Quem pede ao Senhor aquele único bem e o procura com empenho, pede cheio de segurança e não teme ser-lhe prejudicial o recebê-lo; sem ele, nada do que puder receber como convém lhe adiantará. Pois é a única verdadeira vida e a única feliz. Contemplar eternamente a maravilha do Senhor, imortais e incorruptos de corpo e de espírito. Em vista desta única vida tudo o mais se há de pedir sem impropriedade. Quem a possuir terá tudo quanto desejar. Nem desejará o que não convém e que ali nem mesmo pode existir.
Ali, com efeito, está a fonte da vida, de que temos sede agora na oração, enquanto vivemos na esperança e ainda não vemos o que esperamos; à sombra de suas asas, diante de quem está todo nosso desejo, para embriagarmo-nos da riqueza de sua casa e bebermos da torrente de suas delícias. Porque junto dele está a fonte da vida e à sua luz veremos a luz (cf. Sl 35,8-10), quando se saciar de bens nosso anseio e nada mais haverá a procurar com gemidos, mas só aquilo que no gozo abraçaremos.
Todavia ela é também a paz que supera todo entendimento. Por isso, ao orarmos para obtê-la, não sabemos fazê-lo como convém. Porque não podemos nem mesmo imaginar como é, então não sabemos.
Mas tudo o que nos ocorre ao pensar, afastamos, rejeitamos, desaprovamos. Não é isto o que procuramos, embora não saibamos ainda qual seja. Há em nós, por assim dizer, uma douta ignorância, mas douta pelo Espírito de Deus que vem em auxílio de nossa fraqueza. Tendo o Apóstolo dito: Se, porém, esperamos o que não vemos, aguardamos com paciência, acrescenta: Do mesmo modo o Espírito vem em auxílio de nossa fraqueza; pois não sabemos orar como convém; mas o próprio Espírito intercede com gemidos inexprimíveis. Aquele que perscruta os corações conhece o desejo do Espírito, porque sua intercessão pelos santos corresponde ao desígnio de Deus (Rm 8,25-27).
Não se há de entender isto como se o Santo Espírito de Deus, que é Deus na Trindade imutável e como Pai e o Filho um só Deus, interceda em favor dos santos, como alguém que não seja o mesmo Deus. Na verdade se diz: Interpela em favor dos santos porque faz os santos intercederem. Como se diz: O Senhor, vosso Deus, vos tenta para saber se o amais (Dt 13,4), quer dizer: para vos fazer saber. Por conseguinte faz que os santos intercedam com gemidos inexprimíveis, inspirando-lhes o desejo da maravilha ainda desconhecida que aguardamos pela paciência. Por que e como exprimir o desejo daquilo que se ignora? Na realidade, se se ignorasse totalmente, não se desejaria. Por outro lado, se já se vise, não se desejaria nem se procuraria com gemidos.
-- Da Carta a Proba, de Santo Agostinho, bispo (século V)
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