16 de abr. de 2013

Posse e uso das riquezas


Sobre o uso das riquezas, já a pura filosofia pôde delinear alguns ensinamentos de suma excelência e extrema importância; mas só a Igreja no-los pode dar na sua perfeição, e fazê-los descer do conhecimento à prática. O fundamento dessa doutrina está na distinção entre a justa posse das riquezas e o seu legítimo uso.

A propriedade particular é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa não só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária. Agora, se se pergunta em que é necessário fazer consistir o uso dos bens, a Igreja responderá sem hesitação: A esse respeito o homem não deve ter as coisas exteriores por particulares, mas sim por comuns, de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. É por isso que o Apóstolo disse: Ordena aos ricos do século... dar facilmente, comunicar as suas riquezas (São Tomás de Aquino)).

Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou decência Impõem à sua pessoa: "Ninguém com efeito deve viver contrariamente às conveniências" (São Tomás de Aquino). Mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres: "Do supérfluo dai esmolas" (Lc 11,41). 

É um dever, não de estrita justiça, exceto nos casos de extrema necessidade, mas de caridade cristã, um dever cujo cumprimento se não pode conseguir pelas vias da justiça humana. Mas, acima dos juízos do homem e das leis, há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus, que nos persuade de todas as maneiras a dar habitualmente esmola: "É mais feliz", diz Ele, "aquele que dá do que aquele que recebe" (At 20,35), e o Senhor terá como dada ou recusada a Si mesmo a esmola que se haja dado ou recusado aos pobres: "Todas as vezes que tenhais dado esmola, a um de Meus irmãos, é a Mim que a haveis dado" (Mt 25,40). 

Eis, aliás, em algumas palavras, o resumo desta doutrina: Quem quer que tenha recebido da divina Bondade maior abundância, quer de bens externos e do corpo, quer de bens da alma, recebeu-os com o fim de os fazer servir ao seu próprio aperfeiçoamento, e, ao mesmo tempo, como ministro da Providência, ao alívio dos outros. E por isso, que quem tiver o talento da palavra tome cuidado em se não calar; quem possuir superabundância de bens, não deixe a misericórdia entumecer-se no fundo do seu coração; quem tiver a arte de governar, aplique-se com cuidado a partilhar com seu irmão o seu exercício e os seus frutos (São Gregório Magno).

-- Papa Leão XIII, na Carta Encíclica Rerum Novarum (15 de Maio de 1891)

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