24 de dez. de 2015

Homília da Santa Missa de Natal - Papa Francisco - 2015

Nesta noite, resplandece uma grande luz (Is 9, 1); sobre todos nós, brilha a luz do nascimento de Jesus. Como são verdadeiras e atuais as palavras que ouvimos do profeta Isaías: Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo (9, 2)! O nosso coração já estava cheio de alegria vislumbrando este momento; mas, agora, aquele sentimento multiplica-se e super-abunda, porque a promessa se cumpriu: finalmente realizou-se. Júbilo e alegria garantem-nos que a mensagem contida no mistério desta noite provém verdadeiramente de Deus. Não há lugar para a dúvida; deixemo-la aos céticos, que, por interrogarem apenas a razão, nunca encontram a verdade. Não há espaço para a indiferença, que domina no coração de quem é incapaz de amar, porque tem medo de perder alguma coisa. Fica afugentada toda a tristeza, porque o Menino Jesus é o verdadeiro consolador do coração.

Hoje, o Filho de Deus nasceu: tudo muda. O Salvador do mundo vem para Se tornar participante da nossa natureza humana: já não estamos sós e abandonados. A Virgem oferece-nos o seu Filho como princípio de vida nova. A verdadeira luz vem iluminar a nossa existência, muitas vezes encerrada na sombra do pecado. Hoje descobrimos de novo quem somos! Nesta noite, torna-se-nos patente o caminho que temos de percorrer para alcançar a meta. Agora, deve cessar todo o medo e pavor, porque a luz nos indica a estrada para Belém. Não podemos permanecer inertes. Não nos é permitido ficar parados. Temos de ir ver o nosso Salvador, deitado numa manjedoura. Eis o motivo do júbilo e da alegria: este Menino nasceu para nós, foi-nos dado a nós, como anuncia Isaías (cf. 9, 5). A um povo que, há dois mil anos, percorre todas as estradas do mundo para tornar cada ser humano participante desta alegria, é confiada a missão de dar a conhecer o Príncipe da paz e tornar-se um instrumento eficaz d’Ele no meio das nações.

Por isso, quando ouvirmos falar do nascimento de Cristo, permaneçamos em silêncio e deixemos que seja aquele Menino a falar; gravemos no nosso coração as suas palavras, sem afastar o olhar do seu rosto. Se O tomarmos nos nossos braços e nos deixarmos abraçar por Ele, dar-nos-á a paz do coração que jamais terá fim. Este Menino ensina-nos aquilo que é verdadeiramente essencial na nossa vida. Nasce na pobreza do mundo, porque, para Ele e sua família, não há lugar na hospedaria. Encontra abrigo e protecção num estábulo e é deitado numa manjedoura para animais. 

E todavia, a partir deste nada, surge a luz da glória de Deus. A partir daqui, para os homens de coração simples, começa o caminho da verdadeira libertação e do resgate perene. Deste Menino, que, no seu rosto, traz gravados os traços da bondade, da misericórdia e do amor de Deus Pai, brota – em todos nós, seus discípulos, como ensina o apóstolo Paulo – a vontade de renúncia à impiedade e à riqueza do mundo, para vivermos com sobriedade, justiça e piedade (Tt 2, 12).
Numa sociedade frequentemente embriagada de consumo e prazer, de abundância e luxo, de aparência e narcisismo, Ele chama-nos a um comportamento sóbrio, isto é, simples, equilibrado, linear, capaz de individuar e viver o essencial. Num mundo que demasiadas vezes é duro com o pecador e brando com o pecado, há necessidade de cultivar um forte sentido da justiça, de buscar e pôr em prática a vontade de Deus. No seio duma cultura da indiferença, que não raramente acaba por ser cruel, o nosso estilo de vida seja, pelo contrário, cheio de piedade, empatia, compaixão, misericórdia, extraídas diariamente do poço de oração.

Como os pastores de Belém, possam também os nossos olhos encher-se de espanto e maravilha, contemplando no Menino Jesus o Filho de Deus. E, diante d’Ele, brote dos nossos corações a invocação: Mostra-nos, Senhor, a tua misericórdia, concede-nos a tua salvação (Sal 85/84, 8).

20 de dez. de 2015

Fazer a vontade do Pai

* Pela primeira vez desde o Concílio Vaticano II alterar os ensinamentos sobre o povo judeu cerca de 50 anos, um grupo de rabinos ortodoxos publicou uma declaração apreciando os valores religiosos do Cristianismo e afirmando que há espaço para colaboração entre as duas religiões. O documento foi publicado no site do Centro de Entendimento e Cooperação Judaíca-Cristã, em Israel e assinado por 25 rabinos de Israel, Estados Unidos e Europa. A tradução é minha, com base no texto em inglês da Radio Vaticano; Nostra Aetata é o título de um documento publicado durante o Concílio que aborda e altera os ensinamentos da Igreja sobre o povo judeu e o Judaísmo.

Após cerca de dois milênios de mútua hostilidade e seperação, nós, Rabinos Ortodoxos que lideramos comunidades, instituições e seminários em Israel, Estados Unidos e Europa, reconhecemos a oportunidade histórica diante de nós. Nós procuramos fazer a vontade do Pai aceitando a mão estendida por nossos irmãos cristãos. Judeus e Cristãos podem trabalhar em conjunto como parceiros para endereçar os desafios moral da nossa era.

1. O Holocausto terminou a cerca de 70 anos atrás. Foi o clímax de séculos de desrespeito, opressão e rejeição dos Judeus e a consequente inimizade que desenvolveu-se entre Judeus e Cristãos. Em retrospecto, é claro que a falha de enfrentar a situação e engajar em um diálogo construtivo para o bem da humanidade enfraqueceu a resistência às forças malignas do anti-semitismo que envolveram o mundo em assassinatos e genocídio.

2. Reconhecemos que desde o Concílio Vaticano II os ensinamentos oficiais da Igreja Católica sobre o Judaísmo tem sido alterados de maneira fundamental e irrevocável. A promulgação da Nostra Aetate cinquenta anos atrás iniciou o processo de reconciliação entre as duas comunidades. Nostra Aetate e os subsequentes documentos da Igreja rejeitam inequivocadamente qualquer forma de anti-semitismo, afirmam a Aliança eterna entre D'us e o povo judeu; rejeita o deicídio e destaca a relação única entre Cristãos e Judeus, que são chamados de "nossos irmãos mais velhos" pelo Papa João Paulo II e "nossos pais na fé" pelo Papa Benedito XVI. Nestas bases, católicos e outras autoridades de igrejas cristãs iniciaram um diálogo honesto com judeus que tem aumentado nestas cinco décadas. Apreciamos a afirmação da Igreja de que Israel tem um lugar sagrado na história e na redenção da humanidade. Hoje em dia os judeus tem experimentado um amor sincero e grande respeito por muitos cristãos, expresso em várias iniciativas de diálogo, encontros e conferências em todo mundo.

