29 de nov. de 2011

Os dons da profecia e línguas


São Jerônimo prestou grande serviço
a Igreja quando trduziu a Bíblia do
grego para o latim.
1a. Carta aos Coríntios: 14,5-12
Por exemplos, já das flautas, já dos homens, ensina que a profecia sobrepuja ao dom de línguas.
5. Desejo que faleis todos em línguas; prefiro, contudo, que profetizeis. Pois o que profetiza supera ao que fala em línguas, a não ser que este também interprete, para que a assembléia toda receba edificação.
6. E agora, irmãos, suponhamos que eu vá até vós falando-lhes em línguas: Em que lhes aproveitaria eu se minha palavra não vos traz nem revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento?
7. Assim sucede com as coisas inanimadas que dão vozes tais como a flauta ou a cítara. Si não dão distintamente os sons, como se conhecerá o que toca a flauta ou a cítara?
8. E se a trombeta não dá senão um som confuso, quem se preparará para a batalha?
9. Assim também vós: se ao falar não pronunciais palavras inteligíveis, como se entenderá 10. Há no mundo não sei quantas variedades de línguas, e nenhuma carece de sentido.
10. Há no mundo não sei quantas variedades de línguas, e nenhuma carece de sentido.
11. Mas se eu desconheço o valor dos sons, serei um bárbaro para o que me fala; e o que me fala, um bárbaro para mim.
12. Assim, pois, já que aspirais aos dons espirituais, procurai abundar neles para edificação da assembléia. O que dizes? É como se falásseis ao vento.
Aqui o Apóstolo rechaça a objeção ao falso entendimento que pudesse haver acerca do que previamente explicamos: com efeito, alguns poderiam crer que por preferir o Apóstolo a profecia ao dom de línguas deveria desdenhar-se o dom de línguas. Pelo qual, para excluir tal coisa, disse:Desejo que faleis,  etc.
Donde primeiramente se vê o que trata de insinuar; e logo dá a razão dele: O que profetiza supera... a não ser que, etc. Assim é que disse: Os digo, não obstante o que já disse acima, que não desejo que desdenheis o dom de línguas, pois quero que todos vós faleis em línguas; mas desejo que profetizeis. Quem me dera que todo o povo de Yawhé profetizasse. . ? (Ez 1,29) E o explica dizendo: mas supera, etc., como se dissera: desejo que mais bem profetizeis, porque o que profetiza supera, etc. E a razão disto é que às vezes alguns são movidos pelo Espírito Santo a falar algo místico que eles mesmos não entendem; e é assim como estes tem o dom de línguas. Mas às vezes não só falam em línguas senão que ademais interpretam o que dizem. Pelo qual adiciona o Apóstolo: A não ser que este também interprete. Porque o dom de línguas com sua interpretação é melhor que só a profecia; porque, como já se disse, a interpretação de algo elevado pertence à profecia. Assim é que quem fala e interpreta é profeta, pois tem tanto o dom de línguas como o da interpretação para edificação da Igreja de Deus; pelo qual disse o Apóstolo: para que toda assembléia receba edificação, ou seja, que não sozinho se entenda senão que também edifique a Igreja: Procuremos o que seja para mútua edificação (Rm 14,19). E: Que cada um agrade bem ao seu próximo para sua edificação (Rm 15,2).

