5 de dez. de 2011

A profecia é mais excelente que as línguas


Tanto na oração privada como na pública se vê que a profecia é mais excelente que as línguas.
 São Paulo Apóstolo

13. Portanto, o que fala em línguas peça o dom de interpretar.
14. Porque se oro em línguas, minha respiração ora, mas minha mente fica sem fruto.
15. Então que fazer? Orarei com a boca, mas orarei também com a mente. Salmodiarei com a boca, mas salmodiarei também com a mente.
16. Porque se não dá graças senão com palavras que exalas, quem suprirá aos simples? Como dirão amém a tu ação de graças se não sabem o que dizes?
17. Porque tu, certamente, bem que das graças, porém o outro não se edifica. 
Já mostra acima o Apóstolo a excelência do dom da profecia sobre o dom das línguas, com razões tomadas da parte da exortação, e agora demonstra o mesmo com razões tomadas da parte da oração, pois, em efeito, estas duas coisas, a oração e a exortação, às exercitamos com a língua.
Para isto procede de duas maneiras. Primeiramente prova com razões a excelência da profecia sobre o dom das línguas; e em segundo lugar com exemplos, pelo qual disse: Dou graças a meu Deus, etc.
E enquanto ao primeiro procede também de dois modos. Em primeiro termo põe a necessidade da oração; e logo faz ver que na oração mais vale o dom da profecia que o dom das línguas. Porque se oro em línguas, etc.
1. Razões da excelência da profecia
Assim é que primeiro diz: Disse que o dom de línguas sem o dom da profecia carece de valor, e pelo mesmo, como o interpretar é próprio da profecia, que é mais excelente que aquele, o que fala em línguas desconhecidas ou estranhas, ou de ocultos mistérios, peça, é claro que a Deus, o dom de interpretar, ou seja, que lhe seja dada a graça de interpretar. Orai para que Deus nos abra uma porta (Colos. 4,3).
A Glosa explica o pedir de outra maneira. Com efeito, orar ou pedir se entende de duas maneiras: ou como suplicar a Deus, ou como persuadir, como se dissera: O que fala em línguas, peça, ore, ou seja, de tal maneira persuada que interprete, e neste sentido toma aqui a Glosa o orar, em todo o capítulo.
Mas não é esta a intenção do Apóstolo, senão que seja uma insistente súplica a Deus. Porque se oro, etc. Aqui mostra que ao orar mais vale a profecia que o dom das línguas, e isto de duas maneiras. Primeiramente por razão tomada da parte dele mesmo que ora; em segundo lugar, por razão tomada da parte do que ouvePorque se não bendizes, etc.
Enquanto ao primeiro, na ocasião, procede de duas maneiras. Primeiramente dá a razão do que quer demonstrar; e logo rechaça a objeção: Então, que fazer? Sobre o primeiro é de saber-se que de duas maneiras é a oração. Teremos a oração privada quando um ora, dentro de si mesmo e por si mesmo. E a oração pública quando se ora frente ao povo e pelos demais; e em ambas as orações pode usar-se do dom das línguas e do dom da profecia. E se trata de demonstrar que em uma e outra oração vale mais o dom da profecia que o dom das línguas.
E primeiramente na oração privada dizendo que se ali há um simples ou incrédulo, quem faz sua oração salmodiando ou dizendo Pai Nosso, mas não se compreende o que diz, esse tal ora em línguas e o mesmo lhe dá orar com palavras que o Espírito Santo lhe concede e até com palavras de outros; mas se é outro o que ora e entende o que diz, este ora e profetiza. E é claro que mais ganha o que ora e entende, do que aquele que somente ora com a língua, ou seja, o que não entende o que diz.
Porque quem entende se renova em sua mente e em seu afeto; e entretanto a mente do que não entende permanece sem fruto de renovação. Daqui que como é melhor o renovar-se na mente e afeto do que unicamente no afeto, resulta claro que na oração mais vale o dom da profecia do que somente o dom de línguas. Isto o expressa dizendo: Digo que peça o dom de interpretar. Porque se oro em línguas, ou seja, se para orar uso o dom de línguas, de modo que digo algo que não entendo, então meu espírito, isto é, o Espírito Santo que me é dado, pede que me incline e mova a pedir. E com tal oração não deixo de ganhar, porque o mesmo fato de que me mova pelo Espírito Santo é meritório para mim. Pois nós não sabemos pedir o que convém; pois o próprio Espírito Santo nos faz suplicar (Rm 8,26). Ou também: Espírito meu, meu espírito, isto é, minha razão, me indica que fale coisas que são para o bem, ou com palavras próprias minhas, ou de outros santos. Ou também: Espírito meu, meu espírito, isto é, a faculdade imaginativa, pede, enquanto vozes ou semelhanças das coisas corporais são tão somente na imaginação sem aquilo pelo qual se entendam pelo entendimento; e por isso adiciona: mas minha mente, isto é, meu entendimento, fica sem fruto, porque não entende. Pelo que na oração é melhor a profecia ou interpretação do que o dom de línguas. Contudo, e quando alguém ora e não entende o que disse, se fica sem o fruto da oração?
2. Os frutos da oração
Ruínas da cidade de Corinto, localizada na atual Grécia.
