29 de jan. de 2017

Os mártires macabeus

Em torno do ano 200 AC Israel era um país teocrático, comandado pela elite dos sacerdotes, que dominava uma área pequena, cerca de 20-30km ao redor de Jerusalém. Após Alexandre, o Grande, os gregos não se interessaram pelo território, deixando os israelitas livres para exercer sua religião. Neste período, o Livro do Eclesiástico foi escrito consolidando os ensinamentos da religião em uma série de pequenas frases, fáceis de serem ensinadas e lembradas.
Judas Macabeus retoma jerusalém no ano de 164AC. Este acontecimento
é relembado pelos judeus anualmente na FEsta de Hannukah, que ocorre
nas últimas semanas do mês de Dezembro

Esta existência tranquila foi interrompida no ano 175AC quando o Rei Antíoco IV decidiu helenizar a região, isto é, forçar todos habitantes a adotarem a cultura e língua grega. Ele fundou em Jerusalém uma escola, que ensinava língua, matemática,  filosofia e esportes gregos. Enquanto os sacerdotes de Jerusalém relaxaram o rigores do Judaísmo, os habitantes da parte rural organizaram um movimento contrário que buscava manter as tradições. Foram chamados de Hasidim, que significava "Santos".

Em 170AC, o Rei Antíoco resolveu helenizar a religião. Colocou uma imagem de Zeus no Templo de Jerusalém, identificando-o como o Deus de Israel, apenas com outro nome, proibiu as circuncisões e as restrições alimentares por crença religiosa. 

Esta história é contada nos Livros de Macabeus, quando relata que o Rei forçou o povo a abandonar as leis judaicas e sacrificar aos deuses carne suína, ordenando que todos que desobedecessem seriam mortos. Muitas mulheres foram mortas por circuncidar seus filhos, outros por se recusar a conhecer Zeus como o Deus de Israel. 

A revolta foi comandada por Judas Macabeu, um líder militar inteligente, que primeiro reconquistou Jerusalém e depois, ativamente, combateu o exército de Antíoco em outras regiões. Além de expandir o território de Israel, negociou com Roma a autonomia completa da região. Seu irmão tornou-se sumo sacerdote de Jerusalém e seus descendentes mantiveram o cargo até o tempo de Cristo.

O episódio mais conhecido do Livro de Macabeus é a história da mãe e seus sete filhos que foram torturados e mortos, um a um, sempre na presença dos demais, por se recusarem a comer carne de porco. A história retrata a questão principal para o judeus da época: aceitar a cultura grega ou manter as tradições judaícas. 

Com a crença na ressurreição, a mãe e os filhos preferiram a tortura e morte, na certeza da vida eterna ao lado de Deus. Esta crença não era aceita por todos judeus, por exemplo os saduceus dos Evangelhos não a aceitavam totalmente

Houvessem os Macabeus falhado e a religião grega teria dominado Jerusalém e todo Israel, Cristo teria nascido em um ambiente totalmente distinto. O sangue dos mártires judeus não apenas salvou o Judaísmo, mas também serviu como semente para o Cristianismo. 

-- texto adaptado a partir do livro História da Filosofia Ocidental, de Bertrand Russel, livro II, capítulo II. 

Nota: é difícil ter absoluta certeza da historicidade dos livros iniciais do Antigo Testamento, porém dos mais novos há outros registros de autores independentes que atestam a correção da Bíblia. 


28 de jan. de 2017

Na cruz não falta nenhum exemplo de virtude

Que necessidade havia para que o Filho de Deus sofresse por nós? Uma necessidade grande e, por assim dizer, dupla: para ser remédio contra o pecado e para exemplo do que devemos praticar.
Cristo na Cruz, de Carl Heinrich Bloch

Foi em primeiro lugar um remédio, porque na paixão de Cristo encontramos remédio contra todos os males que nos sobrevêm por causa dos nossos pecados.

Mas não é menor a utilidade em relação ao exemplo. Na verdade, a paixão de Cristo é suficiente para orientar nossa vida inteira. Quem quiser viver na perfeição, nada mais tema fazer do que desprezar aquilo que Cristo desprezou na cruz e desejar o que ele desejou. Na cruz, pois, não falta nenhum exemplo de virtude.

Se procuras um exemplo de caridade: Ninguém tem amor maior do que aquele que dá sua vida pelos amigos (Jo 15,13). Assim fez Cristo na cruz. E se ele deu sua vida por nós, não devemos considerar penoso qualquer mal que tenhamos de sofrer por causa dele.