E agora, irmãos, etc. Aqui prova com exemplos, e de três classes, que o dom da profecia supera o dom de línguas.
Primeiro com um exemplo tomado de si mesmo; logo mediante um tomado das coisas inanimadas: Assim sucede com os instrumentos inanimados, etc.; e por último com um tomado da diversidade de línguas dos homens: Há no mundo não sei quantas variedades de línguas, etc.
Enquanto a ele mesmo, argumenta desta maneira: É patente que eu não possuo menos que vós o dom de línguas; mas se somente lhes falar em línguas, sem interpretá-las, de nada aproveitariam. Logo tampouco vos aproveitais mutuamente. O disse com estas palavras: Suponhamos que eu vá até vós falando em línguas. O qual pode entender-se de duas maneiras, isto é, ou em línguas desconhecidas, ou a letra com qualquer sinais não entendidos. Em que vos aproveitaria se minha palavra não traz nem revelação? etc. E aqui devemos observar que estas quatro coisas, a saber, nem revelação, nem ciência, nem profecia, nem ensinamento, podem diferenciar-se de duas maneiras.
De um modo segundo o poder de quem seja. Pois devemos saber que a ilustração da mente mediante o conhecimento é de quatro coisas, porque o é das coisas divinas, e tal ilustração pertence ao dom de sabedoria. Mas o conhecimento das coisas divinas é a revelação, porque as coisas que são de Deus nada se conhece, etc. Pelo qual disse o Apóstolo nem revelação, pela qual é iluminada a mente para conhecer as coisas divinas.
Ou o conhecimento é de coisas terrenas, mas não de qualquer for, senão só das que são para edificação da fé, e tal conhecimento pertence ao dom da ciência, pelo qual disse: nem ciência, não de geometria, nem de astrologia, porque estas não tem a ver com a edificação da fé, senão a ciência das coisas santas. Lhe deu a ciência das coisas santas (Sb 10,10). Ou é conhecimento de coisas futuras, e este pertence ao dom da profecia, pelo qual disse: nem profecia. Interpreta-lhes sinais e os prodígios antes que ocorram, e a sucessão dos tempos e dos sinais (Sb 8,8). Mas é de notar-se que aqui não se toma a profecia em sentido geral, ou seja, conforme ao que se foi dito, senão de maneira particular tão somente enquanto é a manifestação de coisas futuras. E enquanto a isto define assim Cassiodoro: A profecia é a divina inspiração de coisas futuras para declarar a imutável verdade. Quero derramar minha doutrina como profecia (Sl 24,46). Ou é de ordem da moral, no qual pertence a instrução ou doutrina, pelo qual disse o Apóstolo m Romanos (Rm 12,7) e no Livro dos Provébios (Pr 13,15).
De outro modo podem-se distinguir as diversas maneiras de adquirir o conhecimento. Com efeito, é de saber-se que todo conhecimento ou provém de um princípio sobrenatural, isto é, de Deus, ou de um natural, ou seja, da luz natural de nosso entendimento. Mas o primeiro pode ser de duas maneiras: ou infundindo-se a luz divina por súbita apreeensão, e assim teremos a revelação; ou se infunde sucessivamente, e assim é a profecia, pois não a tiveram subitamente os profetas, senão sucessivamente e por partes, como mostram suas profecias.
Mas se a instrução se adquire mediante um princípio natural, isto ocorre ou mediante estudo próprio, e assim pertenece a ciência; ou se recebe de outro, e assim pertence a doutrina. E assim sucede com coisas inanimadas, etc. Isto mesmo se mostra com exemplos tomados de coisas inanimadas, isto é, de instrumentos que parecem ter voz. E primeiramente por instrumentos de gozo; e em segundo por instrumentos de combate: E se a trombeta não dá senão um sonido, etc. Pois disse: não só pelo que já foi dito acima, senão também porquanto há coisas que carecendo de alma dão sons, é evidente que somente falar em línguas não aproveita aos demais. E assim sucede com coisas inanimadas que dão sons. Pelo contrário, a voz é um sonido que sai de uma boca animal, formado por órgãos naturais. Assim é que as coisas que carecem de alma não dão vozes.
Devemos dizer que ainda quando a voz não pertence senão a animais, contudo, se pode dizer, por certa semelhança, de certos instrumentos que tem certa consonância e melodia, pelo que faz menção deles, isto é da cítara, que ao tato dá sons, e da flauta, soprando. Portanto, se estas coisas dão sons confusos como se entenderão?
Com efeito, sendo que o homem mediante instrumentos deseja expressar algo, isto é, com algumas melodias, que se ordenam ou ao pranto ou ao gozo, Vós cantareis como na noite em que celebra a festa, com alegria de coração, como que ao som da flauta vai entrar no monte de Yahwéh, (Is 30,29), ou também a sensualidade, não se poderia julgar com que finalidade se toca a flauta, ou com qual a cítara, se o som é confuso e obscuro.
Da mesma maneira, se o homem fala em línguas, e não as interpreta, é impossível saber o que quer dizer. Se não dá senão um som confuso, etc. Isso mesmo se vê pelos exemplos das coisas inanimadas, e dos instrumentos próprios para o combate. E esta semelhança se toma do capítulo 10 do livro dos Números. Ali se lê que o Senhor ordenou a Moisés que fizesse duas trombetas de prata para convocar o povo, para pôr em movimento os acampamentos e para o combate. Mas para cada uma destas finalidades teriam certo modo de tocar, pois de uma maneira era a voz para juntar-se na assembléia, outra era para mover o campamento, e outra quando lutavam. Pelo qual argumenta o Apóstolo que assim como se a trombeta não dá senão um som confuso, isto é, ininteligível, não se sabe se devem preparar para a guerra, assim também vós, se falais somente em línguas, sem uma clara exposição que interprete o dito, nada saberá do que é dito. Por trombeta se pode entender que se trata do pregador. Como trombeta clama a voz no grito (Is 58,1).
Porque não se pode saber o que se diz é que falareis ao vento, ou seja, inútilmente. E exerço o pugilismo não como dando golpes no vazio (1Cor 9,26). Há no mundo não sei quantas variedades de línguas. Aqui toma o exemplo das diversas línguas que se falam. E acerca disto procede de três maneiras.
Primeiro mostra a diversidade das línguas; logo, a inutilidade de falar-se mutuamente em línguas estranhas: Mas se desconheço o valor dos sons; e finalmente conclui com o que deseja: Assim pois, já que aspiramos aos dons espirituais.
Com efeito, primeiramente disse: Muitas e diversas línguas há no mundo, e cada quem pode falar a que queira; mas se não fala uma determinada, não se entende. Pelo qual disse: há não sei quantas variedades. Pode-se expor isto de duas maneras, porque pode continuar com o que precede, de modo que diga: Falareis ao vento; e há não sei quantas variedades, como se dissera: ao vento, isto é, inutilmente falais em todas as línguas, porque falais sem entende-las, não obstante que para serem entendidas tem as significações próprias das vozes. Pois nada carece de voz.

