23 de ago. de 2016

O Amor Fecundo

O amor sempre dá vida. Por isso, o amor conjugal não se esgota no interior do próprio casal. Os cônjuges, enquanto se doam entre si, doam para além de si mesmos a realidade do filho, reflexo vivo do seu amor, sinal permanente da unidade conjugal e síntese viva e indissociável do ser pai e mãe.
Acolher uma nova vida

A família é o âmbito não só da geração, mas também do acolhimento da vida que chega como um presente de Deus. Cada nova vida permite-nos descobrir a dimensão mais gratuita do amor, que nunca cessa de nos surpreender. É a beleza de ser amado primeiro: os filhos são amados antes de chegar. Isto mostra-nos o primado do amor de Deus que sempre toma a iniciativa, porque os filhos são amados antes de ter feito algo para o merecer. Com efeito, quando se trata de crianças que vêm ao mundo, nenhum sacrifício dos adultos será julgado demasiado oneroso ou grande, contanto que se evite que uma criança chegue a pensar que é um erro, que não vale nada e que está abandonada aos infortúnios da vida e à prepotência dos homens. O dom dum novo filho, que o Senhor confia ao pai e à mãe, tem início com o seu acolhimento, continua com a sua guarda ao longo da vida terrena e tem como destino final a alegria da vida eterna.
As famílias numerosas são uma alegria para a Igreja. Nelas, o amor manifesta a sua fecundidade generosa. Isto não implica esquecer uma sã advertência de São João Paulo II, quando explicava que a paternidade responsável não é procriação ilimitada ou falta de consciência acerca daquilo que é necessário para o crescimento dos filhos, mas é, antes, a faculdade que os cônjuges têm de usar a sua liberdade inviolável de modo sábio e responsável, tendo em consideração tanto as realidades sociais e demográficas, como a sua própria situação e os seus legítimos desejos.
O amor na expectativa própria da gravidez
A gravidez é um período difícil, mas também um tempo maravilhoso. A mãe colabora com Deus, para que se verifique o milagre duma nova vida. Cada mulher participa do mistério da criação, que se renova na geração humana. Assim diz o Salmo: Senhor, formaste-me no seio de minha mãe (Sl 139/138, 13). Cada criança, que se forma dentro de sua mãe é um projeto eterno de Deus Pai e do seu amor eterno: Antes de te haver formado no ventre materno, Eu já te conhecia; antes que saísses do seio de tua mãe, Eu te consagrei (Jr 1, 5). Cada criança está no coração de Deus desde sempre e, no momento em que é concebida, realiza-se o sonho eterno do Criador. Pensemos quanto vale o embrião, desde que é concebido! É preciso contemplá-lo com este olhar amoroso do Pai, que vê para além de toda a aparência.
Hoje, com os progressos feitos pela ciência, é possível saber de antemão a cor que terá o cabelo da criança e as doenças que poderá ter no futuro, porque todas as caraterísticas daquela pessoa estão inscritas no seu código genético já no estado embrionário. Mas, conhecê-lo em plenitude, só consegue o Pai do Céu que o criou: o mais precioso, o mais importante só Ele conhece, pois é Ele que sabe quem é aquela criança, qual é a sua identidade mais profunda. A mãe, que o traz no ventre, precisa pedir luz a Deus para poder conhecer em profundidade o seu próprio filho e saber esperá-lo como ele é. A criança não é um complemento ou uma solução para uma aspiração pessoal, mas um ser humano, com um valor imenso, e não pode ser usado para benefício próprio. Por conseguinte, não é importante se esta nova vida te será útil ou não, se possui caraterísticas que te agradam ou não, se corresponde ou não aos teus projetos e sonhos. Porque os filhos são uma dádiva! Cada um é único e irrepetível. Um filho é amado porque é filho: não, porque é bonito ou porque é deste modo ou daquele, mas porque é filho! Não, porque pensa como eu, nem porque encarna as minhas aspirações. Um filho é um filho. 