Devemos dizer que é duplo o fruto da oração. Um fruto é o mérito que se resulta ao homem; o outro fruto é a consolação espiritual e a devoção que se alcança pela oração. Agora bem, enquanto o fruto da devoção espiritual se priva quem não atende ao que ora ou que não o entende; mas enquanto ao fruto do mérito não se pode dizer que se prive, porque se assim fosse muitas orações ficariam sem mérito, pois com dificuldade pode dizer o homem um Pai Nosso sem que seja exigida a mente pelas demais coisas. Pelo qual devemos dizer que quando o que ora se distrai às vezes do que disse, ou quando alguém em uma obra meritória não pensa continuamente em cada um de seus atos que faz por Deus, não perde a razão do mérito. E assim é porque em todos os atos meritórios que se ordenam a um fim reto não se requer que a intenção do agente se una ao fim em cada ato, senão que a primeira energia que move a intenção permaneça na obra inteira ainda quando as vezes em algo particular se distraia; e essa primeira energia faz meritória toda a obra a não ser que se interrompa por uma afeição contrária que do fim predito leve a um fim contrário.
Mas a atenção é tripla. Uma é a respeito das palavras que diz o homem, e esta às vezes danifica enquanto impede a devoção; outra é com relação ao sentido das palavras, e esta danifica, embora não é muito nociva; e a terceira é com relação ao fim, e esta é a melhor e quase necessária.
Todavia, estas palavras do Apóstolo: a mente fica-se sem fruto se entendem do fruto de renovação.Então que fazer? etc. Porque pode alguém dizer: Se orar com a língua é algo sem fruto da mente e todavia a boca ora, porque, em conseqüência, não há que orar com a boca?
O Apóstolo o resolve dizendo que se deve orar das duas maneiras, verbal e mentalmente, porque o homem deve servir a Deus com tudo o que tem de Deus; e como de Deus tem respiração e mente, pelo mesmo de uma e outra maneira deve orar. Com todo seu coração louva ao Senhor, etc. (Sl 47,10). Pelo qual disse: Orarei com a boca, mas orarei também com a mente; salmodiarei com a boca, mas, etc.
E disse orar e salmodiar, porque a oração ou é uma deprecação, e a isto se refere o orar, ou é para louvar a Deus, e a isto se refere o salmodiar. Sobre estas duas coisas disse São Tiago (Tg 5,13): Sofre algum entre vós? Que ore. Está algum alegre? Que cante salmos. E nos Salmos 91,2: Bom é salmodiar, etc. Assim é que orará verbalmente, isto é, com a imaginação, e com sua mente, isto é, com a vontade. Porque se não louvas senão com respiração, etc. Isto mostra em segundo lugar que o dom da profecia vale mais que o dom de línguas, ainda na oração pública, na qual se dá quando o sacerdote ora publicamente, e às vezes diz coisas que não entende, e às vezes coisas que entende. E sobre isto procede o Apóstolo de três maneiras.
Primeiramente da razão; logo já põe a vista: Como dirão amém? etc.; e por último prova o que havia suposto: Se não sabem o que dizes.
Em efeito, disse assim: Disse que o dom da profecia na oração privada vale mais, porque se não louvas, etc., e também na pública, porque se não louvas senão com a respiração, isto é, em uma língua que não se entenda, ou com a imaginação, e movido pelo Espírito Santo, quem suprirá aos simples? Simples é propriamente aquele que não conhece senão a língua materna: Como se dissera: Quem dirá aquilo que deve dizer ali o simples? Ou seja: Amém. E por isso disse: Como dirá amém a tua ação de graças? O que a Glosa explica assim: Como se porá em harmonia com a ação de graças feita por ti na representação da Igreja? Quem seja bendito na terra será bendito em Deus. Amém (Is 65,16). Amém é o mesmo que faça-se, ou assim seja; como se dissera: Se não entende o que dizes, como assentira ao que dizes? Pode alguém assentir, ainda sem entender, mas tão somente em geral, não em concreto ou em especial, porque não pode entender que coisas boas dizes nem o que é que tão só bendizes. Mas porque não se hão de dar as bendições na língua vulgar para que se entendam pelo povo e se adapte estas melhor a elas?
Devemos dizer que isto assim foi felizmente na Igreja primitiva, mas já estando instruídos os fiéis e sabendo o que é que ouvem no oficio comum, se dizem os louvores em latim.
Consequentemente, prova o Apóstolo porque não se pode dizer Amém quando disse: Porque, certamente, bem que tu dá graças, isto é, embora tu dês boas graças à Deus enquanto entendes; mas outros, que ouvem e não entendem, não se edificam, enquanto não entendem em especial, embora em geral entendam e se edifiquem. Não saia de vossa boca palavra danosa, senão a que seja conveniente para a edificação da fé (Ef 4,29). E pelo mesmo é melhor que não somente com a língua se louve, senão que também se interprete e se ponha à vista, embora tu que da graças, bem o faças.
 -- Dos Comentários a Primeira Epístola aos Coríntios, de São Tomás de Aquino (século XIII)

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