3. Seguindo Maimonides e Yehudah Halevi, reconhecemos que a Cristandade não é um acidente nem um erro, mas um desejo divino e um presente para as nações. Ao separar entre Judaísmo e Cristianismo, D'us  desejou uma separação entre iguais com significativas diferenças teológicas, não uma separação de inimigos. Rabino Jacob Emden escreveu que "Jesus trouxe duas bençãos para o mundo. Em uma mão, ele fortaleceu a Torá de Jesus magnificamente... e nenhum dos nossos sábios falou tão enfaticamente sobre a imutabilidade da Torá. Na outra mão, ele removeu os ídolos das nações e os obrigou a seguir os sete mandamentos de Noé para que não vivessem como animais soltos nos campos, instilando-os com firmes ensinamentos morais. Cristãos são congregações que trabalham para alcançar os céus, que está destinado àqueles que perseveram na intenção de alcançar os céus e cuja recompensa não é negada. Rabino Samson Raphael Hirsch ensinou que "os cristãos aceitaram a Velho Testamento como um livro dado por revelação Divina. Eles professam a crença no D'us dos Céus e da Terra como proclamado na Bíblia e reconhecem a Providência Divina". Agora que a Igreja Católica reconheceu a Aliança eterna entre D'us e Israel, nós judeus reconhecemos a validade construtiva da Cristandade como nossos parceiros na redenção do mundo, sem temer que seremos explorados para fins missionários. Como afirmado pelo Rabinato Chefe de Israel na Comissão Bilateral com a Santa Sé, através da liderança do Rabino Shear Yashuv Cohen, "Não somos mais inimigos, mas parceiros inequivocos para articular os valores morais essenciais para a sobrevivência e bem-estar da humanidade". Nenhum de nós pode realizar a missão de D'us no mundo sozinho.

4. Judeus e Cristãos tem em comum a missão de aperfeiçoar o mundo sobre o domínio do Todo Poderoso, para que toda humanidade venha chamar Seu nome e as abominações sejam removidas da face da Terra. Nós entendemos que possa haver hesitações de ambas comunidades em afirmar esta verdade e convidamos a todos a superar seus medos para estabelecer uma relação de confiança e respeito. Rabino Hirsch também ensinou que o Talmud coloca os Cristãos "no que diz respeito aos deveres entre homens exatamente no mesmo nível dos Judeus. Eles tem deveres em todos aspectos, não apenas de justiça mas também de amor fraternal".  No passado as relações entre Cristãos e Judeus foram muitas vezes retratadas através de Esaú e Jacó, embora o Rabino Naftali Zvi Berliner já tivesse entendido ao final do século XIX que Judeus e Cristãos são destinados por D'us ao amor fraternal: "No futuro, quando os filhos de Esaú deixarem-se envolver por espírito mais puro, reconhecerão o povo de Israel e suas virtudes, então seremos obrigados a reconhecer Esaú como nosso irmão".

5. Nós Judeus e Cristãos temos mais em comum do que aquilo que nos divide: a ética monoteísta de Abraão; o relacionamento com o Criador dos Céus e da Terra, que ama e cuida de todos nós; as Sagradas Escrituras Judaicas; a crença numa tradição que nos une; os valores de vida, família, compaixão, retidão, justiça, inalienável liberdade, amor universal e o desejo de paz universal. Rabino Moses Rivkis confirma isto ao escrever que "nossas histórias fazem referência ao idólatra que não acredita na criação do mundo, no êxodo, nas miraculosas intervenções divinas e na lei divina. Ao contrário, há pessoas que dispersas no mundo acreditam em todos estes ensinamentos essenciais da religiao".

6. Nossa parceria, de nenhuma maneira, minimiza as diferenças existentes entre as duas comunidades e religiões. Nós acreditamos que D'us emprega muitos mensageiros para revelar sua Verdade, enquanto nós afirmamos as fundamentais obrigações éticas que devem orientar todas as pessoas frente a D'us, como o Judaísmo tem ensinado desde sempre, atravé da aliança de Noé.

7. Ao imitarmos D'us, Judeus e Cristãos devem ser modelos de serviço, amor incondicional e santidade. Somos todos criados à Imagem de D'us, e Judeus e Cristãos devem permanecer dedicados à Aliança tendo um papel conjunto na redenção do mundo.

Assinaturas:

Rabino Jehoshua Ahrens (Alemanha)
Rabino Marc Angel (Estados Unidos)
Rabino Isak Asiel (Rabino Chefe da Sérvia)
Rabino David Bigman (Israel)
Rabino David Bollag (Suiça)
Rabino David Brodman (Israel)
Rabino Natan Lopez Cardozo (Israel)
Rav Yehudah Gilad (Israel)
Rabino Alon Goshen-Gottstein (Israel)
Rabino Irving Greenberg (Estados Unidos)
Rabino Marc Raphael Guedj (Suiça)
Rabino Eugene Korn (Israel)
Rabino Daniel Landes (Israel)
Rabino Steven Langnas (Alemanha)
Rabino Benjamin Lau (Israel)
Rabino Simon Livson (Rabino Chefe da Finlândia)
Rabino Asher Lopatin (Estados Unidos)
Rabino Shlomo Riskin (Israel)
Rabino David Rosen (Israel)
Rabino Naftali Rothenberg (Israel)
Rabino Hanan Schlesinger (Israel)
Rabino Shmuel Sirat (França)
Rabino Daniel Sperber (Israel)
Rabino Jeremiah Wohlberg (Estados Unidos)
Rabino Alan Yuter (Israel)

* tradução própria; documento em inglês aqui.

10 de dez. de 2015

O amor deseja ardentemente ver a Deus

Moisés na presença de Deus
Vendo o mundo oprimido pelo temor, Deus procura continuamente chamá-lo com amor, convidá-lo com a sua graça, segurá-lo com a caridade, abraçá-lo com afeto.

Por isso, purifica com o castigo do dilúvio a terra que se tinha inveterado no mal; chama Noé para gerar um mundo novo; encoraja-o com palavras afetuosas, concede-lhe sua confiante amizade, o instrui com bondade acerca do presente e anima-o com sua graça a respeito do futuro. E já não se limita a dar-lhe ordens mas, tomando parte no seu trabalho, encerra na arca toda aquela descendência que havia de perdurar por todos os tempos, para que esta aliança de amor acabasse com o temor da servidão e se conservasse na comunhão de amor o que fora salvo com a comunhão de esforços.

