O amor assume matizes diferentes, segundo o estado de vida a que cada um foi chamado. A comunhão familiar bem vivida é um verdadeiro caminho de
santificação na vida diária e de crescimento místico, um meio
para a união íntima com Deus. Com efeito, as exigências fraternas
e comunitárias da vida em família são uma ocasião para abrir cada
vez mais o coração, e isto torna possível um encontro sempre mais
pleno com o Senhor. Lê-se, na Palavra de Deus, que quem tem ódio
ao seu irmão está nas trevas (1 Jo 2, 11), permanece na
morte (1 Jo 3, 14) e não chegou a conhecer a Deus (1
Jo 4, 8). O meu antecessor, Bento XVI, disse que “o fechar
os olhos diante do próximo torna cegos também diante de Deus” e
que, fundamentalmente, o amor é a única luz que ilumina
incessantemente um mundo às escuras. Somente se nos amarmos uns
aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor chegou à perfeição
em nós (1 Jo 4, 12). Dado que a pessoa humana tem uma inata
e estrutural dimensão social e a primeira e originária
expressão da dimensão social da pessoa é o casal e a família, a
espiritualidade encarna-se na comunhão familiar. Por isso, aqueles
que têm desejos espirituais profundos não devem sentir que a
família os afasta do crescimento na vida do Espírito, mas é um
percurso de que o Senhor Se serve para os levar às alturas da união
mística.
Unidos em oração à luz da Páscoa
Se a família consegue concentrar-se em Cristo, Ele unifica e ilumina
toda a vida familiar. Os sofrimentos e os problemas são vividos em
comunhão com a Cruz do Senhor e, abraçados a Ele, pode-se suportar
os piores momentos. Nos dias amargos da família, há uma união com
Jesus abandonado, que pode evitar uma ruptura. As famílias alcançam
pouco a pouco, com a graça do Espírito Santo, a sua santidade
através da vida matrimonial, participando também no mistério da
cruz de Cristo, que transforma as dificuldades e os sofrimentos em
oferta de amo. Por outro lado, os momentos de alegria, o
descanso ou a festa, e mesmo a sexualidade são sentidos como uma
participação na vida plena da sua Ressurreição.
A oração em família é um meio privilegiado para exprimir e
reforçar esta fé pascal. Podem-se encontrar alguns minutos
cada dia para estar unidos na presença do Senhor vivo, dizer-Lhe as
coisas que nos preocupam, rezar pelas necessidades familiares, orar
por alguém que está a atravessar um momento difícil, pedir-Lhe
ajuda para amar, dar-Lhe graças pela vida e as coisas boas, suplicar
à Virgem que os proteja com o seu manto de Mãe. Com palavras
simples, este momento de oração pode fazer muito bem à família. O
caminho comunitário de oração atinge o seu ponto culminante ao
participarem juntos na Eucaristia, sobretudo no dia do descanso
dominical. Jesus bate à porta da família, para partilhar com ela a
Ceia Eucarística (Ap 3, 20). Aqui, os esposos podem voltar
incessantemente a selar a aliança pascal que os uniu e reflete a
Aliança que Deus selou com a humanidade na Cruz. A Eucaristia é o
sacramento da Nova Aliança, em que se atualiza a ação redentora de
Cristo (cf. Lc 22, 20). O alimento da Eucaristia é força
e estímulo para viver cada dia a aliança matrimonial como igreja
doméstica.
Espiritualidade do amor exclusivo e libertador
No matrimônio vive-se também o sentido de pertencer completamente a
uma única pessoa. Os esposos assumem o desafio e o anseio de
envelhecer e gastar-se juntos, e assim refletem a fidelidade de Deus.
Esta firme decisão, que marca um estilo de vida, é uma exigência
interior do pacto de amor conjugal, porque, quem não se decide
a amar para sempre, é difícil que possa amar deveras um só
dia. Mas isto não teria significado espiritual, se fosse apenas
uma lei vivida com resignação. É uma pertença do coração, lá
onde só Deus vê (cf. Mt 5, 28). Cada manhã, quando se
levanta, o cônjuge renova diante de Deus esta decisão de
fidelidade, suceda o que suceder ao longo do dia. E cada um, quando
vai dormir, espera levantar-se para continuar esta aventura,
confiando na ajuda do Senhor. Assim, cada cônjuge é para o outro
sinal e instrumento da proximidade do Senhor, que não nos deixa
sozinhos: Eu estarei sempre convosco, até ao fim dos tempos (Mt 28,
20).
Há um ponto em que o amor do casal alcança a máxima libertação e
se torna um espaço de sã autonomia: quando cada um descobre que o
outro não é seu, mas tem um proprietário muito mais importante, o
seu único Senhor. Ninguém pode pretender possuir a intimidade mais
pessoal e secreta da pessoa amada, e só Ele pode ocupar o centro da
sua vida. Ao mesmo tempo, o princípio do realismo espiritual faz com
que o cônjuge não pretenda que o outro satisfaça completamente as
suas exigências. É preciso que o caminho espiritual de cada um o
ajude a desiludir-se do outro, a deixar de esperar dessa pessoa
aquilo que é próprio apenas do amor de Deus. Isto exige um
despojamento interior. O espaço exclusivo, que cada um dos cônjuges
reserva para a sua relação pessoal com Deus, não só permite curar
as feridas da convivência, mas possibilita também encontrar no amor
de Deus o sentido da própria existência. Temos necessidade de
invocar cada dia a ação do Espírito, para que esta liberdade
interior seja possível.