Ou se pode pensar desta maneira: É como se falásseis ao vento. Pois tantos são os gêneros de línguas, isto é, de cada língua. Com isto mostra sua inutilidade. O disse com estas palabras: Se falasse todas as línguas. Mas se desconheço o valor dos sons, ou seja, a significação das vozes, serei um bárbaro para meu interlocutor.
Observe-se que segundo alguns são bárbaros aqueles cujo idioma discorda totalmente do latino. Embora outros dizem que todo estranho ou estrangeiro é um bárbaro para qualquer outro estranho quando não é entendido por ele. Mas isto não é assim, porque segundo Isidoro, a Barbaria é uma certa nação. Em Cristo não há bárbaro nem escravo, (Cl. 3,2). Mas, segundo mais verdadeiramente se disse, bárbaros são propriamente aqueles que gozam de vigor corporal sendo deficientes no vigor da razão, e estão como na margem das leis e sem regime jurídico. E isto concorda com o que Aristóteles disse em sua Política. Consequentemente, quando o Apóstolo disse: assim como conclui o que pretende, isto se pode construir de duas maneiras. Primeiramente para certificar como se dissera: Tão bárbaro seria eu para vós se falasse sem significação nem interpretação, como bárbaros serieis vós mutuamente; logo aspiráis aos dons espirituais.
Ou de outro modo, dizendo-se tudo com claridade, como se dissera: Não sejais, pois, bárbaros; senão que, tal como eu procedo, posto que estais ansiosos das coisas do espirito, isto é, dos dons do Espírito Santo, pedí-los a Deus, para que abundeis. Na abundante justiça está a virtude máxima (Pr 15,5). Na qual justiça é edificar aos demais. Pedi e vos será dado; buscais e achareis; batei e vos será aberto (Mt 7,7).
-- Dos Comentários a Primeira Epístola aos Coríntios, de São Tomás de Aquino (século XIII)

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