18 de jun. de 2022

Tomai e comei, este é o meu corpo. Tomai e bebei, este é o meu sangue


Agora podemos identificar algumas consequências práticas da doutrina sobre a Eucaristia em nossas vidas diárias. Se na consagração nós [padres] dizemos "Tomai e comei, este é o meu corpo. Tomai e bebei, este é o meu sangue", devemos entender o que as palavras "corpo" e "sangue" significam., isto é, o que estamos ofertando.

Na Bíblia corpo não indica apenas uma parte ou o objeto físico que combinado com a alma e o espírito formam um ser humano completo. Na linguagem bíblica utilizada por Jesus e Paulo, corpo indica também como a pessoa vive, toda condição corporal e mortal da pessoa. Corpo, portanto, significa a vida completa de uma pessoa, seus atos, pensamentos e emoções. Ao instituir a Eucaristia, Jesus nos deixou a sua vida como um dom, do primeiro instante da incarnação até o último momento, com tudo que concretamente se realizou na sua vida: os momentos de silêncio, orações, trabalho, dificuldades, humilhações, etc...

Jesus também disse "Este é o meu sangue", mas por que ele acrescenta a palavra "sangue" se ele já havia dado seu corpo e o sangue é parte do corpo? Ele está acrescentando sua morte! Após nos dar sua vida, Ele também nos deixa a parte mais preciosa da sua vida, sua morte. De fato, o termo sangue não indica apenas uma parte do corpo de uma pessoa, também indica um evento: a morte. Se o sangue é onde reside a vida, como era entendido naquela época, derramar seu sangue é dar sua vida. A Eucaristia é o mistério do corpo e sangue de Jesus, isto é, de sua vida e morte!

Agora pergunto, pensando em nós, ao ofertarmos nosso corpo e nosso sangue junto com o de Jesus na Missa, o que estamos realmente ofertando? Também somos chamados a ofertar o Jesus ofereceu: nossa vida e nossa morte. Com a palavra corpo, estamos dando tudo que constitui nossa vida neste mundo: tempo, saúde, energia, habilidades, afetos, até pequenos gestos como um sorriso. Com a palavra sangue, estamos nos referindo a nossa morte, não necessariamente a morte definitiva, um martírio por Jesus e nossos irmãos. Tudo em nós prepara e antecipa a morte: humiliações, falhas, doenças, limitações da idade, tudo que nos mortifica.

Tudo isto requer que após sairmos da Missa, façamos o nosso mlhor para realizar o que acabamos de dizer, que realmente tentemos, com todas nossas limitações, oferecer aos nossos irmãos e irmãs, nosso corpo, isto é, nosso tempo, energia e atenção, nossa vida. É necessário que após termos dito "tomai e comei", nos deixemos realmente ser consumidos, inclusive por aqueles que não o fazem com todo amor, respeito e delicadeza que desejamos. Santo Inácio de Antioquia, quando estava indo para Roma, onde seria morto, escreveu: "Eu sou trigo de Cristo, que eu seja devorado pelos dentes afiados das feras para me tornar o puro pão do Senhor". Cada um de nós, se olharmos atentamente, possuimos estes dentes afiados das feras, e atacamos com críticas, discussões, brigas abertas ou escondidas, diferentes visões e caráter.

Vamos imaginar o que aconteceria se celebrarmos a Missa com esta participações especial, se todos disséssemos, no momento da consagração, alguns em voz alta, outros em silêncio, "tomai e comei". Um padre e, ainda mais, um bispo, celebra a Missa desta maneira e depois vai pelo resto do dia: ele reza, prega, confessa, recebe pessoas, visita doentes, escuta, ensina, etc.... o dia deve também ser uma Eucaristia. Um grande pregador francês, Pierre Olivaint (1816-1871), costumava dizer: "Na manhã, quando celebro a Missa, eu sou o sacerdote e Jesus a vítima; ao longo do dia, Jesus é o sacerdote e eu sou a vítima". É assim que um padre imita o Bom Pastor, quando ele dá a vida às suas ovelhas.

Nossa participação na Eucaristia

Gostaria de concluir, usando um exemplo bastante humano, o que ocorre na celebração eucarística. Imaginem uma grande família, onde haja um filho, o mais velho, que admira e ama seu pai. Para seu aniversário, ele gostaria dar um presente precioso, mas antes de dar o presente, ele pede a todos seus irmãos e irmãs que também assinem o cartão. O pai recebe o presente como uma prova de amor de todos seus filhos e filhas, sem distinção, quando, na realidade, foi apenas o mais velho que pagou pelo presente. 

Isto é o que acontece no sacrifício eucarístico, Jesus admira e ama o Senhor infinitamente. Ele deseja dar todos os dias, até o final dos tempos, o mais precioso presente que alguém pode imaginar, sua própria vida. Na Missa, Ele convida seus irmãos e irmãs a colocar sua assiantura no presente, para que chegue até o Pai como um presente de todos seus filhos, mesmo que apenas um tenha se sacrificado por ele. E que sacrifício foi o de Jesus!

Nossa participação, nossa assinatura, são as pequenas gotas de água que são acrecentadas ao cálice de vinho. Elas não são nada mais do que água, mas misturadas ao vinho do cálice, tornam-se uma coisa só. A nossa assinatura é o Amém solene que a assembléia pronuncia ou canta, ao final da doxologia "Por Cristo, com Cristo, em Cristo, a Vós, Deus Pai todo-poderoso, na unidade do Espírito Santo, toda a honra e toda a glória agora e para sempre" respondemos "AMÉM!".

Sabemos que quem assina um contrato deve honrar sua assinatura. Isto significa que ao deixarmos a Missa, devemos fazer da nossa vida um dom de amor ao Pai eplo bem de nossos irmãos e irmãs. Nós, eu repito, não somos apenas chamados a celebrar a Eucaristia, mas fazermos eucaristia. Que Deus possa nos ajudar!

-- Padre Raniero Cantalamessa, segunda catequese no Tempo de Quaresma, 18 de Março de 2022.

--  Esta é a terceira parte de uma catequese sobre Eucaristia. Na primeira parte, Padre Raniero falou da Eucaristia na tradição judaica e como Jesus transformou sua natureza ai dizer: “Este é o meu corpo que eu dou para vós.” e "Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que é derramado por vós". Na segunda parte, falou do papel dos padres na Eucaristia.


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