1. Este ensinamento do
bem-aventurado Paulo foi estabelecido como suficiente para vos
assegurar acerca dos divinos mistérios, dos quais tendo sido
julgados dignos, vos tornastes concorpóreos e consangüíneos com
Cristo. O próprio Paulo proclama precisamente: Na noite em que
foi entregue, Nosso Senhor Jesus Cristo, tomando o pão e depois de
ter dado graças, partiu-o e o deu a seus discípulos, dizendo:
Tomai, comei, isto é o meu corpo. E tomando o cálice e tendo dado
graças, disse: Tomai, bebei, isto é o meu sangue (Mt 26,26).
2. Se ele em pessoa
declarou e disse do pão: Isto é o meu corpo, quem se atreveria
a duvidar doravante? E quando ele afirma categoricamente e diz: Isto
é o meu sangue, quem duvidaria dizendo não ser seu sangue?
Outrora, em Caná da Galiléia, por própria autoridade, transformou
a água em vinho. Não será digno de fé quando transforma o vinho
em sangue? Convidado às bodas corporais, realizou, este milagre
maravilhoso. Aos companheiros do esposo não se concederá, com muito
mais razão, a alegria de desfrutar do seu corpo e sangue?
3. Portanto, com toda
certeza recebemo-los como corpo e sangue de Cristo. Em forma de pão
te é dado o corpo, e em forma de vinho o sangue, para que te tornes,
tomando o corpo e o sangue de Cristo, concorpóreo e consangüíneo
com Cristo. Assim nos tornamos portadores de Cristo (cristóforos),
sendo nossos membros penetrados por seu corpo e sangue. Desse modo,
como diz o bem-aventurado Pedro, «tornamo-nos participes da natureza
divina».
4. Falando, outrora, aos
judeus Cristo dizia: Se não comerdes minha carne e não beberdes
meu sangue, não tereis a vida em vós (Jo 6,53). Como não entendessem
espiritualmente o que era dito, escandalizados, se retiraram,
imaginando que o Salvador os incitava a comer carne humana.
5. Também no Antigo
Testamento havia pães de proposição. Mas esses pães, por
pertencerem à antiga aliança, tiveram fim. Na nova aliança o pão
celeste e o cálice de salvação santificam a alma e o corpo. Pois,
como o pão se adequa ao corpo, assim o Verbo se harmoniza com a
alma.
6. Não consideres,
portanto, o pão e o vinho como simples elementos. São, conforme a
afirmação do Mestre, corpo e sangue. Se os sentidos isto te
sugerem, a fé te confirma. Não julgues o que se propõe segundo o
gosto, mas pela fé tem firme certeza de que foste julgado digno do
corpo e sangue de Cristo.
7. O bem-aventurado Davi
te anuncia a força [deste mistério] dizendo: Preparaste para mim
a mesa à vista de meus inimigos (Sl 22, 5). Com isso ele quer dizer: Antes de
tua vinda os demônios preparavam para os homens uma mesa contaminada
e manchada, cheia de poder diabólico. Mas depois de tua vinda, ó
Senhor, tu preparaste diante de mim uma mesa. Quando o homem diz a
Deus: Tu preparaste diante de mim uma mesa , que outra coisa quer
ele insinuar, senão a mística e espiritual mesa, que Deus nos
preparou em oposição ao adversário, isto é, em oposição ao
demônio? Sim, é isso mesmo. Pois a primeira mesa tinha comunhão
com os demônios, essa, ao contrário, comunhão com Deus. Ungiste
de óleo minha cabeça (Sl 23, 5). Com o óleo te ungiu a cabeça, sobre a
fronte, pelo sinal que tens de Deus, a fim de que te tornes
assinalado santo de Deus. E teu cálice inebria-me como o melhor (Sl 23,5).
Vês aqui mencionado o cálice que Jesus tomou em suas mãos e sobre
o qual rendeu graças dizendo: Este é o meu sangue, que é
derramado por todos, em remissão dos pecados (Mc 14,24-25).
8. Por isso também
Salomão, aludindo a essa graça, disse: Vem, come teu pão na
alegria (Ecle 9,7), o pão espiritual. Vem designa o apelo salutar e que
faz bem-aventurado. E bebe, de bom coração, teu vinho (Ecle 9,7), o vinho
espiritual. Derrama o óleo sobre tua cabeça (vês aqui mais uma
alusão à unção mística?) Traja sempre vestes brancas, já que
Deus sempre favorece as tuas obras (Ecle 9,8). Pois agora Deus se agradou de
tuas obras. Antes de te aproximares da graça eram tuas obras vaidade das vaidades. Todavia agora, tendo despido as velhas
vestes e revestido espiritualmente a veste branca, é necessário
estar sempre vestido de branco. Não dizemos isso absolutamente
porque é preciso estar trajado de branco, mas porque deves, em
realidade, revestir a veste branca, brilhante e espiritual, a fim de
dizeres com o bem-aventurado Isaías: Com grande alegria me
rejubilei no Senhor, porque me fez revestir a vestimenta da salvação
e me cobriu com a túnica da alegria (Is 61,10).
9. Tendo aprendido e
estando seguro de que o que parece pão não é pão, ainda que
pareça pelo gosto, mas o corpo de Cristo, e o que parece vinho não
é vinho, mesmo que o gosto o queira, mas o sangue de Cristo e
porque sobre isto dizia vibrando Davi: O pão fortalece o coração
do homem, para que no óleo se regozije o semblante (Sl 104,15) fortalece o
teu coração, tomando este pão como espiritual e regozije-se o
semblante de tua alma. Oxalá, tendo a face descoberta, em
consciência pura, contempleis a glória do Senhor, para ir de glória
em glória, em Cristo Jesus Senhor Nosso, a quem a glória pelos
séculos dos séculos. Amém.
-- Quarta Catequese Mistagógica aos Recém-iluminados, de São Cirilo de Jerusalém (século IV)
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