Por esse motivo chama Abraão dentre os pagãos, engrandece seu nome, torna-o pai dos crentes, acompanha-o em sua viagem, protege-o entre os estrangeiros, cumula-o de bens, exalta-o com vitórias, dá-lhe a garantia de suas promessas, livra-o das injúrias, torna-se seu hóspede, maravilha-o com o nascimento de um filho que ele já não podia esperar. Tudo isso a fim de que, cumulado de tantos benefícios, atraído pela grande doçura da caridade divina, aprendesse a amar a Deus e não mais temê-lo, a honrá-lo com amor e não com medo.

Por isso também, consola em sonhos a Jacó quando fugia, desafia-o para um combate em seu regresso e na luta aperta-o nos braços, para que não temesse, porém, amasse o instigador do combate.

Por isso ainda, chama Moisés na própria língua e fala-lhe com afeto paterno, convidando-o a ser o libertador de seu povo.

Em todos esses fatos que relembramos, de tal modo a chama da caridade divina inflamou o coração dos homens e o inebriamento do amor de Deus penetrou os seus sentidos que, cheios de afeto, começaram a desejar ver a Deus com os olhos do corpo.

Deus, que o mundo não pode conter, como o olhar limitado do homem o abrangeria? Mas o que deve ser, o que é possível, não é a regra do amor. O amor ignora as leis, não tem regra, desconhece medida. O amor não desiste perante o impossível, não desanima diante das dificuldades.

O amor, se não alcança o que deseja, chega a matar o que ama; vai para onde é atraído, e não para onde deveria ir. O amor gera o desejo, cresce com ardor e pretende o impossível. E que mais?

O amor não pode deixar de ver o que ama. Por isso todos os santos consideravam pouca coisa toda recompensa, enquanto não vissem a Deus.

Por isso mesmo, o amor que deseja ver a Deus, vê-se impelido, para além de todo raciocínio, pelo fervor da piedade.

Por isso Moisés se atreve a dizer: Se encontrei graça na vossa presença, mostrai-me o vosso rosto (Ex 33,13.18). Por isso, diz também o salmista: Não me escondais a vossa face (Sl 26,9). Por isso, enfim, até os próprios pagãos, no meio de seus erros, modelaram ídolos, para poderem ver com seus próprios olhos o objeto de seu culto.

-- Dos Sermões de São Pedro Crisólogo, bispo (século II)

8 de dez. de 2015

Ó Virgem, pela tua benção é abençoada a criação inteira!

O céu e as estrelas, a terra e os rios, o dia e a noite, e tudo quanto obedece ou serve aos homens, congratulam-se, ó Senhora, porque a beleza perdida foi por ti de certo modo ressuscitada e dotada de uma graça nova e inefável. Todas as coisas pareciam mortas, ao perderem sua dignidade original que é estar em poder e a serviço dos que louvam a Deus. Para isto é que foram criadas. Estavam oprimidas e desfiguradas pelo mau uso que delas faziam os idólatras, para os quais não haviam sido criadas. Agora, porém, como que ressuscitadas, alegram-se pois são governadas pelo poder e embelezadas pelo uso dos que louvam a Deus.

Perante esta nova e inestimável graça, todas as coisas exultam de alegria ao sentirem que Deus, seu Criador, não apenas as governa invisivelmente lá do alto, mas também está visivelmente neles, santificando-as com o uso que delas faz. Tão grandes bens procedem do bendito fruto do sagrado seio da Virgem Maria.

Pela plenitude da sua graça, aqueles que estavam na mansão dos mortos alegram-se, agora libertos;e os que estavam acima do céu rejubila-se renovados. Com efeito, pelo fim se seu cativeiro, e os anjos se congratulam pela restauração de sua cidade quase em ruínas.

Ó mulher cheia e mais que cheia de graça, o transbordamento de tua plenitude faz renascer toda criatura! Ò Virgem bendita e mais que bendita, pela tua benção é abençoada toda a natureza, não só as coisas criadas pelo Criador, mas também o Criador pela criatura!

Deus deu a Maria o seu próprio Filho único, gerado de seu coração, igual a si, a quem amava como si mesmo. No seio de Maria, formou seu filho, não outro qualquer, mas o mesmo, para que, por natureza, fosse realmente um só e o mesmo Filho de Deus e de Maria! Toda a criação é obra de Deus, e Deus nasceu de Maria. Deus criou todas as coisas, e Maria deu à luz Deus! Deus que tudo fez, formou-se a si próprio no seio de Maria. E deste modo refez tudo o que tinha feito. Ele que pode fazer tudo do nada, não quis refazer sem Maria o que fora profanado.

Por conseguinte, Deus é o pai das coisas criadas, e Maria a mãe das coisas recriadas. Deus é o Pai da CRIAÇÃO UNIVERSAL, E Maria a mãe da redenção universal. Pois Deus gerou aquele por quem tudo foi feito, e Maria deu à luz aquele por quem tudo foi salvo. Deus gerou aquele sem o qual nada absolutamente existe, e Maria deu à luz aquele sem o qual nada absolutamente é bom.

Verdadeiramente o Senhor é contigo, pois quis que toda a natureza reconheça que deve a ti, juntamente com ele, tão grande benefício.

--Das Meditações de Santo Anselmo, bispo (século XII) 

2 de dez. de 2015

Ai de mim, se não evangelizar!

Percorremos as aldeias de neófitos, que receberam os sacramentos cristãos há poucos anos. Esta região não é cultivada pelos portugueses, já que é muito estéril e pobre; e os cristãos indígenas, por falta de sacerdotes, nada sabem a não ser que são cristãos. Não há ninguém que celebre para eles as sagradas funções; ninguém que lhes ensine o Símbolo, o Pai-nosso, a Ave-Maria e os mandamentos da Lei de Deus.

Desde que aqui cheguei, não parei um instante: visitando com frequência as aldeias, lavando na água sagrada os meninos não batizados. Assim, purifiquei grandíssimo número de crianças que, como se diz, não sabem absolutamente distinguir entre a direita e a esquerda. Estas crianças não me permitiram recitar ofício divino, nem comer, nem dormir, enquanto não lhes ensinasse alguma oração; foi assim que comecei a perceber que delas é o reino dos céus.