Se procuras um exemplo de paciência, encontras na cruz o mais excelente! Podemos reconhecer uma grande paciência em duas circunstâncias: quando alguém suporta com serenidade grandes sofrimentos, ou quando pode evitar os sofrimentos e não os evita. Ora, Cristo suportou na cruz grandes sofrimentos, e com grande serenidade, porque atormentado, não ameaçava (1Pd 2,23); foi levado como ovelha ao matadouro e não abriu a boca (cf. Is 53,7; At 8,32).

É grande, portanto, a paciência de Cristo na cruz. Corramos com paciência ao combate que nos é proposto, com os olhos fixos em Jesus, que em nós começa e completa a obra da fé. Em vista da alegria que lhe foi proposta, suportou a cruz, não se importando com a infâmia (cf. Hb 12,1-2).

Se procuras um exemplo de humildade, contempla o crucificado: Deus quis ser julgado sob Pôncio Pilatos e morrer.

Se procuras um exemplo de obediência, segue aquele que se fez obediente ao Pai até à morte: Como pela desobediência de um só homem, isto é, de Adão, a humanidade toda foi estabelecida numa condição de pecado, assim também pela obediência de um só, toda a humanidade passará para uma situação de justiça (Rm 5,19).

Se procuras um exemplo de desprezo pelas coisas da terra, segue aquele que é Rei dos reis e Senhor dos senhores, no qual estão encerrados todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2,3), e que na cruz está despojado de suas vestes, escarnecido, cuspido, espancado, coroado de espinhos e, por fim, tendo vinagre e fel como bebida para matar a sede.

Não te preocupes com as vestes e riquezas, porque repartiram entre si as minhas vestes (Jo 19,24); nem com honras, porque fui ultrajado e flagelado; nem com a dignidade, porque tecendo uma coroa de espinhos, puseram-na em minha cabeça (cf. Mc 15,17); nem com os prazeres, porque em minha sede ofereceram-me vinagre (Sl 68,22).

-- Das Conferências de Santo Tomás de Aquino, presbítero (século XII)

24 de jan. de 2017

A devoção deve ser praticada de modos diferentes

Na criação, Deus Criador mandou às plantas que cada uma produzisse fruto conforme sua espécie. Do mesmo modo, ele ordenou aos cristãos, plantas vivas de sua Igreja, que produzissem frutos de devoção, cada qual de acordo com sua categoria, estado e vocação.
São Francisco de Sales, 24 de Janeiro

A devoção deve ser praticada de modos diferentes pelo nobre e pelo operário, pelo servo e pelo príncipe, pela viúva, pela solteira ou pela casada. E isto ainda não basta. A prática da devoção deve adaptar-se às forças, aos trabalhos e aos deveres particulares de cada um.

Dize-me, por favor, Filotéia, se seria conveniente que os bispos quisessem viver na solidão como os cartuxos; que os casados não se preocupassem em aumentar seus ganhos mais que os capuchinhos; que o operário passasse o dia todo na igreja como o religioso; e que o religioso estivesse sempre disponível para todo tipo de encontros a serviço do próximo, como o bispo. Não seria ridícula, confusa e intolerável esta devoção?

Contudo, este erro absurdo acontece muitíssimas vezes. E no entanto, Filotéia, a devoção quando é verdadeira não prejudica a ninguém; pelo contrário, tudo aperfeiçoa e consuma. E quando se torna contrária à legítima ocupação de alguém, é falsa, sem dúvida alguma.

A abelha extrai seu mel das flores sem lhes causar dano algum, deixando-as intactas e frescas como encontrou. Todavia, a verdadeira devoção age melhor ainda, porque não somente não prejudica a qualquer espécie de vocação ou tarefa, mas ainda as engrandece e embeleza.

Toda a variedade de pedras preciosas lançadas no mel, tornam-se mais brilhantes, cada qual conforme sua cor; assim também cada um se torna mais agradável e perfeito em sua vocação quando esta for conjugada com a devoção: o cuidado da família se torna tranquilo, o amor mútuo entre marido e mulher, mais sincero, o serviço que se presta ao príncipe, mais fiel, e mais suave e agradável o desempenho de todas as ocupações.

É um erro, senão até mesmo uma heresia, querer excluir a vida devota dos quartéis de soldados, das oficinas dos operários, dos palácios dos príncipes, do lar das pessoas casadas. Confesso, porém, caríssima Filotéia, que a devoção puramente contemplativa, monástica e religiosa de modo algum pode ser praticada em tais ocupações ou condições. Mas, para além destas três espécies de devoção, existem muitas outras, próprias para o aperfeiçoamento daqueles que vivem no estado secular.
Portanto, onde quer que estejamos, devemos e podemos aspirar à vida perfeita.

