Quem
haverá, por mais irrefletido que seja, que, desejando fazer um pedido a uma
pessoa importante, não discuta consigo mesmo como lhe falará, de forma a lhe
agradar e não o aborrecer? Pensará também no que lhe irá pedir e para que
fim, sobretudo quando se trata de coisa tão importante, como a que nosso bom
Jesus nos ensina a pedir. Na minha opinião, é isso o mais fundamental.
Não
poderíeis, Senhor meu, englobar tudo numa palavra e dizer: “Dai-nos, ó Pai,
o que for conveniente e adequado?” Assim nada mais seria preciso dizer a
quem tudo conhece com perfeição.
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Tempestade no Mar da Galiléia, Rembrandt. |
Isto
na verdade, ó eterna Sabedoria, seria suficiente entre vós e vosso Pai, e
foi assim que orastes no Horto de Getsêmani. Vós lhe manifestastes vossa
vontade e temor, mas vos conformastes totalmente à sua vontade. Quanto a
nós, Senhor meu, sabeis não sermos tão conformados assim, como o fostes à
vontade do Pai. Por esta razão, cumpre pedir coisa por coisa. Deste modo,
refletiremos antes se nos convém o que pedimos. Em caso contrário, deixemos
de pedi-lo. De fato, somos assim: se não nos for concedido o que pedimos,
este nosso livre-arbítrio não aceitará o que o Senhor nos der. Porque,
embora seja o melhor quanto o Senhor nos der, se não vemos logo o dinheiro
na mão, nunca pensamos ser ricos. Por isso Jesus nos ensina a dizer as
palavras com que pedimos a vinda de seu reino:
Santificado seja o vosso nome, venha a nós o vosso reino.
Admirai, minhas filhas, a profunda sabedoria de nosso Mestre! Considero eu
aqui – e para nós é bom entender – o que pedimos com este reino. A majestade
de Deus via que não podíamos santificar ou glorificar como seria bom este
santo nome do Pai eterno, de acordo como pouquinho que podemos, a menos que
sua Majestade não providenciasse, dando-nos aqui o seu reino. Por isso o bom
Jesus pôs um pedido ao lado do outro. Para entendermos o que pedimos e
quanto interessa pedirmos, importuna e ardentemente, e, além disso, fazer
tudo que estiver a nosso alcance para satisfazer àquele que no-lo dará,
quero expor-vos aqui o que sobre isso compreendo.
O
supremo bem que me parece existir no reino dos céus é que já não se dá valor
às coisas da terra. Sendo assim, há um alegrar-se da alegria de todos, uma
paz perpétua, uma satisfação imensa em si mesmos por ver que todos
engrandecem ao Senhor e bendizem seu nome, sem ninguém mais o ofender com
seus pecados. Todos o amam e em seu coração não anseiam nada mais do que
amá-lo, nem podem deixar de amá-lo, porque o conhecem. É assim que o
deveríamos amar também aqui, embora não o possamos com toda esta perfeição e
em sua essência. Pelo menos, nós o amaríamos muito mais do que o amamos, se
melhor o conhecêssemos.
-- Do livro O Caminho da Perfeição, de Santa Teresa, virgem (século XVI)
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