À vista disto, como não podia, sem culpa, recusar pedido tão santo, começando pelo testemunho do Pai, do Filho e do Espírito Santo, ensinava-lhes o Símbolo dos Apóstolos, o Pai-nosso e a Ave-Maria. Observei que são muito inteligentes; se houvesse quem os instruísse nos preceitos cristãos, não duvido que seriam excelentes cristãos.

Nestas paragens, são muitíssimos aqueles que não se tornam cristãos, simplesmente por faltar quem os faça tais. Veio-me muitas vezes ao pensamento ir pelas academias da Europa, particularmente a de Paris, e por toda a parte gritar como louco e sacudir aqueles que têm mais ciência do que caridade, clamando: "Oh! Como é enorme o número dos que excluídos do céu, por vossa culpa se precipitam nos infernos!"

Quem dera que se dedicassem a esta obra com o mesmo interesse com que se dedicam às letras, para que pudessem prestar contas a Deus da ciência e dos talentos recebidos!

Na verdade, muitos deles, impressionados por esta ideia, entregando-se à meditação das realidades divinas, talvez estivessem mais preparados para ouvir o que Deus diria neles: abandonando as cobiças e interesses humanos, se fizessem atentos a um aceno ou vontade de Deus. Decerto, diriam de coração: Aqui estou, Senhor; que devo fazer? (At 9,10; 22,10). Envia-me para onde for do teu agrado, até mesmo para a Índia.

-- Das Cartas a Santo Inácio, de São Francisco Xavier, presbítero (século XVI)

28 de nov. de 2015

Cantemos Aleluia ao bom Deus que nos livra do mal

Aqui embaixo, cantemos o Aleluia, ainda apreensivos, para podermos cantá-lo lá em cima, tranqüilos. Por que apreensivos aqui? Não queres que eu esteja apreensivo, se leio: Não é acaso uma tentação a vida humana sobre a terra? (Jó 7,1). Não queres que fique apreensivo, se me dizem outra vez: Vigiai e orai para não cairdes em tentação? (cf. Mt 26,41). Não queres que esteja apreensivo onde são tantas as tentações, a ponto de a própria oração nos ordenar: Perdoai nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores? (Mt 6,12). Pedintes cotidianos, devedores cotidianos.

Queres que esteja seguro quando todos os dias peço indulgência para os pecados, auxílio nos perigos? Tendo dito por causa das culpas passadas: Perdoai nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores, imediatamente acrescento por causa dos futuros perigos: Não nos deixeis entrar em tentação (Mt 6,13). Como pode estar no bem o povo que clama comigo: Livrai-nos do mal? (Mt 6,13). E, no entanto, irmãos, mesmo neste mal, cantemos o Aleluia ao Deus bom que nos livra do mal.

Ainda aqui, no meio de perigos, de tentações, por outros e por nós seja cantado o Aleluia. Pois Deus é fiel e não permitirá serdes tentados além do que podeis (1Cor 10,13). Portanto cantemos também aqui o Aleluia. O homem ainda é réu, mas fiel é Deus. Não disse: Não permitirá serdes tentados, mas: Não permitirá serdes tentados além do que podeis, mas fará que com a tentação haja uma saída para poderdes agüentar (1Cor 10,13). Entraste em tentação; mas Deus dará uma saída para não pereceres na tentação; para, então, à semelhança de um pote de barro, seres plasmado pela pregação, queimado pela tribulação. Todavia, ao entrares, pensa na saída; porque Deus é fiel: guardará o Senhor tua entrada e tua saída (Sl 120,7-8).

Contudo, só quando esse corpo se tornar imortal e incorruptível, então terá desaparecido toda tentação; porque na verdade o corpo morreu; por que morreu? Por causa do pecadoMas o espírito é vida; por quê? Por causa da justiça (Rm 8,10). Largaremos então o corpo morto? Não; escuta: Se o Espírito daquele que ressuscitou a Cristo habita em vós, aquele que ressuscitou dos mortos a Cristo vivificará também vossos corpos mortais (Rm 8,10-11). Agora, portanto, corpo animal; depois, corpo espiritual.

Como será feliz lá o Aleluia! Quanta segurança! nada de adverso! onde ninguém será inimigo, não morre nenhum amigo. Lá, louvores a Deus; aqui, louvores a Deus. Mas aqui apreensivos; lá, tranqüilos. Aqui, dos que hão de morrer; lá, dos que para sempre hão de viver. Aqui, na esperança; lá, na bem-aventurança. Aqui, no caminho; lá, na pátria.

Cantemos, portanto, agora, meus irmãos, não por deleite do repouso, mas para alívio do trabalho. Como costuma cantar o caminhante: canta mas segue adiante; alivia o trabalho cantando. Abandona, pois, a preguiça. Canta e caminha. Que é isto, caminha? Vai em frente, adianta-te no bem. Segundo o Apóstolo, há quem progrida no mal. Tu, se progrides, caminhas. Mas progride no bem, progride na fé, sem desvios, progride na vida santa. Canta e caminha.

-- Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo (século V)

23 de nov. de 2015

Ao vencedor a segunda morte não causará dano

Num momento, num piscar de olhos, com a última trombeta, pois soará uma trombeta, os mortos ressurgirão incorruptos e nós seremos mudados (1Cor 15,52). Dizendo “nós”, Paulo mostra que alcançarão junto com ele o dom da futura mutação aqueles que agora se mantêm na comunhão eclesial e moral com ele e seus companheiros. Querendo sugerir qual será a mudança, diz: É preciso que o corpo incorruptível se revista de incorruptibilidade, e o mortal se revista de imortalidade (1Cor 15,53). Portanto, para que haja neles a mudança da justa retribuição, precede agora a mudança da gratuita liberalidade.

Aos que nesta vida se mudaram do mal para o bem, promete-se o prêmio da futura mudança.

A graça faz com que, primeiro ressurgidos aqui espiritualmente pela justificação, comece a mudança pelo dom divino. Mais tarde, na ressurreição do corpo, que completa a mudança dos justos, a glorificação, sendo sempre perfeita, não sofrerá mudança. A graça da justificação primeiro, e depois da glorificação muda-os de tal forma que esta glorificação neles permanece imutável e eterna.

Aqui são mudados pela primeira ressurreição, que os ilumina, para que se convertam. Por ela passam da morte para a vida, da iniqüidade para a justiça, da incredulidade para a fé, das más ações para a vida santa. Por isto, a segunda morte não tem poder sobre eles. O apocalipse refere-se a isto: Feliz quem tem parte na primeira ressurreição; sobre ele não tem poder a segunda morte (Ap 20,6). No mesmo livro, lê-se: Ao vencedor a segunda morte não causará dano (Ap 2,11). Na conversão do coração consiste a primeira ressurreição, no suplício eterno, a segunda morte.

