A família é fundamental para o futuro do mundo e da Igreja. É
necessário prestar atenção à realidade concreta, porque "os
pedidos e os apelos do Espírito ressoam também nos acontecimentos
da história através dos quais a Igreja pode ser guiada para uma
compreensão mais profunda do inexaurível mistério do matrimônio e
da família".[João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio]
Como cristãos, não podemos renunciar a propor o matrimônio, para não contradizer a sensibilidade atual, para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade face ao descalabro moral e humano; estaríamos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer.
A família é um bem de que a sociedade não pode prescindir, mas precisa ser protegida. A defesa destes direitos é um apelo profético a favor da instituição familiar, que deve ser respeitada e defendida contra toda a agressão.
Como cristãos, não podemos renunciar a propor o matrimônio, para não contradizer a sensibilidade atual, para estar na moda, ou por sentimentos de inferioridade face ao descalabro moral e humano; estaríamos a privar o mundo dos valores que podemos e devemos oferecer.
A família é um bem de que a sociedade não pode prescindir, mas precisa ser protegida. A defesa destes direitos é um apelo profético a favor da instituição familiar, que deve ser respeitada e defendida contra toda a agressão.
A situação atual da família
Inicialmente, há que considerar o crescente perigo representado por
um individualismo exagerado que desvirtua os laços familiares e
acaba por considerar cada componente da família como uma ilha,
fazendo prevalecer, em certos casos, a ideia de um sujeito que se
constrói segundo os seus próprios desejos assumidos como absolutos. As tensões causadas por uma cultura individualista
exagerada de posse e fruição geram no seio das famílias dinâmicas
de impaciência e agressividade. Gostaria de acrescentar o ritmo da
vida atual, o stresse, a organização social e laboral, porque são
fatores culturais que colocam em risco a possibilidade de opções
permanentes. A liberdade de escolher permite projetar a própria vida
e cultivar o melhor de si mesmo, mas, se não se tiver objetivos
nobres e disciplina pessoal, degenera numa incapacidade de se dar
generosamente.
Se estes riscos se transpõem para o modo de compreender a família,
esta pode transformar-se em um lugar de passagem, aonde uma pessoa vai
quando lhe parecer conveniente para si mesma, enquanto os vínculos são deixados à precariedade volúvel
dos desejos e das circunstâncias. Neste contexto, o casamento como um compromisso de exclusividade e estabilidade acaba
por ser destruído pelas conveniências do momento ou pelos
caprichos da pessoa. Teme-se a solidão, deseja-se um espaço
de proteção e fidelidade mas, ao mesmo tempo, cresce o medo de
ficar encurralado numa relação que possa adiar a satisfação das
aspirações pessoais.
Devemos dar graças pela maioria das pessoas valorizar as relações
familiares que querem permanecer no tempo e garantem o respeito pelo
outro. No mundo atual, aprecia-se também o testemunho dos cônjuges
que não se limitam a perdurar no tempo, mas continuam a sustentar um
projeto comum e conservam o afeto. Isto abre a porta a uma pastoral
positiva, acolhedora, que torna possível um aprofundamento gradual
das exigências do Evangelho. Muitos não sentem a mensagem da Igreja
sobre o casamento e a família como um reflexo claro da pregação
e das atitudes de Jesus, o qual, ao mesmo tempo que propunha um ideal
exigente, não perdia jamais a proximidade às pessoas
frágeis como a samaritana ou a mulher adúltera.
Isto não significa deixar de advertir a decadência cultural que não
promove o amor e a doação. Refiro-me, por exemplo, à rapidez com
que as pessoas passam de uma relação afetiva para outra. Crêem que o
amor, como acontece nas redes sociais, se possa conectar ou
desconectar ao gosto do consumidor e inclusive bloquear rapidamente.
O narcisismo torna as pessoas incapazes de olhar para além de si
mesmas, dos seus desejos e necessidades. Mas quem usa os outros, mais
cedo ou mais tarde acaba por ser usado, manipulado e abandonado com a
mesma lógica.
Em alguns países, muitos jovens são frequentemente levados a adiar
o matrimônio por problemas de tipo econômico, laboral ou de estudo.
Às vezes também por outros motivos, tais como a influência das
ideologias que desvalorizam o casamento e a família, a experiência
do fracasso de outros casais a que eles não se querem expor, o medo
de algo que consideram demasiado grande e sagrado, as oportunidades
sociais e os benefícios econômicos derivados da convivência, uma
concepção puramente emotiva e romântica do amor, o medo de perder
a liberdade e a autonomia, a rejeição de tudo o que possa ser
concebido como institucional e burocrático.
