17 de nov. de 2011

A Celebração do Batismo


1 Úteis vos são as cotidianas mistagogias e os novos ensinamentos que vos anunciam novas realidades, e isto tanto mais a vós que fostes renovados do passado para a novidade. Por isso é necessário que vos proponha o que se segue à instrução mistagógica de ontem, a fim de que compreendais a significação simbólica do que foi realizado por vós no interior do edifício.

2 Logo que entrastes, despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do velho homem com suas obras. Despidos, estáveis nus, imitando também nisso a Cristo nu sobre a cruz. Por sua nudez despojou os principados e as potestades e no lenho triunfou corajosamente sobre eles. As forças inimigas habitavam em vossos membros. Agora já não vos é permitido trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma, uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-la, mas possa dizer com a esposa de Cristo, no Cântico dos Cânticos: «Tirei minha túnica, como irei revesti-la?». Ó maravilha, estáveis nus à vista de todos e não vos envergonhastes. Em verdade éreis imagem do primeiro homem Adão, que no paraíso andava nu e não se envergonhava.

3 Depois de despidos, fostes ungidos com óleo desde o alto da cabeça até os pés. Assim, vos tornastes participantes da oliveira cultivada, Jesus Cristo. Cortados da oliveira bravia, fostes enxertados na oliveira cultivada e vos tornastes participantes da abundância da verdadeira oliveira. O óleo era símbolo, pois, da participação da riqueza de Cristo. Afugenta toda presença das forças adversas. Como a insuflação dos santos e a invocação do nome de Deus, qual chama impetuosa, queima e expele os demônios, assim este óleo recebe, pela invocação de Deus e pela prece, uma tal força que, queimando, não só apaga os vestígios dos pecados, mas ainda põe em fuga as forças invisíveis do maligno.

4 Depois disto fostes conduzidos pela mão à santa piscina do divino batismo, como Cristo da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi perguntado se cria no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E fizestes a profissão de fé, e fostes imersos três vezes na água e em seguida emergistes, significando também com isto, simbolicamente, o sepultamento de três dias de Cristo. E assim como nosso Salvador passou três dias e três noites no coração da terra, do mesmo modo vós, com a primeira imersão, imitastes o primeiro dia de Cristo na terra, e com a imersão, a noite. Como aquele que está na noite nada enxerga e ao contrário o que está no dia tudo enxerga na luz, assim vós na imersão, como na noite, nada enxergastes; mas na emersão, de novo vos encontrastes no dia. E no mesmo momento morrestes e nascestes. Esta água salutar tanto foi vosso sepulcro como vossa mãe. E o que Salomão disse em outras circunstâncias, sem dúvida, pode ser adaptado a vós: Há tempo para nascer, e tempo para morrer (Ecle 3,2). Mas para vós foi o inverso: tempo para morrer, e tempo para nascer. Um só tempo produziu ambos os efeitos e o vosso nascimento ocorre com vossa morte.

5 Oh! fato estranho e paradoxal! Não morremos em verdade, não fomos sepultados em verdade, não fomos crucificados e ressuscitados em verdade. A imitação é uma imagem; a salvação, uma verdade. Cristo foi crucificado, sepultado e verdadeiramente ressuscitou. Todas estas coisas nos foram agraciadas a fim de que, participando, por imitação, de seus sofrimentos, em verdade logremos a salvação. Oh! amor sem medida! Cristo recebeu em suas mãos imaculadas os pregos e padeceu, e a mim, sem sofrimento e sem pena, concede graciosamente por esta participação a salvação.

6 Ninguém, pois, creia que o batismo só obtém a remissão dos pecados, como o batismo de João só conferia o perdão dos pecados. Também nos concede a graça da adoção de filhos. Mas nós sabemos, com precisão, que como é purificação dos pecados e prodigalizador do dom do Espírito Santo, é também figura da Paixão de Cristo. Por isso clama a propósito Paulo, dizendo: Ou ignorais que todos nós, que fomos batizados para Cristo Jesus, fomos batizados para [participar da] sua morte? Com ele fomos sepultados pelo batismo (Rm 6,3). Talvez dissesse estas coisas por causa de alguns, dispostos a ver o batismo como prodigalizador da remissão dos pecados e da adoção, mas não como participação, por imitação, dos verdadeiros sofrimentos de Cristo.

7 Para que aprendêssemos que tudo o que Cristo tomou sobre si foi por nós e pela nossa salvação, tudo sofrendo em verdade e não em aparência e para que nos tornássemos participantes dos seus sofrimentos, exclamava veementemente Paulo: Se fomos plantados com [Ele] pela semelhança de sua morte, também o seremos pela semelhança de sua ressurreição (Rm 6,5). Boa é a expressão «plantados com Ele». Logo que foi plantada a verdadeira vida, nós também pela participação do batismo da sua morte «fomos plantados». Fixa a mente com toda a atenção nas palavras do Apóstolo. Não disse: Fomos plantados com Ele pela morte, mas, pela semelhança da morte. Deveras, houve em Cristo uma morte real, pois a alma se separou do corpo. Houve verdadeiramente sepultamento, pois seu corpo sagrado foi envolvido em lençol limpo e foi verdadeiro tudo o que nele ocorreu. Para nós há a semelhança da morte e dos sofrimentos. Quando se trata da salvação, porém, não é semelhança e sim realidade.

8 Todas estas coisas foram ensinadas suficientemente: retende tudo em vossa memória, rogo-vos, para que eu, ainda que indigno, possa dizer-vos: "Amo-vos porque sempre vos lembrais de mim e conservais as tradições que vos transmiti". Ademais, poderoso é Deus que de mortos vos fez vivos, para conceder-vos que andeis em novidade de vida. A Ele a glória e o poder, agora e pelos séculos. Amém.

-- Segunda Catequese Mistagógica aos Recém-iluminados, de São Cirilo de Jerusalém (século IV)

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