1 Úteis vos são as
cotidianas mistagogias e os novos ensinamentos que vos anunciam novas
realidades, e isto tanto mais a vós que fostes renovados do passado para a novidade. Por isso é necessário que vos proponha o que se
segue à instrução mistagógica de ontem, a fim de que compreendais
a significação simbólica do que foi realizado por vós no interior
do edifício.
2 Logo que entrastes,
despistes a túnica. E isto era imagem do despojamento do velho homem
com suas obras. Despidos, estáveis nus, imitando também nisso a
Cristo nu sobre a cruz. Por sua nudez despojou os principados e as
potestades e no lenho triunfou corajosamente sobre eles. As forças
inimigas habitavam em vossos membros. Agora já não vos é permitido
trazer aquela velha túnica, digo, não esta túnica visível, mas o
homem velho corrompido pelas concupiscências falazes. Oxalá a alma,
uma vez despojada dele, jamais torne a vesti-la, mas possa dizer com
a esposa de Cristo, no Cântico dos Cânticos: «Tirei minha túnica,
como irei revesti-la?». Ó maravilha, estáveis nus à vista de
todos e não vos envergonhastes. Em verdade éreis imagem do primeiro
homem Adão, que no paraíso andava nu e não se envergonhava.
3 Depois de despidos,
fostes ungidos com óleo desde o alto da cabeça até os
pés. Assim, vos tornastes participantes da oliveira cultivada, Jesus
Cristo. Cortados da oliveira bravia, fostes enxertados na
oliveira cultivada e vos tornastes participantes da abundância da
verdadeira oliveira. O óleo era símbolo, pois, da
participação da riqueza de Cristo. Afugenta toda presença das
forças adversas. Como a insuflação dos santos e a invocação do
nome de Deus, qual chama impetuosa, queima e expele os demônios,
assim este óleo recebe, pela invocação de Deus e pela
prece, uma tal força que, queimando, não só apaga os vestígios
dos pecados, mas ainda põe em fuga as forças invisíveis do
maligno.
4 Depois disto fostes
conduzidos pela mão à santa piscina do divino batismo, como Cristo
da cruz ao sepulcro que está à vossa frente. E cada qual foi
perguntado se cria no nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. E
fizestes a profissão de fé, e fostes imersos três vezes na água
e em seguida emergistes, significando também com isto,
simbolicamente, o sepultamento de três dias de Cristo. E assim como
nosso Salvador passou três dias e três noites no coração da terra, do mesmo modo vós, com a primeira imersão, imitastes o primeiro
dia de Cristo na terra, e com a imersão, a noite. Como aquele que
está na noite nada enxerga e ao contrário o que está no dia tudo
enxerga na luz, assim vós na imersão, como na noite, nada
enxergastes; mas na emersão, de novo vos encontrastes no dia. E no
mesmo momento morrestes e nascestes. Esta água salutar tanto foi
vosso sepulcro como vossa mãe. E o que Salomão disse em outras
circunstâncias, sem dúvida, pode ser adaptado a vós: Há tempo
para nascer, e tempo para morrer (Ecle 3,2). Mas para vós foi o inverso:
tempo para morrer, e tempo para nascer. Um só tempo produziu ambos
os efeitos e o vosso nascimento ocorre com vossa morte.
5 Oh! fato estranho e
paradoxal! Não morremos em verdade, não fomos sepultados em
verdade, não fomos crucificados e ressuscitados em verdade. A
imitação é uma imagem; a salvação, uma verdade. Cristo foi
crucificado, sepultado e verdadeiramente ressuscitou. Todas estas
coisas nos foram agraciadas a fim de que, participando, por imitação,
de seus sofrimentos, em verdade logremos a salvação. Oh! amor sem
medida! Cristo recebeu em suas mãos imaculadas os pregos e padeceu,
e a mim, sem sofrimento e sem pena, concede graciosamente por esta
participação a salvação.
6 Ninguém, pois, creia
que o batismo só obtém a remissão dos pecados, como o batismo de
João só conferia o perdão dos pecados. Também nos concede a graça
da adoção de filhos. Mas nós sabemos, com precisão, que como é
purificação dos pecados e prodigalizador do dom do Espírito Santo,
é também figura da Paixão de Cristo. Por isso clama a propósito
Paulo, dizendo: Ou ignorais que todos nós, que fomos batizados
para Cristo Jesus, fomos batizados para [participar da] sua morte?
Com ele fomos sepultados pelo batismo (Rm 6,3). Talvez dissesse estas coisas
por causa de alguns, dispostos a ver o batismo como prodigalizador da
remissão dos pecados e da adoção, mas não como participação,
por imitação, dos verdadeiros sofrimentos de Cristo.
7 Para que aprendêssemos
que tudo o que Cristo tomou sobre si foi por nós e pela nossa
salvação, tudo sofrendo em verdade e não em aparência e para que
nos tornássemos participantes dos seus sofrimentos, exclamava
veementemente Paulo: Se fomos plantados com [Ele] pela semelhança
de sua morte, também o seremos pela semelhança de sua
ressurreição (Rm 6,5). Boa é a expressão «plantados com Ele». Logo que
foi plantada a verdadeira vida, nós também pela participação do
batismo da sua morte «fomos plantados». Fixa a mente com toda a
atenção nas palavras do Apóstolo. Não disse: Fomos plantados com
Ele pela morte, mas, pela semelhança da morte. Deveras, houve em
Cristo uma morte real, pois a alma se separou do corpo. Houve
verdadeiramente sepultamento, pois seu corpo sagrado foi envolvido em
lençol limpo e foi verdadeiro tudo o que nele ocorreu. Para nós há
a semelhança da morte e dos sofrimentos. Quando se trata da
salvação, porém, não é semelhança e sim realidade.
8 Todas estas coisas
foram ensinadas suficientemente: retende tudo em vossa memória,
rogo-vos, para que eu, ainda que indigno, possa dizer-vos: "Amo-vos
porque sempre vos lembrais de mim e conservais as tradições que vos
transmiti". Ademais, poderoso é Deus que de mortos vos fez vivos,
para conceder-vos que andeis em novidade de vida. A Ele a glória e o
poder, agora e pelos séculos. Amém.
-- Segunda Catequese Mistagógica aos Recém-iluminados, de São Cirilo de Jerusalém (século IV)
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