Todos aprendemos, meio por alto, que o Rei gostaria de casar novamente por que a primeira esposa não conseguia ter filhos. Mas como o Igreja Católica nunca aprovou o divórcio e o Rei tinha pessoas inteligentes para auxiliá-lo, o pedido para o Papa tinha que ser algo mais aceitável. De fato, o Rei nunca pediu para o Papa aprovar o divórcio, isto seria negado rapidamente, sem muitas discussões. Na verdade foi pedido que a Igreja reconhecesse que o casamento seria nulo por que transgrediria a lei divina.
Rei Henrique VIII quando assumiu o trono aos 18 anos (1509). |
Antes de entrar no cerne do argumento, um pouco mais de história para entender o contexto. O jovem Henrique não era o sucessor natural de seu pai, Henrique VII, pois tinha um irmão mais velho, Artur. Como era típico nas famílias reais, seus pais começaram a negociar o casamento do futuro rei quando ele ainda era criança, afinal sua esposa seria a futura Rainha da Inglaterra. Artur foi prometido para Catarina de Aragão, filha dos reis espanhois Fernando e Isabela em 1488, quando Artur tinha dois anos e Catarina apenas três anos! O casamento ocorreu em Londres quando ambos atingiram os 15 anos.
Os problemas começaram meses depois quando Artur adoeceu e morreu, deixando Catarina viúva aos 16 anos. Henrique, aos 12 anos, tornou-se o príncipe sucessor e não havia planos ainda para seu casamento. Para manter a aliança com a Espanha estável, a solução foi fácil pois Catarina já estava ali a disposição.
Mas havia um impedimento no direito canônico da época: casar a viúva do irmão não era permitido, exceto se a Igreja concedesse uma permissão especial. Feito o pedido e as devidas tratativas políticas, o Papa Julio II permitiu a realização do casamento. Do ponto de vista canônico, estava tudo perfeito.
Infelizmente Catarina não conseguiu ter filhos saudáveis e o Rei estava sem um sucessor; foram 5 bebês que morreram durante ou logo após o parto, apenas Maria sobreviveu. Conforme Catarina envelhecia, Henrique ficava mais e mais ansioso com a situação, até que decidiu casar novamente. É neste momento que importa apresentar um argument teológico aceitável, não apenas um "eu quero por que quero por que souno o Rei da Inglaterra". Isto não impressionaria o Papa.
Henrique pediu a anulação do casamento, não o divórcio, alegando um erro do Papa Júlio II, pois ao permitir seu casamento com Catarina, teria se colocado contra a lei divina, baseando-se em Levítico 20, 21:
Se um homem tomar a mulher de seu irmão, será uma impureza; ofenderá a honra de seu irmão: não terão filhos.
Rainha Catarina de Aragão, a primeira esposa legítima de Henrique VIII. |
Veja que os fatos estão favoráveis ao Rei, de fato o casal não teve filhos saudáveis. Assim como o Rei Davi, Henrique estaria sendo punido com a morte dos seus, por que o casamento jamais deveria ter sido autorizado pela Igreja. Por óbvio, se a Igreja reconhecesse o erro, o casamento perderia sua validade e o Rei Henrique poderia escolher uma nova esposa, conforme sua conveniência.
A questão fundamental do julgamento passou a ser: a proibição de casamento com a viúva do irmão é uma lei divina ou criado pelos homens? Se fosse uma lei divina, o Papa teria ultrapassado seus limites, estabelecendo-se acima de Deus. Se fosse uam lei de conveniência humana, o Papa teria agindo dentro dos seus limites e o casamento continuaria válido.
Apesar da citação do Levítico, outro versículo de Deuteronômio (25, 5) diz exatamente o contrário: Se um irmão morrer sem deixar filhos, a viúva não se casará com um estranho, seu cunhado a desposará.
Após algum tempo, o Papa Clemente VII respondeu a Henrique VIII que o casamento havia sido válido. O Rei declarou-se acima do Papa em assuntos da Igreja na Inglaterra e terminou por casar-se com Ana Bolena em uma cerimônia realizada secretamente. Catarina foi exilada e morreu em 1539, sua filha Maria casou-se com o Príncipe Felipe da Espanha em 1553 e tornou-se rainha da Inglaterra em 1556.
Quanto ao Direito Canônico (canons 1089-1092), o impedimento de casar a viúva do irmão foi retirado em 1983 pelo Santo Papa João Paulo II. Porém continua proibido o casamento entre pais, filhos e irmãos; sogros, genros e noras; além de outros casos que incluem ações criminais, como assassinar ou sequestrar o atual cônjuge.
-- autoria propria
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