A cada mulher grávida, quero pedir-lhe: Cuida da tua alegria, que nada te tire a alegria interior da maternidade. Não permitas que os medos, as preocupações, os comentários alheios ou os problemas apaguem esta felicidade de ser instrumento de Deus para trazer uma nova vida ao mundo. Ocupa-te daquilo que é preciso fazer ou preparar, mas sem obsessões, e louva como Maria: A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva (Lc 1, 46-48).
Amor de mãe e de pai
Recém-nascidas, as crianças começam a receber em dom, juntamente com o alimento e os cuidados, a confirmação das qualidades espirituais do amor. Assim, aprendem que a beleza do vínculo entre os seres humanos mostra a nossa alma, procura a nossa liberdade, aceita a diversidade do outro, reconhece-o e respeita-o como interlocutor. E isto é amor, que contém uma centelha do amor de Deus. Toda a criança tem direito a receber o amor de uma mãe e de um pai, ambos necessários para o seu amadurecimento íntegro e harmonioso. Não se trata apenas do amor do pai e da mãe separadamente, mas também do amor entre eles, captado como fonte da própria existência, como ninho acolhedor e como fundamento da família.
O sentimento de ser órfãos, que hoje experimentam muitas crianças e jovens, é mais profundo do que pensamos. Hoje reconhecemos como plenamente legítimo, e até desejável, que as mulheres queiram estudar, trabalhar, desenvolver as suas capacidades e ter objetivos pessoais. Mas, ao mesmo tempo, não podemos ignorar a necessidade que as crianças têm da presença materna, especialmente nos primeiros meses de vida. O enfraquecimento da presença materna, com as suas qualidades femininas, é um risco grave para a nossa terra. Aprecio o feminismo quando não pretende a uniformidade nem a negação da maternidade. As suas capacidades especificamente femininas – em particular a maternidade – conferem-lhe também deveres, já que o seu ser mulher implica também uma missão peculiar nesta terra, que a sociedade deve proteger e preservar para bem de todos.
A mãe, que ampara o filho com a sua ternura e compaixão, ajuda a despertar nele a confiança, a experimentar que o mundo é um lugar bom que o acolhe, e isto permite desenvolver uma auto-estima que favorece a capacidade de intimidade e a empatia. Por sua vez, a figura do pai ajuda a perceber os limites da realidade, caraterizando-se mais pela orientação, pela saída para o mundo mais amplo e rico de desafios, pelo convite a esforçar-se e lutar. Um pai com uma clara e feliz identidade masculina, que por sua vez combine no seu trato com a esposa o carinho e o acolhimento, é tão necessário como os cuidados maternos. Há funções e tarefas flexíveis, que se adaptam às circunstâncias concretas de cada família, mas a presença clara e bem definida das duas figuras, masculina e feminina, cria o âmbito mais adequado para o amadurecimento da criança.
Deus coloca o pai na família, para que, com as caraterísticas preciosas da sua masculinidade, esteja próximo da esposa, para compartilhar tudo, alegrias e dores, dificuldades e esperanças. E esteja próximo dos filhos no seu crescimento: quando brincam e quando se aplicam, quando estão descontraídos e quando se sentem angustiados, quando se exprimem e quando permanecem calados, quando ousam e quando têm medo, quando dão um passo errado e quando voltam a encontrar o caminho; pai presente, sempre. Estar presente não significa ser controlador, porque os pais demasiado controladores aniquilam os filhos.
Ser filho
Jesus lembrava aos fariseus que o abandono dos pais é contrário à Lei de Deus (Mc 7, 8-13). Por isso, o quarto mandamento pede aos filhos que honrem o pai e a mãe (Ex 20, 12). Este mandamento vem logo após aqueles que dizem respeito ao próprio Deus. Com efeito, contém algo de sagrado, algo de divino, algo que está na raiz de todos os outros tipos de respeito entre os homens. E, na formulação bíblica do quarto mandamento, acrescenta-se: “para que se prolonguem os teus dias sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dá”.
