8 de set. de 2015

A unidade indivisível da comunhão conjugal

A primeira comunhão é a que se instaura e desenvolve entre os cônjuges: em virtude do pacto de amor conjugal, o homem e a mulher já não são dois, mas uma só carne (Mt 19,6; Gn 2,24) e são chamados a crescer continuamente nesta comunhão através da fidelidade quotidiana à promessa matrimonial do recíproco dom total.

Esta comunhão conjugal radica-se na complementariedade natural que existe entre o homem e a mulher e alimenta-se mediante a vontade pessoal dos esposos de dividir, num projeto de vida integral, o que têm e o que são: por isso, tal comunhão é fruto e sinal de uma exigência profundamente humana. Porém, em Cristo, Deus assume esta exigência humana, confirma-a, purifica-a e eleva-a, conduzindo-a à perfeição com o sacramento do matrimônio: o Espírito Santo infuso na celebração sacramental oferece aos esposos cristãos o dom de uma comunidade nova, de amor, que é a imagem viva e real daquela unidade singularíssima, que torna a Igreja o indivisível Corpo Místico do Senhor.

O dom do Espírito é um mandamento de vida para os esposos cristãos e, ao mesmo tempo, impulso estimulante a que progridam continuamente numa união cada vez mais rica a todos os níveis - dos corpos, dos corações, das inteligências e das vontades, das almas - revelando deste modo à Igreja e ao mundo a nova comunhão de amor, doada pela graça de Cristo.

A poligamia contradiz radicalmente uma tal comunhão. Nega de fato, diretamente o plano de Deus como nos foi revelado nas origens, porque contrária à igual dignidade pessoal entre o homem e a mulher, que no matrimônio se doam com um amor total e por isso mesmo único e exclusivo. Como escreve o Concílio Vaticano II: A unidade do matrimónio, confirmado pelo Senhor, manifesta-se também claramente na igual dignidade pessoal da mulher e do homem que se deve reconhecer no mútuo e pleno amor.

A comunhão conjugal caracteriza-se não só pela unidade mas também pela sua indissolubilidade: Esta união íntima, já que é dom recíproco de duas pessoas, exige, do mesmo modo que o bem dos filhos, a inteira fidelidade dos cônjuges e a indissolubilidade da sua união.

É dever fundamental da Igreja reafirmar vigorosamente - como fizeram os Padres do Sínodo - a doutrina da indissolubilidade do matrimônio: a quantos, nos nossos dias, consideram difícil ou mesmo impossível ligar-se a uma pessoa por toda a vida e a quantos, subvertidos por uma cultura que rejeita a indissolubilidade matrimonial e que ridiculariza abertamente o empenho de fidelidade dos esposos, é necessário reafirmar o alegre anúncio da forma definitiva daquele amor conjugal, que tem em Jesus Cristo o fundamento e o vigor (Ef 5,25).

Radicada na doação pessoal e total dos cônjuges e exigida pelo bem dos filhos, a indissolubilidade do matrimônio encontra a sua verdade no desígnio que Deus manifestou na Revelação: Ele quer e concede a indissolubilidade matrimonial como fruto, sinal e exigência do amor absolutamente fiel que Deus Pai manifesta pelo homem e que Cristo vive para com a Igreja.

Cristo renova o desígnio primitivo que o Criador inscreveu no coração do homem e da mulher, e, na celebração do sacramento do matrimônio, oferece um coração novo: assim os cônjuges podem não só superar a dureza do coração (Mt 19,8), mas também e sobretudo compartir o amor pleno e definitivo de Cristo, nova e eterna Aliança feita carne. Assim como o Senhor Jesus é a testemunha fiel (Ap 3,14), é o sim das promessas de Deus (2Cor 1,20) e, portanto, a realização suprema da fidelidade incondicional com que Deus ama o seu povo, da mesma forma os cônjuges cristãos são chamados a uma participação real na indissolubilidade irrevogável, que liga Cristo à Igreja, sua esposa, por Ele amada até ao fim (Jo 13,1).

O dom do sacramento é, ao mesmo tempo, vocação e dever dos esposos cristãos, para que permaneçam fiéis um ao outro para sempre, para além de todas as provas e dificuldades, em generosa obediência à santa vontade do Senhor: O que Deus uniu, não o separe o homem (Mt 19,6).