Espiritualidade da solicitude, da consolação e do estímulo
Os esposos cristãos são cooperadores da graça e testemunhas da fé
um para com o outro, para com os filhos e demais familiares. Deus
convida-os a gerar e a cuidar. Por isso mesmo, a família foi desde
sempre o “hospital” mais próximo. Prestemo-nos
cuidados, apoiemo-nos e estimulemo-nos mutuamente, e vivamos tudo
isto como parte da nossa espiritualidade familiar. A vida em casal é
uma participação na obra fecunda de Deus, e cada um é para o outro
uma permanente provocação do Espírito. Por isso, querer formar uma
família é ter a coragem de fazer parte do sonho de Deus, a coragem
de sonhar com Ele, a coragem de construir com Ele, a coragem de
unir-se a Ele nesta história de construir um mundo onde ninguém se
sinta só.
Toda a vida da família é um pastoreio misericordioso. Cada um,
cuidadosamente, desenha e escreve na vida do outro: A nossa carta
sois vós, uma carta escrita nos nossos corações (...) não com
tinta, mas com o Espírito do Deus vivo (2 Cor 3, 2-3). Cada
um é um pescador de homens (Lc 5, 10) que, em nome de
Jesus, lança as redes (Lc 5, 5) para os outros, ou um lavrador
que trabalha nesta terra fresca que são os seus entes queridos,
incentivando o melhor deles. Amar uma pessoa é esperar dela algo
indefinível e imprevisível; e é, ao mesmo tempo, proporcionar-lhe
de alguma forma os meios para satisfazer tal expectativa. Isto é
um culto a Deus, pois foi Ele que semeou muitas coisas boas nos
outros, com a esperança de que as façamos crescer.
É uma experiência espiritual profunda contemplar cada ente querido
com os olhos de Deus e reconhecer Cristo nele. Isto exige uma
disponibilidade gratuita que permita apreciar a sua dignidade. É
possível estar plenamente presente diante do outro, se uma pessoa se
entrega gratuitamente, esquecendo tudo o que existe em redor. Jesus
era um modelo, porque, quando alguém se aproximava para falar com
Ele, fixava nele o seu olhar, olhava com amor (Mc10, 21). Ninguém se
sentia transcurado na sua presença, pois as suas palavras e gestos
eram expressão desta pergunta: Que queres que te faça?
(Mc 10, 51). Na vida familiar recordamos que a pessoa que vive
conosco merece tudo, pois tem uma dignidade infinita por ser objeto
do amor imenso do Pai.
Sob o impulso do Espírito, o núcleo familiar não só acolhe a vida
gerando-a no próprio seio, mas abre-se também, sai de si para
derramar o seu bem nos outros, para cuidar deles e procurar a sua
felicidade. Esta abertura exprime-se particularmente na
hospitalidade, que a Palavra de Deus encoraja de forma sugestiva: Não
vos esqueçais da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns, sem o
saberem, hospedaram anjo (Heb 13, 2). Quando a família
acolhe e sai ao encontro dos outros, especialmente dos pobres e
abandonados, é símbolo, testemunho, participação da maternidade
da Igreja.
Conclusão
Com efeito, como recordamos várias vezes nesta Exortação, nenhuma
família é uma realidade perfeita e confeccionada duma vez para
sempre, mas requer um progressivo amadurecimento da sua capacidade de
amar. Há um apelo constante que provém da comunhão plena da
Trindade, da união estupenda entre Cristo e a sua Igreja, daquela
comunidade tão bela que é a família de Nazaré e da fraternidade
sem mácula que existe entre os Santos do céu. Avancemos, famílias;
continuemos a caminhar! Aquilo que se nos promete é sempre mais. Não
percamos a esperança por causa dos nossos limites, mas também não
renunciemos a procurar a plenitude de amor e comunhão que nos foi
prometida.
Oração à Sagrada Família
Jesus, Maria e José,
em Vós contemplamos
o esplendor do verdadeiro amor,
confiantes, a Vós nos consagramos.
em Vós contemplamos
o esplendor do verdadeiro amor,
confiantes, a Vós nos consagramos.
Sagrada Família de Nazaré,
tornai também as nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração,
autênticas escolas do Evangelho
e pequenas igrejas domésticas.
tornai também as nossas famílias
lugares de comunhão e cenáculos de oração,
autênticas escolas do Evangelho
e pequenas igrejas domésticas.
Sagrada Família de Nazaré,
que nunca mais haja nas famílias
episódios de violência, de fechamento e divisão;
e quem tiver sido ferido ou escandalizado
seja rapidamente consolado e curado.
que nunca mais haja nas famílias
episódios de violência, de fechamento e divisão;
e quem tiver sido ferido ou escandalizado
seja rapidamente consolado e curado.
Sagrada Família de Nazaré,
fazei que todos nos tornemos conscientes
do carácter sagrado e inviolável da família,
da sua beleza no projecto de Deus.
fazei que todos nos tornemos conscientes
do carácter sagrado e inviolável da família,
da sua beleza no projecto de Deus.
Jesus, Maria e José,
ouvi-nos e acolhei a nossa súplica.
Amem.
ouvi-nos e acolhei a nossa súplica.
Amem.
-- resumo do capítulo 9 da Exortação Apostólica Amoris Laetitia, Papa Francisco
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