-- Da Introdução à Vida Devota, de São Francisco de Sales, bispo - (Séc.XVII)

14 de jan. de 2017

A Genealogia de Jesus

Ícone ortodoxo para a Genealogia de Jesus. Deitado à
sombra do carvalho deMambré, está Abraão.  No centro,
Maria e seu filho Jesus, em torno algusn antepassados
mais importantes, como Jacó, Davi e Salomão.
O Evangelho de São Mateus inicia com a genealogia de Jesus. A maioria acha este trecho chato e desnecessário, mas há algumas pérolas escondidas. Então, começamos com o trecho do Evangelho (Mat 1, 1-17):

1 Livro da geração de Jesus Cristo, filho de Davi, filho de Abraão.
2 Abraão gerou a Isaac; e Isaac gerou a Jacó; e Jacó gerou a Judá e a seus irmãos;
3 E Judá gerou, de Tamar, a Perez e a Zerá; e Perez gerou a Esrom; e Esrom gerou a Arão;
4 E Arão gerou a Aminadabe; e Aminadabe gerou a Naassom; e Naassom gerou a Salmom;
5 E Salmom gerou, de Raab, a Boaz; e Boaz gerou de Rute a Obede; e Obede gerou a Jessé;
6 E Jessé gerou ao rei Davi; e o rei Davi gerou a Salomão da que foi mulher de Urias.
7 E Salomão gerou a Roboão; e Roboão gerou a Abias; e Abias gerou a Asa;
8 E Asa gerou a Josafá; e Josafá gerou a Jorão; e Jorão gerou a Uzias;
9 E Uzias gerou a Jotão; e Jotão gerou a Acaz; e Acaz gerou a Ezequias;
10 E Ezequias gerou a Manassés; e Manassés gerou a Amom; e Amom gerou a Josias;
11 E Josias gerou a Jeconias e a seus irmãos na deportação para babilônia.
12 E, depois da deportação para a babilônia, Jeconias gerou a Salatiel; e Salatiel gerou a Zorobabel;
13 E Zorobabel gerou a Abiúde; e Abiúde gerou a Eliaquim; e Eliaquim gerou a Azor;
14 E Azor gerou a Sadoque; e Sadoque gerou a Aquim; e Aquim gerou a Eliúde;
15 E Eliúde gerou a Eleazar; e Eleazar gerou a Matã; e Matã gerou a Jacó;
16 E Jacó gerou a José, marido de Maria, da qual nasceu JESUS, que se chama o Cristo.
17 De sorte que todas as gerações, desde Abraão até Davi, são catorze gerações; e desde Davi até a deportação para a babilônia, catorze gerações; e desde a deportação para a babilônia até Cristo, catorze gerações.

Para os judeus, a genealogia, a lista dos antepassados, era fundamental. Então, para apresentar Jesus, São Mateus começa justamente pela genealogia. A lista inicia com Abraão, o pai da fé, a quem Deus se revelou como o único Deus. Passa pelo Rei Davi, fundamental na história da Israel pois unificou o país e  conquistou Jerusalém. Seu filho, o Rei Salomão, construiu o primeiro Templo de Jerusalém, em torno do qual a vida religiosa dos judeus gravita. Daí até chegar a José, marido de Maria, mas não o pai biológico de Jesus. 

A lista repete três vezes quatorze gerações. Por que? Em hebraico, cada palavra pode ser representada por um número e as vogais não são escritas. Assim, o Rei David é escrito como DVD. Cada letra corresponde um número, no caso D=4 e V=6, resultando DVD = 4+6+4 = 14. Ao repetir o número catorze três vezes, Mateus enfatiza a ligação de Jesus com o Rei David, o ungido por Deus para liderar o povo de Israel.

As mulheres na genealogia
Para chegar ao número catorze, a lista é um pouco diferente da sucessão de reis do Antigo Testamento, e nela aparecem cinco mulheres:  Tamar, Raab, Rute, Betsabéia (mulher de Urias) e Maria. 

Tamar era cananéia e foi escolhida por Judá para ser a esposa do seu primeiro filho Her, que morreu sem descendentes (Gn 38). Como era costume, casou-se com o segundo filho, Onã, que também morreu sem descendentes, por culpa do marido que não consumava o ato sexual. Judá, então, recusou-se a deixar o terceiro filho casar com ela, pensando que ela seria de alguma maneira almaldiçoada. Para garantir seus direitos de viúva, ela disfarçou-se de prostituta e deitou-se com Judá, gerando dois filhos gêmeos. Considerando a situação, Judá acabou por reconhecer as ações de Tamar como justas.  

Raab também era cananéia, vivia em Jericó, onde era prostituta. Quando Josué e seu grupo de espiões foi investigar Jericó, Raab os protegeu, por acreditar em Deus (Js 2,1-21). Quando as muralhas de Jericó caíram e Josué invadiu a cidade, apenas Raab e sua família foram poupados (Js 6, 17-25).