Mas há também a outra face da moeda: O homem deixará o pai e a mãe (Gn 2, 24), diz a Palavra de Deus. Às vezes, isto não é cumprido, nunca se chegando a assumir o matrimônio, porque falta esta renúncia e esta dedicação. Os pais não devem ser abandonados nem transcurados, mas, para unir-se em matrimônio, é preciso deixá-los, de modo que o novo lar seja a morada, a proteção, a plataforma e o projeto, e seja possível tornar-se verdadeiramente uma só carne (Gn 2, 24).
Ser irmão
A relação entre os irmãos aprofunda-se com o passar do tempo, e o laço de fraternidade que se forma na família entre os filhos, quando se verifica num clima de educação para a abertura aos outros, é uma grande escola de liberdade e de paz. Em família, entre irmãos, aprendemos a convivência humana, talvez nem sempre estejamos conscientes disto, mas é precisamente a família que introduz a fraternidade no mundo. A partir desta primeira experiência de fraternidade, alimentada pelos afetos e pela educação familiar, o estilo da fraternidade irradia-se como uma promessa sobre a sociedade inteira.
Crescer entre irmãos proporciona a bela experiência de cuidar uns dos outros, de ajudar e ser ajudado. Faz falta reconhecer que ter um irmão, uma irmã que te ama é uma experiência forte, inestimável, insubstituível, mas é preciso ensinar, com paciência, os filhos a tratar-se como irmãos. Nalguns países, existe uma forte tendência para ter apenas um filho, pelo que a experiência de ser irmão começa a ser rara. Nos casos em que não se pôde ter mais de um filho, é preciso encontrar formas de a criança não crescer sozinha ou isolada.
Os idosos
Não me rejeites no tempo da velhice; não me abandones, quando já não tiver forças (Sl 71/70, 9). Assim como Deus nos convida a ser seus instrumentos para escutar a súplica dos pobres, assim também espera que ouçamos os idosos. A Igreja não pode conformar-se com uma mentalidade de impaciência, e muito menos de indiferença e desprezo, em relação à velhice. Devemos despertar o sentido coletivo de gratidão, apreço, hospitalidade, que faça o idoso sentir-se parte viva da sua comunidade. Os idosos são homens e mulheres, pais e mães que, antes de nós, percorreram o nosso próprio caminho, estiveram na nossa mesma casa, combateram a nossa mesma batalha diária por uma vida digna.
São João Paulo II convidou-nos a prestar atenção ao lugar do idoso na família, porque há culturas que, especialmente depois dum desenvolvimento industrial e urbanístico desordenado, forçaram, e continuam a forçar, os idosos a situações inaceitáveis de marginalizaçã. Os idosos ajudam a perceber a continuidade das gerações, com o carisma de lançar uma ponte entre elas. Muitas vezes são os avós que asseguram a transmissão dos grandes valores aos seus netos, e muitas pessoas podem constatar que devem a sua iniciação na vida cristã precisamente aos avós». As suas palavras, as suas carícias ou a simples presença ajudam as crianças a reconhecer que a história não começa com elas, que são herdeiras dum longo caminho e que é necessário respeitar o fundamento que as precede. Quem quebra os laços com a história terá dificuldade em tecer relações estáveis e reconhecer que não é o dono da realidade.
A falta de memória histórica é um defeito grave da nossa sociedade. É a mentalidade imatura do “já está ultrapassado”. Conhecer e ser capaz de tomar posição perante os acontecimentos passados é a única possibilidade de construir um futuro que tenha sentido. Não se pode educar sem memória: Recordai os dias passados (Heb 10, 32). As histórias dos idosos fazem muito bem às crianças e aos jovens, porque os ligam à história vivida tanto pela família como pela vizinhança e o país. Uma família que não respeita nem cuida dos seus avós, que são a sua memória viva, é uma família desintegrada; mas uma família que recorda é uma família com futuro. Por isso, numa civilização em que não há espaço para os idosos ou onde eles são descartados porque criam problemas, tal sociedade traz em si o vírus da morte, porque se separa das próprias raízes.
