Diante das famílias e no meio delas, deve ressoar sempre de novo o
primeiro anúncio (da Ressurreição), que é o mais belo, mais
importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário e
deve ocupar o centro da atividade evangelizadora. O nosso ensinamento
sobre o matrimônio e a família não pode deixar de se inspirar e
transfigurar à luz deste anúncio de amor e ternura, se não quiser
tornar-se mera defesa duma doutrina fria e sem vida.
Jesus recupera e realiza plenamente o projeto divino
O Novo Testamento ensina que “tudo o que Deus criou é bom e
nada deve ser rejeitado” (1Tim 4, 4). O matrim6onio é um
dom do Senhor (1 Cor 7, 7). Ao mesmo tempo que se dá esta
avaliação positiva, acentua-se fortemente a obrigação de cuidar
deste dom divino: “Seja o matrimônio honrado por todos e
imaculado o leito conjugal” (Heb 13, 4). Este dom de Deus
inclui a sexualidade: “Não vos recuseis um ao outro”
(1Cor 7, 5).
Jesus inaugurou a sua vida pública com o sinal de Caná, realizado
num banquete de núpcias (Jo 2, 1-11). Compartilhou momentos
diários de amizade com a família de Lázaro e suas irmãs (Lc10,
38) e com a família de Pedro (Mt 8, 14). Escutou o pranto dos
pais pelos seus filhos, restituindo-os à vida (Mc 5, 41;Lc 7,
14-15) e mostrando assim o verdadeiro significado da misericórdia, a
qual implica a restauração da Aliança. Vê-se isto claramente nos
encontros com a mulher samaritana (Jo 4, 1-30) e com a adúltera
(Jo 8, 1-11), nos quais a noção do pecado é avivada perante o
amor gratuito de Jesus.
A encarnação do Verbo numa família humana, em Nazaré, comove com
a sua novidade a história do mundo. Precisamos mergulhar no mistério
do nascimento de Jesus, no sim de Maria ao anúncio do anjo e no sim
de José, que deu o nome a Jesus e cuidou de Maria; na festa dos
pastores no presépio; na adoração dos Magos; na promessa que
Simeão e Ana viram cumprida no templo; na fuga para o Egito; na
admiração dos doutores da lei ao escutarem a sabedoria de Jesus
adolescente. E, em seguida, penetrar nos trinta longos anos em que
Jesus ganhava o pão trabalhando com suas mãos, sussurrando a oração do seu povo e formando-Se na fé dos seus pais,
até fazê-la frutificar no mistério do Reino. A aliança de amor e
fidelidade, vivida pela Sagrada Família de Nazaré, ilumina o
princípio que dá forma a cada família e a torna capaz de enfrentar
melhor as vicissitudes da vida e da história. É o mistério que
tanto fascinou São Francisco de Assis, Santa Teresa do Menino Jesus e Beato Charles
de Foucauld, e do qual bebem também as famílias cristãs para
renovar a sua esperança e alegria.
A família nos documentos da Igreja
O Concílio Ecuménico Vaticano II ocupou-se, na Constituição
pastoral Gaudium et spes, da promoção da dignidade do
matrimônio e da família. Definiu como comunidade de
vida e amor, colocando o amor no centro da família. O verdadeiro
amor entre marido e mulher implica a mútua doação de si mesmo,
inclui e integra a dimensão sexual e a afetividade, correspondendo
ao desígnio divino.
Em seguida, o Beato Paulo VI com a Encíclica Humanae vitae,
destacou o vínculo intrínseco entre amor conjugal e procriação: o
amor conjugal requer nos esposos uma consciência da sua missão de
‘paternidade responsável’. O exercício responsável da
paternidade implica que os cônjuges reconheçam plenamente os
próprios deveres para com Deus, para consigo próprios, para com a
família e para com a sociedade, numa justa hierarquia de valores.
Bento XVI, na Encíclica Deus caritas est destaca
que “o matrimônio baseado num amor exclusivo e definitivo torna-se
um exemplo do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o
modo de Deus amar torna-se a medida do amor humano”.
