixão contém o mistério da ressurreição do corpo total de Cristo. Como aquele corpo de Jesus, sensível, foi pregado na cruz, sepultado e depois ressuscitado, assim todo o corpo dos santos de Cristo com ele foi pregado na cruz e agora já não vive mais. Cada um deles, à semelhança de Paulo, não se gloria em coisa alguma a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo por quem está crucificado para o mundo e o mundo para ele.  

Por isto não apenas foi cada um de nós, junto com Cristo, pregado à cruz e crucificado para o mundo, mas também, junto com Cristo, sepultado: Fomos consepultados com Cristo, diz Paulo (Rm 6,4) e acrescenta como quem já recebeu as aras da ressurreição: E com ele ressuscitamos (cf. Rm 6,4). 

-- Do Comentário sobre o Evangelho de João, de Orígenes, presbítero (século I)

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