Fecundidade alargada
Àqueles que não podem ter filhos, lembramos que o matrimônio não foi instituído só em ordem à procriação. E por isso, mesmo que faltem os filhos, tantas vezes ardentemente desejados, o matrimônio conserva o seu valor e indissolubilidade, como comunidade e comunhão de toda a vida.
A adoção é um caminho para realizar a maternidade e a paternidade de uma forma muito generosa, e desejo encorajar aqueles que não podem ter filhos a alargar e abrir o seu amor conjugal para receber quem está privado de um ambiente familiar adequado. Nunca se arrependerão de ter sido generosos. Adotar é o ato de amor que oferece uma família a quem não a tem. Aqueles que assumem o desafio de adotar e acolhem uma pessoa de maneira incondicional e gratuita, tornam-se mediação do amor de Deus que diz: Ainda que a tua mãe chegasse a esquecer-te, Eu nunca te esqueceria (Is 49, 15).
Convém lembrar-nos também de que a procriação e a adoção não são as únicas maneiras de viver a fecundidade do amor. As famílias cristãs não esqueçam que a fé não nos tira do mundo, mas insere-nos mais profundamente nele. A cada um de nós cabe um papel especial na preparação da vinda do Reino de Deus. A família não deve imaginar-se como um recinto fechado, procurando proteger-se da sociedade. 
Nenhuma família pode ser fecunda, se se concebe como demasiado diferente ou separada. Para evitar este risco, lembremo-nos que a família de Jesus, cheia de graça e sabedoria, não era vista como uma família estranha, distante da gente. Por isso as pessoas sentiram dificuldade em reconhecer a sabedoria de Jesus e diziam: De onde é que isto lhe vem? Não é Ele o carpinteiro, o filho de Maria? (Mc 6, 2.3). Não é Ele o filho do carpinteiro? (Mt 13, 55). Isto confirma que era uma família simples, próxima de todos, integrada normalmente na povoação. E Jesus também não cresceu numa relação fechada e exclusiva com Maria e José, mas de bom grado movia-se na família alargada, onde encontrava os parentes e os amigos. Isto explica por que, quando regressavam de Jerusalém, os seus pais admitissem a possibilidade de o Menino de doze anos vagar pela caravana um dia inteiro, ouvindo as histórias e partilhando as preocupações de todos: Pensando que Ele Se encontrava na caravana, fizeram um dia de viagem (Lc 2, 44).
A vida na família em sentido amplo
O núcleo familiar restrito não deveria isolar-se da família alargada, onde estão os pais, os tios, os primos e até os vizinhos. Nesta família ampla, pode haver pessoas necessitadas de ajuda, ou pelo menos de companhia e gestos de carinho, ou pode haver grandes sofrimentos que precisam de conforto. Às vezes o individualismo destes tempos leva a fechar-se na segurança dum pequeno ninho e a sentir os outros como um incómodo. Todavia este isolamento não proporciona mais paz e felicidade, antes fecha o coração da família e priva-a do horizonte amplo da existência.
Esta família alargada deveria acolher, com tanto amor, as mães solteiras, as crianças sem pais, as mulheres abandonadas que devem continuar a educação dos seus filhos, as pessoas deficientes que requerem muito carinho e proximidade, os jovens que lutam contra uma dependência, as pessoas solteiras, separadas ou viúvas que sofrem a solidão, os idosos e os doentes que não recebem o apoio dos seus filhos, até incluir no seio dela mesmo os mais desastrados nos comportamentos da sua vida.

Por fim, não se pode esquecer que, nesta família alargada, estão também o sogro, a sogra e todos os parentes do cônjuge. Uma delicadeza própria do amor é evitar vê-los como concorrentes, como pessoas perigosas, como invasores. A união conjugal exige que se respeite as suas tradições e costumes, se procure compreender a sua linguagem, evitar maledicências, cuidar deles e integrá-los no próprio coração, embora se deva preservar a legítima autonomia e a intimidade do casal. Estas atitudes são também uma excelente maneira de exprimir a generosidade da dedicação amorosa ao próprio cônjuge.
-- resumo de parte do capítulo 5 da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, Papa Francisco

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