O sacramento do matrimônio
A família é imagem de Deus, é comunhão de pessoas. No batismo, a
voz do Pai chamou a Jesus Filho amado; e, neste amor, podemos
reconhecer o Espírito Santo (cf. Mc 1, 10-11). Jesus, que
tudo reconciliou em Si mesmo e redimiu o homem do pecado, não só
voltou a levar o matrimônio e a família à sua forma original, mas
também elevou-o a sinal sacramental do seu amor pela
Igreja (cf. Mt 19, 1-12; Mc 10, 1-12; Ef 5,
21-32). Na família humana, reunida em Cristo, é restaurada a imagem e semelhança da Santíssima Trindade (cf. Gn 1,
26), mistério donde brota todo o amor verdadeiro. A
família recebe de Cristo, através da Igreja, a graça para
testemunhar o Evangelho do amor de Deus.
O sacramento do matrimônio não é uma convenção social, um rito
vazio ou o mero sinal externo dum compromisso. O sacramento é um dom
para a santificação e a salvação dos esposos, porque a sua
pertença recíproca é a representação real da mesma relação de Cristo com a Igreja. Os esposos
são, portanto, para a Igreja, a lembrança permanente daquilo que
aconteceu na cruz; são um para o outro, e para os filhos,
testemunhas da salvação, da qual o sacramento os faz
participar. O matrimônio é uma vocação, sendo uma
resposta à chamada específica para viver o amor conjugal como sinal
imperfeito do amor entre Cristo e a Igreja. Por isso, a decisão de
se casar e formar uma família deve ser fruto dum discernimento
vocacional.
No sacramento do matrimônio,
segundo a tradição latina da Igreja, os ministros são o homem e a
mulher que se casam, os quais, ao manifestar o seu consentimento e
expressá-lo na sua entrega corpórea, recebem um grande dom. O seu
consentimento e a união dos seus corpos são os instrumentos da ação
divina que os torna uma só carne. No batismo ficou consagrada a sua
capacidade de se unir em matrimônio para
responder à vocação de Deus. A Igreja pode exigir que o ato seja
público, a presença de testemunhas e outras condições que foram
variando ao longo da história, mas isto não tira dos noivos o caráter de ministros do sacramento, nem diminui a
centralidade do consentimento do homem e da mulher, que é aquilo
que, de por si, estabelece o vínculo sacramental.
Vivida de modo humano e santificada
pelo sacramento, a união sexual é, por sua vez, caminho de
crescimento na vida da graça para os esposos. É o mistério
nupcial. O valor da união dos corpos está expresso nas palavras
do consentimento, pelas quais se acolheram e doaram reciprocamente
para partilhar a vida toda. Estas palavras conferem um significado à
sexualidade, libertando-a de qualquer ambiguidade.
Sementes do Verbo e situações imperfeitas
O Evangelho da família nutre também as sementes ainda à espera de
desenvolver-se e deve cuidar das árvores que perderam vitalidade e
necessitam que não as transcurem», de modo que, partindo do dom de
Cristo no sacramento, sejam conduzidas pacientemente mais além,
chegando a um conhecimento mais rico e uma integração mais plena
deste mistério na sua vida.
O olhar de Cristo, cuja luz ilumina todo o homem (cf. Jo 1,
9), inspira o cuidado pastoral da Igreja pelos fiéis que
simplesmente vivem juntos, que contraíram matrimónio apenas civil
ou são divorciados que voltaram a casar. Perante
situações difíceis e famílias feridas, é preciso lembrar sempre
um princípio geral: “Saibam
os pastores que, por amor à verdade, estão obrigados a discernir
bem as situações”
(Familiaris consortio, 84). Por isso, ao mesmo tempo que se exprime
com clareza a doutrina, há que evitar juízos que não tenham em
conta a complexidade das diferentes situações, e é preciso estar
atentos ao modo como as pessoas vivem e sofrem por causa da sua
condição.
