15 de jun. de 2011

Cristo que a misericórdia

Deus entregou seu Filho, e tu nem sequer dás pão àquele que por ti foi entregue e morto.

O Pai, por teu amor, não poupou seu verdadeiro Filho; tu, ao contrário, vendo-o desfalecer de fome, não o socorres, mas te aproprias do que é dele só para teu próprio benefício.

Haverá maior iniqüidade? Por tua causa foi entregue, por tua causa morreu, por tua causa anda faminto. O que tu deres é dele e para teu lucro, mas nem assim lhe dás nada.

Não serão mais insensíveis que as pedras aqueles que, apossando-se de tantas coisas, permanecem na sua diabólica desumanidade? Não bastou Cristo sofrer a cruz e a morte, mas quis também ser pobre e peregrino, errante e nu, ser lançado na prisão e suportar o cansaço, tudo isso para te chamar.

Se não retribuis o que sofri por ti, compadece-te ao menos da minha pobreza. Se não queres compadecer-te da pobreza, comovam-te ao menos meus sofrimentos ou a prisão. Se nem estas coisas te inspiram sentimentos de humanidade, atende à insignificância do meu pedido. Não te peço nada de suntuoso, mas pão, teto e uma palavra de conforto.

Se depois disto permaneceres ainda flexível, decide tornar-te melhor ao menos por causa do reino dos céus, ao menos por causa do que prometi. Mas nenhuma destas coisas te convence?

Se te comoveres naturalmente ao ver um nu, lembra-te da nudez que sofri na cruz por tua causa. Se não aceitares aquele motivo, aceita pelo menos este: ainda estou pobre e nu.

Estive outrora preso por tua causa, e agora de novo, para que, movido por aqueles e estes grilhões tenhas por mim algum sentimento de compaixão. Jejuei por causa de ti e ainda passo fome por tua causa: tive sede quando estava suspenso na cruz e ainda tenho sede na pessoa dos pobres; a fim de que esta ou aquela razão possam atrair-te a mim e tornar-te misericordioso para tua salvação.

Rogo-te, pois, cumulado que foste por mil benefícios, que por tua vez me pagues. Não exijo como de um devedor, mas quero recompensar-te como a um doador. Pelo pouco que me deres te darei o reino.

Não te peço: “Põe fim à minha pobreza”; nem “Cumule-me de riquezas, embora seja por ti que esteja pobre”. Só te peço pão, roupa e esmola.

Se fui lançado na prisão, não te obrigo a me libertares e retirar-me as algemas. Peço somente que venhas visitar o que está preso por tua causa. Isto será bastante para que eu te dê o céu. Embora eu te haja libertado de pesadíssimos grilhões, dar-me-ei por satisfeito se vieres visitar-me em minha prisão.

Na realidade eu poderia, mesmo sem nada disso, dar-te o prêmio; mas quero ser teu devedor para que, com a coroa, te seja dado também meu afeto.

-- Das Homílias sobre a Carta aos Romanos, de São João Crisóstomo, bispo (século IV)
 

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