Apresse-se, então, em tornar-se participante da primeira ressurreição quem não quiser ser condenado ao eterno castigo da segunda morte. Pois aqueles que, mudados no presente pelo temor de Deus, passam da vida má para a vida santa, passam da morte para a vida e eles mesmos, em seguida, passarão da vida obscura à glória.

-- Do Tratado sobre o perdão, de São Fulgêncio de Ruspe, bispo (século VI)

21 de nov. de 2015

Sobre a Encarnação de Cristo

Antes da vinda de Cristo, os Patriarcas, os Profetas e João Batista falaram algumas verdades a respeito de Deus. Os homens, porém, não acreditaram nelas como acreditaram em Cristo, que este com Deus e, mais do que isso, constituía um só ser com Ele. Eis porque a nossa fé foi muito mais confirmada pelas verdades transmitidas por Cristo. Lê-se em São João: Ningém jamais viu a Deus. O Filho Unigênito, que está no seio do Pai, nos revelou (Jo 1,18). Muitos mistérios da fé, que estavam escondidos, foram revelados após o advento de Cristo.

Sabemos que o Filho de Deus não foi elevado sem motivo, assumindo a nossa carne, mas para grande benefício nosso. Para tanto, fez uma troca: assumiu um corpo animado e dignou-se nascer da Virgem, para nos entregar a sua divindade; fez-se homem, para fazer o homem, Deus. Lê-se em São Paulo: Por quem temos acesso pela fé nessa graça, na qual permanecemos, e nos gloriamos na esperança da glória dos filhos de Deus (Rm 5,2).

Nenhum indício é mais evidente da caridade divina do que o Deus, criador de todas as coisas, fazer-se criatura; o do Senhor nosso, fazer-se nosso irmão; o do Filho de Deus, fazer-se filho de homem. Diz São João: Tanto Deus amou o mundo que lhe deu o seu Filho (Jo 3,16). Pela consideração dessa verdade, deve ser reacendido e de novoem nós afervorado, o nosso amor para com Deus.

A nossa natureza foi a tal ponto enobrecida e exaltada pela união com Deus que foi assumida para consorciar-se com uma Pessoa Divina. O homem, reconsiderando e atendendo à sua própria exaltação, deve perceber como pelo pecado se degrada e avilta a si e à própria natureza. Por isso escreve São Pedro: O poder divino deu-nos tudo o que contribui para a vida e a piedade, fazendo-nos conhecer aquele que nos chamou por sua glória e sua virtude. Por elas, temos entrado na posse das maiores e mais preciosas promessas, a fim de tornar-vos por este meio participantes da natureza divina, subtraindo-vos à corrupção que a concupiscência gerou no mundo (2Pe 1,3-4).

A meditação dos mistérios da Encarnação aumenta em nós o desejo de nos aproximarmos de Cristo. Se alguém, digamos um irmão do rei, viesse nos visitar, naturalmente desejaríamos aproximarmo-nos dele, estar com ele, nem que fosse por interesse. Ora, sendo Cristo nosso irmão e mais benéfico que um rei, devemos desejar estar com Ele e nos unirmos a Ele. Sigamso o exemplo de São Paulo que desejava dissolver-se para estar com Cristo: esse desejo cresce também em nós pela consideração do mistério da Encarnação.

-- São Tomás de Aquino, Sermão sobre o Credo (século XIII)

14 de nov. de 2015

Porque Jesus Cristo é o Verbo de Deus?

Há na alma uma espécie de geração quando o homem conhece alguma coisa pela própria alma, que se chama conceito (ou idéia). Esse conceito, concebido, tem a sua origem na própria alma. Chama-se verbo (palavra) da inteligência ou do homem. Portanto a alma gera o seu verbo pelo conhecimento. 

O Filho de Deus também é o Verbo de Deus, não como se fosse uma palavra pronunciada exteriormente, porque assim seria transitório, mas como um verbo (conceito, idéia) concebido no interior. Eis porque o próprio verbo de Deus possui uma só natureza de Deus e é igual a Deus.

São João, quando falou de Deus, disse "No princípio era o Verbo, o Verbo estava em Deus e o Verbo era Deus"

Em nós o verbo é um acidente (isto é, algo transitório, que existe por um tempo e depois termina); mas em Deus o verbo identifica-se com o próprio Deus, pois nada há em Deus que não seja da essência (infinita) de Deus.

Ninguém pode afirmar que Deus não possui um verbo (idéias), porque se o fizesse estaria também afirmando que em Deus não há conhecimento. Como Deus sempre existiu, assim também seu Verbo sempre existiu.

Como o artista executa as suas obras de acordo com o modelo que prefigurou em sua inteligência, que é o seu verbo; assim também Deus fez todas as coisas pelo seu Verbo, que é o seu pensamento artístico. Assim lê-se em São João: Todas as coisas foram feitas por Ele (Jo 1,3).

-- São Tomás de Aquino, Sermão sobre o Credo (século XIII)

5 de nov. de 2015

As heresias contra Cristo e a Santíssima Trindade

Não é somente necessário crer que existe um só Deus, e que Ele é criador do céu, da terra e de todas as coisas, mas também que Deus é Pai e Jesus Cristo é seu verdadeiro Filho. O próprio Jesus Cristo muitas vezes chama a Deus como seu Pai e, também, denomina-se Filho de Deus. Os Apóstolos e os Santos Padres colocaram entre os artigos de fé que Jesus Cristo é Filho de Deus quando definiram o segundo artigo do Creio: "E em Jesus Cristo seu Filho", isto é, Filho de Deus.

Mas existiram alguns heréticos que acreditaram de um modo perverso nessa verdade de fé. Três deles são:

1. Fotino declarou que Cristo não é filho de Deus senão como os outros homens o são, os quais, por viverem bem, merecem ser chamados filhos de Deus por adoção, enquanto fazem a vontade de Deus. Do mesmo modo, segundo ele, Cristo, que viveu bem fazendo a vontade de Deus, mereceu ser chamado filho de Deus. Daí que Cristo não existiria antes da Virgem Maria, mas que só começou a existir quando foi concebido, como sucede com todos outros homens.

Cometeu Fotino dois erros: um, porque não disse que Ele era Filho de Deus segundo a natureza; outro porque disse que Ele começou a existir no certo momento, enquanto nossa fé afirma que Ele é por natureza Filho de Deus e eterno.