Preocupa a difusão da pornografia e da comercialização do corpo,
favorecida, entre outras coisas, por um uso distorcido da internet e
pela situação das pessoas que são obrigadas a praticar a
prostituição. Muitos são aqueles que tendem a ficar nos estágios
primários da vida emocional e sexual. A crise do casal destabiliza a
família e pode chegar, através das separações e dos divórcios, a
ter sérias consequências para os adultos, os filhos e a sociedade,
enfraquecendo o indivíduo e os laços sociais.
O enfraquecimento da fé e da prática religiosa afeta as famílias,
deixando-as ainda mais sós com as suas dificuldades. Os Padres
disseram que uma das maiores pobrezas da cultura atual é a solidão,
fruto da ausência de Deus na vida das pessoas e da fragilidade das
relações. Há também uma sensação geral de impotência face à
realidade socioeconômica que, muitas vezes, acaba por esmagar as
famílias.
Nas sociedades altamente industrializadas, onde o seu número tende a
aumentar enquanto diminui a taxa de natalidade, os idosos correm o
risco de ser vistos como um peso. Por outro lado, os cuidados que
requerem muitas vezes põem a dura prova os seus entes queridos. A
valorização da fase final da vida é, hoje, ainda mais necessária,
porque na sociedade atual se tenta, de todos os modos possíveis,
ocultar o momento da passagem. A eutanásia e o suicídio assistido
são graves ameaças para as famílias, em todo o mundo. A Igreja, ao
mesmo tempo que se opõe firmemente a tais práticas, sente o dever
de ajudar as famílias que cuidam dos seus membros idosos e doentes.
Alguns desafios
Além das situações já indicadas, muitos referiram-se à função
educativa, que acaba dificultada porque os pais
chegam a casa cansados e sem vontade de conversar; em muitas
famílias, já não há sequer o hábito de comer em juntos, e cresce
uma grande variedade de ofertas de distração, para além da televisão. Isto torna difícil a transmissão da fé
de pais para filhos. Outros assinalaram que as famílias
habitualmente padecem duma enorme ansiedade; parece haver mais
preocupação por prevenir problemas futuros do que por compartilhar
o presente.
Mencionou-se também a toxicodependência como um dos flagelos do
nosso tempo que faz sofrer muitas famílias e, não raro, acaba por
destruí-las. Algo semelhante acontece com o alcoolismo, os jogos de
azar e outras dependências. Observamos as graves consequências
desta ruptura em famílias destruídas, filhos desenraizados, idosos
abandonados, crianças órfãs de pais vivos, adolescentes e jovens
desorientados e sem regras.
Ninguém pode pensar que o enfraquecimento da família como sociedade
natural fundada no matrimônio seja algo que beneficia a sociedade.
Já não se adverte claramente que só a união exclusiva e
indissolúvel entre um homem e uma mulher realiza uma função social
plena, por ser um compromisso estável e tornar possível a
fecundidade. Nenhuma união precária ou fechada à transmissão da
vida garante o futuro da sociedade.
Avança, em muitos países, uma desconstrução jurídica da família,
que tende a adotar formas baseadas quase exclusivamente no paradigma
da autonomia da vontade. A força da família reside essencialmente
na sua capacidade de amar e ensinar a amar. Por muito ferida que
possa estar uma família, ela pode sempre crescer a partir do amor.
Outro desafio surge de várias formas duma ideologia que nega a diferença
e a reciprocidade natural de homem e mulher. Prevê uma sociedade sem
diferenças de sexo, e esvazia a base antropológica da família. A
identidade humana é determinada por uma opção individualista, que
também muda com o tempo. Preocupa o fato de algumas ideologias deste
tipo procurarem impor-se como pensamento único que determina até
mesmo a educação das crianças. Uma coisa é compreender a
fragilidade humana ou a complexidade da vida, e outra é aceitar
ideologias que pretendem separar o sexo biológico da função
sociocultural do sexo. Não caiamos no pecado de pretender
substituir-nos ao Criador. Somos criaturas, não somos omnipotentes.
A criação precede-nos e deve ser recebida como um dom. Ao mesmo
tempo somos chamados a guardar a nossa humanidade, e isto significa,
antes de tudo, aceitá-la e respeitá-la como ela foi criada.
Dou graças a Deus porque muitas famílias, que estão bem longe de
se considerarem perfeitas, vivem no amor, realizam a sua vocação e
continuam para diante embora caiam muitas vezes ao longo do caminho.
Não caiamos na armadilha de nos consumirmos em lamentações
autodefensivas, em vez de suscitar uma criatividade missionária. A
Igreja sente a necessidade de dizer uma palavra de verdade e de
esperança. Os grandes valores da família cristã correspondem à
busca que atravessa a existência humana. Se constatamos muitas
dificuldades, estas são um apelo para libertar as energias da
esperança, traduzindo-as em sonhos proféticos, ações
transformadoras e imaginação da caridade.
-- resumo do capítulo 2 da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, Papa Francisco
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