Rute é outra estrangeira na lista que escolheu acreditar no Deus de Israel e que experimenta a bondade e misericórida de Deus. Por conselho de sua mãe Noemi, decidiu casar-se com Booz, em vez do noivo a quem fora prometida por seu pai. Certa noite, enquanto Booz dormia, Rute deitou-se ao seu lado, que acabou por aceitá-la como esposa, depois de resolver a questão do primeiro noivado. Rute foi bisavó de Davi e autora de um dos livros da Bíblia. 

Betsabéia era a mulher de Urias, ambos estrageiros. Urias era um dos guerreiros destacados de exército de Davi. Enquanto o marido estava lutando, foi seduzida por Davi e engravidou do futuro Rei Salomão. Na tentativa de esconder o pecado, Davi ordenou que Urias recebesse uma missão suicida, para que morresse sem saber que a esposa engravidara de outro homem (2Sm 11). 

Quatro mulheres estão na lista, nenhuma teve filhos com o marido prometido, como era o esperado na época. Esta é a ligação óbvia, por que Maria também não teve um filho com José. Mas há outros aspectos importantes a considerar.

Os antepassados de Jesus não eram uma família perfeita, sua história também acomodava pecadores. Todos nós temos pecados na nossa vida, assim como esta quatro mulheres, e Deus redime o pecado, pois concedeu a elas o fruto da vida, seus filhos. Perdoar os pecados cometidos por mulheres é constante na vida de Cristo, tanto adúlteras como prostitutas. E isto já está explícito desde o início do Evangelho de Matues.

Além disso, estas estrangeiras marcavam o alcance de Jesus, ao indicar que Ele não era um judeu "puro" que viria para salvar exclusivamente os judeus, mas incluía, desde antes do seu  nascimento, os estrangeiros.

Desde o início do Evangelho de Mateus temos este anúncio essencial a todas as nações: Jesus perdoa os pecados, ninguém é excluído por nascimento ou qualquer outra condição.

-- este texto é quase uma transcrição da catequese dada pelo Pe. Pat Angelucci no Curso sobre o Evangelho de São Mateus, na minha paróquia.

8 de jan. de 2017

O batismo de Cristo

O Batismo do Senhor, Piero de la Francesca.
Galeria Nacional, Londres.
Cristo é iluminado no batismo, recebemos com ele a luz; Cristo é batizado, desçamos com ele às águas para com ele subirmos.
João batiza e Jesus se aproxima; talvez para santificar igualmente aquele que o batiza e, sem dúvida, para sepultar nas águas o velho Adão. Antes de nós, e por nossa causa, ele que é Espírito e carne santificou as águas do Jordão, para assim nos iniciar nos sacramentos mediante o Espírito e a água.
João reluta, Jesus insiste. Eu é que devo ser batizado por ti (cf. Mt 3,14), diz a lâmpada ao Sol, a voz à Palavra, o amigo ao Esposo, diz o maior entre todos os nascidos de mulher ao Primogênito de toda criatura, aquele que estremecera de alegria no seio materno ao que fora adorado no seio de sua Mãe, o que era e seria precursor ao que já tinha vindo e de novo há de vir. Eu é que devo ser batizado por ti. Podia ainda acrescentar: e por causa de ti. Pois sabia que ia receber o batismo de sangue ou que, como Pedro, não lhe seriam apenas lavados os pés.
Jesus sai das águas, elevando consigo o mundo que estava submerso, e vê abrirem-se os céus de par em par, que Adão tinha fechado para si e sua posteridade, assim como o paraíso lhe fora fechado por uma espada de fogo.
O Espírito, acorrendo àquele que lhe é igual, dá testemunho da sua divindade. Vem do céu uma voz, pois também vinha do céu aquele de quem se dava testemunho. E ao mostrar-se na forma corporal de uma pomba, o Espírito glorifica o corpo de Cristo, já que este, por sua união com a divindade, é o corpo de Deus. De modo semelhante, muitos séculos antes, uma pomba anunciara o fim do dilúvio.
Veneremos hoje o batismo de Cristo e celebremos dignamente esta festa.
Permanecei inteiramente puros e purificai-vos sempre mais. Nada agrada tanto a Deus quanto o arrependimento e a salvação do homem, para quem se destinam todas as suas palavras e mistérios. Sede como luzes no mundo, isto é, como uma força vivificante para os outros homens. Permanecendo como luzes perfeitas diante da grande luz, sereis inundados pelo esplendor dessa luz que brilha no céu e iluminados com maior pureza e fulgor pela Trindade. Dela acabastes de receber, embora não em plenitude, o único raio que procede da única Divindade, em Jesus Cristo, nosso Senhor, a quem pertencem a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amém.

-- Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo (século IV)

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