Contra o primeiro erro, declara a Escritura que Jesus Cristo não só é Filho de Deus, mas também Filho Unigênito: O Filho único, que está no seio do Pai, foi quem o revelou (Jo 1,18). Contra o segundo, lê-se: Antes de Abraão existir, eu já existia (Jo 8, 58). Ora, é certo que Abraão existiu antes de Maria.

Por este motivo, os Santos Padres acrescentaram no Credo Niceno-Constantinopolitano contra o primeiro erro "Filho de Deus Unigênito"; e, contra o segundo, "gerado do Pai antes de todos os séculos".

2. Sabélio, embora tivesse dito que Cristo existiu antes da Virgem Maria, afirmou que a pessoa do Filho era também a figura do Pai e que o próprio Pai se encarnou. Isso é um erro porque destrói a idéia de Santíssima Trindade. Contra este erro, temos as palavras do próprio Cristo: Eu não sou Eu só, sou Eu e o Pai que me enviou (Jo 8, 16).

É evidente que ninguém pode ser enviado por si mesmo. Eis porque Sabélio errou. Acrescentou-se por isso, no Credo: "Deus de Deus, luz de luz", isto é  Deus Filho de Deus Pai; Filho que é luz, luz que procede do Pai, que também é luz. 

3. Ário, embora tivesse afirmado que Cristo existira antes da Virgem Maria e que era uma a Pessoa do Pai, outra a do Filho, cometeu três erros ao falar de Cristo: primeiro, que Cristo foi criatura; segundo, que Ele foi feito por Deus como a mais nobre das criaturas quando concebido, não existindo desde a eternidade; terceiro, que não havia uma só natureza de Deus Filho com Deus Pai e, por esse motivo, Cristo não era verdadeiro Deus. 

Lê-se no Evangelho de São João: Eu e o Pai somos um (Jo 10, 30), isto é, pela natureza.  Ora, como o Pai sempre existiu, do mesmo modo Cristo sempre existiu; como o Pai é verdadeiro Deus, o Filho também é verdadeiro Deus. 

Em oposição às afirmações de Ário, está acrescentado no Credo "gerado, não feito" e "consubstancial com o Pai".   

-- São Tomás de Aquino, Sermão sobre o Credo (século XIII)

31 de out. de 2015

Porque somos levados ao politeísmo

Os homens são levados ao politeísmo por quatro motivos:

1. A fraqueza da inteligência humana. Há homens cuja inteligência não lhes permite ir além das coisas corpóreas e, por isso, não acreditam na existência de alguma natureza superior aos seres corpóreos. Pensam então que os mais belos e dignos seres corpóreos devem presidir o mundo e prestam um culto divino a eles. Assim consideram os astros do céu, o sol, a lua e as estrelas. Sobre eles fala o Profeta Isaías (51, 6): Levantai os olhos para o céu, volvei vosso olhar à terra: os céus vão desvanecer-se como fumaça, como um vestido em farrapos ficará a terra, e seus habitantes morrerão como moscas. Mas minha salvação subsistirá sempre, e minha vitória não terá fim . 

Muitas vezes estas razões não se manifestam por palavras, mas pelos atos. Aqueles que acreditam que os astros podem modificar a vida dos homens, que para agir devem esperar certas épocas, estão aceitando que os astros dominam os homens. Contra isto adverte a Palavra: Não imiteis o procedimento dos pagãos; nem temais os sinais celestes, como os temem os pagãos, porquanto os deuses desses povos são apenas vaidade (Jr 10, 2).

2 - A adulação dos homens. Muitos desejando adular reis e senhores, tributaram-lhes a honra devida a Deus. Obedecem e se submetem a eles. Há quem os endeuse após a morte, outros até em vida. Deles fala a Escritura: A multidão, seduzida pelo encanto da obra, em breve tomou por deus aquele que tinham honrado como homem. E isto foi uma cilada para a humanidade: os homens, sujeitando-se à lei da desgraça e da tirania, deram à pedra e à madeira o nome incomunicável. (Sab 14,21).

Também aqueles que obedecem aos reis mais que a Deus, constituem a essas pessoas como deuses. Adverte-nos também a Escritura: Convém mais obedecer a Deus que os homens (At 5,29).

3- A afeição carnal aos filhos e parentes. Alguns, levados por excessivo amos aos parentes, levantam-lhes estátuas após a morte e, assim, são conduzidos a prestar culto divino àquelas estátuas.

Também os que amam os filhos mais que a Deus revelam pelos seus atos que acreditam em muitos deuses. São Paulo nos adverte: Quanto a questões tolas, genealogias, contendas e disputas relativas à lei, foge delas, porque são inúteis e vãs (Tt 3,9).

4- A malícia do demônio. Este, desde o início, quis ser igual a Deus: Escalarei os céus e erigirei meu trono acima das estrelas. Assentar-me-ei no monte da assembléia, no extremo norte. Subirei sobre as nuvens mais altas e me tornarei igual ao Altíssimo. (Is 14,13). Até hoje não revogou essa vontade e esforça-se para que os homens o adorem e lhe ofereçam sacrifícios. Não lhe satisfaz a oferta de animais, mas deleita-se quando lhe é prestado o culto devido a Deus. Ele mesmo falou a Cristo: Dar-te-ei toda terra se de joelhos me adorares (Mt 4,9). Para que sejam adorados como deuses, se disfarçam de ídolos, Sobre eles fala a Escritura: os deuses dos pagãos, sejam quais forem, não passam de ídolos. Mas foi o Senhor quem criou os céus (Sl 95,5); as coisas que os pagãos sacrificam, sacrificam-nas a demônios e não a Deus. E eu não quero que tenhais comunhão com os demônios. (1Cor 10,20). 

Os que praticam a feitiçaria e se entregam aos sortilégios acreditam nos demônios como se eles fossem deuses, porque pedem aos demônios o que só se pode pedir a Deus, como revelações e conhecimentos sobre coisas futuras.

Como tudo isto é falso, devemos acreditar que há somente um Deus.

-- São Tomás de Aquino, Sermão sobre o Credo. (século XIII)

26 de out. de 2015

Insensato é não acreditar em Deus

Entre todas as verdades, em primeiro lugar deve-se acreditar que Deus existe. 

Além disso, deve-se considerar o que significa este nome - Deus. Significa precisamente Aquele que governa e cuida de todas as coisas. Acredita na existência de Deus quem acredita que todas as coisas deste mundo são governadas e estão subordinadas à sua Providência. 

