No Evangelho, a palavra conversão aparece em dois contextos diferentes e é dirigida a dois tipos diferentes de ouvintes. O primeiro é dirigido a todos, o segundo àqueles que já aceitaram o seu convite e o acompanham há muito tempo. Referimo-nos ao primeiro apenas para compreender melhor o segundo, que é o que mais nos interessa, neste período de transição na vida da Renovação Carismática Católica. A pregação de Jesus começa com as palavras programáticas: “O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam na Boa Nova” (Marcos 1:15).
Antes de Jesus, conversão sempre significou “retornar” (o termo hebraico, shub, significa mudar de rumo, refazer os passos). Indicava o ato de alguém que, em determinado momento da vida, percebe que está “fora do caminho”. Então ele para, reconsidera, decide voltar a observar a lei e retornar à aliança com Deus. Ele faz uma “mudança de direção” genuína e verdadeira. A conversão, neste caso, tem um significado fundamentalmente moral e sugere a ideia de algo doloroso de se realizar: mudança de hábitos.
Este é o significado usual de conversão na boca dos profetas, até e incluindo João Batista. Mas nos lábios de Jesus esse significado muda. Não porque ele goste de mudar o significado das palavras, mas porque com sua chegada as coisas mudaram. “O tempo está cumprido, e o Reino de Deus está próximo!” Arrependimento não significa mais retornar à antiga aliança e à observância da lei, mas sim prosseguir e entrar no reino, alcançando a salvação que veio gratuitamente aos homens, pela livre e soberana iniciativa de Deus.
Conversão e salvação trocaram de lugar. Não primeiro a conversão e depois, como consequência disso, a salvação, mas, ao contrário: primeiro a salvação, depois, como uma exigência dela, a conversão. Não: convertam-se e o Reino virá entre vocês, o Messias virá, como diziam os últimos profetas, mas: convertam-se porque o Reino chegou, ele está entre vocês. Converter-se é tomar a decisão salvadora, a “decisão agora”, como a descrevem as parábolas do reino.
“Arrependei-vos e crede” não significa duas coisas diferentes e sucessivas, mas a mesma ação fundamental: arrependei-vos, isto é, crede! Converta-se crendo! Tudo isso requer uma verdadeira conversão, uma mudança profunda na maneira como entendemos nosso relacionamento com Deus. É preciso passar da ideia de um Deus que exige, que comanda, que ameaça, para a ideia de um Deus que estende as mãos cheias para nos dar tudo. É a conversão da lei à graça que São Paulo tanto apreciava.
Ouçamos agora o segundo contexto em que o Evangelho fala novamente de conversão:
“Naquele tempo, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: “Quem é, pois, o maior no Reino dos céus?” Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles e disse: “Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus” (Mt 18,1-4).
Desta vez, converter significa voltar para quando você era criança! O mesmo verbo usado, strefo, indica inverter a direção da viagem. Esta é a conversão de alguém que já entrou no Reino, creu no Evangelho e serviu a Cristo por muito tempo. É a nossa conversão, a de nós que estamos na Renovação Carismática há anos, talvez desde o início.
O que aconteceu com os apóstolos? O que implica o argumento sobre quem é o maior? Que a maior preocupação não é mais o reino, mas a posição de cada um nele, o próprio eu. Cada um deles tinha algum direito de aspirar a ser o maior: Pedro havia recebido a promessa da primazia, Judas a bolsa de dinheiro, Mateus podia dizer que havia renunciado a mais que os outros, André que havia sido o primeiro a segui-lo, e João que havia estado com ele no Tabor... Os frutos dessa situação são evidentes: rivalidade, suspeitas, confrontos, frustração.
Para os apóstolos, tornar-se crianças significava voltar a ser como eram no momento da chamada à beira do lago ou à coletoria de impostos: sem pretensões, sem direitos, sem conflitos entre si, sem inveja, sem rivalidade. Rico apenas de uma promessa (“Eu vos farei pescadores de homens”) e de uma presença, a de Jesus. Volte ao tempo em que eles ainda eram parceiros de aventura, não competidores pelo primeiro lugar. Para nós também, tornar-se crianças significa retornar ao momento em que tivemos pela primeira vez uma experiência pessoal do Espírito Santo e descobrimos o que significa viver no senhorio de Cristo. Quando dissemos: “Só Jesus basta!” e nós acreditamos.
Fico impressionado com o exemplo do apóstolo Paulo descrito em Filipenses 3. Tendo descoberto Jesus como seu Senhor, ele considera todo o seu passado glorioso como perda, como lixo, a fim de ganhar a Cristo e se vestir com a justiça que vem pela fé nele. Mas um pouco mais adiante, ele faz esta declaração: “Irmãos, não penso que já o tenha alcançado. Uma coisa faço: esqueço-me das coisas que ficaram para trás e avanço para as que estão diante de mim” (Fp 3:13). Que passado? Não mais a do fariseu, mas a do apóstolo. Ele sentiu o perigo de se ver com um novo ganho, uma nova justiça toda sua, derivada do que havia feito a serviço de Cristo. Ele anula tudo com esta decisão: “Eu esqueço o passado e salto para o futuro”.
Como não ver em tudo isso uma lição preciosa para nós na Renovação Carismática Católica? Um dos muitos slogans que circularam nos primeiros anos da Renovação – uma espécie de grito de guerra – era: “Devolvam o poder a Deus!” Talvez ele tenha se inspirado no versículo do Salmo 68:35, “Reconhecei o poder de Deus”, que na Vulgata foi traduzido como “Restaurai (reddite) o poder de Deus”. Durante muito tempo considerei essas palavras como a melhor maneira de descrever a novidade da Renovação Carismática. A diferença é que durante um tempo pensei que o clamor era dirigido ao resto da Igreja e que éramos nós os responsáveis por fazê-lo ressoar; Agora, creio que isso é dirigido a nós que, talvez sem perceber, nos apropriamos parcialmente do poder que pertence a Deus.
Em vista de um novo começo do fluxo de graça da Renovação Carismática, é necessário esvaziar os bolsos, começar do zero, repetir com profunda convicção as palavras sugeridas pelo próprio Jesus: “Somos servos inúteis; fizemos o que fomos chamados a fazer” (Lc 17,10). Façamos nosso o propósito do Apóstolo: "Esqueço-me das coisas que ficam para trás e avanço para as que estão à frente". Imitemos os vinte e quatro anciãos do Apocalipse, que "lançaram as suas coroas diante do trono, dizendo: Tu és digno, Senhor e Deus nosso, de receber a glória, a honra e o poder" (Ap 4, 10-11).
A palavra de Deus a Isaías continua relevante: "Pois eis que eu o renovo; ele já está a caminho; você não o reconhece?" (Is 43, 19). Bem-aventurados seremos se permitirmos que Deus renove o que Ele tem em mente neste momento para nós e para a Igreja.
Minha sugestão para a corrente de oração: repita várias vezes ao dia uma das invocações dirigidas ao Espírito Santo na sequência de Pentecostes, aquela que cada um sentir que melhor responde à sua necessidade:
Regar a terra na seca,
cura o coração doente,
lava manchas, infunde
calor da vida no gelo,
domar o espírito indomável,
guia para aquele que entorta o caminho
-- Padre Raniero Cantalamessa O.F.M Cap.
-- A imagem é o quadra A Conversão de São Paulo, de Caravaggio
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