Todos aprendemos na escola que o Rei Henrique VIII brigou com o Papa e resolveu formar a Igreja da Inglaterra (Anglicana) por que queria casar com outra mulher, já que a primeira esposa não lhe dera um sucessor. Dito assim, parece ser uma simples questão de divórcio, que já foi resolvida com a separação da Igreja e o Estado, bem como o fim do poder das Monarquias. Na verdade é um pouco mais complicado e ainda é uma questão atual na Igreja.
O casamento
O jovem Henrique era o segundo filho do Rei da Inglaterra, por isso as atenções eram voltadas para o irmão mais velho, Artur. Como de hábito, muito cedo iniciou a busca por uma esposa, a futura rainha. As implicações políticas eram enormes e muito mais importantes que qualquer vontade pessoal. Feitas as negociações, em 1488 ficou decidido que Artur casaria com Catarina de Aragão, filha dos Reis da Espanha. Os jovens "noivos" ainda não haviam completado três de idade, por isso casaram-se apenas em Novembro de 1501, quando completaram 15 anos.
Henrique e Catarina casaram em 11 de Junho de 1509, duas semanas após foram coroados Rei e Rainha da Inglaterra. |
Os problemas começaram quando Artur faleceu meses após o casamento, deixando Catarina viúva. O Rei da Inglaterra, pai de Artur, ainda estava vivo e teve que refazer seus planos para a sucessão, que agora recaia em Henrique. Considerando a situação política, optou-se por Henrique casar com a viúva do irmão, mantendo os acordos com a Espanha.
Porém havia um problema: casar com a viúva do irmão não era permitido, exceto se houvesse uma permissão especial do Bispo. Em se tratando de reis, foram direto ao Papa Julio II, que considerando as vantagens de uma firme aliança entre reinos católicos, autorizou o casamento. Se tudo houvesse corrido bem, este era o fim do caso, com os filhos de Henrique entrando na linha sucessória do trono.
O pedido de divórcio
Infelizmente Catarina tinha problemas na gravidez e as crianças, quando nasciam, tinham saúde fraca e morriam prematuramente, apenas uma menina cresceu até a idade adulta. A medida que envelheciam, ficava claro que não haveria um filho homem para suceder Henrique VIII. Junto com seus auxiliares e apoio do Cardeal Wolsey, legado papal na Inglaterra, decidiram pedir a anulação do casamento, para que o Rei casasse novamente de maneira válida. Na país considerava-se que era causa ganha e o Rei já poderia procurar uma nova esposa, no caso, Ana Bolena foi escolhida. A palavra central é "anulação", não divórcio, ou seja, o pedido era para que a Igreja declarasse que o casamento de Henrique e Catarina fora inválido e, para todos efeitos, ambos estariam solteiros.
O argumento legal é que o Papa Julio II quando concedeu a exceção que permitiu o casamento, o fez de maneira inválida por que o Papa não pode se sobrepor a Deus, que claramente estipulara a proibição em Levítico 20,21:
Se um homem casar com a esposa de seu irmão, trará desgraça para a família, não terão filhos por causa deste incesto.
Este argumento centra a questão nos limites dos poderes de um Papa, poderes que são sempre limitados pela Lei Divina. O Papa sempre estará abaixo de Deus, assim, por exemplo, nunca poderá autorizar um casamento entre pai e filha, pois esta seria uma violação direta da Lei estabelecida por Deus, a primeira pessoa da Santíssima Trindade. Por outros motivos, como um limite de idade, o Papa poderia dispensar, pois se trata de uma regra criada pelos homens, que ao longo dos séculos tem variado. Portanto, a questão a ser resolvida é sobre como surgiu a proibição de um irmão casar coma viúva do irmão: se é uma Lei de Deus, o Papa Julio II errou e o casamento deixaria de ser válido, Henrique e Catarina estariam solteiros; se é uma lei humana, o Papa tem poder para dispensar os noivos e o casamento foi plenamente válido.
A decisão Papal
Papa Clemente VII governou a Igreja de 19 de Novembro 1523 até 25 de Setembro de 1534. |
Em tratando-se de questões canônicas, a palavra final é sempre dada pelo Papa, e especialmente num caso envolvendo Reis, o problema foi apresentado direto para o Papa Clemente VII. É certo que questões políticas faziam parte da conjuntura, mas a questão era estritamente canônica.
Se o Livro de Levítico parece sustentar o caso de Henrique, o Livro de Deuteronômio 25,5 foi usado como contra-argumento:
Quando irmãos morarem juntos, e um deles morrer, e não tiver filho, então a mulher do falecido não se casará com homem estranho, de fora; seu cunhado estará com ela, e a receberá por mulher, e fará a obrigação de cunhado para com ela.
O papa pediu aos teólogos e exegetas romanos que estudassem o caso. A conclusão foi que sendo toda Escritura inspirada por Deus, ambos trechos eram igualmente válidos. Levítico refere-se ao caso de traição conjugal, pois ambos irmãos estariam vivos; enquanto o Deuteronômio claramente fala de uma viúva do primeiro irmão. Assim, apesar de algumas idas e vindas influenciadas pelas questões políticas, Papa Clemente VII afirmou que a dispensa concedida pelo Papa anterior fora válida e o casamento estava mantido.
As consequências
Henrique VIII, que nesta altura já tinha filhos com Ana Bolena, decidiu por separar a Igreja da Inglaterra da Igreja Católica, e tornar-se o seu líder. Inspirado pela idéias de Lutero, que cada cristão é capaz de interpretar as Escrituras, casou-se oficialmente com Ana Bolena. Milhões de ingleses foram separados de sua Igreja e muitos foram martirizados, incluindo seu auxiliar direto, São Tomás Moore.
-- autoria própria
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