Quem pensa que todas as coisas originam-se do acaso, não acredita na existência de Deus. Seria insensato não crer que a natureza seja governada por alguém, vendo que tudo se processa a seu tempo, com ordem. Vemos o Sol, a Lua, as estrelas e muitos outros elementos da natureza obedecerem um determinado curso. Ora, isso não aconteceria se houvesse caos. Eis por que é insensato não acreditar na existência de Deus, como lembra o salmista: O insensato diz em seu coração: não há Deus (Sl 13,1).

Há alguns que acreditam que Deus governa e ordena coisas naturais, mas não acreditam que governe os atos humanos. Pensam assim porque vêem no mundo os bons sofrerem e os maus prosperarem, concluem que a Providência de Deus não atinge os homens. 

Afirmar tal coisa seria grande insensatez. Seria como pensar que se o médico dá a um doente um remédio e a outro doente outro remédio, tudo é por acaso e não por motivo ponderado. Seria pensar que o médico é insensato. 

Pois Deus também age como médico. Por motivo justo e pela sua Providência, dispõe Ele as coisas necessárias aos homens, quando aflige alguns bons e permite que os maus prosperem. Acreditar que isto é obra do acaso é, evidentemente, insensato. 

Assim pensa porque desconhece a maneira de Deus agir e razão pela qual dispõe de todas as coisas. Lê-se em Jó: Oxalá Ele te revele os segredos da sua sabedoria e a multiplicidade dos seus planos (Jó 11,6). E no Livro dos Salmos: Disseram os maus: Deus não vê. O Deus de Jacó não percebe as coisas. Compreendei agora, é néscios! Ó estultos, até quando sereis insensatos? Aquele que nos orelhas, não ouve? Aquele que nos deus olhos, não vê? O Senhor conhece o pensamento dos homens (Sl 103, 7-10).

Deus vê todas coisas, os pensamentos, segredos dos homens. Como diz São Paulo: Tudo está nu e descoberto aos seus olhos (Hb 4, 13). 

-- Santo Tomás de Aquino, Sermão sobre o Credo. (século XIII)

20 de out. de 2015

Evangelização para vencer a crise das famílias

Este testemunho foi dado pela Dra Anca-Maria Cernea, Presidente da Associação dos Doutores Católicos de Bucareste (romênia), durante o Sínodo Ordinário sobre as Famílias, nesta sexta-feira passada. 

Sua Santidade, Bispos e padres, irmãos e irmãs, eu represento a Associação dos Doutores Católicos de Bucareste; sou da Igreja Católica Ortodoxa Greco-Romena. 

Meu pai era um líder político católico que foi preso pelos comunistas por 17 anos. Meus pais estavam noivos, prontos para casar, mas seu casamento aconteceu apenas 17 anos depois. Minha mãe esperou todos estes anos em que meu pai esteve preso, embora ela não soubesse se ele ainda estava vivo. Eles foram fiéis a Deus e sua promessa. O exemplo deles demonstra que a Graça de Deus pode superar terríveis circunstâncias sociais e a pobreza material.

Nós, doutores católicos, que defendemos a vida e a família, podemos ver em primeira mão esta batalha. A pobreza espiritual e o consumismo não são a causa primária da crise familiar. A causa principal está na revolução cultural e sexual, é ideológica.

Nossa Senhora de Fátima alertou que os erros da Rússia se espalhariam pelo mundo. Isto ocorreu primeiro de forma violenta, pelo Marxismo clássico, matando dezenas de milhões. Agora está ocorrendo através do marxismo cultural. Há uma clara continuidade desde a revolução de Lenin, através de Gramsci e a Escola de Frankfurt, até as atuais questões dos direitos dos gays e ideologia de gênero. 

O marxismo clássico pretendia reorganizar a sociedade através da tomada violenta da propriedade privada. Agora a revolução é mais profunda, pretende redefinir a família, identidade de sexo e a natureza humana. Esta ideologia chama-se de progressista mas não é nada além da antiga oferta da serpente, do homem poder controlar sua vida, sobrepor-se a Deus, para arranjar sua salvação aqui, neste mundo. É um erro de natureza religiosa, é o Gnosticismo.

É tarefa dos pastores reconhecer isto e alertar seu rebanho contra este perigo. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça e todas estas coisas vos serão dadas em acréscimo (Mt 6,33). A missão da Igreja é salvar almas. O Mal, neste mundo, vêm do pecado. Não da disparidade econômica ou das mudanças de clima. 

A solução é Evangelização e Conversão.

Não é aumentar o controle do governo. Não é um governo mundial. Estes são, hoje, os principais agentes impondo o Marxismo cultural a outras nações, sob a forma de controle da população, saúde reprodutiva, direitos dos gays, educação sexual, e outras coisas.

O que o mundo precisa não é limitação da liberdade, mas uma liberdade real, liberdade dos pecados. precisa de Salvação.

Nossa Igreja foi suprimida pela ocupação soviética, mas nenhum dos nossos 12 bispos traiu a comunhão com o Santo Padre. Nossa Igreja sobreviveu graças a determinação dos nossos bispos e seu exemplo resistindo à prisões e terror. Nossos bispos pediram à comunidade para não seguir o mundo, não cooperarem com os comunistas. Agora é tempo de Roma dizer ao mundo: Fazei penitência porque está próximo o Reino dos céus (Mt 3,2).

Não apenas nós, leigos católicos, mas todos cristãos ortodoxos estão ansiosamente rezando por este Sínodo. Por que, como dizemos, se a Igreja Católica der seu espírito para o mundo, será muito difícil aos outros critãos resistir contra a Igreja.



17 de out. de 2015

Sou trigo de Deus e serei moído pelos dentes das feras

Tenho escrito a todas as Igrejas e a todas elas faço saber que moro por Deus com alegria, desde que vós não me impeçais. Suplico-vos: não demonstreis por mim uma benevolência inoportuna. Deixai-me ser alimento das feras; por elas pode-se alcançar a Deus. Sou trigo de Deus, serei triturado pelos dentes das feras para tornar-me o puro pão de Cristo. Rogai a Cristo por mim, para que por este meio me torne sacrifício para Deus. 

Nem as delícias do mundo nem os reinos terrestres são vantagens para mim. Mais me aproveita morrer em Cristo Jesus do que imperar até os confins da terra. Procuro-o, a ele que morreu por nós; quero-o, a ele que por nossa causa ressuscitou. Meu nascimento está iminente. Perdoai-me, irmãos! Não me impeçais de viver, não desejeis que eu morra, eu, que tanto desejo ser de Deus. Não me entregueis ao mundo nem me fascineis com o que é material. Deixai-me contemplar a luz pura; quando lá chegar, serei homem. Concedei-me ser imitador da paixão de meu Deus. Se alguém o possui no coração, entenderá o que quero e terá compaixão de mim, sabendo quais os meus impedimentos. 