A transmissão da vida e a educação dos filhos
O matrimônio é, em primeiro lugar, uma íntima comunidade da vida e
do amor conjugal, que constitui um bem para os próprios esposos; e a
sexualidade ordena-se para o amor conjugal do homem e da mulher. Esta
união está ordenada para a geração, por sua própria natureza. O
bebê que chega surge no próprio coração deste dom mútuo, do
qual é fruto e complemento. Não aparece como o final dum processo,
mas está presente desde o início do amor como uma caraterística
essencial que não pode ser negada sem mutilar o próprio amor. Desde
o início, o amor rejeita qualquer impulso para se fechar em si
mesmo, e abre-se a uma fecundidade que o prolonga para além da sua
própria existência. Assim nenhum ato sexual dos esposos pode negar
este significado, embora, por várias razões, nem sempre possa
efetivamente gerar uma nova vida.
O filho não é uma dívida, mas uma dádiva, é o fruto do ato de
amor conjugal de seus pais. Com efeito, segundo a ordem da
criação, o amor conjugal entre um homem e uma mulher e a
transmissão da vida estão ordenados reciprocamente (Gn 1,
27-28). Deste modo, o Criador tornou participantes da obra da sua
criação o homem e a mulher e, ao mesmo tempo, fê-los instrumentos
do seu amor, confiando à sua responsabilidade o futuro da humanidade
através da transmissão da vida humana.
Não é difícil constatar que se está espalhando uma mentalidade
que reduz a geração da vida a uma variável dos projetos
individuais dos cônjuges. Não posso deixar de afirmar que, se
a família é o santuário da vida, o lugar onde a vida é gerada e
cuidada, constitui uma contradição lancinante fazer dela o lugar
onde a vida é negada e destruída. É tão grande o valor duma vida
humana e inalienável o direito à vida do bebê inocente que cresce
no ventre de sua mãe, que de modo nenhum se pode afirmar como um
direito sobre o próprio corpo a possibilidade de tomar decisões
sobre esta vida que é fim em si mesma e nunca poderá ser objecto de
domínio doutro ser humano.
Parece-me muito importante lembrar que a educação integral dos
filhos é dever gravíssimo e direito primário dos pais. Não é
apenas um encargo ou um peso, mas também um direito essencial e
insubstituível que estão chamados a defender e que ninguém deveria
pretender tirar-lhes. A escola não substitui os pais; serve-lhes de
complemento. Este é um princípio básico: qualquer outro
participante no processo educativo não pode operar senão em nome
dos pais, com o seu consenso e, em certa media, até mesmo por seu
encargo.
A família e a Igreja
Graças às famílias, torna-se credível a beleza do matrimônio
indissolúvel e fiel para sempre. Na família, como numa igreja
doméstica (Lumen gentium), amadurece a primeira experiência
eclesial da comunhão entre as pessoas, na qual, por graça, se
reflete o mistério da Santíssima Trindade. “É aqui que se
aprende a tenacidade e a alegria no trabalho, o amor fraterno, o
perdão generoso e sempre renovado, e sobretudo o culto divino, pela
oração e pelo oferecimento da própria vida” (Catecismo da
Igreja Católica, 1657).
A Igreja é família de famílias, constantemente enriquecida pela
vida de todas as igrejas domésticas. Assim, em virtude do sacramento
do matrimónio, cada família torna-se, para todos os efeitos, um bem
para a Igreja. A salvaguarda deste dom sacramental do Senhor compete
não só à família individual, mas a toda a comunidade cristã. O
amor vivido nas famílias é uma força permanente para a vida da
Igreja. O fim unitivo do matrimónio é um apelo constante a crescer
e aprofundar este amor. Na sua união de amor, os esposos
experimentam a beleza da paternidade e da maternidade; partilham
projetos e fadigas, anseios e preocupações; aprendem a cuidar um do
outro e a perdoar-se mutuamente. Neste amor, celebram os seus
momentos felizes e apoiam-se nos episódios difíceis da história da
sua vida.
-- resumo do capítulo 3 da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, Papa Francisco
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