Testemunhar o valor inestimável da indissolubilidade e da fidelidade matrimonial é uma das tarefas mais preciosas e mais urgentes dos casais cristãos do nosso tempo. Por isso, juntamente com todos os Irmãos que participaram no Sínodo dos Bispos, louvo e encorajo os numerosos casais que, embora encontrando não pequenas dificuldades, conservam e desenvolvem o dom da indissolubilidade: cumprem desta maneira, de um modo humilde e corajoso, o dever que lhes foi confiado de ser no mundo um sinal - pequeno e precioso sinal, submetido também às vezes à tentação, mas sempre renovado - da fidelidade infatigável com que Deus e Jesus Cristo amam todos os homens e cada homem. Mas é também imperioso reconhecer o valor do testemunho daqueles cônjuges que, embora tendo sido abandonados pelo consorte, com a força da fé e da esperança cristãs, não contraíram uma nova união. Estes cônjuges dão também um autêntico testemunho de fidelidade, de que tanto necessita o mundo de hoje. Por isto mesmo devem ser encorajados e ajudados pelos pastores e pelos fiéis da Igreja.

A comunhão conjugal constitui o fundamento sobre o qual se continua a edificar a mais ampla comunhão da família: dos pais e dos filhos, dos irmãos e das irmãs entre si, dos parentes e de outros familiares.

Tal comunhão radica-se nos laços naturais da carne e do sangue, e desenvolve-se encontrando o seu aperfeiçoamento propriamente humano na instauração e maturação dos laços ainda mais profundos e ricos do espírito: o amor, que anima as relações interpessoais dos diversos membros da família, constitui a força interior que plasma e vivifica a comunhão e a comunidade familiar.

A família cristã é, portanto, chamada a fazer a experiência de uma comunhão nova e original, que confirma e aperfeiçoa a comunhão natural e humana. Na realidade, a graça de Jesus Cristo, o Primogénito entre muitos irmãos (Rm 8,29), é por sua natureza e dinamismo interior uma graça de fraternidade como a chama Santo Tomás de Aquino. O Espírito Santo, que se infunde na celebração dos sacramentos, é a raiz viva e o alimento inexaurível da comunhão sobrenatural que estreita e vincula os crentes com Cristo, na unidade da Igreja de Deus. Uma revelação e atuação específica da comunhão eclesial é constituída pela família cristã que também, por isto, se pode e deve chamar Igreja doméstica .

Todos os membros da família, cada um segundo o dom que lhe é peculiar, possuem a graça e a responsabilidade de construir, dia após dia, a comunhão de pessoas, fazendo da família uma escola de humanismo mais completo e mais rico: é o que vemos surgir com o cuidado e o amor para com os mais pequenos, os doentes e os anciãos; com o serviço recíproco de todos os dias; com a co-participação nos bens, nas alegrias e nos sofrimentos.

Um momento fundamental para construir uma comunhão semelhante é constituído pelo intercâmbio educativo entre pais e filhos (Ef 6,1-4; Cl 3,20), no qual cada um deles dá e recebe. Mediante o amor, o respeito, a obediência aos pais, os filhos dão o seu contributo específico e insubstituível para a edificação de uma família autenticamente humana e cristã. Isso ser-lhe-á facilitado, se os pais exercerem a sua autoridade irrenunciável como um ministério verdadeiro e pessoal, ou seja, como um serviço ordenado ao bem humano e cristão dos filhos, ordenado particularmente a proporcionar-lhes uma liberdade verdadeiramente responsável; e se os pais mantiverem viva a consciência do dom que recebem continuamente dos filhos.

A comunhão familiar só pode ser conservada e aperfeiçoada com grande espírito de sacrifício. Exige, de fato, de todos e de cada um, pronta e generosa disponibilidade à compreensão, à tolerância, ao perdão, à reconciliação. Nenhuma família ignora como o egoísmo, o desacordo, as tensões, os conflitos agridem, de forma violenta e às vezes mortal, a comunhão: daqui as múltiplas e variadas formas de divisão da vida familiar. Mas, ao mesmo tempo, cada família é sempre chamada pelo Deus da paz a fazer a experiência alegre e renovadora da reconciliação, ou seja, da comunhão restabelecida, da unidade reencontrada. Em particular a participação no sacramento da reconciliação e no banquete do único Corpo de Cristo oferece à família cristã a graça e a responsabilidade de superar todas as divisões e de caminhar para a plena verdade querida por Deus, respondendo assim ao vivíssimo desejo do Senhor: que todos sejam um (Jo 17,21).

-- Seções 19, 20 e 21 da Exortação Apóstólica Familiaris Consortium, de São João Paulo II (1981)

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