Assim nos fala São Lucas: Tendes os rins cingidos e acesas as vossas lâmpadas. Sede semelhantes aos homens que esperam o seu senhor ao voltar das núpcias para lhe abrirem a porta quando ele chegar e bater (Lc 12, 35-36). Esta parábola pode ser entendida de duas maneiras: como preparação para a chegada do Senhor nos últimos dias; ou para Sua chegada no dia da morte de cada um. Nós iremos explicar esta parábola pelo segundo sentido, entendida como preparação para a morte, que sobre todas as coisas é tão absolutamente necessária para nós.
As núpcias do Senhor |
O Senhor nos ordena a observar três coisas: primeiro, nós devemos "cingir os rins"; depois, devemos ter "lâmpadas queimando nossas mãos"; terceiro, estarmos atentos "vigiando" em expectativa a chegada de nosso julgamento, estando ignorantes do momento de sua chegada, assim como ignoramos a chegada dos ladrões.
Expliquemos estas palavras: "cingir os rins". O sentido literal destas palavras é que devemos estar preparados ara seguirmos adiante e encontrar o Senhor quando a morte nos chamar para nosso particular julgamento. A comparação comas vestimentas estarem cingidas é relacionada aos costumes das nações orientais de utilizarem longas vestes; e quando estão preparados para iniciar uma longa jornada, eles tomam suas vestes e as cingem, isto é, apertam, para evitar que nelas tropecem. De acordo com o mesmo costume dos orientais, São Pedro escreve: Cingi, portanto, os rins do vosso espírito, sede sóbrios e colocai toda vossa esperança na graça que vos será dada no dia em que Jesus Cristo aparecer.(1Pe 1, 13). E São Paulo na Epístola aos Efésios diz: Ficai alerta, à cintura cingidos com a verdade, o corpo vestido com a couraça da justiça (Ef 6,14).
Ter nossos "rins cingidos" significa duas coisas: primemiro, a virtude da castidade; segundo, estar pronto para encontrar nosso Senhor vindo para o julgamento, particular ou geral. Os Santos Basílio, Agostinho e Gregório Magno citam a primeira explicação. E, verdadeiramente, a concupiscência da carne, sobre todas as paixões, nos impede de estarmos prontos para encontrar Cristo; por outro lado, nada nos faz mais prontos para encontrar o Senhor, que a castidade virginal. Isto podemos ler nos Apocalipse, sobre as virgens que seguem o Senhor. E o apóstolo diz: O solteiro cuida das coisas que são do Senhor, de como agradar ao Senhor. O casado preocupa-se com as coisas do mundo, procurando agradar à sua esposa. A mesma diferença existe com a mulher solteira ou a virgem. Aquela que não é casada cuida das coisas do Senhor, para ser santa no corpo e no espírito; mas a casada cuida das coisas do mundo, procurando agradar ao marido (1Cor 7,32-34).
Agora expliquemos outro dever do servo fiel e diligente: äs lâmpadas devem estar acesas". Não é suficiente para o servo ter os "rins cingidos", para que possa facil e livremente encontrar o Senhor. Uma lâmpada acesa é requerida para mostrá-lo o caminho, por que à noite deve estar vigilante à Sua espera, quando retornar do banquete nupcial. Aqui, "lâmpada" significa a lei de Deus que aponta o caminho correto. Diz Davi: Vossa palavra é um facho que ilumina meus passos, uma luz em meu caminho (Sl 119, 105).
A "lei é uma luz" diz Salomão no Livro dos Provérbios. Mas a lâmpada não pode iluminar ou apontar o caminho se estiver dentro da casa, ela deve ser erguida pelas nossas mãos. Muitos existem que conhecem as leis divinas e humanas, mas cometem muitos pecados, ou se omitem de bons e necessários trabalhos, por que não possuam uma lâmpada erguida em suas mãos, por que seu conhecimento não se estende às atividades diárias. Quantos homens existem que ouviram a palavra e cometem sérios pecados, por que quando agem não consultam a lei do Senhor, mas suas vontades, desejos e paixões. Se o Rei Davi, quando viu Bersabéia nua, tivesse lembrado da lei "não desejai a mulher do próximo", ele nunca teria cometido tão grave crime; mas como estava deliciado com a beleza da mulher, esqueceu a lei divina. Este homem, tão justo e abençoado, cometeu adultério. Donde, nós devemos ter a lâmpada da lei, não escondida no nosso quarto, mas em nossas mãos, e obedecer estas palavras do Espírito Santo, que nos diz para meditarmos sobre os mandamentos dia e noite. Aquele que mantém em frente a seus olhos os mandamentos, sempre estará pronto para encontrar o Senhor, não importa o momento de sua chegada.
O terceiro é último dever do servo é "vigiar" estando incerto sobre quando chegará o Senhor: Bem-aventurados os servos a quem o senhor achar vigiando, quando vier! (Lc 12, 37) Nosso Senhor não quer que saibamos o momento de nossa morte, para que possamos pecar à vontade, e empreendermos nossa conversão pouco antes da morte. A Divina providência dispos as coisas de tal modo que nada é mais incerto que a hora da morte: alguns morrem no ventre da mãe, alguns tão logo nascem, outros já muito velhos, alguns na flor da juventude; alguns sofrem por um bom tempo, ou morrem subitamente, ou se recuepram de doenças gravese quase incuráveis; e quando parecem estar sãos e curados, a doença ataca novamente. Esta incerteza Jesus alude nos Evangelhos: Se vier na segunda ou se vier na terceira vigília e os achar vigilantes, felizes daqueles servos! Sabei, porém, isto: se o senhor soubesse a que hora viria o ladrão, vigiaria sem dúvida e não deixaria forçar a sua casa. Estai, pois, preparados, porque, à hora em que não pensais, virá o Filho do Homem (Lc 12, 38-40). Para nos convencer da incerteza do momento de nossa morte ou de quando virá nos julgar, nada é mais frequente nas Escrituras que a palavra "vigiar" e também a comparação com o ladrão.
Destas considerações resta evidente como grande pode ser a negligência e ignorência, para não dizer cegueira e loucura da parte da humanidade, que, mesmo estando advertida pelo Espírito da Verdade, que não pode mentir, que deve estar preparada a morte, esta grande e difícil questão, da qual depende eterna felicidade ou miséria, ainda poucos deixam-se elevar pelas palavras ou poder do Espírito Santo.
-- Do Livro A Arte de Morrer Bem, de São Roberto Belarmino, bispo (século XVIII)
-- Nota: sempre que possível procuro utilizar textos traduzidos por profissionais e publicados com autorização de nossas autoridades eclesiais. Este, no entanto, foi traduzido por mim, a partir do livro em Inglês, por não tê-lo encontrado traduzido para o Português.