O príncipe deste mundo deseja arrebatar-me e corromper meu amor para com Deus. Nenhum de vós, aí presentes, o ajude! Ponde-vos de meu lado, ou melhor, do lado de Deus. Não podeis dizer o nome de Jesus Cristo, enquanto cobiçais o mundo. Que a inveja não more em vós! Mesmo que eu em pessoa vos rogue, não me acrediteis; crede antes no que vos escrevo, desejando morrer. Meu amor está crucificado, a matéria não me inflama, porque uma água viva e murmurante dentro de mim me diz em segredo: “Vem para o Pai”. Não sinto prazer com o alimento corruptível nem com os prazeres deste mundo. Quero o pão de Deus, a carne de Jesus Cristo, que nasceu da linhagem de Davi; e quero a bebida, o seu sangue, que é a caridade incorruptível. 

Não quero mais viver segundo os homens. Isto acontecerá se vós quiserdes. Rogo-vos que o queirais para alcançardes também vós a misericórdia. Com poucas palavras dirijo-me a vós; acreditai em mim! Jesus Cristo vos manifestará que digo a verdade; ele, a boca verdadeira pela qual o Pai verdadeiramente falou. Pedi vós por mim, para que o consiga. Não por motivos carnais, mas segundo a vontade de Deus vos escrevi. Se for martirizado, vós me quisestes bem; se rejeitado, vós me odiastes.

-- Da Carta aos Romanos, Santo Inácio de Antioquia, bispo e mártir (século I)

14 de out. de 2015

A luz que ilumina todo ser humano

A lâmpada posta sobre o candelabro é a paterna e verdadeira luz que ilumina todo ser humano que vem ao mundo (cf. Jo 1,9), nosso Senhor Jesus Cristo. Por ser um de nós e ter assumido nossa carne, tornou-se e foi chamado lâmpada. Isto é, a sabedoria e a palavra do Pai por natureza, que na Igreja de Deus é pregada com fé pura e, pela vida orientada pela virtude e observância dos mandamentos, é erguida e resplandece entre as nações. Ilumina a todos que estão em casa (a saber, neste mundo), conforme a mesma Palavra de Deus em certo trecho: Ninguém acende uma lâmpada e a põe sob uma vasilha, mas sobre o candelabro. E iluminará a todos que estão em casa (Mt 5,15), dando a si mesmo claramente o nome de lâmpada, porquanto, sendo Deus por natureza, fez-se homem segundo o desígnio divino.  

Parece-me que também o grande Davi, compreendendo isto, diz ser o Senhor uma lâmpada, ao dizer: Lâmpada para meus pés, a tua lei é luz para meus caminhos (Sl 118,105). Meu Salvador e Deus é tão luminoso que dissipa as trevas da ignorância e do vício. Também por isto a Escritura o designa como lâmpada.  

Na verdade só ele, qual lâmpada, desfaz a escuridão da ignorância, repele o negrume da maldade e do vício. Por este motivo fez-se o caminho de salvação para todos. Pelo poder e a ciência conduz ao Pai aqueles que estão resolvidos a nele caminhar, como pela via da justiça, nos divinos mandamentos. Por candelabro entende-se a santa Igreja, onde a palavra de Deus refulge pela pregação diante de todos quantos habitam neste mundo como em uma casa, ilumina com o esplendor da verdade e os espíritos ficam repletos da ciência divina.  

A palavra não se sujeita a ser posta sob uma vasilha, ela que se destina a ser colocada no mais alto cume e na imensa beleza da Igreja. Enquanto a palavra se acha presa à letra da lei, como sob uma vasilha, todos se privam da luz eterna. Não seria fonte de contemplação espiritual para aqueles que procuram libertar-se da sedução enganadora dos sentidos que nos inclinam a captar somente as coisas passageiras e materiais. Mas é colocada no candelabro da Igreja, a fim de iluminar a todos pela adoração em espírito e verdade.  

Se a letra não é interpretada segundo o seu espírito, não tem senão o valor material de sua expressão, e não permite que a alma chegue a compreender o sentido do que está escrito.  

Por conseguinte, tendo acendido a lâmpada (quer dizer, o sentido que acende a luz da ciência) pelo ato da contemplação e da ação, não a ponhamos sob uma vasilha. E também não sejamos acusados de falta por comprimir na letra o indizível poder da sabedoria.Mas sim sobre o candelabro (a santa Igreja) para que,do alto vértice da verdadeira contemplação, estenda a todos o facho da divina doutrina.

-- Das Respostas a Talásio, de São Máximo Confessor, abade (século VI)

10 de out. de 2015

28º Domingo do Tempo Comum - 11/10/2015

Mc 10,17-30

Naquele tempo, 17quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele e perguntou: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?”
18Jesus disse: “Por que me chamas de bom? Só Deus é bom, e mais ninguém. 19Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe”.
20Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude”.
21Jesus olhou para ele com amor, e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!”
22Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico.
23Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!”
24Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo: “Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! 25É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!”
26Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: “Então, quem pode ser salvo?”
27Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível”.
28Pedro então começou a dizer-lhe: “Eis que nós deixamos tudo e te seguimos”.
29Respondeu Jesus: “Em verdade vos digo, quem tiver deixado casa, irmãos, irmãs, mãe, pai, filhos, campos, por causa de mim e do Evangelho, 30receberá cem vezes mais agora, durante esta vida — casa, irmãos, irmãs, mães, filhos e campos, com perseguições — e, no mundo futuro, a vida eterna.
Comentário:
Para aqueles que querem anunciar o Evangelho e seguir a Cristo por todo lado, ele pede homens livres de compromissos, que renunciem radicalmente às preocupações cotidianas com dinheiro, família e trabalho. Esta é uma mudança importante do entendimento judaico tradicional que via as riquezas como uma benção de Deus e a pobreza como sinal de afastamento. 
Leituras Relacionadas
Antigo Testamento
Livros Históricos
  • Exodo  20,12-16
  • Deuteronomio 5, 16-20
  • 1 Reis 3, 6-13
Livros Sapienciais e Proféticos
  • Salmos 89
  • Sabedoria 7, 7-11
Evangelhos
  • Mateus 19, 15-22
  • Lucas 18, 15-22
  • Mateus 10, 40
Cartas

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